segunda-feira, 22 de julho de 2013

POR FOGO EM TUDO, O SONHO DO SAPO GONZALO.

13.07.19_Luiz Bernardo Pericás_O sapo Gonzalo em_Por fogo em tudo2
Multidões cercavam o Congresso Nacional, que ardia em chamas. Agora a polícia já não era mais suficiente para conter a turba, que se aglomerava em torno do Parlamento. Tropas suplementares não chegariam a tempo. “Sem violência!”, gritavam alguns poucos. “COM VIOLÊNCIA!!!”, vociferava a maioria dos manifestantes. A Justiça feita com sangue. A massa crescia, o ódio transbordando dos poros de cada cidadão presente ali. Guilhotinas seriam usadas desta vez. E os facínoras, finalmente decapitados.
Na paisagem escarlate, corpos inertes de políticos, pendurados em postes, balançando como pêndulos, presos por cordas, apertadas nos pescoços retorcidos. Deputados de faces pálidas e olhos esbugalhados, as línguas para fora; mãos crispadas e braços rígidos… Agora estavam na companhia de Belzebu, seu amigo de todas as horas: figurantes de uma dança macabra.
Nas imediações, a fumaça negra saía das janelas dos ministérios enegrecidos pela fuligem. Funcionários carbonizados não tinham mais motivo para gastar seus altos salários com sapatos e viagens para Miami: passariam a eternidade rastejando junto aos vermes, seus colegas de repartição. O vidro estilhaçado, espalhado no concreto das calçadas, servia como arma para retalhar a carótida dos parasitas públicos; enquanto no gramado da Esplanada, cresciam rosas blindadas.
A onda humana aumentava como um tsunami; vinha não se sabia de onde. Andavam todos sobre ossos, esqueletos dos tempos remotos, que repousavam nos jardins calcinados, pisoteados pelas botas dos agentes de segurança. Chegavam de todas as partes, jovens e velhos, estudantes e operários. Eram muitos, a tropa de choque nada mais podia fazer; impossível contê-los agora. Bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha. A resposta das hostes populares seria dada com disparos de fuzil. Os tiros, desta vez, viriam do meio da gentarada, que não trazia apenas coquetéis molotov, paus, pedras e armas artesanais, de fabricação caseira e rudimentar. Nos bolsos, granadas; e entre os dedos, pistolas. Bazucas e lançadores de mísseis.
A mídia chamava esses enragés de “baderneiros”. Ao longo da história, os donos do poder assim denominaram os homens e mulheres que tomaram a Bastilha; os camaradas que invadiram o Palácio de Inverno em Petrogado; os rebeldes que atacaram o Quartel Moncada. Eram os “baderneiros” de seu tempo, os “vândalos”, os “terroristas”. Jacobinos, sans-culottes, bolcheviques… mudaram a história com sangue. “Pôr fogo em tudo…” Drummond, o incendiário. Talvez ele estivesse certo.
Do chão, brotavam os cadáveres da ditadura militar, que se uniam ao povo que protestava. Os guerrilheiros voltavam para lutar. Essa não era a bela “democracia” que haviam sonhado e pela qual haviam dado a vida… Eleições pagas por grandes corporações, empreiteiras, marqueteiros, candidatos “exóticos”, desvio de verbas, negociatas, lobistas, narcotraficantes, latifundiários, ruralistas, a canalha controlando o país; e junto deles, empresas de telecomunicações escolhendo quem deve ser eleito, pautando comícios, direcionando manifestações, dizendo para a população cotidianamente como agir e o que fazer durante os protestos de rua. As redes de televisão manipulando imagens, controlando as mentes… Os torturados e executados pelos generais agora emergiam incólumes do solo seco do Planalto Central. Ajudariam a defenestrar as autoridades decrépitas que os haviam traído: seu sacríficio não seria em vão.
Em seguida, chegaram os fantasmas do passado remoto, os guerreiros de Zumbi, os cabanos, os revoltosos da Coluna Prestes e os revolucionários de trinta e cinco. Espectros que voltavam para se vingar; também queriam participar; acompanhavam a gentama enfurecida.
Do céu, vinha a chuva de meteoritos flamejantes, pingando lava no meio da capital. O firmamento negro agora cintilava com milhares de gotas de fogo, que derretiam os capacetes dos soldados e o perfuravam o teto do palácio presidencial. O horizonte, rubro. O estádio Mané Garrincha permanecia silencioso. Ninguém mais se importava com a Copa do Mundo. No Museu da República, os ratos obesos faziam um banquete; em breve, tudo seria tomado pelas labaredas. Já o Supremo Tribunal Federal era consumido pelas chispas do inferno. Dentro dele, incinerados, os bandidos togados que lá “trabalhavam”. E a guilhotina, silenciosa, aguardando os deputados e senadores. Tudo era um transe completo, as pessoas hipnotizadas, sendo impelidas pela força propulsora da história. Ninguém poderia detê-los. Seguiam, seguiam…
E então invadiram o Congresso. Arrancaram as “autoridades”, uma a uma, puxadas para fora das dependências oficiais pelos cabelos ou pelas orelhas. A lâmina de aço, afiada, zunia; as cabeças rolaram! Crianças ensandecidas jogavam futebol na Praça dos Três Poderes com as cabeças descarnadas de Sarney, Renan, Alves e Feliciano. Chutavam narizes e bigodes, os crânios rachados, de pele enrugada e flácida, girando de um lado ao outro. “Gol!”, bradavam em êxtase os moleques descalços e famintos. Cabeças rolando! A comemoração era ouvida a quilômetros de distância, o povo em júbilo, se livrando da corja política com as próprias mãos.
Até que, subitamente… PLOP! Gonzalo acordou, o travesseiro empapado de suor! Mas não era possível! Afinal de contas, tudo não passara de um sonho. Não escondeu a decepção. Deu um gole na bagaceira ardida, direto da garrafa, para manter a calma. E, ansioso, fumou sete cigarros de palha simultaneamente, achando que assim seus nervos logo voltariam ao lugar.
Se o sapo esverdeado de início sentiu uma ponta de desânimo ao saber que aquilo tudo não ocorrera de verdade, esse sentimento passou rápido. Mesmo dolorido, o reumatismo e a gastrite o incomodando mais do que nunca, sabia o que tinha de fazer naquele momento. Levantou-se na mesma hora da cama de molas enferrujadas e foi, cheio de entusiasmo, para a avenida. Com uma bandeira vermelha na mão! 

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