Na entrevista coletiva em que apresentou ao mundo as vísceras da corrupção na Fifa, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos mostrou, didaticamente, o que pode ser chamado de fluxograma da propina, que, se as investigações avançarem no Brasil, pode atingir em cheio as Organizações Globo, da família Marinho.
O esquema é de fácil compreensão e trata-se basicamente de uma reação de corrupção em cadeia: os organizadores de um evento de futebol, seja a própria Fifa, ou as confederações dos continentes, regionais ou até nacionais, como a CBF, são quem primeiro detêm os direitos de transmissão e marketing dos eventos. Para comprar esses direitos, empresas de Marketing Esportivo, como a Traffic Group, do brasileiro José Hawilla, pagavam milhões às confederações, e outros milhões de dólares em propina para os dirigentes das entidades.
De acordo com o esquema desenhado pelo governo americano, as empresas de marketing esportivo, de posse dos direitos de transmissão de campeonatos importantes, como a Copa do Mundo, Libertadores, Copa América ou até a Copa do Brasil, revendia-os aos grupos de comunicação e patrocinadores, que também pagavam propina às empresas para fecharem os contratos.
Não é novidade para os brasileiros que as Organizações Globo detêm há décadas o monopólio na transmissão de eventos internacionais de futebol. Só da Copa do Mundo, a parceria com a Fifa vem desde o mundial de 1970. Todos os campeonatos em que foi identificado pelo FBI o pagamento e recebimento de propina, a emissora da família Marinho é a transmissora oficial no Brasil.
Segundo a secretária de Justiça dos EUA, Loreta Lynch, a corrupção em jogos comandados pela Fifa e suas confederações subalternas existe de forma "sistêmica e desenfreada" há pelo menos 24 anos.
Se a Globo é dona soberana dos direitos de transmissão no Brasil dos principais eventos mundiais do futebol desde os anos 70, e mantém relações empresariais com o pivô do escândalo, o brasileiro J. Hawilla, dono da maior afiliada da emissora, a TV TEM, e réu confesso de crimes de extorsão, fraude eletrônica e lavagem de dinheiro, fica difícil acreditar no editorial do "Jornal da Globo" de quarta-feira 27 de que "não pesam acusações ou suspeitas sobre as empresas de mídia de todo o mundo que compraram desses intermediários os direitos de transmissão".
O que você, leitor, acha?
domingo, 31 de maio de 2015
PRENDER DIRCEU E GENOINO É FÁCIL, QUERO VER PRENDER MARIN
A prisão de Marin é um retrato do Brasil: ele foi obrigado a viajar para ser preso.
Marin é, ou era, um daqueles intocáveis no país. Apesar da ficha carregada de delinquências, ele jamais foi importunado pela justiça, pela polícia e, muito menos, pela imprensa.
Isso com 83 anos.
Isso com 83 anos.
Fosse mais comedido, ou menos ávido por propinas e atividades, Marin teria chegado ao túmulo bem longe de coisas desagradáveis como cadeia.
Prender Dirceu e Genoíno é fácil no Brasil destes tempos. Mas Marin pertence a outra casta: a do 1%. Isso significa imunidade.
Por exemplo: ele só virou notícia policial na Globo por causa dos investigadores americanos que descobriram, com trabalho duro, a fábrica de propinas que ele montou na CBF.
A CBF sempre foi parceira da Globo na rapinagem do futebol brasileiro. Enquanto ao longo dos anos ambas acumularam fortunas fabulosas com o futebol brasileiro, este, em si, virou uma ruína.
Estádios vazios e precários, times incapazes de segurar os melhores jogadores e por aí vai: não pode funcionar uma parceria em que alguém ganha muito e o outro só perde.
É o jeito Globo de operar.
Também no cinema é o mesmo quadro. A Globofilmes se dá bem e os outros – produtores, diretores, atores – vivem de migalhas.
O caso Marin oferece também uma chance de confrontar o trabalho policial entre os Estados Unidos e o Brasil.
Os investigadores americanos não fizeram, ao contrário do que é tão comum na Polícia Federal, coisas como basear ações em recortes de jornais e revistas.
É patético ver juízes e policiais acusarem alguém e, impávidos, citarem uma reportagem da Veja, ou da Folha, como se a mídia não tivesse fortíssimos interesses por trás de denúncias frequentemente sem nenhum fundamento.
