domingo, 30 de julho de 2017

NOSSA DEMOCRACIA SOB ATAQUE

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O pressuposto básico de toda democracia é: o que interessa a todos, deve poder ser decidido por todos, seja direta, seja indiretamente por representantes. Como se depreende, democracia não convive com a exclusão e a desigualdade que é profunda no Brasil.

Verdadeiro é o juízo de Pedro Demo, brilhante sociólogo da Universidade de Brasíia em sua Introdução à sociologia:”Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Políitico é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaniquados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima…Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação”(p.330.333).

Não obstante, não desistimos de querer gestar uma democracia enriquecida, especialmente a partir dos movimentos sociais de base, proclamando o ideal de uma sociedade na qual todos possam caber, a natureza incluída. Será uma democracia sem fim (Boaventura de Souza Santos), cotidiana, vivida em todos os relacionamentos: na família, na escola, na comunidade, nos movimentos sociais, nos sindicatos, nos partidos e, evidentemente, na organização do Estado democrático de direito, se costuma dizer. Portanto, pretende-se uma democracia mais que delegatícia que não começa e termina no voto, mas uma democracia como modo de relação social inclusiva, como valor universal (N.Bobbio) e que incorpora os direitos da natureza e da Mãe Terra, daí um democracia ecológico-social.

Esse último aspecto, o ecológico-social, nos obriga superar um limite interno ao discurso corrente da democracia: o fato de ser ainda antropocêntrica e sociocêntrica, vale dizer, centrada apenas nos seres humanos e na sociedade. O antropocentrismo e sociocentrismo representam um reducionismo. Pois o ser humano não é um centro exclusivo, nem mesmo a sociedade, como se todos os demais seres não entrassem na nossa existência, não tivessem valor em si mesmo e somente ganhassem sentido e valor enquanto ordenados ao ser humano e à sociedade.

Ser humano e sociedade constituem um elo, entre outros, da corrente da vida. Sem as relações com a biosfera, com o meio-ambiente e com as precondições físico-químicas não existem nem subsistem. Elementos tão importantes, devem ser incluidos em nossa compreensão de democracia contemporânea na era da nascente geosociedade e da conscientização ecológica e planetária segundo a qual natureza, ser humano e sociedade estão indossoluvelmente relacionados: possuem um mesmo destino comum como bem se diz na encíclica ecológica do Papa Francisco “cuidando da Casa Comum” e na Carta da Terra.

A perspectiva ecológico-social tem, ademais, o condão de inserir a democracia na lógica geral das coisas. Sabemos hoje pelas ciências da Terra e da vida, que a lei básica que subjaz à cosmogênse e a todos os eco-sistemas é a cooperação de todos com todos, a sinergia, a simbiose e a interrelação entre todos, não é a vitória do mais forte.

Ora, a democracia é o valor e o regime de convivência que melhor se adequa à natureza humana cooperativa e societária. Aquilo que vem inscrito em sua natureza é transformado em projeto político-social consciente.Funda o fundamento da democracia: a cooperação, o respeito aos direitos e a solidariedade sem restrições. Realizar a democracia significa avançar mais e mais no reino do especificamente humano. Significa re-ligar-se também mais profundamente com a Terra e com o Todo.

Isso é o ideal buscado. No entanto, o que estamos assistindo nos dias atuais é o contrário: um ataque à democracia a nível mundial e nacional. O avanço do neoliberalismo ultrararadical que mais e mais concentra poder em pouquíssimos grupos, radicaliza o consumismo individualista e visa a alinhar os demais países à lógica do Império norteamericano, solapa as bases da democracia. O golpe parlamentar dado no Brasil se inscreve dentro desse ideário. Já não conta a Constituição e os direitos, mas se instaura um regime de exceção onde os juízes determinam a esfera da política. Bem disse o cientista político da UFMG Juarez Guimarães: ”Acho errado chamar Moro de juiz parcial. Na verdade, é um juiz corrompido politicamente. Ele está exercendo o seu mandato de juiz de forma partidária, contra a Constituição e contra o povo brasileiro”

Os golpistas abandoram a democracia e a soberania popular em favor do domínio puro e simples do mercado, dos rentistas e da diminuição do Estado. Isso foi denunciado recentemente pelo nosso melhor estudioso da democracia Wanderley Guilherme dos Santos em seu livro, silenciado pela midia empresarial,”Democracia impedida” e pelo citado cientista político Juarez Guimarães numa entrevista publicada, recentemente, no Sul21.

Ninguém pode prever o que virá nos próximos tempos. Se os golpistas levarem até o fim seu projeto de privatizações radicais a ponto de desgraçarem a vida de boa parte da população, poderemos conhecer revoltas sociais. Num sentido melhor, fazem sentido as palavras do editor da Carta Capital Mino Carta:”o golpe de uma quadrilha a serviço da Casa Grande teve o condão de despertar a consciência nacional”. Cuidado: uma vez despertada, esta consciência pode alijar seus opressores e buscar um outro caminho.

sábado, 29 de julho de 2017

A HONESTIDADE É PARCEIRA DA CORRUPÇÃO?

