quarta-feira, 29 de novembro de 2017

ABORTO


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Se há tema espinhoso, envolto em animosidades na argumentação, tanto dos prós quanto do contra e, definitivamente, insolúvel do ponto de vista ético, é o aborto. É um típico tema que não pode ser tratado com um lacônico “a favor ou contra”. E mesmo depois da via longa da argumentação, sempre paira uma sensação de que nenhum dos lados ouviu bem as razões do outro ou, no mínimo, não se satisfaz com as razões arrolados pelo outro.

Enquanto os argumentos de ordem éticas e de crenças disputam na arena da razão ou da fé, as mulheres, com ou sem o consentimento do homem que a engravidou, que deveria ser conduzido coercitivamente na mesa da conversa, pois geralmente se esquiva, continuam e continuarão a praticar aborto. No Brasil, em que o aborto é proibido, salvo em três situação, má formação do feto por anencefalia, perigo de morte da gestante e estupro, os dados extraoficiais dão conta que mais de 1 milhão de abortos clandestinos acontecem a cada ano. E mais de 1.200 mulheres morrem, anualmente, devido a complicações resultantes de abortos clandestinos. A criminalização, apesar de nenhuma mulher e nenhum homem que a engravidou, e praticou aborto, estejam presos, como prevê o código penal brasileira, não tem sido uma boa solução. Há algo de errado quando a lei não é praticada e aplicada. Pode ser que a lei, nesse caso, esteja equivocada.

O fato da prática do aborto clandestino não recuar e do constante perigo da morte da gestante, devido as precárias condições técnicas a que se submetem para praticar o aborto, tem colocado uma interrogação de dupla ordem na agenda do debate em torno do aborto. Uma é a ordem da legalidade e outra é a ordem da eticidade.

Na ordem da legalidade discute-se o porquê não descriminalizar a prática para evitar, pelo menos, a violência contra a mulher, sobretudo das pobres, já que as ricas praticam aborto em clínicas especializadas com todas as condições que a medicina pode oferecer? E mais. Argumenta-se que se o aborto fosse legal, o número de abortos cairia devido a educação e a campanhas permanente de planejamento familiar e educação sexual. São posições respeitáveis...

Mas, o nó górdio do debate está na ordem ética. E nesse âmbito três parecem ser as posições principais.

A primeira e mais forte das posições é a conservadora. O argumento conservador é muito simples. Ele nega absolutamente o aborto e ponto. E, segundo a recente investida de representante dessa posição no congresso, até mesmo em caso de estupro, perigo de morte da gestante e má formação fetal. Os conservadores são dogmáticos e não aceitam exceções. Essa rigidez moralista tem algo de irracional, farisaico e movida por interesses inconscientes insustentável à luz da razão e da fé adulta. Uma posição dogmática e principialista, sem contexto, não consegue lidar com o real e paradoxal que exige decidir entre interesses conflitantes de vida, como é o caso do estupro, ou perigo de morte da gestante. Não é razoável ficar com o princípio e rir da realidade das mulheres envolvidas no drama.

A segunda posição de ordem ética é a feminista. Aqui também a posição é simples. As feministas, pelo menos uma parte delas, defendem que a mulher tem direito sobre o próprio corpo e, portanto, ela é quem deve estabelecer as regras, isto é, ela é que deve decidir se deseja levar uma gravidez até o fim ou não. O calcanhar de Aquiles dessa posição teórica é que parece ser insustentável a ideia de que o “egoísmo ético” seja uma posição suficiente para lidar com o complexo mundo da vida. Sim, o “egoísmo ético” é o que fundamenta a posição das feministas, nesse caso. Será mesmo que o meu corpo me pertence? Sim e não. Eu posso simplesmente decidir vender um rim? Não estou dizendo doar para quem precisa. Estou dizendo vender. Eu posso vender um rim? Não posso. Mas se o corpo me pertence, então deveria poder, não? No caso do feto há um complicador, pois ele não é propriamente uma parte do corpo...

A terceira posição é a utilitarista. O utilitarismo ético diz que o bom é o que causa bem-estar, prazer, felicidade e o mal é o que causa dor, sofrimento e mal-estar. Ora, no caso do aborto é preciso ponderar, dizem os utilitaristas, para qual lado da balança está o peso maior e menor do bem. Não há valores absolutos e o que importa são os resultados. Se o resultado e a consequência for bom para o interesse da mulher e não for mau para o interessa do feto, então, legitimado está o aborto. Nesse caso não pode haver sofrimento e mal-estar para o feto, e por isso a prática do aborto dever ser feita até a décima segunda semana, período em que não há ainda formação cerebral no feto, e portanto, sem senciência. O calcanhar de Aquiles dessa posição ética é de que enfraquece o conceito de direito à vida, banalizando o mal, mesmo que sob o argumento sedutor e razoável do “mal menor”.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

ESPERANÇA ABRAÂMICA

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Diz o livro do Gênesis que Abraão – patriarca do judaísmo, cristianismo e islamismo – “esperou contra toda esperança”. A atitude retrata o que vivemos hoje no Brasil. Onde colocar a nossa esperança?

Trocou-se um governo ruim por outro muito pior. As políticas sociais estão sendo esgarçadas. A reforma tra
balhista anulou direitos conquistados nos últimos 80 anos e sucateou a força de trabalho do brasileiro. O país está à venda para o capital estrangeiro. Em pleno século XXI ainda debatemos o fim da escravidão!