No Mensalão, um juiz começou um magnífico pronunciamento dizendo que não havia um dia que não abrisse os jornais e encontrasse um escândalo.
A quem apelar?
Mais arguto, ele teria questionado a obsessão da mídia em publicar escândalos contra o PT. Mas não: o juiz tratou a mídia como se ela também pertencesse ao STF.
(Recentemente, Marta Suplicy fez o mesmo ao explicar por que saiu do PT. Citou a mídia.)
No episódio Marin, os policiais dos Estados Unidos suaram. Não entraram no Google para ver o que a imprensa tinha a falar de Marin.
Uma das cenas mais marcantes da Operação Lava Jato foi uma em que um réu perguntou respeitosamente a Moro se fazia sentido ele estar preso fazia cinco meses quando a grande evidência que pesava contra ele era umareportagem da Veja.
Como disse Mino Carta, a Veja mente todos os dias. Mas a Justiça brasileira enxerga nela uma fonte de informações acima de qualquer suspeita.
O caso Marin oferece muitas reflexões. A principal delas é o caráter hipócrita e partidário do combate à corrupção promovido pelo 1%, ao qual interessa apenas a manutenção de privilégios e mamatas.
Publicado anteriormente por Paulo Nogueira
Prender Dirceu e Genoíno é fácil no Brasil destes tempos. Mas Marin pertence a outra casta: a do 1%. Isso significa imunidade.
Por exemplo: ele só virou notícia policial na Globo por causa dos investigadores americanos que descobriram, com trabalho duro, a fábrica de propinas que ele montou na CBF.
A CBF sempre foi parceira da Globo na rapinagem do futebol brasileiro. Enquanto ao longo dos anos ambas acumularam fortunas fabulosas com o futebol brasileiro, este, em si, virou uma ruína.
Estádios vazios e precários, times incapazes de segurar os melhores jogadores e por aí vai: não pode funcionar uma parceria em que alguém ganha muito e o outro só perde.
É o jeito Globo de operar.
Também no cinema é o mesmo quadro. A Globofilmes se dá bem e os outros – produtores, diretores, atores – vivem de migalhas.
O caso Marin oferece também uma chance de confrontar o trabalho policial entre os Estados Unidos e o Brasil.
Os investigadores americanos não fizeram, ao contrário do que é tão comum na Polícia Federal, coisas como basear ações em recortes de jornais e revistas.
É patético ver juízes e policiais acusarem alguém e, impávidos, citarem uma reportagem da Veja, ou da Folha, como se a mídia não tivesse fortíssimos interesses por trás de denúncias frequentemente sem nenhum fundamento.
No Mensalão, um juiz começou um magnífico pronunciamento dizendo que não havia um dia que não abrisse os jornais e encontrasse um escândalo.
A quem apelar?
Mais arguto, ele teria questionado a obsessão da mídia em publicar escândalos contra o PT. Mas não: o juiz tratou a mídia como se ela também pertencesse ao STF.
(Recentemente, Marta Suplicy fez o mesmo ao explicar por que saiu do PT. Citou a mídia.)
No episódio Marin, os policiais dos Estados Unidos suaram. Não entraram no Google para ver o que a imprensa tinha a falar de Marin.
Uma das cenas mais marcantes da Operação Lava Jato foi uma em que um réu perguntou respeitosamente a Moro se fazia sentido ele estar preso fazia cinco meses quando a grande evidência que pesava contra ele era umareportagem da Veja.
Como disse Mino Carta, a Veja mente todos os dias. Mas a Justiça brasileira enxerga nela uma fonte de informações acima de qualquer suspeita.
O caso Marin oferece muitas reflexões. A principal delas é o caráter hipócrita e partidário do combate à corrupção promovido pelo 1%, ao qual interessa apenas a manutenção de privilégios e mamatas.
Publicado anteriormente por Paulo Nogueira
sexta-feira, 29 de maio de 2015
DE DONO DO FUTEBOL A DELATOR DO ESCÂNDALO DA FIFA, A TRAJETÓRIA DE J.HAWILLA.
Quando os agentes do FBI invadiram o hotel Baur au Lac, em Zurique, os executivos da Fifa que estavam prestes a serem presos devem ter se perguntado: “Quem nos dedurou?”. Um deles era muitíssimo conhecido porque, entre outros, cuidou da comercialização de direitos internacionais da Copa do Mundo de 2014, por meio da empresa que comprou nos anos 1980. José Hawilla, dono da Traffic, chegou a ser um dos homens mais poderosos do futebol brasileiro, e hoje, tornou-se um dos delatores premiados do mega esquema da Justiça americana contra a corrupção na Fifa.