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A transformação da honestidade em bandeira política é a transformação de um requisito em um objetivo. Os riscos que correm as sociedades que apostam nessa inversão são enormes, porque tal deslocamento elege a corrupção como o grande mal a ser combatido, enquanto o mal são os problemas reais que criam as condições favoráveis para a proliferação de relações corrompidas. Transformar a honestidade em bandeira esvazia a pauta política, os deveres políticos de quem governa, e deixa o espaço aberto para a antipolítica, que se traduz no jeitinho, nos favores, na exceção à regra, no olho fechado, no silêncio cúmplice.


Na polarização a que temos assistido, um dos maiores erros conceituais que podemos cometer é o de achar que a boa política ama os pobres e a pobreza, odeia os ricos e a riqueza. A boa política ama os pobres e a riqueza, a riqueza como bem material e imaterial, que fornece os meios necessários para que cada pessoa alcance os próprios objetivos. A boa política ama os pobres e busca a distribuição de renda para que os meios econômicos estejam dignamente ao alcance de todos.


Já a busca pela riqueza a qualquer custo é uma busca essencialmente corrupta. A riqueza como um fim em si mesmo se chama processo de acumulação. Se ignorados os princípios básicos de respeito pela dignidade humana, esse tipo de enriquecimento vale-se da maior exploração possível, do uso de formas análogas à escravidão, da sujeição das pessoas por meio da chantagem econômica, da grilagem, da propina, da usura para alcançar os seus objetivos. Se alguém disser que tudo o que disse é regulamentado por lei, com maior razão posso afirmar que essa bandeira de honestidade é aliada da corrupção.


A bandeira da honestidade, como objectivo puro e simples, não está interessada na justiça, mas na justificação. Não se preocupa com as desigualdades, mas com a legalidade. Passa-se batido pela análise conceitual, explicando candidamente que se é legal então está certo, e então é necessário sacrificar-se.


Que tristeza é ver o Brasil retrocedendo, rasgando o seu estatuto democrático em nome de um neomedievalismo. Por que medievalismo e não neoliberalismo? Por que aquilo a que estamos assistindo é muito mais profundo que uma acentuação da acumulação capitalista. É uma nova Idade Média de fato, com a ascensão de uma classe religiosa ávida pela dominação da política, por uma economia rentista, baseada na propriedade e do acúmulo de riqueza e não na produção e no consumo. Não é casual que o consumo esteja despencando e a indústria do luxo esteja em alta. Produz-se apenas para os que possuem riquezas, para aquele um por cento do planeta que procura por meio de subterfúgios legalizar a falta de dignidade dos outros noventa e nove por cento, que trata os trabalhadores como os servos do momento. Não é casual que haja um desmonte do Estado: não é preciso estruturas burocráticas onde se destrói o conceito de cidadania e a possibilidade de exercê-la.



E se alguém disser que estou exagerando, porque não consegue ver o que vejo no horizonte, eu digo: graças a Deus que estudei literatura, para imaginar epílogos verossímeis. A arte nos concede esta habilidade: a de prever, usando como base os elementos que o passado nos fornece. E a língua oferece esta outra: a de perceber que conceitos distantes às vezes são mais próximos do que podemos supor em um primeiro momento. O que defendemos, por ser aparentemente bom, pode ser a nossa ruína. Mas depois da Idade Média virá o Renascimento. Lutem por ele.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

ERAM SÓ 653 QUILOS DE COCAÍNA

Resultado de imagem para cocaina A comercialização de drogas ilícitas é prática que atravessa séculos. Mas, atualmente, a comercialização tem-se intensificado. O transporte de drogas é feito via transporte rodoviário, marítimo, ferroviário, aéreo. Também através de transporte conhecido como “mula de carga”. Isto é, usam pessoas para transportar drogas. Sobretudo, mulheres e jovens. Contudo, chama atenção a facilidade da comercialização em proporções espantosas.

Quase todo ser humano é dependente de algum tipo de droga, lícita ou ilícita. As drogas ilícitas mais conhecidas são a maconha, cocaína, crack, ecstasy, LSD, inalantes, heroína, barbitúricos, morfina, Skank, chá de cogumelo, anfetaminas, clorofórmio, ópio e outras. Segundo relatório divulgado em Londres em 4 de junho pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE), o Brasil aparece entre as maiores nações que produzem, importam e exportam drogas. No ranking mundial o Brasil fica ao lado da Austrália, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Japão, Holanda, Paquistão e Estados Unidos. As drogas mais produzidas e comercializadas no Brasil são substâncias psicotrópicas, ou aquelas que atuam diretamente no cérebro, como cocaína, anfetamina, álcool, heroína, etc. Ao contrário do que dizem os governantes, o consumo e a comercialização de drogas têm aumentado significativamente no país. Segundo o relatório o aumento anual é de 0,7% no Brasil. Isto significa que mais jovens, adolescentes e adultos se tornam dependentes e há mais mortes de vítimas do consumo e tráfico de drogas.