Os três poderes da República estão desgastados. O Executivo é chefiado por uma quadrilha. No Legislativo predominam corruptos e oportunistas. O Judiciário carece de credibilidade, atrela-se ao partidarismo, abre mão de suas prerrogativas, como punir parlamentares, e se enreda em suas divergências internas.

Ah, teremos eleições ano que vem! Ora, engana-se quem deposita as suas esperanças em um avatar. Ou em um Iluminado que, do alto de seu cavalo branco, haverá de brandir a sua espada da moralidade, da ordem e do progresso, e recolocar o Brasil nos trilhos.

Há que ser realista: o perfil do Congresso a ser eleito em 2018 não será muito diferente do atual. A bancada do B (banco, bola, bala, boi e Bíblia) é muito poderosa. Embora esteja proibido o financiamento de campanha política por empresas, o poder econômico haverá de encontrar meios para financiar os conservadores que, hoje, dominam a política brasileira.

Se alguém lhe perguntar, estimado(a) leitor(a), em quem você votará para deputado federal e senador ano que vem, o que responderia? E para presidente da República?

Talvez você se inclua entre aqueles que já perderam até o último fio de esperança e, portanto, pretende anular o voto ou se abster nas eleições. Direito seu. Porém, é bom lembrar que em política não há neutralidade. Quem não gosta de política é governado por quem gosta. E ao dar as costas à política você passa cheque em branco aos atuais caciques políticos.

Nossa esperança não deve se centrar em nomes, e sim em programas. O que pretendem os candidatos a presidente? Qual o programa de governo? Vão impedir o desmatamento da Amazônia, combater o trabalho escravo e defender as reservas indígenas e quilombolas? Vão aprovar a reforma tributária com imposto progressivo, e punir rigorosamente os sonegadores? Haverão de priorizar os direitos dos pobres ou o privilégio dos ricos?

Coloco a minha esperança no grão de mostarda. Nos movimentos sociais. Nos que lutam por terra, moradia, saneamento e direitos sociais. Nos que combatem o feminicídio, a homofobia, o racismo e o fundamentalismo religioso. Nos que defendem a igualdade de gêneros e a diversidade de crenças religiosas.

Uma nação se muda de baixo para cima. São as raízes que sustentam a árvore. São os alicerces que mantêm a casa de pé. Nosso voto deve cair na urna como semente promissora de um futuro melhor para o Brasil. Futuro de menos desigualdade, mais justiça social, mais saúde e educação de qualidade para todos.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

COMBO OU VENDA CASADA

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Intervalo da tarde. Hora do lanche. Tranco minhas coisas no armário – não há lugar que seja plenamente seguro! – e vou à lanchonete instalada no pátio da Universidade. Instalação nova e reluzente de uma rede internacional de lanches rápidos. “Fast food” é um conceito moderno que dá ares de modernidade à educação. Associação imediata: coma rápido e aprenda rápido.

Olho o cardápio. As opções não são muitas. É um novo conceito: poucas opções, pouco preço. Tem lógica. E tem limites... E tem o combo do dia. Bem mais barato que os outros combos. Sanduíche e coca cola por oito reais. O sanduíche parece ser bom. Um pão “de boa aparência” com 15 centímetros de comprimento recheado com queijo chedar, maionese, presunto, milho e ervilha. Me decido pelo combo do dia. Como não tomo coca cola, solicito ao atendente uma possível substituição do líquido escuro e viscoso por guaraná ou por um suco. A resposta é afirmativa, com a ressalva que o sanduíche então passaria a valer 12 reais. “E o guaraná, quanto custa?” “Quatro reais o copo pequeno e seis o grande...” Total: 16 ou 18 reais. “Como?” pergunto eu com cara de quem não entendeu a matemática ensinada. Sorrindo com o mesmo sorriso da caixa registradora, o atendente me explica: “É o combo!”

Imediatamente me vem à mente o combo da companhia telefônica que fui obrigado a contratar. Eu só queria a banda larga. Vendida isoladamente, eram R$ 199,99 por mês. Com o telefone e TV a cabo, eram os mesmos 199,99. Mas eu não uso telefone fixo e nem assisto TV! “Por que isso?” perguntei eu naquela ocasião ao atendente da companhia telefônica. A resposta foi tão misteriosa quanto a proposta: “É o combo!”

Antes que os outros fregueses começassem a reclamar silenciosamente da minha indecisão, pensei em sair da fila. Mas não queria sair sem antes fazer uma pergunta: “Isso não é venda casada?” “Não”, me responde o atendente com um sorriso tão amarelo quanto o sachê de mostarda sobre o balcão. E me explica didaticamente: “Venda casada é quando você é obrigado a comprar dois produtos juntos. Nós aqui fazemos combo. Você compra se quiser.”

Desisto da fila, caminho uma quadra e vou até um daqueles “xis” tradicionais que só tem no Rio Grande do Sul. Enquanto fico esperando um “xis salada”, nada moderno e que não ajuda a aprender rápido, fico pensando na diferença entre “combo” e “venda casada”. Difícil de entender. Nem o site do PROCON ajuda. Os conceitos são confusos e parece que uma e outra coisa são a mesma coisa. A única diferença é que um é legal e o outro ilegal. Se a empresa anuncia que você tem que comprar os dois produtos conjuntamente, é combo. Se isso não é anunciado, é venda casada.

