sábado, 29 de janeiro de 2022

UM SURTO DE INTOLERÂNCIA


Em meio ao terrível sofrimento provocado por nova explosão de contaminações pela Covid e a epidemia de influenza (gripe), ao menos contamos com vacinas que, de fato, se revelam eficazes. Lutamos para que a ONU proclame as vacinas contra vírus como bens comuns da humanidade. É preciso denunciar como iniquidade o fato de indústrias da saúde triplicarem os seus lucros a partir da dor e das doenças da imensa maioria da humanidade. Parece que, para não mudar essa realidade cruel e desumana, a elite que multiplica sua riqueza a partir da desgraça da multidão usa como arma eficiente os vírus da intolerância. No mundo inteiro, há um surto de intolerância e discriminação contra grupos culturais e religiosos diferentes da cultura dominante.

No Brasil, a cada dia e por horas e horas, os canais de rádio e televisão transmitem cultos e pregações do Cristianismo ritual, alienado e alienante, seja católico, seja evangélico, ou pentecostal. É claro que há um público de pessoas idosas que tem o direito de terem em casa suas missas tradicionais, ou cultos de suas Igrejas. No entanto, ao mesmo tempo que os canais se abrem para esse tipo de expressões cultuais não permitem nem aceitam comunicar nada que, mesmo no âmbito de celebrações católicas ou evangélicas, sejam de conteúdo mais profético e crítico. E mantêm um muro de censura e silêncio cúmplice sobre a violência cotidiana que sofrem grupos religiosos minoritários, principalmente, comunidades das religiões afro-brasileiras, a cada dia, vítimas de ataques e perseguições. Apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as religiões, ainda existem programas de rádio e televisão nos quais se prega a intolerância e se combatem os cultos afro. Esses atos de violência religiosa não são praticados por ateus dogmáticos, contrários à religião. São cometidos por grupos que se dizem cristãos e agem em nome de Deus. Apoiam-se em uma leitura ao pé da letra e fanática de certos textos bíblicos para justificar uma imagem de Deus cruel, violento e intolerante.

No mundo atual, a diversidade cultural e religiosa faz com que os diferentes caminhos espirituais possam se complementar e se enriquecer mutuamente. Faz com que cada grupo reconheça os elementos de verdade que existem em outros grupos e se abram ao que Deus revela a cada um, não somente a partir da sua própria tradição, mas também através dos outros caminhos religiosos.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

SER GENTIL.

Começo esse artigo dizendo que a vida não está fácil. Viver não está fácil.

Diariamente pessoas estão em busca do sentido de viver, questionando-se: “onde é que eu o perdi?”, “será que eu ainda posso recuperá-lo?”, “onde é que foi parar a minha esperança?”.

Diante disso, percebo que vivemos tempos sombrios, de um vazio que nos engana, que nos rouba a esperança e que nos faz questionar todo santo dia sobre a nossa existência – faz sentido ou não viver?

O poder da gratidão:
Em tempos sombrios e difíceis como este, é necessário praticarmos a gratidão. “Mas, como é que eu agradeço por coisas que eu não sinto e não vejo?”

Pois bem: prestando atenção aos pequenos detalhes.

A neurociência explica o poder da gratidão em nosso corpo. Quando geramos sentimentos de gratidão em nossos pensamentos, ativamos o sistema de recompensa do cérebro, localizado numa área chamada núcleo Accubens. Este sistema é responsável pela sensação de bem estar e prazer do nosso corpo. Quando o cérebro identifica que algo de bom aconteceu, que fomos bem sucedidos e que existem coisas em nossa vida que merecem reconhecimento e somos gratos por isso, ocorre liberação de dopamina – um importante neurotransmissor que aumenta a sensação de prazer.

Uma construção:
Por isso, pessoas que manifestam gratidão vivem em níveis elevados de emoções positivas, satisfação com a vida, vitalidade e otimismo.

