sexta-feira, 19 de maio de 2023

O JOGO É BRUTO.


O jogo é bruto.De um lado você, eu e os milhões de usuários das Redes Sociais.
De outro as BigTechs, versão tecnológica de uma divindade onisciente (detém e manipula todo o conhecimento), onipresente (está em toda parte, chegando até às camadas economicamente mais frágeis da sociedade) e que se quer onipotente, ou seja, quer liberdade para fazer o que quer, inclusive suas próprias regras, o que, na prática, significa regra alguma.
O jogo é bruto.
Muitos dos nossos valorosos parlamentares sabem disso, porque sabem o valor (preço) de seus votos.
O jogo é bruto.
As Redes Sociais aperfeiçoaram e aceleraram um movimento que a grande mídia tradicional vem fazendo há tempos: transformar a notícia em espetáculo, embalando-a como se fosse puro entretenimento. Vejam os nossos telejornais. Imagens rápidas sobre as quais se produzem textos sintéticos, vagos, inconclusivos, com foco nos efeitos sem reflexão sobre as causas. No mesmo bloco de notícias, você engole sem mastigar a morte de crianças na guerra na Ucrânia, o gol da rodada, o aumento do preço da gasolina, o assalto com reféns numa agência bancária e uma matéria fofa sobre o Criança Esperança.
Tudo é batido no liquidificador da redação, pasteurizado, homogeneizado e injetado direto no nosso cérebro, junto e misturado.
Assim como o monopólio jornalístico, no Brasil, se concentra nas mãos de poucas “famílias” (Marinho, Abravanel, Macedo, Mesquita, Frias e Saad), as Big Techs elevaram esse monopólio a uma escala mundial.

Só Mister Mark Zuckerberg, fortuna pessoal na casa dos 100 bilhões de dólares, é dono da Meta (Facebook Messenger, Facebook Watch e Facebook Portal, Instagram e WhatsApp).
Mas o que isso tem a ver comigo, conosco?
Você acorda, seu primeiro olhar é para conferir se o smartphone está carregado. Entra no WhatsApp pra ver as mensagens, dá uma passada no Facebook e abre o Google para ver as notícias do dia.
Durante o café assiste, na tela do celular, o jornal da manhã.
No trabalho, mais telas, mensagens, intermináveis passeios por sites nunca antes navegados. Para visitar um cliente ou um amigo, segue rumo ao desconhecido guiado pelo Google Maps ou o Wase. E chega.
Estamos radicalmente e inapelavelmente conectados, intimamente linkados e totalmente plugados em redes que se dizem sociais, mas na verdade vão muito além disso. Não só nos deixam informados, mas também comentados, curtidos e compartilhados.
Pensamentos vão e vem, mensagens e opiniões surgem aos milhares e desaparecem na mesma velocidade.
Andy Worrol profetizou nos anos 1960 que “no futuro todos serão famosos; por quinze minutos”. Errou na estimativa do tempo. Gurus líderes, celebridades, assim como palavras, nascem e somem como se nunca tivessem existido. A fama é tão instantânea quanto o esquecimento.

O volume de informação é tão gigantesco que não deixa tempo para a digestão. A manchete escandalosa de hoje, amanhã está na lixeira ou caixa de spam.

As gigantes movem seus imensos tentáculos algorítmicos. Ontem recebi pelo Facebook um artigo aparentemente inocente, de uma pessoa que nem faz parte da minha rede, elogiando… as Redes Sociais.

O jogo é bruto.
Acompanhemos…

terça-feira, 16 de maio de 2023

A luz dos cabelos ruivos e um par de olhos verdes foi subtraída de nossas retinas e sua voz de nossos ouvidos. Rita Lee partiu e faz o Brasil chorar de saudade. Sobretudo as mulheres. E por que o público em geral e muito especialmente o público feminino tem esse carinho e essa paixão pela cantora que hoje nos deixou?

A primeira razão seguramente é seu talento. No momento em que o rock se firmava no Brasil, ela começou a brilhar como cantora e compositora. Foi a primeira mulher a liderar uma banda de rock. Originalidade, humor, crítica de bom gosto eram a tônica de suas músicas e performances. E além disso, graça, beleza, simpatia. Talento para dar e vender foi fazendo Rita Lee subir no gosto do público e ser líder de vendas de discos no tempo em que ainda se ouviam discos nas vitrolas.