É mais ou menos como aquela famosa frase do Romero Jucá: “Tem que ter um empeachment.” Junto viria “um grande pacto nacional”, “com o Supremo”, “com o Senado”, “com tudo”, “para deter a sangria”. Os produtos que faziam parte do pacote foram explicitados: “Tem que tirar a Dilma e botar o Michel”. Todo mundo sabia o que se compraria com o golpe. Era um combo completo que foi adquirido pela maioria da Câmara, pelo Senado, pelo Supremo Tribunal Federal e por boa parte da população que se encantou com a propaganda do Pato Amarelo no programa da Ana Maria Braga, no Faustão e no Jornal (Anti)Nacional.

O que muita gente não sabia era o que viria como “venda casada”: fim da legislação trabalhista, impossibilidade de aposentadoria, legalização do trabalho escravo, cortes no Bolsa Família, entrega da Amazônica e do pré-sal a grandes empresas transnacionais, estrangulamento das Universidades Públicas, sucateamento do Sistema Único de Saúde, criminalização dos movimentos sociais, sindicais e das juventudes, exacerbação do racismo, do sexismo, da homofobia... Tudo isso fazia parte do golpe e era escondido da população que, por ignorância ou descuido, comprou os produtos que lhe eram sorrateiramente empurrados goela abaixo. Era venda casada.

Enquanto dou a terceira mordida no “xis salada” ao qual acrescento catchup e mostarda conforme o meu gosto, a moça me traz um copo de suco de abacaxi moído na hora. A escolha foi minha: “xis salada” com suco de abacaxi. E o preço era o mesmo. Nada de combos, nada de venda casada.

domingo, 26 de novembro de 2017

COMPLEXO DE VIRA-LATAS



Resultado de imagem para vira latas pet shop"Temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de "complexo de vira-latas". Estou a imaginar o espanto do leitor: — "O que vem a ser isso?" Eu explico. Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores..." (Nelson Rodrigues).

Este é um pequeno trecho de crônica escrita pelo jornalista, escritor e dramaturgo, Nelson Rodrigues, há quase 60 anos, dando um puxão de orelha no brasileiro, principalmente em razão do povo não se acreditar no futebol. Mas ele se referia a outros quesitos também. Vendo hoje o triste cenário em que vivemos, dá para entender o que Nelson quis dizer com síndrome de vira-latas. Hoje, o governo golpista entrega tudo de mão beijada aos gringos e nada fazemos. Será que é porque achamos que não temos competência, talento, aptidão para gerir nosso próprio destino?

Deve ser, sim, mas tem outros componentes por trás da entrega do país. Quando só os amarelinhos CBF foram às ruas, com patrocínio principal da Rede Globo de Televisão, falavam: "Somos brasileiros e não desistimos" ou "Sou brasileiro com muito orgulho e muito amor". Berravam que a pátria jamais seria vermelha. E outras Bazófias.

Pois bem, veio o golpe e os traíras passaram a fazer mais e mais o que sabem fazer com precisão, com descaramento: trair, entregar o país. E os amarelinhos CBF, batedores de panela contra a esquerda, agora hibernam. Quando o governo Lula resolveu investir no pré-sal, diziam que não tínhamos condições de chegarmos ás profundezas para buscar o precioso líquido negro. Contrariamos a pecha de "vira-latas" com muita tecnologia e talento.

Hoje, lemos no O Globo, que, assim como a sua mãe TV falava anteriormente de nossa incompetência, que o pré-sal já produz mais do que o Oriente Médio. Então, o que fazemos, sob os aplausos de uma classe média cega e de uma elite com olhos de lince: entregamos a Petrobras, o pré-sal, para aqueles que nada investiram. E entregamos a preço antigo de banana, pois até a fruta hoje está cara para nós. E vai junto neste embrulho, as verbas para a educação que estavam embutidas na exploração do petróleo.

E assim acontece com a Eletrobras, com os bancos públicos... Entendo que a síndrome de "vira-latas" é nossa, do povão e da classe média. A elite não tem nada desta síndrome, pois não se considera brasileira. Quer mais é voar em seus jatinhos para bem longe da gente. Plantam a subserviência, a "viralatice" em nossas mentes, colocam seus filhos nas melhores universidades da Europa e Estados Unidos e dane-se o resto.

Bem que os governos Lula e Dilma tentaram vencer este complexo, dando oportunidades aos pobres em universidades públicas, proporcionando poder de consumo, melhorando a vida do Mas o capetinha sentou-se ao lado direito do nosso ombro e encheu ouvidos de palavras de subestimação; "você não tem condições, você é um perdedor, pobre nasceu para servir quem tem dinheiro, esquece esta história de se equiparar, a desigualdade social é natural....

"Vira-latas" é o que você é, ao deixar que plantem em suas mentes estas palavras de ordem. Reaja, cara. Mostre que tem vergonha na cara. Esqueça os amarelinhos, pois estes ou são equivocados ou estão enganando você. Que patriota é este que aceita que se entregue as nossas riquezas de mão beijada? Que torce para Miami?

Pois é, Nelson Rodrigues cunhou o termo síndrome de "vira-latas" para falar principalmente da desconfiança sobre o nosso poder futebolístico e hoje vemos muito mais gente acreditando no seu time do que em si próprio. "Vira-latas".

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O GOVERNO E O LAMAÇAL

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Completaram-se dois anos do maior desastre socioambiental ocorrido no Brasil. As vítimas continuam desamparadas e os responsáveis, impunes.