Mas a gratidão não acontece de uma hora para outra; ela deve ser construída pelo nosso pensamento. Ou seja: comece a pensar e a buscar o reconhecimento interno pensando em suas conquistas, em perdas que não teve e no fato de simplesmente estar vivo e respirando.

Por outra via neural, a gratidão estimula as vias cerebrais para a liberação de outro hormônio chamado ocitocina, que estimula o afeto, traz tranquilidade, reduz a ansiedade, o medo e a fobia para pessoas que sofrem de algum transtorno psíquico.

Como praticar a gratidão:
Exercitar o sentimento da gratidão é tão poderoso a ponto de dissolver o medo, a angústia e os sentimentos de raiva, frustração e tristeza. Fica mais fácil controlar os estados mentais tóxicos e desnecessários. O nosso cérebro não é capaz de sentir, ao mesmo tempo, gratidão e infelicidade. Você é quem faz a escolha, focando o seu pensamento.

Portanto, ocupe seu espaço interno e exercite diariamente a gratidão, por mais difícil que seja. Para fazer com que seu dia comece de forma positiva, já pela manhã experimente pensar nos diversos motivos que você tem para sentir gratidão. E termine seu dia refletindo sobre coisas boas que aconteceram durante o seu dia – e que talvez, você só perceba quando refletir sobre isso.

Ao sair pela manhã, não se esqueça de olhar para o céu. Não se esqueça de ouvir o som dos pássaros, o soprar do vento e o cheiro do café. Não ignore um sorriso sincero. Eu sei que está difícil, sei também que está difícil enxergar docilidade na vida, suas cores e até mesmo o seu propósito. A vida realmente não está mais fácil, e por isso, tem exigido cada vez mais de nós.

Você deve se lembrar que, apesar do mau tempo e do cinza predominar, as coisas boas ainda estão por aqui. Basta estar disposto(a) a ser gentil para percebê-las.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

VIVER COM COR.


Uma vida pode ser colorida ou em preto e branco.

Uma vida em preto e branco pode ter muitas variações de cinza. Pode ter branco gelo, branco neve, areia e assim por diante.

Porém, uma vida em preto e branco pode ser apenas uma repetição de um filme antigo. Uma cópia da própria vida ou da vida de alguém.

Uma cópia de si mesmo é a ausência de coragem de dar novos passos, de se reinventar por medo do novo ou de desagradar.

Viver uma vida com cor é abrir-se para infinitas combinações que podem parecer estranhas no início. Assim é a Espiritualidade não há controle, o que existe é entrega.

Cada mistura pode surgir uma nova cor, uma nova possibilidade. A combinação do preto com o branco pode ser mais segura, eu sei.

Mas eu quero a cor, quero a alegria que vem do Espírito, da criatividade, do divino.

Viver com cor é viver com coragem de dar um passo de cada vez, para construir o que você quer, o seu desejo, o seu caminho.

Nos comentários, envie uma mensagem para o Universo dizendo: “eu quero a coragem de uma vida com cor”.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

LEIA: É UM ARTIGO PARA PENSAR SÉRIAMENTE.

 

O ano novo começou com uma notícia estarrecedora. Em 2021, em pleno pique da pandemia, a fortuna das 500 pessoas mais ricas do mundo aumentou em mais de 1 trilhão de dólares. No câmbio daquela de segunda, 3/1, o montante equivalia a R$ 5,57 trilhões. Para se ter ideia de quanto isso significa basta saber que o PIB do Brasil, em 2020 – a soma de todos os bens e serviços de uma população de 212 milhões de pessoas -, foi de R$ 7,5 trilhões.