A segunda razão é sua paixão libertária, de perfil rebelde e ruidoso. Rita Lee não teve medo de nada e não deixou de defender nenhuma liberdade. Pode-se não aderir a algumas bandeiras que a ruiva desfraldou ao longo da vida. Mas não se pode deixar de respeitar a coerência com que viveu. Por trás desse compromisso com tudo que fosse humano havia uma consistência ética inegável. A roqueira enfrentou várias ditaduras: a dos costumes, a do pensamento, a do patriarcalismo e não menos, a militar.

Foi presa em casa, na Vila Madalena, por porte de maconha. Rita estava grávida e negou que a droga fosse sua, pois como alegou à polícia, havia parado de fumar devido à gravidez.

O período em que isso aconteceu, com o país em ditadura militar e mergulhado em um obscuro conservadorismo, colaborou para sua prisão. Ela simbolizava tudo que era rejeitado pelo regime que vigorava então no país. Hippies e roqueiros eram tratados como bandidos. Além disso, Rita Lee simbolizava a liberdade de gênero e a emancipação feminina. Sua prisão era emblemática e representou uma espécie de troféu. Foi um momento difícil, agravado pela gravidez. Depois de passar duas semanas na cadeia, a artista foi condenada a um ano de prisão domiciliar e multa de 50 salários-mínimos. Isso não impediu que continuasse com seu estilo crítico e irreverente, enfrentando todas as censuras e violências.

A terceira razão – e para o público feminino talvez a mais importante – é a genialidade com a qual introduziu pautas feministas em suas criações musicais. Ao cantar a mulher, Rita Lee imortalizou afirmações que traziam um feminismo bem-humorado e verdadeiro para dentro dos lares e das vidas daquelas que viviam sob o tacão do machismo da sociedade.

Foi ela quem nos ensinou que “nem toda feiticeira é corcunda” em clara alusão à suspeita milenar que paira sobre as mulheres de serem bruxas, e que já levou muitas à fogueira. E que há mulheres – entre as quais a mesma Rita – que “é mais macho que muito homem”. Anunciou em alto e bom som “ que um dia resolveu mudar e fazer tudo que queria fazer”.

Mas é na canção Cor de rosa choque que se encontram as mais belas verdades do pensamento desta mulher livre e talentosa sobre seu próprio gênero. Ali ela diz que a mulher é um bicho esquisito, que todo mês sangra e “tem um sexto sentido maior que a razão”. Desmitologizando a categorização do sexo feminino como sexo frágil, Rita afirmou que essa fragilidade toda não foge à luta homenageando assim todas as mulheres do Brasil e do mundo que cada dia se levantam ao mesmo tempo que o sol e saem em busca da vida para si e os seus. Com ela, os dias de luta das Gatas Borralheiras teve fim, porque são Princesas, e Dondoca é uma espécie em extinção.

Em suma, nas composições da roqueira, o rosa bebê foi banido da paleta de cores femininas como a cor por excelência para significar a mulher, pálido e desbotado. Se for rosa, é rosa choque. Cor viva, pujante, provocante, que não aceita provocações machistas e conservadoras, assim como a própria Rita com seu rosto brejeiro de sorriso alegre, olhos verdes encimado por uma cabeleira ruiva que brilha como o sol.

O feminismo de Rita não é da primeira onda e não trava lutas antiéticas com os homens. Pelo contrário, eles foram sempre muito benvindos em suas criações e em sua companhia. Sua vida foi povoada intimamente por essa espécie chamada homem que, ao lado de uma mulher forte, pode dar toda a sua medida. Testemunho disso é seu casamento de quase 50 anos com Roberto, companheiro na alegria e na tristeza, na saúde e quão dedicadamente na doença até o fim. Assim como os três filhos Antônio, Beto e João. Alegre e encantadoramente, ela proclamou a liberdade da mulher e deixou uma marca original e particular na história do feminismo.

Mulher que não se enquadra nos padrões sociais mais conservadores, Rita foi sobretudo livre e alegre. Seu legado é testemunho dessa liberdade e dessa alegria. Seja de que credo for, de que proveniência, de que pertença, a liberdade é um dos pontos identitários mais constitutivos e dignos do ser humano. A vida de Rita foi toda ela um canto à liberdade. A alegria que vivia e espalhava ao seu redor era um dom cuja fonte mais originária é o Espírito que sopra sobre a argila e cria a vida.

Agora Rita vive a plenitude dessa liberdade e a alegria sem limites. Sua vida foi plena e bonita. Sua morte é sentida com saudades. Seu legado permanece. Em todo lugar onde se cantar a justiça e a liberdade, sua presença ali estará, fazendo “um monte de gente feliz”.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

DIGA NÃO A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA.