Segundo o Ibama, 68 penalidades foram impostas à mineradora Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton. O valor somado é de R$ 552 milhões. Porém, apenas uma, no valor de 1% do total, e parcelada em 59 prestações, começou a ser quitada. As outras 67 condenações estão pendentes de recursos, graças à morosidade do Judiciário brasileiro.

Acresce-se a isso a suspensão da ação penal para punir os responsáveis pelas 19 mortes provocadas pela tragédia e a devastação do Rio Doce.

O acidente derrubou centenas de casas, inundou pastos e lavouras, privou de alimentos índios, pescadores e ribeirinhos, deixou 1 milhão de famílias sem água e trabalho, e afetou a biodiversidade da bacia do Rio Doce, hoje amargada por 40 bilhões de litros de rejeitos de minério de ferro.

O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração identificou que esta atividade se destaca como um dos setores que mais contribuíram com as campanhas políticas de 2014. A mineração perde apenas para bancos, construção civil e agronegócio. As empresas mineradoras doaram R$ 32,7 milhões a 15 partidos. Priorizaram candidatos dos três estados de maior atividade mineradora: Minas, Pará e Bahia.

O PMDB arrecadou 13,8 milhões; o PSB, 5,7 milhões; o PT, 4,3 milhões; o PSDB, 3,6 milhões; e o PP, 1,7 milhão.

O governo Temer agrava o cenário ao editar três Medidas Provisórias (789, 790 e 791/17) destinadas a alterar o Código de Mineração. As medidas visam a favorecer as empresas do setor: criar uma agência reguladora em substituição ao DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral); alterar as alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração Mineral, de modo a facilitar empresas mineradoras a pagarem menos royalties; favorecê-las ao promover leilões virtuais para disponibilizar áreas de extração mineral; adotar fiscalização por amostragem, pondo em risco a vida de milhões de pessoas e a natureza, o que significa a possibilidade de ocorreram tragédias semelhantes à de Mariana (MG).

O Movimento pela Soberania Popular na Mineração alerta que as Medidas Provisórias não levam em consideração “as populações em conflito com os empreendimentos minerários, os trabalhadores da mineração, o meio ambiente e o interesse do povo brasileiro.”

Na proposta de criação da Agência Nacional de Mineração, o artigo 12 assinala que sindicalistas não poderão assumir funções na agência. Mas seria permitido a ex-diretores de empresas do setor...

O Brasil é, hoje, o terceiro maior produtor mundial de minério de ferro, atrás apenas da China e da Austrália. Nos últimos anos, a exploração da matéria-prima pela Vale cresceu 253%. Alcançou 348,9 milhões de toneladas em 2016. Apesar de grande produtora, a China é a nossa maior compradora, e absorve 70% do minério de ferro vendido no mundo.

No Brasil, a mineração tem baixa tributação e privilegiadas isenções fiscais. É isenta de ICMS em produtos e serviços destinados à exportação. Estima-se que as manobras contábeis dão um prejuízo anual de 5,6 bilhões de dólares ao Brasil.

E convém lembrar que minério não dá duas safras!

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

CACHORRA

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Zumbi deveria ser festejado por todos os brasileiros como mártir da liberdade e símbolo das vítimas da opressão, ao lado de Tiradentes. No entanto, é celebrado apenas como líder da consciência negra, como se a consciência da igualdade não dissesse respeito a todas as pessoas, mas apenas a quem tem a pele preta e viu pouca igualdade na vida.

Se deixamos de lado a hipocrisia, podemos dizer envergonhados que preferimos a seletividade. Na teoria, tratamos todos igualmente, mas os que pertencem ao nosso círculo tratamos de modo mais igual.

Falei de Zumbi, mas queria falar do cachorro, o Capataz. Pêlo brilhante, dentes brancos, olhos vivos, a maioria não lembra quando ele assumiu o seu cargo: porteiro. Não era um emprego, claro, cachorros não têm contrato. Mas era o que ele fazia o dia todo, na entrada do armazém: abanava o rabo aos clientes da casa, levantava-se e abria a boca com faceirice aos mais conhecidos, rosnava aos que chegavam pela primeira vez, chamando a atenção do dono, que vinha pessoalmente recepcionar e desfazer equívocos. Capataz também era bom guardião: à noite, quando todos iam para casa, ele se ajeitava com uma coberta atrás do balcão, depois de comer a sua ração. Uma noite tentaram roubar o estabelecimento: Capataz foi ferido a pauladas, mas não deixou que levassem nada. O dono lhe deu uma coleira. Capataz entendeu que tinha feito algo bom, mas não entendeu o presente. Queria uma bola, como as carolas querem a missa. Era a única coisa que fazia o cachorro sair da porta do armazém: jogar com a garotada, no ataque e na defesa. Mas a bola nunca veio. Vieram os anos, a velhice, a cegueira e um pouco de surdez. Capataz ainda reconhecia os antigos clientes pelo cheiro, mas com frequência não levantava e o rabo abanava pouco. O dono, ainda mais idoso, morreu entre o balcão e as prateleiras. Os herdeiros enxotaram Capataz do armazém tão logo caiu a noite. Essas regalias para cães vadios não seriam mais permitidas. Nunca viram o animal como fiel companheiro do comerciante. Para eles era apenas um cachorro de rua, a quem o dono do armazém tolerava, por ter muita pena.

Dizem que antes de morrer, Capataz andava pelos arredores da igreja da cidade, como quem espera uma esmola.