Se somarmos o patrimônio líquido desse seleto clube de 500 superbilionários, ele chega a 8,4 trilhões de dólares (R$ 49,9 trilhões), mais que o PIB de qualquer país do mundo, exceto EUA e China. Entre os 500, dez superbilionários ficaram quase R$ 2,15 trilhões mais ricos. São eles:

1) Elon Musk (EUA), 50 anos. Fortuna de 270 bilhões de dólares. Em 2021 ficou US$ 114 bi mais rico. Investidor, é fundador da Space X, que fabrica naves espaciais e tecnologia de ponta; da The Boring Company, que atua na abertura de túneis e infraestrutura de construção; e da maior fábrica de carros elétricos do mundo. Nasceu na África do Sul, mas tem nacionalidade estadunidense. Quer privatizar o espaço…

2) Jeff Bezos (EUA), 57. Fortuna de US$ 192 bi. Ganhou, em 2021, US$ 2,04 bi. Dono de mídias, investidor, engenheiro de computação e, como Musk, busca a privatização do espaço e promove turismo espacial. É dono da Amazon.

3) Bernard Arnault (França) 72. Fortuna de US$ 178 bi, com ganho de US$ 63,6 bi em 2021. Investidor e colecionador de arte, controla a LVMH-Louis Vuitton SE, que produz artigos de luxo, inclusive refinadas bebidas como champanha e conhaque.

4) Bill Gates (EUA), 66. Fortuna de US$ 138 bi, acrescida de mais US$ 6,39 bi ano passado. É um dos donos da Microsoft.

5) Larry Page (EUA), 48. Fortuna de US$ 128 bi, com ganho de US$ 46 em 2021. Cientista da computação, é cofundador do Google.

6) Mark Zuckerberg (EUA), 37. Magnata da mídia e empresário da Internet, fundou a Meta Platforms, que controla o Facebook, o Instagram e o WhatsApp, entre outras subsidiárias.

7) Sergey Mikhaylovich Brin (EUA), 48. Fortuna de US$ 124 bi. Ganho de US$ 43,7 bi em 2021. Cientista da computação, nasceu em Moscou e tem cidadania estaduninense. Junto com Larry Page, fundou o Google. Deixou o seu controle em 2019.

8) Steve Ballmer (EUA), 65. Fortuna de US$ 124 bi, com acréscimo de US$ 39,3 bi em 2021. Foi presidente da Microsoft (2000-2014) e é dono do Los Angeles Clippers, time de basquete profissional.

9) Warren Buffett (EUA), 91. Fortuna de US$ 109 bi, com ganho de US$ 21,3 bi ano passado. Investidor, preside a Berkshire Hathaway, holding diversificada cujas subsidiárias atuam em seguros, transporte ferroviário de carga, geração e distribuição de energia etc.

10) Larry Ellison (EUA), 77. Fortuna de US$ 107 bi, ganho de US$ 27,5 bi em 2021. Empresário e investidor, presidiu a Oracle Corporation, segunda maior empresa de software do mundo em receita e capitalização de mercado.

A maioria dos superbilionários controla a mídia, em especial a eletrônica. Faz a nossa cabeça. Esses dez homens detêm até mesmo poder de detectar cada um de nossos passos e elencar nossas preferências. Possuem mais poder que a maioria dos chefes de Estado.

Dos dez, apenas um não vive nos EUA: o francês Bernard Arnault. E, como se sabe, os EUA são, hoje, um império mais poderoso do que o romano dos césares, o persa de Ciro, o grego de Alexandre Magno. Possui poderes ideológico (em especial, via indústria do entretenimento, como o cinema), econômico (o dólar e o euro são as únicas moedas internacionais, excetuando as virtuais) e bélico (possui 3.750 ogivas nucleares). Vale ressaltar que esses nove estadunidenses têm um incomensurável poder eleitoral, já que nos EUA é permitido o financiamento privado de campanhas políticas.