Em meio ao terrível sofrimento provocado por nova explosão de contaminações pela Covid e a epidemia de influenza (gripe), ao menos contamos com vacinas que, de fato, se revelam eficazes. Lutamos para que a ONU proclame as vacinas contra vírus como bens comuns da humanidade. É preciso denunciar como iniquidade o fato de indústrias da saúde triplicarem os seus lucros a partir da dor e das doenças da imensa maioria da humanidade. Parece que, para não mudar essa realidade cruel e desumana, a elite que multiplica sua riqueza a partir da desgraça da multidão usa como arma eficiente os vírus da intolerância. No mundo inteiro, há um surto de intolerância e discriminação contra grupos culturais e religiosos diferentes da cultura dominante.

No Brasil, a cada dia e por horas e horas, os canais de rádio e televisão transmitem cultos e pregações do Cristianismo ritual, alienado e alienante, seja católico, seja evangélico, ou pentecostal. É claro que há um público de pessoas idosas que tem o direito de terem em casa suas missas tradicionais, ou cultos de suas Igrejas. No entanto, ao mesmo tempo que os canais se abrem para esse tipo de expressões cultuais não permitem nem aceitam comunicar nada que, mesmo no âmbito de celebrações católicas ou evangélicas, sejam de conteúdo mais profético e crítico. E mantêm um muro de censura e silêncio cúmplice sobre a violência cotidiana que sofrem grupos religiosos minoritários, principalmente, comunidades das religiões afro-brasileiras, a cada dia, vítimas de ataques e perseguições. Apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as religiões, ainda existem programas de rádio e televisão nos quais se prega a intolerância e se combatem os cultos afro. Esses atos de violência religiosa não são praticados por ateus dogmáticos, contrários à religião. São cometidos por grupos que se dizem cristãos e agem em nome de Deus. Apoiam-se em uma leitura ao pé da letra e fanática de certos textos bíblicos para justificar uma imagem de Deus cruel, violento e intolerante.

No Brasil, a cada ano, apesar do ex governo federal que promoveu o ódio e a violência, o 21 de janeiro é comemorado como “o dia nacional de combate à intolerância religiosa”. Essa data foi criada pelo presidente Lula, através da lei federal n. 11.635 de 27 de dezembro de 2007. Ao escolher esse dia, se quis homenagear a Mãe Gilda, Ialorixá do Axé Abassá de Ogum, em Salvador. Ela faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, vítima de perseguição e ataque de um grupo neopentecostal fundamentalista que invadiu o templo do Candomblé, desrespeitou os símbolos sagrados ali representados e ofendeu gravemente a mãe de santo.

Ainda bem que, até aqui, esses grupos pentecostais e católicos de linha carismática não descobriram ainda que os mesmos livros da Bíblia que mandam perseguir e destruir cultos de religiões estrangeiras, ordenam também apedrejar mulheres adúlteras, pessoas que transem com animais ou simplesmente que não respeitem o sábado. O que farão esses cristãos, quando descobrirem que as mesmas leis bíblicas que condenam outros cultos, permitem a escravidão de estrangeiros e mandam vender pessoas como escravas, para saldar dívidas não pagas? Será que, em pleno século XXI, essas pessoas que querem cumprir a Bíblia ao pé da letra passarão a praticar essas leis culturais da Ásia antiga?

Em outras épocas, quase todas as Igrejas históricas condenaram hereges à morte. Queimaram na fogueira mulheres consideradas feiticeiras ou bruxas e pessoas que praticassem formas de sexo não aprovadas pela Igreja. Durante séculos, a Igreja Católica se proclamou como a única religião verdadeira e sistematicamente combatia as outras. Somente há 50 anos, em 1965, ao concluir o Concílio Vaticano II que, em Roma, reuniu todos os bispos do mundo, a Igreja Católica publicou a declaração Nostra Aetate, que reconhece o valor das outras religiões e incentiva os fieis a valorizar o diferente e praticar o diálogo. Da parte das outras Igrejas, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 confissões evangélicas e ortodoxas, em sua assembleia geral em Nova Dehli, pediu às Igrejas-membros uma atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.

No mundo atual, a diversidade cultural e religiosa faz com que os diferentes caminhos espirituais possam se complementar e se enriquecer mutuamente. Faz com que cada grupo reconheça os elementos de verdade que existem em outros grupos e se abram ao que Deus revela a cada um, não somente a partir da sua própria tradição, mas também através dos outros caminhos religiosos.