Falei do cachorro, mas queria falar de Zumbi. Ele deveria ser festejado como herói do nosso país tão nobre, onde “nós nem cremos que escravos outrora tenha havido”, como repetimos quando celebramos a nossa República. Por isso lembrei do Capataz: é que conheci alguém tratado como cachorro. Era mulher, era negra e ninguém mais se interessou por seu destino desde que o último dono se foi. As pessoas que enxotaram Capataz sempre se emocionavam ao ouvir os nossos hinos e cantavam com a mão direita posta sobre o coração.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

UM POUCO, QUASE NADA.

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Os dias estão repletos de ações de bondade. A mídia nem sempre concede um espaço justo às boas notícias. Alguns relatos são até comoventes. Num dia desses, um jovem contou que havia doado uma cama, tempos atrás, para um imigrante que chegara em sua cidade, proveniente de outro país. Aquele gesto havia alegrado quem buscava um leito e também a ele, que teve a oportunidade de ajudar alguém, num momento de extrema necessidade. Como seu sonho era fazer a cidadania italiana, viajou para a distante e anônima Itália. Enquanto tinha condições, permaneceu em albergues. Como o custo era elevado, foi obrigado a encontrar outras alternativas. Por coincidência, um outro estrangeiro que também era imigrante na Itália lhe ofereceu uma cama. De imediato recordou da cama que ele mesmo havia doado para aquele peregrino, em sua cidade. Quem dividiu o pouco que possuía, não fora uma pessoa bem estabelecida e com maiores condições, mas alguém que tinha pouco ou quase nada.

Normalmente as pessoas mais humildes ou que já foram provadas pela pobreza, são aquelas que se tornam mais sensíveis, diante do sofrimento alheio. Dar da própria pobreza é um gesto repleto de amor e de generosidade. Repartir o pouco é confirmar que ninguém é tão pobre que não tenha nada para repartir. Sempre há alguma coisa que pode servir aos outros. Além disso, a caridade é muito maior do que a doação material. Saber acolher, disponibilizar um tempo para a escuta, estender a mão numa necessidade, secar as lágrimas, permanecer próximo: são infinitos os gestos que aliviam a dor daqueles que sofrem. Estar em terras distantes da própria pátria, por vezes, é ainda mais exigente.

Receber a ajuda de quem menos se espera é uma surpresa agradável e inesquecível. O relato do jovem brasileiro vivendo em terras italianas, por sinal já bem colocado, me fez lembrar da oração dedicada a São Francisco de Assis: ‘Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz...’ Mais adiante a prece enfatiza: ‘pois é dando que se recebe.’ Como faz bem recordar a ajuda dada e, acima de tudo, as ajudas recebidas. O amor permite trocas incríveis, que acabam sendo eternizadas. Quem faz o bem até pode esquecer o que fez. Mas quem recebe o bem, quem foi socorrido num momento de necessidade, jamais esquece. Uma convicção me acompanha há tempo: faz bem fazer o bem.

sábado, 18 de novembro de 2017

REFORMA TRIBUTÁRIA, URGENTE

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Estudos contidos no livro “Tributação e desigualdade” (Rio, Letramentos, Casa do Direito e FGV Direito, 2017) demonstram que, no Brasil, a alíquota do imposto direto cresce na medida em que o rendimento aumenta. Mas isso somente para quem ganha, por ano, de R$ 24,4 mil a R$ 325 mil. Nesses casos, o imposto é de 12%.

Quem ganha mais de R$ 325 mil por ano é beneficiado por aberrações de nosso sistema tributário. A alíquota entra em ritmo de queda, e cai de 12% para 7% para quem ganha anualmente mais de R$ 1,3 milhão.

Por quê? Porque a maior parte dos rendimentos dos mais ricos provém de lucros e dividendos isentos para pessoas físicas!

O resultado é a brutal distorção: a parcela 0,05% da população brasileira (100 mil pessoas) paga, proporcionalmente à sua renda, menos imposto que 5,8 milhões de pessoas que ganham mais de R$ 81,4 mil por ano.

A solução, diz o estudo, não reside apenas em criar alíquotas mais altas para quem ganha mais, o chamado imposto progressivo. É preciso mudar todo o sistema tributário brasileiro.

A maior parte da renda dos 100 mil mais ricos não deriva do trabalho, como acontece com o comum dos mortais, sujeitos à alíquota progressiva. Dois terços dos mais ricos são isentos!

Nosso sistema tributário figura entre os 15 mais injustos do mundo, porque concentra renda no topo da pirâmide social em vez de distribuí-la. Hoje, a carga tributária responde por 33% do PIB.

A Receita Federal cobra muito das empresas, mas quase nada das pessoas físicas e da renda patrimonial dos ricos. Como os empresários exercem poder sobre o governo, obtêm com frequência isenções tributárias e perdões de dívidas.

Criar alíquotas para lucros e dividendos pode resultar na redução de nosso sistema produtivo. O dinheiro migrará da produção para aplicações financeiras.

Já os impostos indiretos, embutidos no consumo de bens e serviços, pesam mais no bolso dos mais pobres. Os 10% mais ricos da população abocanham 47% da renda nacional e respondem por 43,7% da arrecadação. Os 10% mais pobres ficam com apenas 0,7% da renda nacional e respondem por 1,6% da arrecadação.

