terça-feira, 31 de janeiro de 2017

MANA MARLI, PARA VOCE.

Na vida, todos somos aprendizes. O aprendizado não é igual para todos. Há os que repetem os erros, outros, mais inteligentes, procuram aprender com os erros dos outros. A pior nota fica com aqueles que se recusam a reconhecer os próprios erros. E para isso procuram sempre culpados para as próprias falhas. Grande parte de nossa vida transcorre no cotidiano. Logicamente, nossa felicidade, nossa realização e nosso sucesso passam pelo dia a dia. Ou seja, pelas pequenas coisas. Aposte nestas pequenas coisas.

01 – Domine sua língua. Diga sempre menos do que pensa. Sobretudo, não diga coisas amargas e não fale nos momentos de irritação. Os antigos aconselhavam, na hora da irritação, contar até 100 antes de falar.

02 – Pense antes de fazer uma promessa, sobretudo na vida familiar. Uma vez feita, mantenha a palavra, mesmo sendo tarefa difícil.

03 – Nunca deixe passar uma oportunidade para dizer uma palavra agradável à pessoa ou a respeito dela. Deixe que os outros sintam a ternura que existe em você. Isto vale também para o homem. Não guarde o carinho para as grandes ocasiões. O amor se revela também nos pequenos gestos.

04 – Interesse-se pelos outros, pelas suas ocupações, pelo seu bem-estar, pela sua família. É importante que os outros percebam que você está mesmo interessado neles. Evite começar a frase com o pronome pessoal eu. É importante que o foco esteja sempre na outra pessoa.

05 – Mantenha o bom humor e a alegria mesmo quando as coisas não vão bem. O coração é seu, pode chorar, mas o rosto pertence aos demais e você deve sorrir. Quando errar, com toda a tranquilidade, admita que errou. Afinal, você é humano.

06 – Conserve a mente aberta para todas as questões. Tente perceber o alcance das novas ideias. Diante de uma proposta nova, admita para você mesmo: talvez ele tenha razão. Existem sempre alternativas novas. A humanidade ainda não descobriu tudo o que tinha de descobrir.

07 – Recuse-se falar das falhas, reais ou aparentes, dos outros. Procure falar apenas coisas boas dos outros e da vida. Com elegância, tente desviar conversas que diminuem as pessoas. Abelha e vespa sugam a mesma flor, mas somente a abelha produz mel.

08 – Tenha cuidado com os sentimentos dos outros. Gracejos, ironias e críticas podem magoar. Não faça ou não diga aos outros o que você não gostaria que os outros fizessem ou dissessem de você. São Paulo aconselhava: alegrar-se com os que estão alegres e chorar com os que choram.

09 – Não deixe que as críticas o derrotem. Quando ocorrerem, procure ver o que existe de real e não deixe que a amargura tome conte de seu espírito. A crítica pode mostrar seus pontos fracos e, neste sentido, ela trabalha a favor de você. A vida é curta demais para ser preenchida com amarguras.

10 –Jamais descreia do amor. Existem dois grandes mandamentos: amar a Deus e amar o próximo. O caminho da felicidade passa por aí. Há mil maneiras de amar o próximo, mas uma só maneira de amar a Deus: amando o próximo.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O DEUS BRASILEIRO É "MOLOC" QUE DEVORA OS SEUS FILHOS.

     Diz-se que Deus é brasileiro, não o Deus da ternura dos humildes mas o Moloc dos amonitas que devora seus filhos. Somos um dos países mais desiguais, injustos e violentos do mundo. Teologicamente vivemos numa situação de pecado social e estrutural em contradição com o projeto de Deus. Basta considerar o que ocorreu nos presídios de Manaus, Rondônia e Roraima. É pura barbárie: a fúria decapita, fura os olhos e arranca o coração.

Não há uma violência no Brasil. Estamos assentados sobre estruturas histórico-sociais violentas, vindas do genocídio indígena, do colonialismo humilhante e do escravagismo desumano. Não há como superar estas estruturas sem antes superar esta tradição nefasta.

Como fazê-lo? Esse é um desafio que demanda uma transformação colossal de nossas relações sociais. Será ainda possível ou estamos condenados a sermos um país pária? Vejo ser possível à condição de seguirmos estes dois caminhos, entre outros, elaborados a partir de baixo: a gestação de um povo a partir dos movimentos sociais e a instauração de uma democracia social de base popular.

