sábado, 29 de julho de 2017

A HONESTIDADE É PARCEIRA DA CORRUPÇÃO?

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A transformação da honestidade em bandeira política é a transformação de um requisito em um objetivo. Os riscos que correm as sociedades que apostam nessa inversão são enormes, porque tal deslocamento elege a corrupção como o grande mal a ser combatido, enquanto o mal são os problemas reais que criam as condições favoráveis para a proliferação de relações corrompidas. Transformar a honestidade em bandeira esvazia a pauta política, os deveres políticos de quem governa, e deixa o espaço aberto para a antipolítica, que se traduz no jeitinho, nos favores, na exceção à regra, no olho fechado, no silêncio cúmplice.


Na polarização a que temos assistido, um dos maiores erros conceituais que podemos cometer é o de achar que a boa política ama os pobres e a pobreza, odeia os ricos e a riqueza. A boa política ama os pobres e a riqueza, a riqueza como bem material e imaterial, que fornece os meios necessários para que cada pessoa alcance os próprios objetivos. A boa política ama os pobres e busca a distribuição de renda para que os meios econômicos estejam dignamente ao alcance de todos.


Já a busca pela riqueza a qualquer custo é uma busca essencialmente corrupta. A riqueza como um fim em si mesmo se chama processo de acumulação. Se ignorados os princípios básicos de respeito pela dignidade humana, esse tipo de enriquecimento vale-se da maior exploração possível, do uso de formas análogas à escravidão, da sujeição das pessoas por meio da chantagem econômica, da grilagem, da propina, da usura para alcançar os seus objetivos. Se alguém disser que tudo o que disse é regulamentado por lei, com maior razão posso afirmar que essa bandeira de honestidade é aliada da corrupção.


A bandeira da honestidade, como objectivo puro e simples, não está interessada na justiça, mas na justificação. Não se preocupa com as desigualdades, mas com a legalidade. Passa-se batido pela análise conceitual, explicando candidamente que se é legal então está certo, e então é necessário sacrificar-se.


Que tristeza é ver o Brasil retrocedendo, rasgando o seu estatuto democrático em nome de um neomedievalismo. Por que medievalismo e não neoliberalismo? Por que aquilo a que estamos assistindo é muito mais profundo que uma acentuação da acumulação capitalista. É uma nova Idade Média de fato, com a ascensão de uma classe religiosa ávida pela dominação da política, por uma economia rentista, baseada na propriedade e do acúmulo de riqueza e não na produção e no consumo. Não é casual que o consumo esteja despencando e a indústria do luxo esteja em alta. Produz-se apenas para os que possuem riquezas, para aquele um por cento do planeta que procura por meio de subterfúgios legalizar a falta de dignidade dos outros noventa e nove por cento, que trata os trabalhadores como os servos do momento. Não é casual que haja um desmonte do Estado: não é preciso estruturas burocráticas onde se destrói o conceito de cidadania e a possibilidade de exercê-la.



E se alguém disser que estou exagerando, porque não consegue ver o que vejo no horizonte, eu digo: graças a Deus que estudei literatura, para imaginar epílogos verossímeis. A arte nos concede esta habilidade: a de prever, usando como base os elementos que o passado nos fornece. E a língua oferece esta outra: a de perceber que conceitos distantes às vezes são mais próximos do que podemos supor em um primeiro momento. O que defendemos, por ser aparentemente bom, pode ser a nossa ruína. Mas depois da Idade Média virá o Renascimento. Lutem por ele.

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