A tributação indireta sacrifica mais os pobres porque eles não conseguem poupar, enquanto os ricos investem o excedente de seus ganhos no mercado financeiro. Segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), 53% das famílias brasileiras não conseguem fazer poupança. Apenas 10% das famílias poupam com regularidade. Em média 20% de sua renda anual.

Nos países mais desenvolvidos, que pertencem à OCDE, os mais ricos são tributados de modo mais justo. Os impostos indiretos, embutidos em bens e serviços, respondem, em média, por 34% da arrecadação. No Brasil a mordida do Leão responde por 53%!

A Receita Federal alega que é mais fácil arrecadar os impostos indiretos. Ora, com as novas tecnologias é possível tributar menos o consumo e mais a renda e o patrimônio. Falta é vontade política.

Um estado como São Paulo concede, com frequência, desoneração do ICMS sem prejudicar a arrecadação, o que não podem fazer os estados mais pobres.

Ao comparar a tributação de duas famílias que ganham dois salários mínimos por mês, uma em São Paulo e outra no Pará, constatou-se que a do Pará paga o dobro de impostos sobre alimentos do que a família de São Paulo.

O governo brasileiro não obedece aos princípios de capacidade contributiva, seletividade e progressividade dos impostos, previstos na Constituição de 1988. Segundo o princípio da seletividade, os governos teriam a obrigação de aplicar alíquotas menores a produtos essenciais, como cesta básica. A energia elétrica, um produto essencial, tem tributação alta.

As distorções de nosso sistema tributário afetam a Previdência. A participação dos contribuintes que ganham acima de dez salários mínimos por mês na arrecadação do INSS caiu de 31,5% em 1988 para 2,7% em 2015!

Não falta dinheiro para desenvolver o Brasil. Faltam governo, justiça social e iniciativa privada mais voltada à coletividade.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A HISTORIA É O HOMEM

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As produções intelectuais, filosóficas e teológicas buscam a compreensão do sentido da vida humana. Trata-se de um esforço para compreender o ser humano pelas relações subjetivas e objetivas com a história. Toda compreensão leva à orientação e a melhorar os contextos históricos da vida. Compreender o sentido da vida humana é desafio do homem moderno.

No pensamento do filósofo alemão Wilhelm Dilthey (1833-1911), a compreensão do ser humano só é possível via história. Para Dilthey “a história é o grande documento do homem, como mais fundamental expressão da vida”. Considerado pai do historicismo, Dilthey vê como único meio de conhecimento do homem e do comportamento humano o reconhecimento da história. Para Dilthey o reconhecimento da história cabe à ciência da psicologia. Com isso, o historiador é o agente capaz de decifrar o sentido da vida humana. O pensamento de Dilthey, por um lado, é verídico. No dizer do filósofo a compreensão da vida humana dá-se pela história, acessada pela psicologia.

Na compreensão teológica, a vida humana não está limitada ao evento histórico. Embora não haja vida humana sem história. Na reflexão teológica a narrativa, pela vida humana, está muito além de seu contexto histórico. A história possibilita ao crente compreensão de outras dimensões da vida, como as da graça, da eternidade, da transcendência, do espírito indescritível. Em outras palavras, o sentido da vida humana está revestido de dimensões que não são eventos materializados pela história. Elementos que somente Deus dá ao ser humano, sua obra criada, aquilo que é da natureza divina, mistério. Como a certeza que a vida humana é vencedora da morte em Cristo ressuscitado.

No consenso comum a vida parece ser mais significativa através do consumo, de satisfação imediata, do apropriar-se das coisas materiais. Todavia, esta é uma proposta inviável a todas as pessoas. O sistema permite que pouco gozem desta condição material. A maioria é excluída pela pobreza. No presente momento, vive-se no maior escândalo mundial contra a vida humana, pois apenas um por cento da população possui mais riqueza do que os 99% restantes, conforme dados divulgados em outubro de 2015 pela organização não governamental britânica OXFAM.

Mas, a vida humana conduzida segundo os conselhos do evangelho, a fé em Cristo, pressupõe uma participação histórica, como pensava Dilthey. Porém, em Cristo vive-se o sentido da vida crendo em outros valores, como na sua transcendência que, por sua vez, dá sentido à história. Nisto Dilthey tem razão que a compreensão da vida é algo histórico. A diferença está que para um cristão a vida humana não está determinada pelas condições e situações dos tempos históricos. No cristão a história não é somente o homem. Existe algo maior que a história contada em fatos.

O escândalo mundial de um por cento deter mais riqueza do que os demais 99%, e de 62 pessoas possuírem mais bens do que 50% da população global é história que fere a consciência, logo, o sentido da vida. As mortes por fome e por absoluta pobreza invocam compreensão de que Deus não criou o ser humano submisso a essa tragédia da história. O sentido da vida cristã diz que a quantidade de dinheiro acumulada em paraísos fiscais, como aponta o relatório da OXFAM, tem função quando empregado para enfrentamento da desigualdade sócio-humana no mundo. Então, lutar por mundo mais inclusivo pode vir a confirmar a filosofia de Dilthey, de que “a história é o homem

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

REFORMA DE PREVIDÊNCIA É ROBIN HOOD ÀS AVESSAS

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Reforma da Previdência no Brasil é Robin Hood às avessas. O governo Temer quer tirar ainda mais dos pobres para poupar os ricos. Esta a conclusão dos estudos feitos pela Oxfam, conceituada instituição britânica. Apenas em 2016 o nosso país deixou de arrecadar, por falhas e omissões no recolhimento de impostos, R$ 546 bilhões!