E por que essas dez pessoas possuem fortunas tão espantosas? Porque vivemos no sistema capitalista, que instaurou a naturalização da desigualdade social, a convicção de que a natureza existe para ser extorquida, a crença de que todos são livres para ascender da pobreza à riqueza (meritocracia), o poder de ditar leis e monitorar governantes e, como explica Max Weber, o espírito de que possuir fortunas é sinal de bênção de Deus…

Enquanto isso, dos 7,9 bilhões de pessoas que habitam este planeta devastado pelo capital, 857 milhões padecem fome (das quais 24 mil morrem por dia); 780 milhões sobrevivem na miséria (renda de apenas R$ 320 por mês); 785 milhões não têm acesso à água potável; e mais de 3 bilhões vivem na pobreza (renda mensal de, no máximo, R$ 938).

Nossa era pode ser definida como a do capitaloceno. Hoje, o poder do capital fala mais alto que o direito à vida dos seres humanos e da natureza. A apropriação privada da riqueza é vista como mérito e direito, protegidos por leis e forças policiais.

Os mais ricos são invejados, cortejados, bajulados e admirados, enquanto os mais pobres são menosprezados, rejeitados e excluídos.

Detalhe: 84% da população mundial (6,63 bilhões de pessoas), acreditam em Deus… Não é em vão que nas cédulas de dólar está impresso “In God we trust” (Em Deus confiamos). Na verdade, deveriam corrigir e acrescentar a letra ele: “In Gold we trust” (Em Ouro confiamos).

Também tenho fé, de que no capitalismo nem a humanidade nem a natureza têm salvação. E esperança de que, um dia, a humanidade haverá de encarar esse sistema como desumanamente abominável.

sábado, 15 de janeiro de 2022

É A PARTE QUE TE CABE DESTE LATIFÚNDIO .

Numa roda, cercado de rústicos peões de sua fazenda Yasnaya Polyana, Léon Tolstói (1828-1910) o grande escritor russo, contou-lhes a seguinte estória que eu me permito resumir para exemplificar como funciona a cabeça de um capitalista.

“Havia um camponês pobre mas muito desejoso de possuir mais a mais terra para cultivar e ficar rico. Pensou: “Vou fazer um pacto com o diabo. Este vai me dar sorte”, disse ele à mulher, que torceu o nariz e advertiu-o: “Meu marido, cuidado com o diabo, nunca sai coisa boa fazendo um pacto com ele; essa sua vontade de ficar rico, vai ainda pô-lo a perder”.

Mas, por insistência do marido, resolveu acompanhá-lo. Com tal que partiram, levando poucos pertences.

Souberam que longe daí havia um grupo de ciganos que vendiam terras baratas. Para aquelas paragens rumou o casal. Chegando lá, eis que o diabo já estava de pé, todo apessoado, dando ares de um influente mercador de terras. O camponês e sua mulher cumprimentaram educadamente os ciganos. Quando iam expressar seu desejo de adquirir terras deles, o diabo, sem cerimônias, logo se antecipou e disse:

“Bom senhor, vejo que veio de longe e é tomado por um grande desejo de fazer fortuna. Tenho uma excelente proposta para você, melhor do que aquela dos ciganos. Faço-lhe a seguinte proposta: você deixa uma quantia razoável de dinheiro numa bolsa aqui onde estou de pé. Se você percorrer um território durante o tempo de um dia, do nascer ao pôr do sol, e estiver de volta antes de o sol se pôr, toda a terra percorrida será sua. Caso contrário perderá as terras percorridas e o dinheiro da bolsa”.

Os olhos do camponês, ávido por riqueza, brilharam de emoção e disse:

“Acho uma excelente proposta. Tenho pernas fortes e aceito. Amanhã bem cedo, ao nascer do sol, ponho-me a correr e todo o território que minhas pernas puderem alcançar, será meu”.

O diabo, sempre malicioso, sorriu todo faceiro.