J. Hawilla, como ficou conhecido pelo grande público, 71 anos, confessou extorsão, fraude eletrônica, lavagem de dinheiro, obstrução da justiça e concordou em devolver U$ 151 milhões (cerca de R$ 475 milhões). Segundo a Folha de S. Paulo, vive em liberdade nos EUA por causa do acordo que firmou com o governo. Aparece envolvido na negociação dos direitos comerciais dos torneios, como a Copa do Brasil, um dos primeiros que adquiriu em 1990 e manteve até agora.
Hawilla nasceu em São José do Rio Preto e ganhou a chance de mudar de vida na cidade grande por meio do futebol. Era radialista e gerenciava a Rádio de Votuporanga quando foi convidado a trabalhar na Rádio Bandeirantes. Virou repórter de campo da Rede Globo, chegou a apresentar o Globo Esporte e liderar uma greve que causou seu afastamento da emissora por cem dias. Durante o desemprego, perdeu a vontade de trabalhar para os outros. Comprou a Traffic, em 1980, à época uma empresa de anúncios de ponto de ônibus (daí o nome “tráfego”). O embrião da maior empresa de marketing esportivo do Brasil.
Mas como um jornalista do interior de São Paulo, muitas vezes chamado pela imprensa de dono do futebol brasileiro, conseguiu ganhar tanta influência a ponto de negociar os direitos de transmissão dos torneios da CBF, dos amistosos da seleção brasileira, da Libertadores, da Copa do Mundo, intermediar o milionário contrato do time então tetracampeão do mundo com a Nike, participar da criação do primeiro Mundial de Clubes da Fifa e ser considerado pela World Soccer o 56º homem mais influente do futebol? Fórmula bem simples: levando um sopro de profissionalismo a um esporte constrangedoramente amador.
É nesse vácuo que forasteiros costumam entrar no futebol. Ninguém comercializava direito as placas de publicidade em volta dos gramados dos estádios até J. Hawilla usar a sua empresa para fazer isso, e nada agrada mais os dirigentes brasileiros do que terceirizar o trabalho e apenas recolher os lucros. Sugeriu, em 1982, a Giulitte Coutinho que a CBF vendesse todos esses espaços nos torneios organizados por ela. Foi a sua porta de entrada à entidade.
A Copa do Brasil mal havia nascido, e Hawilla já havia garantido os direitos comerciais da competição. Ricardo Teixeira um dia afirmou que José Hawilla foi o primeiro a conseguir levar patrocínios a CBF que não fossem governamentais, e o contrato de dez anos em 1996 com a Nike foi o ápice disso. Os US$ 160 milhões que a empresa americana desembolsou naquela época foram o impulso financeiro que levou a entidade a se tornar milionária de uma vez por todas. Segundo a investigação americana, a brincadeira rendeu US$ 15 milhões a Teixeira e US$ 40 milhões à Traffic. Esse negócio foi alvo de uma CPI do Congresso brasileiro, mas a investigação terminou em pizza.
Ainda mais dinheiro entrou na conta corrente da empresa em 1999, quando a Hicks, Muse, Tate & Furst, parceira do Corinthians, comprou 49% da empresa brasileira. O grande negócio de Hawilla naquela época foi ajudar na criação e na divulgação do primeiro Mundial de Clubes da Fifa, realizado no Rio de Janeiro. Era detentora dos direitos de exibição da competição ao lado da TV Bandeirantes, que havia se tornado a sua parceira em 1998. Os tentáculos da Traffic estendiam-se do marketing esportivo para direitos de transmissão, organização de torneios e intermediação de contratos.
Quando o panorama do mercado de direitos comerciais começou a mudar e a concorrência cresceu, isso tudo aliado a uma profissionalização maior dos clubes, a empresa enfrentou alguns problemas e teve que se reinventar. Entrou no ramo de agenciar jogadores. O Desportivo Brasil foi fundado em 2005 para registrar os jogadores que a empresa contratava e emprestava às vitrines dos grandes clubes. Firmou uma parceria mais ativa, em 2007, com o Palmeiras, que culminou com o título do Campeonato Paulista do ano seguinte. Chegou a agenciar aproximadamente 90 jogadores, entre eles Darío Conca e Hernanes. Em 2010, colocou o pé na Europa ao comprar o Estoril Praia, de Portugal.