Este o valor das isenções tributárias que o governo concedeu a determinados setores da economia, como a indústria automobilística. Graças a esse pacote de bondades, apenas em isenções fiscais os cofres públicos deixaram de arrecadar R$ 271 bilhões. Isso significa menos saúde, educação, saneamento, segurança etc.

Na opinião da diretora-executiva da Oxfam, Katia Maia, o Brasil precisa “eliminar esses benefícios e ser rígido nos controles da sonegação fiscal. A gente sabe que o Brasil deixa de arrecadar por uma sonegação grande. Também deixa de arrecadar por mecanismos (legais) que fazem com que as pessoas e empresas não paguem impostos. E ainda deixa de arrecadar com uma série de isenções fiscais para vários setores.”

O Sinprofaz (Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional) estima em R$ 275 bilhões as perdas de arrecadação.

O Ministério da Fazenda calcula que o rombo da Previdência em 2018 seja de R$ 202,2 bilhões. Ou seja, com a perda de receita apontada pelo relatório da Oxfam, daria para custear todas as aposentadorias e pensões e ainda sobrariam R$ 343,8 bilhões.

A cifra de R$ 546 bilhões sonegados aos cofres públicos representa 12 vezes o orçamento do Ministério da Saúde em 2016, calculado em R$ 43,3 bilhões.

O estudo cita um exemplo da chamada evasão fiscal dentro da lei. O setor de mineração usa ‘manobras’ que reduzem em até 23% o montante de tributos a ser pago aos cofres públicos.

Oded Grajew, presidente do conselho deliberativo da Oxfam, ressalta que o problema do Brasil não é a elevada carga tributária, e sim o fato de não retornar à população na forma de benefícios sociais, como educação e saúde de qualidades, e ser dilapidada pelo mau uso da máquina pública.

Grajew acrescenta que “as reformas tributária e fiscal são importantes”, mas faz uma ponderação: “Isso tem que ser acompanhado de justa distribuição dos recursos. Porque se continuar com a mesma distribuição, você não muda o quadro das desigualdades (sociais).”

A Oxfam critica o fato de o Brasil ter poucas alíquotas de Imposto de Renda da Pessoa Física. Katia Maia explica: “Uma revisão das alíquotas do imposto de renda é importante. Na base tem tantas pessoas com salários tão baixos e que pagam imposto de renda. A nossa tabela está congelada há 8 anos.”

 distorção tributária é tanta que, segundo o estudo, quem ganha 320 salários mínimos por mês (R$ 299,8 mil) paga a mesma alíquota efetiva (após descontos e deduções) de IR de quem ganha cinco salários mínimos (R$ 4.685).

terça-feira, 14 de novembro de 2017

FAZER SILÊNCIO

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A simples pronúncia ou leitura da palavra silêncio causa espanto hoje em dia. Quem busca silêncio? Quem sabe fazê-lo? Sintoma que evidencia quão ruidosa é a sociedade pós-moderna.

Vivemos na era panóptica, na qual é difícil escapar de assédios alheios na forma de ruídos. Ruídos não se resumem a sons captados pela audição. Nossos cinco sentidos são permanentemente afetados pela avalanche de informações, imagens, apelos publicitários etc. E a voracidade de querer fazer tudo ao mesmo tempo e estar em permanente conexão digital nos faz experimentar como frustração nossos próprios limites.

Estar só se tornou uma experiência ameaçadora. Tememos a solidão, talvez pelo medo do encontro consigo mesmo. “Amai o próximo como a si mesmo.” Simples. Quem não se gosta não se sente à vontade para estar só. E tem mais dificuldade para amar o próximo.

Náufragos sem boia em pleno mar revolto, urge nos apegar a algo, encontrar urgentemente uma alteridade virtual. Pode ser a TV, o rádio, alguém no facebook ou alguma coisa que nos entretenha e impeça que o silêncio se instaure.

O silêncio é quebrado pela ansiedade e a imaginação, “a louca da casa”. E também por símbolos, logotipos, outdoors, linhas arquitetônicas de mau gosto. A poluição visual desgasta o espírito. A cidade encobre a sua beleza com a propaganda que sujeita o olhar à solicitação incessante.

Em matéria de dependência, a predominância é do celular. Repare no metrô, no ônibus, no aeroporto, em restaurantes e shoppings. Ninguém está consigo mesmo. Quase todos surfam nas redes digitais, muitas vezes envolvidos em contatos desprovidos de afeto e empatia. Pessoas que se tornam objetos de seus objetos, impossibilitadas de se assumirem como sujeitos, incapazes de repetir com Cecília Meireles em “Serenata”: “Permita que agora emudeça:/que me conforme em ser sozinha.”

O silêncio constrange quem não sabe acolhê-lo. Só é suportável quando o sono aplaca a audição. Imagine uma refeição na qual todos se calam em torno da mesa. Seria suficiente para sentir o peso opressivo do silêncio. No entanto, outrora os monges se alimentavam calados. A única voz no refeitório era a do leitor, responsável por nos nutrir a mente e o espírito enquanto cuidávamos do corpo.

Costumo indagar do jovem casal de amigos que se preparam para a vida a dois: vocês são capazes de estar sós em uma sala, e permanecer em silêncio sem que um se sinta constrangido pelo fato de o outro não dizer nada? Se a resposta é negativa, alerto para a imaturidade da relação. E do risco de a alteridade dar lugar à submissão de um ao outro.