De fato, bem cedo, mal o sol rompeu a fímbria do horizonte, o camponês, tomado de cobiça, se pôs a correr. Correu e correu muito. Pulou cercas, atravessou riachos e, não contente, sequer parou para descansar. Via diante de si uma ridente planície verde e logo pensou: “aqui vou plantar trigo em abundância”. Olhando à esquerda, se descortinava um vale muito plano e pensou: “aqui posso fazer toda uma plantação de linho para dar e vender”.

Subiu, ofegante, uma pequena colina e eis, que lá em baixo se abria um campo de terra virgem. Logo pensou: “quero também aquela terra. Aí vou criar gado e ovelhas e vou encher as burras com muito dinheiro.

E assim percorreu muitos quilômetros, não satisfeito com o que tinha conquistado, pois os lugares que via, eram atraentes e alimentavam ainda mais seu desejo incontido de também possui-los.

De repente olhou para o céu e se deu conta de que o sol estava se pondo atrás da montanha. Disse de si para consigo mesmo:

“Não há tempo a perder. Tenho que voltar correndo, senão perco todos os terrenos percorridos e, por cima ainda, o dinheiro. “Um dia de dor, uma vida de amor”, pensou como dizia seu avô.

Pôs-se a correr com uma velocidade espantosa para suas pernas cansadas. Mas tinha que correr sem reparar os limites dos músculos retesados. Sempre olhava a posição do sol, já perto do horizonte, enorme e vermelho como sangue. Mas não se havia ainda posto totalmente. Mesmo cansadíssimo, corria mais e mais e já nem sentia as pernas. Pesaroso pensou: “talvez abarquei demais terras e posso perder tudo. Mas vamos em frente”.

Vendo, porém, ao longe o diabo, solenemente, de pé e ao seu lado a sacola de dinheiro, recobrou mais o ânimo, certo de que iria chegar antes do pôr do sol. Reuniu todas as energias que tinha e fez um derradeiro esforço. Pulou uma cerca, atravessou um riacho e corria, quase voando. Não muito longe da chegada, atirou-se para frente, quase perdendo o equilíbrio. Refeito, deu ainda alguns passos longos.

Foi então que, extenuado e já sem nenhuma força, se estatelou no chão. E morreu. A boca sangrava e todo o corpo estava coberto de arranhões e de suor.

O diabo, maldosamente, apenas sorriu e tomou para si a bolsa de dinheiro. Indiferente ao destino do morto, deu-se ainda ao trabalho de fazer uma cova com o tamanho do camponês e ajeitou-o lá dentro. Eram apenas sete palmos de terra, a parte menor que lhe cabia de todos os terrenos andados. Não precisava de mais do que isso. A mulher, petrificada, assistia a tudo, chorando copiosamente”.

Esse conto nos faz lembrar o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) que nos deixou a comovente obra Morte e Vida Severina (1995). No funeral do lavrador diz:

“Esta cova em que estás, com palmos medida, é a conta menor que tiraste em vida; é a parte que te cabe deste latifúndio”.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

PAZ !


Paz remete a bens indispensáveis em respeito e gratuidade à dignidade de toda pessoa. Compreende-se a dramaticidade dos tempos atuais quando grande parte da humanidade se encontra privada desses bens. Os cenários de miséria, fome, migrações de populações inteiras – situações que configuram o clamor dos pobres desta terra – confirmam essa realidade. O clamor dos pobres incomoda muitas pessoas, mas precisa ser ouvido. Aqueles que se incomodam reagem com indiferença, dedicam frio tratamento às urgências contemporâneas. Apesar dessas reações, a voz dos pobres, insistentemente, indicará: a humanidade precisa mudar. E sem a escuta desse clamor, sempre se correrá o risco da insensibilidade que inviabiliza a coragem de questionar e renunciar a privilégios – não há dedicação aos processos de transformação social. A escuta do clamor dos pobres não é bálsamo, mas remédio que interpela, podendo curar indiferenças e a mesquinhez, produz inspirações na correção de rumos e sensibilizações intuitivas, a partir do sonho de se consolidar a igualdade social.