Novamente, pegava o vácuo do profissionalismo, mas o cenário novamente mudou. O polpudo contrato de televisão que os clubes assinaram em 2011 encheu os seus cofres, e o investimento da Traffic não era mais tão necessário. Mais uma reinvenção foi necessária, mas Hawilla já estava perdendo fôlego. Deixou o Brasil para morar nos Estados Unidos, em 2013, e deixou os seus negócios nas mãos dos filhos. Entre eles, além dos clubes e dos jogadores, as vendas dos camarotes do Allianz Parque e a comercialização dos direitos de torneios como a Libertadores e a Copa do Brasil.
Alguns anos antes, em 17 de maio de 2010, quando organizou uma festa gigante para comemorar os 30 anos da Traffic, foi tietado por Pelé, Ronaldo e Ricardo Teixeira. Recebeu a presença de Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab e Aloysio Nunes, à época a cúpula do PSDB paulista. Faturava nas centenas de milhões de dólares e estava com mais influência do que nunca. Mal sabia que os dias de glória estavam chegando ao fim. Com Hawilla exposto, assim como suas práticas, e a multa de quase R$ 500 milhões, é perfeitamente possível questionar qual será o futuro da Traffic, ou mesmo se ela ainda tem um. Querendo ou não, é um dos personagens mais presentes do futebol brasileiro nas últimas décadas.
J. Hawilla, como ficou conhecido pelo grande público, 71 anos, confessou extorsão, fraude eletrônica, lavagem de dinheiro, obstrução da justiça e concordou em devolver U$ 151 milhões (cerca de R$ 475 milhões). Segundo a Folha de S. Paulo, vive em liberdade nos EUA por causa do acordo que firmou com o governo. Aparece envolvido na negociação dos direitos comerciais dos torneios, como a Copa do Brasil, um dos primeiros que adquiriu em 1990 e manteve até agora.
Hawilla nasceu em São José do Rio Preto e ganhou a chance de mudar de vida na cidade grande por meio do futebol. Era radialista e gerenciava a Rádio de Votuporanga quando foi convidado a trabalhar na Rádio Bandeirantes. Virou repórter de campo da Rede Globo, chegou a apresentar o Globo Esporte e liderar uma greve que causou seu afastamento da emissora por cem dias. Durante o desemprego, perdeu a vontade de trabalhar para os outros. Comprou a Traffic, em 1980, à época uma empresa de anúncios de ponto de ônibus (daí o nome “tráfego”). O embrião da maior empresa de marketing esportivo do Brasil.
Mas como um jornalista do interior de São Paulo, muitas vezes chamado pela imprensa de dono do futebol brasileiro, conseguiu ganhar tanta influência a ponto de negociar os direitos de transmissão dos torneios da CBF, dos amistosos da seleção brasileira, da Libertadores, da Copa do Mundo, intermediar o milionário contrato do time então tetracampeão do mundo com a Nike, participar da criação do primeiro Mundial de Clubes da Fifa e ser considerado pela World Soccer o 56º homem mais influente do futebol? Fórmula bem simples: levando um sopro de profissionalismo a um esporte constrangedoramente amador.
É nesse vácuo que forasteiros costumam entrar no futebol. Ninguém comercializava direito as placas de publicidade em volta dos gramados dos estádios até J. Hawilla usar a sua empresa para fazer isso, e nada agrada mais os dirigentes brasileiros do que terceirizar o trabalho e apenas recolher os lucros. Sugeriu, em 1982, a Giulitte Coutinho que a CBF vendesse todos esses espaços nos torneios organizados por ela. Foi a sua porta de entrada à entidade.
A Copa do Brasil mal havia nascido, e Hawilla já havia garantido os direitos comerciais da competição. Ricardo Teixeira um dia afirmou que José Hawilla foi o primeiro a conseguir levar patrocínios a CBF que não fossem governamentais, e o contrato de dez anos em 1996 com a Nike foi o ápice disso. Os US$ 160 milhões que a empresa americana desembolsou naquela época foram o impulso financeiro que levou a entidade a se tornar milionária de uma vez por todas. Segundo a investigação americana, a brincadeira rendeu US$ 15 milhões a Teixeira e US$ 40 milhões à Traffic. Esse negócio foi alvo de uma CPI do Congresso brasileiro, mas a investigação terminou em pizza.