O silêncio perturba porque nos remete à desafiadora via do mergulho em nós mesmos. Desnudar-se frente ao espelho da subjetividade. Desprover-se de todos os artifícios que nos convocam à permanente exposição. Ousar viajar para a morada interior na qual habita aquele que não sou eu e, no entanto, é ele quem revela a minha verdadeira identidade. Então, o silêncio se faz epifania.

Há pessoas tão densas de silêncio que, sem nada dizer, bradam alto. O silêncio do sábio é eloquente, como o do santo é questionador. Ao se calarem, excluem-se da competição verborrágica. Por isso, sobrepõem-se aos demais. Guardam para si as pérolas que os outros atiram aos porcos.

Saber se calar é sabedoria. Só quem conhece a beleza do silêncio, dentro e fora de si, é capaz de viajar por seu próprio mundo interior - pacote impossível de ser encontrado em agências de turismo. Trata-se de uma exclusividade dos sábios e das tradições espirituais milenares.

Como os poetas expressam o indizível, convém se deixar impregnar pelos versos de Arnaldo Antunes em “O silêncio”: “Antes de existir a voz / existia o silêncio / o silêncio foi a primeira coisa que existiu / um silêncio que ninguém ouviu / astro pelo céu em movimento / e o som do gelo derretendo / o barulho do cabelo em crescimento / e a música do vento / e a matéria em decomposição / a barriga digerindo o pão / explosão de semente sob o chão / diamante nascendo do carvão / homem pedra planta bicho flor / luz elétrica tevê computador / batedeira, liquidificador / vamos ouvir esse silêncio meu amor / amplificado no amplificador / do estetoscópio do doutor / no lado esquerdo do peito, esse tambor.”

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

TOME REMÉDIOS E SEJA FELIZ


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A felicidade é um produto engarrafado que se adquire no supermercado da esquina? É o que sugere o neoliberalismo, criticado pelo clássico romance de Aldous Huxley, “Admirável mundo novo” (1932). A narrativa propõe construir uma sociedade saudável através da ingestão de medicamentos.

Aos deprimidos se distribui um narcótico intitulado “soma”, de modo a superarem seus sofrimentos e alcançar a felicidade pelo controle de suas emoções. Assim, a sociedade não estaria ameaçada por gente como o atirador de Las Vegas.

Huxley declarou mais tarde que a realidade havia confirmado muito de sua ficção. De fato, hoje a nossa subjetividade é controlada por medicamentos. São ingeridos comprimidos para dormir, acordar, ir ao banheiro, abrir o apetite, estimular o cérebro, fazer funcionar melhor as glândulas, reduzir o colesterol, emagrecer, adquirir vitalidade, obter energia etc. O que explica encontrar uma farmácia em cada esquina e, quase sempre, repleta de consumidores.

O neoliberalismo rechaça a nossa condição de seres pensantes e cidadãos. Seu paradigma se resume na sociedade consumista. A felicidade, adverte o sistema, consiste em comprar, comprar, comprar. Fora do mercado não há salvação. E dentro dele feliz é quem sabe empreender com sucesso, manter-se perenemente jovem, brilhar aos olhos alheios. A receita está prescrita nos livros de autoajuda que encabeçam a lista da biblioterapia.

Se você não corresponde ao figurino neoliberal é porque sofre de algum transtorno. As doenças estão em moda. Respiramos a cultura da medicalização. Não nos perguntamos por que há tantas enfermidades e enfermos. Esta indagação não convém à indústria farmacêutica nem ao sistema cujo objetivo primordial é a apropriação privada da riqueza.

Estão em moda a síndrome de pânico e o transtorno bipolar. Já em 1985, Freud havia diagnosticado a síndrome de pânico sob o nome de neurose de angústia. O transtorno bipolar era conhecido como psicose maníaco-depressiva. Muitas pessoas sofrem, de fato, dessas enfermidades, e precisam ser tratadas e medicadas. Há profissionais que se sentem afetados por elas devido à cultura excessivamente competitiva e à exigência de demonstrar altíssimos rendimentos no trabalho segundo os atléticos parâmetros do mercado.

Em relação às crianças se constata o aumento do Transtorno por Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Ora, é preciso cuidado no diagnóstico. Hiperatividade e impulsividade são características da infância, às vezes rebaixadas à categoria de transtorno neurobiológico, de desordem do cérebro. Submeta seu filho a um diagnóstico precoce. É possível que alguma anomalia seja descoberta e medicamentos prescritos.

Nos EUA, o neurologista Fred Baughman apresentou ao Congresso uma denúncia de fraude ao consumidor pelo falso diagnóstico de TDAH. Crianças sem qualquer problema de saúde foram diagnosticadas com fictícios desequilíbrios químicos cerebrais, e orientadas por médicos a ingerir medicamentos.

Quando um suposto diagnóstico científico arvora-se em quantificar nosso grau de tristeza e frustração, de hiperatividade e alegria, é sinal de que não somos nós os doentes, e sim a sociedade que, submissa ao paradigma do mercado, pretende reduzir todos nós a meros objetos mecânicos, cujos funcionamentos podem ser decompostos em suas diferenças peças facilmente azeitadas por quilos de medicamentos.

Há algo de profundamente errado com essa sociedade que tem as ruas permanentemente cortadas por ambulâncias e carros de polícia. Ela é que está doente, e não nós, os únicos com o poder de curá-la.