Quando escutado, o clamor dos pobres possibilita que sejam encontradas, com mais celeridade, soluções para os problemas sociais, qualifica a cidadania e promove a clarividência essencial às adequadas escolhas políticas – capazes de dar novos rumos à sociedade. Ao se reconhecer que incontáveis pessoas estão privadas de bens essenciais, busca-se, com mais intensidade, reconfigurações na organização sociopolítica, para que a civilização contemporânea se fundamente nos parâmetros do humanismo integral. No horizonte do entendimento bíblico, paz é justamente o nome do conjunto de bens essenciais indispensáveis à dignidade humana. Por isso mesmo, garantir o direito de cada pessoa ao que é essencial à vida digna é caminho para a paz, tornando-se responsabilidade de governantes, construtores da sociedade e cidadãos. 

A família humana padece em razão das parcialidades que contaminam os modos de se pensar o desenvolvimento. As lógicas que buscam simplesmente o lucro e o benefício de alguns, enquanto a grande maioria está sofrendo, sem o que é essencial à dignidade, prejudicam a efetivação do desenvolvimento integral.  Sublinha-se, especificamente, a importância do diálogo entre as gerações para que todos avancem rumo à paz. Dialogar torna-se desafio ainda maior no contexto estabelecido pela pandemia, quando muitos se refugiam da realidade, aprisionando-se em mundos paralelos, como se pudessem, assim, estar protegidos das muitas formas de violência e de ameaças.

Aqueles que se fecham à realidade do mundo, de modo egoísta, são mais propensos a agir com indiferença em relação ao semelhante. Alimentam polarizações e protagonizam descompassos relacionais e existenciais. Distantes do diálogo, ficam com a mente e o coração obscurecidos, tornando-se obstáculos para o desenvolvimento integral, que exige a inclusão de todos na vida social e econômica. Causa perplexidade, para citar uma situação, a postura daqueles que, para alcançar seus propósitos, julgam-se no direito de promover a destruição dos outros. Agem como se o fracasso e a fragilidade do semelhante fossem degrau ou trampolim para conquistar objetivos. Trata-se de um modo de agir que sinaliza a confusão social, a ser corrigida por meio do diálogo. Ante as limitações de representantes do povo nas instâncias do poder, daqueles que ocupam cargos e funções em lugares estratégicos, há quem sinta certo desânimo para dialogar. Contudo, o diálogo é remédio para corrigir, ainda que a longo prazo, obtusidades e promover entendimentos lúcidos, iluminando a mundividência daqueles que estão aprisionados nos próprios estreitamentos.


sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

COMO DIZ O FREI BETTO: SERÁ NOVO ESSE ANO?


Esse novo ano ainda tem cara de velho. Temos de aguentar um genocida negacionista no poder até 31 de dezembro. Não vai ser fácil! E tudo isso agravado pela Covid-19, que muitos pensam ser possível erradicar, com medidas paliativas e a vacinação de apenas uma parcela da população mundial, quando tudo indica que o vírus, que não faz distinção de classe ou etnia, não deixará de nos contaminar enquanto houver quem não tenha sido vacinado.

Ano de comemorar o bicentenário da independência do Brasil. Escrevi comemorar, e não celebrar ou festejar. Comemorar significa avivar a memória, resgatar o passado e livrá-lo das peias que nele imprimiram o selo do equívoco.

Que independência é essa se ainda somos colonizados pelos EUA e os países da União Europeia? Se a nossa economia depende das importações da China? Como celebrar a independência se as nossas autoridades e os próceres do mercado vivem clamando aos céus que venham investimentos estrangeiros?

Num país em que políticos não se envergonham de defender a privatização do patrimônio público, como falar de independência? Somos, sim, dependentes do capital estrangeiro, da tutela estadunidense, da tecnologia estrangeira, da mentalidade subserviente com que miramos as nações prósperas. E pensar que, ao final da Segunda Grande Guerra, a China e o Japão eram mais subdesenvolvidos que o Brasil!