Ainda mais dinheiro entrou na conta corrente da empresa em 1999, quando a Hicks, Muse, Tate & Furst, parceira do Corinthians, comprou 49% da empresa brasileira. O grande negócio de Hawilla naquela época foi ajudar na criação e na divulgação do primeiro Mundial de Clubes da Fifa, realizado no Rio de Janeiro. Era detentora dos direitos de exibição da competição ao lado da TV Bandeirantes, que havia se tornado a sua parceira em 1998. Os tentáculos da Traffic estendiam-se do marketing esportivo para direitos de transmissão, organização de torneios e intermediação de contratos.
Quando o panorama do mercado de direitos comerciais começou a mudar e a concorrência cresceu, isso tudo aliado a uma profissionalização maior dos clubes, a empresa enfrentou alguns problemas e teve que se reinventar. Entrou no ramo de agenciar jogadores. O Desportivo Brasil foi fundado em 2005 para registrar os jogadores que a empresa contratava e emprestava às vitrines dos grandes clubes. Firmou uma parceria mais ativa, em 2007, com o Palmeiras, que culminou com o título do Campeonato Paulista do ano seguinte. Chegou a agenciar aproximadamente 90 jogadores, entre eles Darío Conca e Hernanes. Em 2010, colocou o pé na Europa ao comprar o Estoril Praia, de Portugal.
Novamente, pegava o vácuo do profissionalismo, mas o cenário novamente mudou. O polpudo contrato de televisão que os clubes assinaram em 2011 encheu os seus cofres, e o investimento da Traffic não era mais tão necessário. Mais uma reinvenção foi necessária, mas Hawilla já estava perdendo fôlego. Deixou o Brasil para morar nos Estados Unidos, em 2013, e deixou os seus negócios nas mãos dos filhos. Entre eles, além dos clubes e dos jogadores, as vendas dos camarotes do Allianz Parque e a comercialização dos direitos de torneios como a Libertadores e a Copa do Brasil.
Alguns anos antes, em 17 de maio de 2010, quando organizou uma festa gigante para comemorar os 30 anos da Traffic, foi tietado por Pelé, Ronaldo e Ricardo Teixeira. Recebeu a presença de Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab e Aloysio Nunes, à época a cúpula do PSDB paulista. Faturava nas centenas de milhões de dólares e estava com mais influência do que nunca. Mal sabia que os dias de glória estavam chegando ao fim. Com Hawilla exposto, assim como suas práticas, e a multa de quase R$ 500 milhões, é perfeitamente possível questionar qual será o futuro da Traffic, ou mesmo se ela ainda tem um. Querendo ou não, é um dos personagens mais presentes do futebol brasileiro nas últimas décadas.
Postado anteriormente por diário do Centro do Mundo.
quinta-feira, 28 de maio de 2015
CÂMARA FEDERAL MOSTROU QUE TEM PATRÃO.
Vamos combinar que assistimos, ontem, a uma suprema ironia do momento político brasileiro.
Os líderes dos mesmos partidos que adoram subir a tribuna para elogiar o juiz Sérgio Moro e denunciar a corrupção na Petrobrás trabalharam sem descanso para preservar o sistema de aluguel dos poderes públicos que está na origem das irregularidades, desvios e abusos costumeiros do Estado brasileiro. Ignoraram uma campanha popular que recolheu 700 000 assinaturas no país inteiro para bater continência a quem assina seus cheques de campanha.
E agiram dessa forma sem pudor de fazer hora extra, pois foram obrigados a voltar atrás numa decisão de véspera.
Assim, vinte e quatro horas depois de se recusar a transformar o financiamento de empresas privadas em direito constitucional, a Câmara de Deputados mudou de ideia.
Por 330 votos a favor e 141 contrários — será preciso ainda passar por uma segunda votação — as contribuições privadas passam a fazer parte da Constituição. Não terão força de uma clausula pétrea, como a separação entre poderes, o voto direto e secreto, que não podem ser abolidos. Mas só poderão ser questionadas a partir de uma reforma constitucional.
Os 76 votos que mudaram de lado, de um dia para o outro, estabeleceram o domínio do capital privado sobre o Congresso num grau jurídico que nunca se viu.
A partir de ontem, assume-se que a política brasileira — pois a lei vale para campanhas para presidente, governador, prefeito — tem patrão. Não estou falando de Eduardo Cunha, por favor. Mas daquele personagem social-econômico, que paga para ser obedecido, colocando-se acima dos 200 milhões de eleitores, cidadãos daquele universo democrático onde 1 homem=1 voto.