Nas últimas décadas, em diálogo com a humanidade, muitos cristãos descobriram como critério da fé o que apóstolo Paulo escreveu ao grupo de Corinto: “Deus nos fez servidores de uma nova aliança, não da letra da lei, mas do espírito, porque a letra mata e o espírito é quem faz viver” (2 Cor 3, 6). Do mesmo modo, a imagem que Jesus transmite de Deus é a de um paizinho carinhoso que “faz nascer o sol sobre os bons, mas também sobre os maus e faz chover sobre quem é justo e quem é injusto” 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

PERMANECER NO AMOR


Quando as ofertas são por demais numerosas e as atrações do consumo tentam nos aprisionar, um dos cuidados fundamentais é a de fixar em nós, no mais profundo do nosso ser, as raízes do amor.

Conforme o quarto evangelho, depois de cear com os discípulos e discípulas, na noite em que ia ser preso e condenado à morte, Jesus proferiu um discurso que é sua herança para a comunidade dos discípulos e discípulas. Em meio a essas palavras, ele lhes dá esta recomendação: “Permanecei no meu amor e produzireis muitos frutos”.

É este o tema escolhido para a Semana de Orações pela Unidade das Igrejas Cristãs que, neste ano de 2023

O livro dos Atos dos Apóstolos conta que, 50 dias depois da ressurreição de Jesus, na festa judaica de Pentecostes, o Espírito de Deus se manifestou e reuniu pessoas de diversas culturas e idiomas diferentes de modo que todos e todas puderam se entender. Por isso, há mais de cem anos, comunidades cristãs de diferentes denominações dedicam a semana anterior à festa de Pentecostes à oração pela unidade das Igrejas cristãs.

Desde as primeiras décadas do século 20º, a Semana de Oração pela Unidade Cristã se tornou importante para a aproximação e o diálogo entre diferentes Igrejas e também sinal de unidade para toda a humanidade. Desde então, tem sido ocasião feliz para intensificar nas Igrejas a cultura do encontro, da acolhida e do caminho em comum a serviço da humanidade.

No Brasil, anualmente, a Semana de Orações pela Unidade das Igrejas Cristãs é preparada e organizada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic). Este organismo ecumênico tem exercido um papel profético no esforço de unir as Igrejas a serviço do projeto divino para o mundo. O Conic tem testemunhado que não tem sentido falar de Deus e se apresentar como cristãos e, ao mesmo tempo, ser conivente com injustiças. Desigualdades sociais, sexuais, culturais e religiosas atentam contra a vida das pessoas empobrecidas. Apregoam ódio e discriminações. Destroem a Mãe Terra e ameaçam a vida no planeta. Opõem-se ao projeto divino.

Assim, precisamos ver esta Semana de Orações pela Unidade (Souc) como continuidade da profética Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 sobre diálogo como compromisso de amor.

Como explica o livro de subsídios publicado no Brasil pelo Conic: “Ano após ano, comunidades cristãs das mais diferentes tradições têm aderido às celebrações propostas pela Semana de Orações pela Unidade dos(das) Cristãos(ãs). Isso reflete uma compreensão cada vez maior da mensagem de Cristo, que disse: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” (João 17:21).

Neste 2021, Igrejas do mundo inteiro receberam os subsídios para Semana de Orações pela Unidade preparados pela comunidade ecumênica de Grandchamp, na Suiça. É uma comunidade de monjas, provenientes de várias igrejas evangélicas. Desde a primeira metade do século 20, unida à comunidade de Taizé, as monjas de Grandchamp oram e trabalham pela unidade das Igrejas e pela Paz no mundo. No Brasil, esses subsídios foram adaptados à nossa realidade pelo Conselho Amazonense de Igrejas (Caic). Este fez um excelente trabalho, no qual a unidade das Igrejas se insere no respeito amoroso às tradições e culturas dos povos originários.

Este tema tomado da palavra de Jesus “Permanecei no meu amor e produzireis muitos frutos” pode ser compreendido, hoje, como apelo para compreenderemos que se algo se denomina como sendo de Jesus só pode ser amoroso e aberto a tudo o que é humano. Como dizia um pai da Igreja do século 2º: “para quem é cristão, nada do que é humano pode ser estranho”.

Também é preciso ligar a adesão amorosa a Jesus e o cuidado de “dar frutos”. Atualmente, para a nossa fé dar frutos adequados de justiça e amor não podem apoiar sistemas políticos que defendem violência. Em nome de Jesus não se podem discriminar ninguém. Um modo de organizar a sociedade que aumenta desigualdade social e injustiças é contrário ao projeto divino. Para permanecer ligados a Jesus, devemos colaborar com a justiça, a paz e o cuidado com a Terra e toda a criação divina.