Em 200 anos tínhamos tudo para ser uma nação altamente desenvolvida, sem bolsões de pobreza. Temos um imenso oceano e uma bacia hidrográfica invejável. Figuramos entre os cinco maiores produtores de alimentos do mundo, e apenas de frutas contamos com cinco mil variedades. Como observou Caminha, aqui, “em se plantando, tudo dá”. Possuímos abundantes riquezas minerais e a maior floresta tropical do planeta.

O Brasil quase não é afetado por catástrofes naturais. Nada de vulcões, furacões e terremotos de grandes proporções, nada de secas prolongadas e tornados frequentes, nem grandes extensões territoriais cobertas por neve.

Mas não temos governo! Mais da metade de nossa população vive na pobreza. Hoje, 19 milhões de brasileiros passam fome e 106 milhões sobrevivem em insegurança alimentar. Chega a 13 milhões o número de desempregados e 40,6% dos trabalhadores atuam na informalidade (Pnad/IBGE).

Cresce também a desigualdade social. A renda média dos 10% mais ricos é 29,25 vezes maior que a dos 50% mais pobres (Relatório do Laboratório de Desigualdade Mundial). Os 10% mais ricos detêm em mãos 59% da renda nacional, e os 50% mais pobres ficam com apenas 10%.

Hoje, apesar do Auxílio Brasil, a desigualdade aumenta devido à inflação, o aumento do preço dos combustíveis, o desemprego e a desarticulação do ensino público durante a pandemia, por força das restrições sanitárias e da falta de apoio do governo federal aos mais vulneráveis.

Aqui, a desigualdade tem cor. Os brasileiros brancos, homens e mulheres, que integram o seleto grupo dos 10% mais ricos somam 8,6 milhões de pessoas (6,9% da população), e abocanham 41,6% da renda nacional. As pessoas negras, que são 53,8% da população, ficam com apenas 35% da renda total (Dados Made). Os adultos brancos são sete vezes mais ricos que os negros (Oxfam Brasil).

A grande esperança para o nosso país neste ano de 2022 reside nas eleições de outubro. É hora de tirarmos este governo nefasto, necrófilo, que defende a “pátria armada, Brasil”, e elegermos Lula presidente com um programa de reformas estruturais que favoreçam a maioria da população. Mas isso não basta. É preciso renovar radicalmente o Congresso Nacional, eleger deputados federais e senadores mais comprometidos com as pautas populares e ambientais. E também eleger governadores progressistas.

Há muito a fazer para que este ano seja realmente novo!

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

A CRIANÇA QUE EXISTE EM TI.

É normal que no começo de cada ano, as pessoas renovem os seus votos de feliz ano novo. É verdade que o ano judaico começa em setembro; o ano chinês, muçulmano e andino, cada um, em datas diferentes. No entanto, a cultura ocidental se impôs. No mundo inteiro, o 1º de janeiro é considerado o começo do ano civil. Religiões e tradições populares se inserem nessa realidade. Videntes fazem previsões e as comunidades negras enchem as praias com lindas oferendas a Iemanjá.

Parece que no “salve-se quem puder”, instituído pelo individualismo capitalista, cada um se agarra com a divindade que pode para escapar do pior e ter algum sucesso na luta pela sobrevivência. As pessoas esperam em Deus, como o menino que, na prova do final de ano, escreveu que Paris é capital da Inglaterra e pediu a Deus para ganhar uma nota boa. Deus nem teve como dizer ao menino que esse milagre nem Ele, a quem chamam de todo-poderoso, pode fazer.