Está garantido, agora, que temos eleitores de 1 homem=R$ 1 milhão de reais.
Caso a decisão de ontem venha a ser confirmada, o país terá perdido uma chance de tornar-se uma democracia comparável aos regimes mais avançados do mundo, aqueles onde a soberania popular é exercida como o poder fundamental da República. Foram estes países que puderam criar um estado de bem-estar social, onde os trabalhadores e a população pobre têm acesso a um sistema de benefícios capazes de garantir uma vida civilizada as grandes maiorias. E este caminho estava aberto pelo Supremo Tribunal Federal, onde uma maioria de 6 votos a 1 já havia rejeitado o financiamento de empresas privadas, a partir de uma constatação fundamental: pessoas vão as urnas e votam; seres inertes, as empresas não estão capacitadas para isso.
O debate de fundo envolve alterações importantes na vida da maioria dos brasileiros. O cientista político Adam Przeworski demonstrou que o estado de bem-estar funciona através de um pacto de parte a parte. Enquanto os trabalhadores se comprometem a respeitar o regime de propriedade privada os empresários aceitam fazer concessões às chamadas classes despossuídas e subalternas. Przeworski, um autor muito lido no curto período de sua existência em que o PSDB respeitava a palavra ” social-democracia “do batismo, definia este regime como capitalismo democrático.
As democracias com patrão existem, também. A maior delas fica nos Estados Unidos. Ali, nada se aprova que seja contra os grandes interesses privados. É por isso que nos EUA não se consegue criar um sistema de saúde pública equivalente ao que existe na Europa — embora os gastos sejam várias vezes mais altos do que no Velho Mundo. As empresas privadas de saúde não permitem.
Pela mesma razão, as boas universidades são fundações privadas, com mensalidades caríssimas — quem não pode pagar precisa ter um desempenho muito acima da média para conseguir bolsa.
Não é de espantar que o Congresso norte-americano seja capaz até de aprovar guerras para atender a seus financiadores de campanha que costumam ser apresentadas como iniciativas puramente patrióticas.
A força dos lobistas nas decisões políticas dos EUA é tamanha que as empresas privadas costumam ser responsáveis pela contratação e pagamento de funcionários de gabinetes parlamentares, que são emprestados a deputados e senadores — atuando, dentro do Poder Legislativo, como representantes diretos de seus empregadores privados. Imagine como saem os projetos de lei, as propostas, as sugestões. Como é o “debate”.
A força dos lobistas de armas explica porque o país não consegue controlar a venda de submetralhadoras automáticas pelo correio. Ela também ajuda a entender porque a Casa Branca e o Capitólio são os principais sustentáculos diplomáticos do Estado de Israel, postura de alinhamento automático que nem de longe favorece os interesses da maioria da população norte-americana, pelos riscos óbvios que representa para a paz.
Não há dúvida de que os parlamentares brasileiros, ontem, promoveram uma derrota de um esforço histórico para emancipar a política brasileira do interesse direto do empresariado.
Utlizando a gestão de Eduardo Cunha para levar uma política de revanche contra conquistas dos trabalhadores, o projeto de financiamento privado faz parte da mesma conjuntura do PL 4330, da terceirização, que implica em revogar a Consolidação das Leis dos Trabalho — embrião daquilo que se poderia chamar de nosso bem-estar social.
O que se assistiu, na verdade, foi a cena final de uma operação política de envergadura, que vinha sendo articulada há meses, para impedir um avanço que parecia assegurado no Supremo Tribunal Federal. Já no ano passado, depois de uma mobilização popular que recebeu centenas de milhares de assinaturas, formou-se uma maioria de seis votos no STF contra o financiamento de empresas privadas. Pelo placar, a decisão era caso resolvido e não poderia ser mudada, consumando uma vitória que, por boas e profundas razões, tinha um aspecto tão positivo que até podia ser vista como boa demais para ser verdade.
A votação só não avançava em função de Gilmar Mendes, que se manteve impassível, desde agosto do ano passado, inclusive diante dos apelos públicos para devolver seu voto — qualquer que fosse ele — para permitir ao plenário que seguisse nas deliberações e proclamasse a decisão.