Os estudos apontam que a cocaína apreendida no Brasil vem em maior quantidade da Bolívia, depois do Peru e em seguida da Colômbia. O consumo de cocaína na América do Sul é três vezes maior do que a média mundial. No Oriente Médio o tráfico de cocaína também tem crescido por vias aéreas e marítimas originárias da América do Sul. Fato recente no Iêmen, 115 kg de cocaína foram apreendidos de um contêiner enviado do Brasil. No Líbano, 13 kg de cocaína foram apreendidos em aeronave proveniente do Brasil, via Catar. Reconhecidamente o Brasil está na rota mundial do tráfico de drogas.

A causa do crescimento no Brasil é a redução de recursos e de políticas públicas de combate às drogas. A prova está em pleno centro da cidade de São Paulo com a famosa Cracolândia. A nomenclatura Cracolândia deriva de crack+lândia, ou seja, terra do crack. A Cracolândia é a região em que se desenvolve intenso tráfico de drogas e meretrício. Pior, São Paulo não é o único caso, em todos os centros urbanos do país vive-se situação igual. Alarma que além dos centros urbanos e periferias, a droga chega às zonas rurais, até aos extremos dos rincões.

Infelizmente no Brasil a produção, comercialização e o consumo de drogas independe das regiões e classes sociais. No dia 25 de junho, na fazenda do Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, uma aeronave tentou decolagem com 500 quilos de cocaína, mas foi interceptada pela Polícia Federal. Por sua vez, o ministro explica através de seu Twitter: “a fazenda Itamarati é extensa e enfrenta, como Mato Grosso, a ação vulnerável do tráfico”. De fato, a fazenda tem 11 pistas para pousos eventuais. Ademais, recentemente um helicóptero de propriedade de políticos também foi interceptado transportando drogas. Mas, o mais revoltante e vergonhoso é que ninguém foi preso até o momento. Afinal, eram só 653 quilos de cocaína na propriedade do maior produtor de soja do mundo...

quinta-feira, 27 de julho de 2017

RETORNAR

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A trajetória humana é uma história em muitos capítulos, onde estão registrados encontros e desencontros, até que, num determinado momento, você descobre o sentido de viver e passa a ter convicções claras e posturas determinadas.

Foi mais ou menos isso que aconteceu com a cantora brasileira Elba Ramalho. Sua infância humilde foi marcada pela religiosidade. Sem titubear afirmou: ‘Nossa Senhora da Conceição era nosso farol e nossa guia.’ Mas depois veio a adolescência e a juventude.

Com o olhar perdido no infinito acrescentou: ‘liberdade demais acaba se tornando uma prisão. Passei por experiências difíceis e delicadas com drogas, com loucuras, exaltando sempre minha liberdade e meus direitos.’ Assim como acontece com a maioria, os anos foram passando e, como que num processo crescente, aos poucos, Elba Ramalho retonou aos ensinamentos da infância. Com uma alegria sem igual, afirmou: ‘um dia reencontrei Nossa Senhora de uma forma mística, bonita e profunda.

Através das suas mãos maternais e de seu sim, que representou a salvação do mundo, no mistério onde se encerra o mistério de nossa religião, que é a Trindade Santa, eu voltei a ser católica.’

Entre outros comentários, Elba Ramalho acrescentou: ‘quando eu vejo uma pessoa dizer que é católico não praticante, eu digo que não conheço essa religião onde se pode pertencer e não ser praticante.

O praticante conhece o evangelho, vai à missa, confia na misericórdia, segue os passos de Jesus.’ Já no final do bate-papo, a cantora emocionada acrescentou: ‘foi pela misericórdia de Jesus que eu fui resgata do peso dos meus pecados e, hoje, atuo no movimento pró-vida.’ Certamente muitos acabam se identificando com o relato de Elba Ramalho.

Não são poucos os que seguem outros caminhos, mesmo depois de uma infância estruturada em valores e atitudes coerentes. A liberdade proclamada em determinados meios e circunstâncias nem sempre liberta. Há tantos vivendo a ilusão de uma liberdade que não liberta, mas escraviza.

A história de vida de cada um pode ter tropeços, exageros, desacertos. A coragem de voltar faz com que todos os percalços sejam deixados para trás. Para além das limitações e dos erros está a possibilidade de reconstruir um novo itinerário, seguindo outro rumo. A vivência da fé pode ser o começo de muitas mudanças e de infinitas transformações.

Sempre é tempo de retornar à simplicidade e ao cultivo daqueles valores que transcendem o cotidiano. Porém, mudanças só acontecem a partir de convicções. A fé é capaz de relativizar o que não deu certo e mostrar outro caminho, repleto de possibilidades, feito de muita misericórdia. Sim, só o amor é capaz de proporcionar a verdadeira liberdade.
  

terça-feira, 25 de julho de 2017

PARA UMA REFLEXÃO: BUDISMO E CRISTIANISMO

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Buda, a quem Hermann Hesse dedicou o romance “Sidarta”, se chamava Sidarta Gautama e viveu na Índia 500 anos antes de Cristo. O século VI a.C. foi pródigo em sábios e iluminados: Tales de Mileto, Lao-Tsé, Confúcio e os profetas Jeremias e Ezequiel.