Para realizar o desejo expresso de Jesus, o caminho da unidade cristã é necessário para as Igrejas. No entanto, é igualmente importante para toda a humanidade porque colabora com a fraternidade universal e a paz. A oração desta Semana da Unidade assim se expressa:

“Amado e misericordioso Deus pai e mãe, Tu nos chamas para vivermos a unidade e a reconciliação. Por isso estamos reunidas (os) para celebrar, orar, e Te louvar. Nesta semana de oração, queremos ser tocadas (os) por Teu Amor. Ao permanecer Nele, nos reconciliamos conosco e com nossas irmãs e irmãos. Em Cristo, Teu Amado Filho, desejamos produzir bons frutos para vivermos em comunhão, restabelecendo relações de amizade, partilha e solidariedade. Assim, nos reconhecermos como irmãs e irmãos neste mundo tão dividido. Nós te pedimos isso em nome de Jesus. Amém”.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

A LONGEVIDADE É UMA BÊNÇÃO

A humanidade está ficando mais velha, dizem as estatísticas. E isso parece que é bom, porque só atinge a velhice quem vive mais tempo. Pelo menos parece ser o que todos buscamos: viver muito, desfrutar até onde for possível das alegrias que significam viver, existir. E adiar a morte, conhecida por muitas culturas, notadamente a ocidental. A poesia a identificou como “a indesejada das gentes”. E mesmo os escritores bíblicos a chamaram por nomes negativos, como o apóstolo Paulo: “a última inimiga a ser vencida”; e o autor do último livro da Bíblia, o Apocalipse, que a inclui entre os quatro cavaleiros que anunciam a catástrofe final, ao lado da fome, da guerra e da peste.

Por isso, a longevidade é uma bênção e viver muitos anos um prêmio a que todos aspiram. Assim, o livro do Êxodo exorta o israelita a honrar o pai e a mãe “para que se prolonguem os seus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá”. O livro dos Provérbios promete que quem aceita as palavras divinas verá seus anos de vida multiplicados, afirmando igualmente que o galardão da humildade e o temor do Senhor são riquezas, honra e vida longa. No livro dos Salmos, é prometido a quem guarda a língua e os lábios do mal e da mentira, praticando o bem, largos dias para ver esse bem florescer e frutificar. E ao justo que invoca o Senhor, este estará com ele na angústia, dando-lhe abundância de dias e mostrando-lhe a salvação.

O Novo Testamento seguirá essa rica tradição judaica. Toda a pregação e ação de Jesus de Nazaré é curativa, procurando dar às pessoas mais tempo de vida, e vida plena. Assim é que vemos nos Evangelhos curas de várias doenças, físicas e mentais. Há narrativas do poder de Jesus ressuscitando mortos como o filho da viúva de Naim e de seu amigo Lázaro. Nos escritos paulinos, é resgatada a orientação da Bíblia Hebraica sobre a honra que é devida aos pais. A quem isso pratica, como diz a Carta aos Efésios, será dada uma vida longa sobre a terra.

Não se encontrará no texto bíblico nenhuma afirmação de depreciação à vida. Pelo contrário, há sempre uma valorização da mesma, encarando o fato de ela ser longa como uma bênção de Deus, que não quer a morte de ninguém, nem do pecador, mas que ele viva. A tradição cristã seguiu fiel a essa revelação divina destacando-se pelo serviço aos pobres, dando-lhes alimento e abrigo, a fim de sustentar-lhes e prolongar-lhes a vida.

Os idosos estão entre os “exilados ocultos” de nossas sociedades da abundância que se tornam desumanas com a obsessão de gerar riquezas e consideram como peso as pessoas que entendem que já não podem contribuir. Viver 100 anos e até mais é justo e desejável, sim. Vidas humanas não são descartáveis. A garantia de uma vida humana é o próprio Deus da vida que nelas soprou seu Espírito e deseja vê-las cheias de dias, contribuindo com sua experiência e sabedoria para a construção da memória sem a qual a humanidade se perde e deteriora. Como diz o salmo 92: “Mesmo na velhice darão fruto, permanecerão viçosos e verdejantes”.

Nossa utopia deveria ser não desejar que encurtem os dias das pessoas para que as contas fechem na Previdência e no serviço público. Mas poder dizer como o salmista: “Já fui jovem e agora sou velho, mas nunca vi o justo desamparado nem seus filhos mendigando o pão.”