Hoje pode-se entender a perfeita lógica daquele espetáculo. Ao travar o avanço de uma decisão cujo resultado lhe era desfavorável, Gilmar Mendes permitiu que Eduardo Cunha articulasse uma nova maioria na Câmara a partir da eleição de 2014. Com isso, ficou assegurado que o empresariado irá manter seu controle sobre a maioria do Legislativo brasileiro, numa vantagem como poucas vezes se viu em nossa história política.
A operação só não foi inteiramente bem sucedida porque, num acidente de percurso, um descuido de última hora, faltaram os votos na votação de anteontem. Na manhã de ontem, a partir de conversas fechadas, no gabinete de Eduardo Cunha, a maioria dos aliados de sempre se articulou novamente.
O vice Michel Temer ajudou muito.
No início da tarde, não faltaram parlamentares bem comportados, com discurso na ponta da língua, para garantir o retorno à ordem.
Os mesmos parlamentares que se tornaram campeões de um moralismo barulhento e seletivo foram a tribuna para fingir que falavam de democracia, de respeito ao eleitor. Não faltou quem assumisse ares indignados para falar que não era possível elevar gastos públicos numa conjuntura como a atual — como se as contribuições, privadas entre aspas, de nossos empresários não sejam sempre ressarcidas, com lucros redobrados e correção monetária.
Como bons empregados, ontem eles só queriam defender seus patrões, mostrar-se dignos de sua confiança tão bem representada. Desta vez, contudo, não foi possível fazer um bom teatro. Até pelos tropeços no enredo, tudo ficou muito evidente.
Os líderes dos mesmos partidos que adoram subir a tribuna para elogiar o juiz Sérgio Moro e denunciar a corrupção na Petrobrás trabalharam sem descanso para preservar o sistema de aluguel dos poderes públicos que está na origem das irregularidades, desvios e abusos costumeiros do Estado brasileiro. Ignoraram uma campanha popular que recolheu 700 000 assinaturas no país inteiro para bater continência a quem assina seus cheques de campanha.
E agiram dessa forma sem pudor de fazer hora extra, pois foram obrigados a voltar atrás numa decisão de véspera.
Assim, vinte e quatro horas depois de se recusar a transformar o financiamento de empresas privadas em direito constitucional, a Câmara de Deputados mudou de ideia.
Por 330 votos a favor e 141 contrários — será preciso ainda passar por uma segunda votação — as contribuições privadas passam a fazer parte da Constituição. Não terão força de uma clausula pétrea, como a separação entre poderes, o voto direto e secreto, que não podem ser abolidos. Mas só poderão ser questionadas a partir de uma reforma constitucional.
Os 76 votos que mudaram de lado, de um dia para o outro, estabeleceram o domínio do capital privado sobre o Congresso num grau jurídico que nunca se viu.
A partir de ontem, assume-se que a política brasileira — pois a lei vale para campanhas para presidente, governador, prefeito — tem patrão. Não estou falando de Eduardo Cunha, por favor. Mas daquele personagem social-econômico, que paga para ser obedecido, colocando-se acima dos 200 milhões de eleitores, cidadãos daquele universo democrático onde 1 homem=1 voto.
Está garantido, agora, que temos eleitores de 1 homem=R$ 1 milhão de reais.
Caso a decisão de ontem venha a ser confirmada, o país terá perdido uma chance de tornar-se uma democracia comparável aos regimes mais avançados do mundo, aqueles onde a soberania popular é exercida como o poder fundamental da República. Foram estes países que puderam criar um estado de bem-estar social, onde os trabalhadores e a população pobre têm acesso a um sistema de benefícios capazes de garantir uma vida civilizada as grandes maiorias. E este caminho estava aberto pelo Supremo Tribunal Federal, onde uma maioria de 6 votos a 1 já havia rejeitado o financiamento de empresas privadas, a partir de uma constatação fundamental: pessoas vão as urnas e votam; seres inertes, as empresas não estão capacitadas para isso.
O debate de fundo envolve alterações importantes na vida da maioria dos brasileiros. O cientista político Adam Przeworski demonstrou que o estado de bem-estar funciona através de um pacto de parte a parte. Enquanto os trabalhadores se comprometem a respeitar o regime de propriedade privada os empresários aceitam fazer concessões às chamadas classes despossuídas e subalternas. Przeworski, um autor muito lido no curto período de sua existência em que o PSDB respeitava a palavra ” social-democracia “do batismo, definia este regime como capitalismo democrático.