Há muito em comum entre Buda e Jesus. Segundo reza a tradição, os dois nasceram de uma virgem. No caso de Buda, sua mãe, Maya, teria sido fecundada por um pequeno elefante que penetrou em seu lado esquerdo. Buda e Jesus não deixaram nada escrito e formaram seus discípulos através de sentenças e parábolas emblemáticas. Os dois não fundaram religiões; propuseram uma via espiritual centrada no amor, na compaixão e na justiça, capaz de nos conduzir ao que todo ser humano mais almeja: a felicidade.

Muito aprendi do budismo. Em especial a sua principal lição, o modo de evitar, ou ao menos aplacar, o sofrimento. Não a dor, que pode ser contida por medicamentos. Mas o sofrimento que dilacera a alma, confunde a cabeça, tritura o coração, suscita sentimentos e atitudes negativas.

Buda descobriu que todo sofrimento decorre de um único fator: o apego. A bens materiais, ao ego, a recordações nocivas, a ambições desmedidas, e também a cargos ou funções, como bem o comprova o atual cenário político brasileiro. Jesus dirá o mesmo, séculos depois, com outras palavras.

Como se livrar do apego e, assim, evitar o sofrimento e desfrutar da felicidade? Buda ensinou que, para isso, é preciso esvaziar a mente, e o método se chama meditação. Ao olhar para fora, sonhamos; ao olhar para dentro, despertamos.

Considero a meditação a forma mais apropriada de oração pessoal. Porque induz a se esvaziar de si e se deixar ocupar por Deus, como sinaliza a genial canção de Gilberto Gil, “Se eu quiser falar com Deus”.

O termo meditação é recorrente na tradição mística cristã; porém, não aparece nos evangelhos. No entanto, Lucas registra com acuidade os momentos de oração de Jesus: “Ele permanecia retirado em lugares desertos e orava” (5, 16); “Naqueles dias, ele foi à montanha para orar e passou a noite inteira em oração a Deus” (6, 12); “Certo dia, ele orava em particular” (9, 18); “Ele subiu a montanha para orar” (9, 28).

Ora, se Jesus “passou a noite inteira em oração”, ele que nos ensinou a não multiplicar as palavras ao falar com Deus, certamente meditava, ou seja, abria mente e coração para que o Pai o povoasse por inteiro. Muitas vezes nós, cristãos, falamos de Deus, falamos a Deus, falamos sobre Deus, mas não deixamos Deus falar em nós. E a meditação é um exercício do acolhimento do Mistério.

Em tempos de fundamentalismos teológicos e intolerâncias religiosas, o diálogo entre pessoas e grupos de concepções distintas é, sem dúvida, o caminho mais curto para evitar preconceitos e discriminações, ofensas e perseguições. Até porque Deus não tem religião.

Embora eu creia que Jesus é “o caminho, a verdade e a vida”, jamais estarei seguro de que minha visão religiosa coincide com A verdade. Sempre me recordo do missionário que, na China, no início do século XX, pregou a doutrina cristã a uma multidão e encerrou ao dizer: “Acabo de anunciar-lhes a verdade!” Um chinês levantou o braço e a palavra lhe foi concedida: “Padre, há três verdades: a sua, a minha e a verdade verdadeira. Nós dois, juntos, devemos buscar a verdade verdadeira.”

segunda-feira, 24 de julho de 2017

MULTAS DE TRÂNSITO

ANDO DEVAGAR...
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Ando devagar porque já fui multado. Mais de uma vez... Verdade que nunca foi por exagero. Ainda tenho pontos na carteira para continuar dirigindo. Minhas multas foram daquelas multas idiotas. O limite era 50 sobre a ponte do Rio Gravataí, na Rodovia do Parque, na grande Porto Alegre. Passei a 63 Km/h. Demorou mais de três meses, mas ela chegou. Descendo a BR 470, de Carlos Barbosa em direção a São Vendelino, na serra gaúcha, o limite era de 60 por hora e eu fui flagrado, por um radar móvel, aquele tipo “secador de cabelo”. O policial estava escondido atrás de uma árvore, logo depois da curva. E eu a 73 quilômetros por hora. Coisa mínima. Um pouquinho além do limite. Mas o suficiente para ter os pontos na carteira de motorista e uns reais a menos na carteira onde guardo o pouco dinheiro que ganho.