Há alguns anos, agências norte-americanas de notícias informaram que, em um tribunal dos Estados Unidos, Ernie Chambers, senador democrático por Nebraska, tinha aberto um processo criminal contra Deus. A acusação era que Deus provoca terremotos, furacões, guerras e nascimentos de crianças com má formação. Também Deus teria distribuído documentos, considerados sagrados, que transmitem medo e insegurança às pessoas, só com o objetivo de conseguir obediência total e servil. O processo caminhou até o Tribunal de Justiça, mas o Juiz, encarregado do processo, respondeu que não poderia abrir o processo: “Se o senhor não tem endereço postal do acusado e um número de telefone com o qual possamos nos colocar em contato com ele, não temos como convocá-lo a uma audiência e julgá-lo”.

Isso nos lembra que, nestes dias do começo de janeiro, no Centro-oeste e em várias regiões do Brasil, os grupos de folias de Reis cantam “Deus vos salve, casa santa, onde Deus fez a morada, onde mora o cálix bento e a hóstia consagrada”. Conforme estes devotos, o endereço de Deus é a casa dos companheiros, o lugar dos pousos e da alegria da festa dos Santos Reis que foram os primeiros intelectuais do mundo a cultuar a Deus, através do menino Jesus que, conforme a tradição, acabara de nascer.

A intuição que estes pobres transmitem ao mundo em suas canções é que Deus não é todo poderoso e culpado de tudo o que acontece. Se fosse assim, eles culpariam a Deus de tantos sofrimentos e desventuras de suas próprias vidas. Ao contrário, agradecem a Deus por estar sempre com eles na resistência. O padre Ernesto Balducci, filósofo e espiritual italiano, dizia com convicção: “Enquanto não renunciarmos à ideia de um deus onipotente, não compreenderemos o que é o Natal”.

De fato, o mundo está cansado de guerras e violências, cometidas em nome de Deus. Esta imagem clássica de um Deus todo-poderoso, responsável por tudo o que acontece e sem o qual nada acontece, merece mesmo a acusação e o processo do senador Chambers. Antes dele, o escritor José Saramago tinha escrito ao 2º Fórum Social Mundial protestando contra todas as mortes cometidas em nome da religião e da fé. Em pleno século XXI, em nome de Deus, grupos católicos e evangélicos fazem cruzadas, querem impor os seus dogmas como se fossem de Jesus e justificam o que dizia o cineasta Woody Allen: “Deus deve ser um cara bom, mas os amigos dele, eu não recomendaria a ninguém”.

Em um livro de meditações cotidianas, o irmão Roger Schutz, que foi pastor evangélico, fundador da comunidade ecumênica de Taizé, deixou claro: “Deus não castiga ninguém. Deus só pode amar e só ama. Se não, não seria Deus”.

Na realidade, Jesus transformou a imagem de Deus e, “ao derrubar do trono os poderosos”, como cantou Maria, sua mãe – neste sentido, parece até que Herodes tinha razão de temer – derrubou também o próprio trono de Deus. Atualmente somos todos chamados a nos tornar crianças para aprender de Jesus a espiritualidade dos reis.

O Evangelho insiste na infância espiritual e na alegria das bem-aventuranças. Muitas vezes, a tradição ocidental fixou-se em métodos de espiritualidade que tornam as pessoas sérias demais, artificialmente adultas. O Mestre Eckhart, místico medieval, ensinava que “cada um de nós tem uma dimensão mística. Esse ser místico é a criança que existe dentro de nós”. Sta Mectildes, abadessa medieval, ensina: “Deus conduz a criança que existe dentro de nós de maneira maravilhosa. Deus leva a alma a um local secreto e brinca com ela. Deus afirma: “Eu sou teu companheiro de brinquedos. Tua infância é a companhia para meu Espírito. Conduzirei a criança que existe em ti nas formas mais maravilhosas, pois te escolhi”1.

Não é esta uma boa descrição das folias de Reis? Milton Nascimento canta: “Dentro de mim mora uma criança, um moleque. Quando em mim, o adulto fraqueja, a criança vem e me dá a mão”.