As democracias com patrão existem, também. A maior delas fica nos Estados Unidos. Ali, nada se aprova que seja contra os grandes interesses privados. É por isso que nos EUA não se consegue criar um sistema de saúde pública equivalente ao que existe na Europa — embora os gastos sejam várias vezes mais altos do que no Velho Mundo. As empresas privadas de saúde não permitem.
Pela mesma razão, as boas universidades são fundações privadas, com mensalidades caríssimas — quem não pode pagar precisa ter um desempenho muito acima da média para conseguir bolsa.
Não é de espantar que o Congresso norte-americano seja capaz até de aprovar guerras para atender a seus financiadores de campanha que costumam ser apresentadas como iniciativas puramente patrióticas.
A força dos lobistas nas decisões políticas dos EUA é tamanha que as empresas privadas costumam ser responsáveis pela contratação e pagamento de funcionários de gabinetes parlamentares, que são emprestados a deputados e senadores — atuando, dentro do Poder Legislativo, como representantes diretos de seus empregadores privados. Imagine como saem os projetos de lei, as propostas, as sugestões. Como é o “debate”.
A força dos lobistas de armas explica porque o país não consegue controlar a venda de submetralhadoras automáticas pelo correio. Ela também ajuda a entender porque a Casa Branca e o Capitólio são os principais sustentáculos diplomáticos do Estado de Israel, postura de alinhamento automático que nem de longe favorece os interesses da maioria da população norte-americana, pelos riscos óbvios que representa para a paz.
Não há dúvida de que os parlamentares brasileiros, ontem, promoveram uma derrota de um esforço histórico para emancipar a política brasileira do interesse direto do empresariado.
Utlizando a gestão de Eduardo Cunha para levar uma política de revanche contra conquistas dos trabalhadores, o projeto de financiamento privado faz parte da mesma conjuntura do PL 4330, da terceirização, que implica em revogar a Consolidação das Leis dos Trabalho — embrião daquilo que se poderia chamar de nosso bem-estar social.
O que se assistiu, na verdade, foi a cena final de uma operação política de envergadura, que vinha sendo articulada há meses, para impedir um avanço que parecia assegurado no Supremo Tribunal Federal. Já no ano passado, depois de uma mobilização popular que recebeu centenas de milhares de assinaturas, formou-se uma maioria de seis votos no STF contra o financiamento de empresas privadas. Pelo placar, a decisão era caso resolvido e não poderia ser mudada, consumando uma vitória que, por boas e profundas razões, tinha um aspecto tão positivo que até podia ser vista como boa demais para ser verdade.
A votação só não avançava em função de Gilmar Mendes, que se manteve impassível, desde agosto do ano passado, inclusive diante dos apelos públicos para devolver seu voto — qualquer que fosse ele — para permitir ao plenário que seguisse nas deliberações e proclamasse a decisão.
Hoje pode-se entender a perfeita lógica daquele espetáculo. Ao travar o avanço de uma decisão cujo resultado lhe era desfavorável, Gilmar Mendes permitiu que Eduardo Cunha articulasse uma nova maioria na Câmara a partir da eleição de 2014. Com isso, ficou assegurado que o empresariado irá manter seu controle sobre a maioria do Legislativo brasileiro, numa vantagem como poucas vezes se viu em nossa história política.
A operação só não foi inteiramente bem sucedida porque, num acidente de percurso, um descuido de última hora, faltaram os votos na votação de anteontem. Na manhã de ontem, a partir de conversas fechadas, no gabinete de Eduardo Cunha, a maioria dos aliados de sempre se articulou novamente.
O vice Michel Temer ajudou muito.
No início da tarde, não faltaram parlamentares bem comportados, com discurso na ponta da língua, para garantir o retorno à ordem.
Os mesmos parlamentares que se tornaram campeões de um moralismo barulhento e seletivo foram a tribuna para fingir que falavam de democracia, de respeito ao eleitor. Não faltou quem assumisse ares indignados para falar que não era possível elevar gastos públicos numa conjuntura como a atual — como se as contribuições, privadas entre aspas, de nossos empresários não sejam sempre ressarcidas, com lucros redobrados e correção monetária.
Como bons empregados, ontem eles só queriam defender seus patrões, mostrar-se dignos de sua confiança tão bem representada. Desta vez, contudo, não foi possível fazer um bom teatro. Até pelos tropeços no enredo, tudo ficou muito evidente.
POR PAULO MOREIRA LEITE
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