Tem outra multa que ainda estou esperando. Na mesma BR 470, na passagem por Bento Gonçalves.. De novo o policial rodoviário escondido atrás de uma curva. Com a federalização, a estrada melhorou muito, há que se reconhecer. Não tem mais buracos, a sinalização é boa, iluminação e radares. Tudo bem... O pessoal que estava acostumado com a buraqueira, agora que a estrada está boa, tem a tentação de recuperar o tempo perdido. Daí a razão dos radares móveis e das multas. Mas a minha multa foi injusta. Verdade que todos dizem isso! Mas eu explico e peço sua consideração. Depois do último pardal fixo, onde a velocidade é de 50, você vê o sinal de que pode andar a 60, depois a 80, aí, 200 metros depois, a velocidade volta a 40. Sem nenhuma razão aparente, 300 metros adiante volta a 60, depois a 80 e, subitamente, depois da curva, lá está a placa de 50 quilômetros por hora. E aí já não há tempo para reduzir a velocidade. O policial aí está, impávido, com o olho na mira acompanhando o deslocamento do carro. O alvo é a placa. Não tem apelo! Só esperar o golpe.

O mesmo ocorre no entorno de Carlos Barbosa, Veranópolis e Vila Flores que também são cruzadas pela BR 470. Não há uma lógica para as velocidades estabelecidas. Parece que juntaram um monte de placas com números diferentes e foram espalhando-as aleatoriamente ao longo do caminho. Essa forma ilógica de dispor as placas parece ser a única lógica plausível no caso.

Mas, e é aí que eu fico ainda mais espantado, é que, se você tenta obedecer à sinalização e rodar nas velocidades estabelecidas, aí você corre um sério risco muito maior que o da possível multa. O risco de ter seu carro abalroado por alguém que vem atrás. Aí estão as placas com seus números implacáveis, você segue a velocidade indicada e atrás vem um, dois, três, vários carros, camionetes, caminhões com dois, três, quatro eixos, bitrens e tudo mais que anda sobre duas, quatro, seis, oito ou não sei quantas rodas, dando luz alta em pleno dia, sinalizando que vão ultrapassar, buzinando, acenando com o braços, insultando sua linhagem materna até a sétima geração, afirmando aos berros que sua mulher sai com todos os homens da cidade e que você não pode mais passar por baixo dos fios de alta tensão, duvidando de sua identidade de gênero, mandando você prá tudo o que é lugar, inclusive aquele... Tudo isso para reclamar que você está andando na velocidade estabelecida para aquele trecho. E todos eles sabem que, atrás da próxima curva, pode haver um policial com um “secador de cabelo” na mão, mirando para você, para eles, para todos nós e que, em breve, a temida multa chegará a nossas casas.

Sinceramente. Não entendo nem uma coisa nem outra. Mas fiz o estoico propósito de que não vou me alterar nem com a ilógica distribuição das placas de velocidade e nem com os intrépidos colegas de volante que sabem que podem ser multados, mas continuam insistindo em andar em velocidades superiores às estabelecidas.

Para me ajudar a manter o propósito, no pen-drive que me acompanha nas viagens, entre outras músicas, a impagável do Almir Satter: “Ando devagar porque já tive
pressa...”

sexta-feira, 21 de julho de 2017

A ALARMANTE DESIGUALDADE BRASILEIRA

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É alarmante a desigualdade de renda no Brasil. Dos bens declarados à Receita Federal por quem paga imposto de renda, 47% representam dinheiro investido no cassino do mercado financeiro (ações, CDBs, títulos de renda fixa, poupança etc).

Os donos desses recursos, na linguagem do sistema financeiro, são chamados correntistas de Private Banking. Ou seja, merecem atendimento especial nos bancos por disporem de muito dinheiro. Por exemplo, no Bradesco só entra nessa categoria quem deposita mais de R$ 5 milhões.

Segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), no final de 2016 o Private Banking brasileiro tinha estocado R$ 831,6 bilhões, montante vindo de apenas 112 mil clientes ou 54,1 mil famílias. Tais clientes formam a mais poderosa elite do país.

Graças aos juros elevados (o Banco Central manteve por 10 meses a taxa de 14,25%) e à valorização de 40% das ações na Bolsa de Valores, os investimentos dessas 112 mil pessoas físicas engordaram 11,7%.

Já os menos ricos, aqueles que possuem menos de R$ 1 milhão, somaram 63,8 milhões de pessoas. Elas aplicaram no mercado financeiro R$ 854,7 bilhões, sendo que 62,5% das pessoas preferiram a caderneta de poupança, de pouca rentabilidade. Considerada a inflação de 6,29%, elas tiveram um ganho de apenas 3,3%.

Enquanto o número de pequenos investidores diminuiu 4% em relação a 2015, o de grandes teve alta de 16,1%, o que comprova que a renda do brasileiro se concentra sempre mais em menos mãos.

Desses 112 mil ricaços, apenas 0,4% aplicaram na caderneta de poupança. Os demais preferiram ativos de renda fixa (33,8%) e fundos de investimento (44,2%).

O detalhe que chama a atenção é o fato desses 112 mil brasileiros aumentarem as suas fortunas sem contribuir para fazer crescer a capacidade produtiva do país e gerar empregos.

Muitas aplicações financeiras são isentas de impostos ou têm a sua escala de imposto reduzida na proporção do tempo em que permanecem no banco. Aliás, os ricos da América Latina figuram entre os que menos pagam impostos no mundo. No continente, os 10% mais ricos concentram 71% da riqueza, e pagam apenas 5,4% de seus rendimentos em impostos. No Brasil, cerca de 6% (dados da Cepal). Nos EUA, o percentual é de 14,2%. No Reino Unido, 25%. Na Suécia, 30%.

As três principais razões da injustiça fiscal na América Latina, onde os ricos pagam menos impostos que os pobres, são o tributo regressivo, a evasão fiscal e os incentivos fiscais.

Para ter caixa e aplicar recursos, os governos recolhem impostos diretos (sobre rendimentos e imóveis citados na declaração de imposto de renda) e impostos indiretos (contidos em todo produto que consumimos).

Os diretos são óbvios, quem ganha mais paga mais. Os indiretos, injustos, pois ricos e pobres pagam o mesmo imposto ao comprar arroz, gasolina, roupa, remédios etc.

Embora a arrecadação de impostos tenha crescido mais de 42% nos últimos anos na América Latina (no Brasil chega a 35% do PIB, quando a média continental é de 21%...), apenas 1/3 desse volume provem de taxação sobre a renda. Os restantes 2/3 vêm do consumo. Ora, em uma sociedade justa o peso dos impostos cairia sobre a renda e o patrimônio (os mais ricos), e não sobre o consumo (os mais pobres).

Outro fator de injustiça é a sonegação. A Cepal calcula que chegue a 320 bilhões de dólares por ano na América Latina. Graças a competentes advogados e hábeis contadores, muitas empresas e ricos conseguem escapar da mordida do Leão.

E há os incentivos fiscais. Ou seja, uma empresa deveria pagar ao Leão o valor 10, mas entrega apenas 1, graças a deduções, isenções e exceções na lei. Os empresários alegam que, ao receberem desoneração tributária, estarão em condições de baratear seus produtos e serviços, além de poupar capital para novos investimentos.

Um dos resultados desses três nefastos privilégios às elites é o déficit fiscal cada vez maior (os governos gastam mais do que arrecadam). Daí o ajuste fiscal imposto por Temer e cujo buraco ele espera que seja coberto, não pela adoção do imposto progressivo, e sim pelas reformas trabalhista e da Previdência. Em suma, os pobres pagarão pelos ricos.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

EMPATIA NÃO É SALGADINHO

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A gente se viu numa casa sem pavimento, com um fogareiro de chão, feito com pedras e alguns pedaços de ferros que serviam de grade. Uma chaleira chamuscada esquentava a água que se transformaria em café. O bule nunca tinha visto um lustre: palha de aço era um luxo que aquelas pessoas não podiam se permitir. O café começou a ser passado em um coador velho: eu não sentia, mas já imaginava o cheiro azedo. A minha mãe me olhou de cara feita: ai de mim se recusasse o café que seria oferecido. Porque aquele café era o único modo que a família tinha para agradecer pelos nossos modestos presentes.


Para entender como a minha mãe me deu minha primeira lição de empatia, é preciso explicar que eu me sentia pobre. Presentes, os poucos que chegavam, vinham nas datas obrigatórias e eram quase sempre brinquedos de pouco valor. Raramente tive uma boneca famosa na minha geração, as minhas eram sempre imitação. Eu ficava feliz de qualquer forma, mas achava que éramos muito pobres.


Eu tinha seis anos, era Natal e a minha mãe mandou que meu irmão e eu escolhêssemos os brinquedos que daríamos para outras crianças. Caridade de pobre é compartilhar a pobreza, mas aos seis anos isso soa como uma ameaça e uma punição. Paciência, minha mãe não era mulher de dar conselho, a sua palavra era ação ante litteram.


Só percebi com tristeza e pavor que podia existir uma pobreza mais terrível que a nossa quando bebi o café oferecido pela senhora que recebeu os nossos presentes para os seus filhos. Não deu para eu me sentir felizarda, porque estava triste por deixar um brinquedo de que eu gostava e que era um dos poucos que eu tinha. Mas deu para aprender a lição da empatia: sentir uma tristeza que era minha e ao mesmo tempo era desgosto por ver outras crianças em uma situação de exclusão. Apesar de ter apenas seis anos, senti que ninguém estava livre de acabar num casebre sem pavimento, sem fogão, sem empadinha, sem peru na noite de Natal. Entendi na prática o que é empatia.


Às vezes leio e ouço o que dizem os meus conterrâneos sobre a pobreza estrutural do nosso país e me questiono: será que eles ignoram o sofrimento dos pobres por temor de sentirem empatia? Ou será temor da pobreza que temos na nossa própria história pessoal ou familiar? Será que nunca fomos além das ideias e dos temores que tínhamos aos seis anos? Onde foi que perdemos o curso na estrada da nossa história? Onde abdicamos da memória e das lembranças doídas? Será que foi onde descobrimos a vergonha?


Às vezes, entre um café azedo e uma empadinha cheirosa, o caminho mais bonito passa pela pobreza, quando sabemos compartilhar e quando sabemos lem
brar de onde viemos e para onde vamos.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

CRISE E CAOS

Estamos numa situação generalizada de crises sobrepostas umas às outras e num ambiente de caos.

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Os conceitos de crise e de caos podem nos ajudar a entender nossa realidade contraditória. Para esclarecer a crise se usa o diagrama chinês, composto por dois traços: um expressando o risco e o outro, a oportunidade. Efetivamente a crise contem o risco de desmonte de uma ordem até degenerar na barbárie. Mas também pode representar a oportunidade de refundação de uma nova ordem. Eu pessoalmente prefiro a origem filológica sâncrita de crise. Ela se deriva da palavra kir ou kri que significa limpar e purificar. Daí vem a expressão acrisolar: limpar de tudo o que é acidental até vir à tona o cerne. E crisol, o cadinho que purifica o ouro das gangas. Tanto em chinês quanto em sânscrito, as palavras são diferentes mas o significado é o mesmo.

Algo parecido ocorre com o caos consoante a cosmologia contemporânea. Por um lado, ele é destrutivo de uma ordem dada e por outro, é construtivo de uma nova ordem diferente. Do caos, nos diz Ilya Prigogine, Nobel de química, nos veio a vida.

Aplicando estes sentidos à nossa situação, podemos dizer que a crise generalizada e o caos dominante podem, se não soubermos manejar sua energia destrutiva, degenerar em barbárie e se aproveitarmos a positiva, numa nova configuração social do Brasil.

Atualmente vigora a oportunidade de fechar o ciclo de um tipo de política que nos vem desde a colônia, fundado na conciliação entre si das classes abastadas e sempre de costas para o povo, hoje atualizada pelo presidencialismo de coalizão. Parece que este modelo de fazer política e de organizar o Estado, controlado por estas classes e que implica grandes negociatas e muita corrupção, não pode ser levado avante. A Lava-Jato teve o mérito de desmascarar este mecanismo perverso e anti-social.

No entanto, o golpe parlamentar foi dado por estas classes no interesse de prolongar esta ordem que garantiria seus privilégios, no propósito de desmantelar os avanços sociais das classes populares emergentes e alinhar-se à lógica do Grande Capital em escala mundial, hegemonizado pelos USA.

Como observou Márcio Pochamann, um dos melhores analistas das desigualdades sociais e da riqueza e pobreza do pais, “a elite brasileira escolheu o lado errado”(O golpe e a traição das elites: http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2017/05/traicao-das-elites ). Ao invés de aliar-se ao novo, ao arranjo político, econômico e social, à maior iniciativa do desenvolvimento multilateral desde o final da Segunda Guerra Mundial, iniciada na Eurásia que propõe uma globalização inclusiva e que nós pelo BRICS estávamos incluidos, escolheu o alinhamento tardio às forças que detém a hegemonia mundial. O orçamento desta nova iniciativa da Eurásia está estimado em US$ 26 trilhões até o ano de 2030 envolvendo 65 outras nações que responde por quase 2/3 de população mundial. Criam-se oportunidades de desenvolvimento, a começar pelos mais necessitados. Aqui poderíamos estar e não estamos por causa de nossa inépcia e de nossa subserviência.

Esse projeto aponta para uma nova ordem mundial, uma espécie de keynesianismo global, inovador, com uma possível maior igualdade e justiça social, respeitada a soberania das nações.

O grupo ao redor de Temer optou pelo velho sistema militarista e imperial cuja segurança reside em bases militares distribuidas por todo o mundo. Entre nós estão na Argentina, no Paraguai, no Chile, no Peru, na Colómbia e também no Brasil através da cessão da base de Alcântara no Maranhão.

A venda de terras a estrangeiros, especialmente, lá onde existe grande abundância de água – por aqui passa o futuro da humanidade junto com a biodiversidade – fere profundamente nossa soberania e ofende o povo brasileiro, cioso de seu território.

Uma vez mais estamos perdendo a oportunidade do lado positivo da crise e do caos atuais. Desperdiçamos esta chance única, por falta de um projeto de nação livre e soberana. Deve-se, usando uma expressão de Jessé Souza à “tolice da inteligência brasileira” que está aconselhando Temer.

O efeito se nota por todas as partes: os 14 milhões de desempregados, os 61 milhões de inadimplentes, a desindustrialização, os 33 navios em construção entregues à ferrugem e a neocolonização imposta que nos faz apenas exportadores de commodities.

Assistimos, anestesiados, a este crime contra o futuro do povo brasileiro. Temer, sob vários processos, cuida de si mesmo ao invés de cuidar do povo brasileiro. Uma onda de indignação, de tristeza e de desamparo está se abatendo sobre quase todos nós. Da recessão econômica estamos passando à depressão psicológica. Se não reagirmos e não nos munirmos de coragem e de esperança, a barbárie poderá estar apenas a um passo. Recusamo-nos a aceitar este inglório destino.

terça-feira, 18 de julho de 2017

RECEBER E DAR O MELHOR


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Um dia perguntaram para um sábio: “quantos tipos de amizades existem? Quatro, respondeu ele. Existem amigos que são como a comida: você precisa deles todos os dias. Há amigos que são como remédios: você os procura quando se sente mal. Outros amigos são como as doenças: eles te procuram. Mas existem amigos que são como o ar: tu não os vês, mas sempre estão contigo.” A amizade é uma temática sempre presente e jamais repetitiva. Por mais que se fale da importância de criar laços, sempre restará algo a ser dito sobre o amor que une os amigos. A definição de amizade parece não encontrar palavras adequadas para explicar a grandiosidade desse sentimento que inspira tantas histórias de proximidade, encontro, parceria, sorrisos e até de lágrimas. A vida não seria o que é se não houvesse a presença dos amigos.

Talvez não seja necessário classificar as amizades. A diversidade enriquece o pertencimento, pois cada pessoa é única, com seus próprios dons, permitindo uma manifestação, sem igual, de afeto e de ternura. Porém, um sábio reuniu os amigos, aproximando-os em quatro grupos. Não deixa de ser interessante a classificação: os amigos com os quais é possível contar todos os dias, assim como todos tem a necessidade de alimentar diariamente o corpo. Alguns amigos são procurados somente em algumas necessidades, por isso se parecem com medicamento. Há aqueles amigos que procuram por você quando necessitam de algo. Mas há amigos, no entanto, que são como o ar, não são vistos diariamente, mas estão sempre presentes.

A tentativa de classificação dos amigos não interfere no significado particular de cada amizade. Um amigo oferece o seu melhor e recebe o melhor, como retorno. Essa é a sustentação da amizade: fazer o melhor circular, através de contínuas trocas. Dar e receber: especialidade de corações que se completam, de sonhos que recebem retoques excepcionais, de olhares que comunicam e compreendem, ao mesmo tempo. Há tantas formas de amar, mas o amor que jorra espontaneamente de um coração amigo é por demais especial. Uma vida inteira não é suficiente para agradecer a presença de amigos e amigas que não deixam a rotina se aproximar. A amizade é um pouco do céu misturado com a aridez da terra.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

QUE FALTA FAZ O SUCUPIRA.

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Conta a lenda que ele é um indiozinho, do tamanho de uma criança, cabelos avermelhados, pés voltados para trás, forte e muito esperto. Mora nas florestas e sua missão é proteger as árvores e os animais das matas. Para isso ele não descansa nunca e está sempre pregando peças para assustar e dissuadir os lenhadores e caçadores, inimigos das florestas e dos animais.

Ele, o menino Curupira, usa de artifícios de ilusionismo, atordoando os inimigos com truques e com maquinações que deixam os invasores e predadores confusos, assustados e perdidos. Seu assovio agudo é sua arma maior e, seu disfarce para não ser capturado, é caminhar com os pés voltados para trás. Um ilusionista do bem na luta contra os pragmáticos do mal.

Lembrei dessa lenda porque ando cansado da ciência e do conhecimento técnico que explicam e dominam friamente o mundo, instrumentalizando tudo e todos, mas deixando rastros de sofrimento e morte por todos os lados. O mundo desencantado, sem mitos, sem lendas, sem histórias e narrativas fantásticas de entes imaginários, com ar de inocência infantil, está nos deixando a todos sem aquele espírito imaginativo, típico das crianças, que ainda poderia ser algum alento para mentes em busca de sentido. Nada mais parece fazer sentido e já não temos protetores à altura das causas nobres, como são a preservação das florestas e dos animais. Que falta faz o Curupira!

Como seria bom se em cada aviário, em cada fazenda de bois confinados, em cada fazenda industrial que tortura galinhas para abastecer o mercado de ovos, em cada estância ou cabanha de vacas leiteiras, em cada frigorífico, em cada matadouro, em cada floresta em desmatamento, em cada sujeito a manejar uma motosserra e em cada sessão de frios nos supermercados, rondasse um curupira assustador e atormentador. Volte Curupira, nunca estivemos tão precisados de você, menino!

Por todos os lados que se veem as coisas, parece que estamos dentro de um pesadelo. O humano tem se elevado a inimigo perigoso, tanto dos outros humanos, quanto e, sobretudo, do meio ambiente e dos animais. Mas, paradoxalmente, alguns humanos, geralmente mulheres, têm encarnado o Curupira e enfrentam, de forma destemida e audaz, os inimigos das florestas e dos animais.

Como não perceber a encarnação do espírito do Curupira numa mulher que se precipita para cima, em dedo em riste e gritando, de um agressor de um cachorro ou de um cavalo? Como não enxergar a encarnação do Curupira nos protetores voluntários e amigos dos animais que acolhem, dão abrigo, dão comida, levam ao veterinário, animais abandonados e doentes? Eu vejo o próprio Curupira, em forma de gente grande, nesses heróis anônimos e sem poderes mágicos, continuando a sua árdua missão de proteger a vida constantemente ameaçada.

Que o menino, de cabelo avermelhado e pés voltados para trás, ronde todos os cantos de nossas florestas e nossas ruas e avenidas. Sem ele, que graça teria viver nessa selva de pedra?

Dia 17 de julho é o dia dedicada a essa lenda. Que a semana seja de invocação do espírito do Curupira. Namastê!