A gestação de um povo: os que nos colonizaram não vinham para criar uma nação, para fundar uma empresa comercial a fim de enricar rapidamente, tornar-se fidalgos (filhos de algo), regressar a Portugal e desfrutar da riqueza acumulada. Submeteram primeiro os índios e depois introduziram os negros africanos como mão-de-obra escrava. Criou-se aqui uma massa humana dominada pelas elites, humilhada e desprezada até os dias atuais.

Abstraindo das revoltas anteriores, a partir dos anos 30 do século passado houve uma virada histórica. Surgiram os sindicatos e os mais variados movimentos sociais. Em seu seio foram surgindo atores sociais conscientes, críticos, com vontade de modificar a realidade social e de gestar as sementes de uma sociedade mais participativa e democrática.

A articulação dessas associações gerou o movimento popular brasileiro. Ele está fazendo da massa um povo organizado que não existia antes como povo mas que agora está nascendo. Ele obriga a sociedade política e escutá-lo, a negociar, e destarte a diminuir os níveis de violência estrutural.

A criação de uma democracia social, de base popular: possuímos uma democracia representativa de baixíssima intensidade, cheia de vícios políticos, corrupta com representantes eleitos, em geral, pelas grandes empresas cujos interesses representam.

Mas em contrapartida, como fruto da organização popular já se produziram partidos populares ou segmentos de partidos progressistas e até liberais-burgueses ou tradicionalmente de esquerda que postulam reformas profundas na sociedade e visam a conquistar o poder de Estado, seja municipal, estadual ou federal.

Essa democracia participativa se baseia, fundamentalmente, nestes quatro pés, com os de uma mesa.
participação a mais ampla possível de todos, de baixo para cima, de tal sorte que cada um possa se entender como cidadão ativo;
igualdade, que resulta dos graus de participação; ela confere ao cidadão mais chances de viver melhor. Em face das desigualdades subsistentes, deve vigorar a solidariedade social;
respeito às diferenças de toda ordem; por isso, uma sociedade democrática deve ser pluralista, multiétnica, pluri-religiosa e com vários tipos de propriedade;
valorização da subjetividade humana – o ser humano não é apenas um ator social, é uma pessoa, com sua visão de mundo e que cultiva valores de cooperação e solidariedade que humanizam as instituições e as estruturas sociais.

Esta mesa, entretanto, está assentada sobre uma base, sem a qual ela não se sustenta: uma nova relação para com a natureza e para com a Terra, nossa Casa Comum como enfatiza a encíclica ecológica do Papa Francisco. Em outras palavras, esta democracia deverá incorporar o momento ecológico, fundado num outro paradigma. O vigente, centrado no poder e da dominação em função da acumulação ilimitada, encontrou uma fronteira insuperável: os limites da Terra e de seus bens e serviços não renováveis. Uma Terra limitada não suporta um projeto ilimitado de crescimento. Por forçar estes limites, assistimos ao aquecimento global e aos eventos extremos vividos neste ano de 2017 com neves em toda a Europa que não ocorriam há cem anos.

Esta consciência dos limites que cresce mais e mais, nos obriga a pensar num novo paradigma de produção, de consumo e de repartição dos recursos escassos entre os humanos e também com a comunidade de vida ( a flora e a fauna que também são criadas pela Terra e que precisam de seus nutrientes). Aqui entram os valores do cuidado, da corresponsabilidade e da solidariedade de todos com todos, sem os quais o projeto jamais prosperará.

A partir destas premissas podemos pensar na superação de nossas estruturas sociais violentas. O resto é tapeação de mudança para que nada mude

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O QUE FAZER?



Há mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia”, afirmou Shakespeare. Na versão tupiniquim do Barão de Itararé, “há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira.”

Isso se aplica à sexualidade pós-moderna. Embora sejamos todos, por nascimento, do sexo masculino e feminino (ou hermafrodita), há mais gêneros sexuais do que hetero e homossexualidade.

A homossexualidade é, hoje, considerada, pela maioria dos países do Ocidente e pela Igreja Católica, uma tendência natural do ser humano. Foi banida da lista de doenças mentais da Organização Mundial da Saúde (1993) e, no Brasil, do Conselho Federal de Psicologia. Embora alguns evangélicos insistam em qualificá-la de “demoníaca” e prescrevam a “cura gay”...

Quando se fala em ideologia de gênero passa-se a impressão de que o conceito deriva de uma cabeça pornográfica, sem refletir a realidade. Certos pais e professores fazem de conta que acreditam na heterossexualidade de seus jovens, deixando-os à deriva em práticas sexuais outrora encobertas pelo moralismo, o tabu e o preconceito.

Família e escola costumam silenciar quando se trata de temas radicais (de raiz) da vida, como sexo, dor, morte, fracasso, ruptura conjugal, falência etc. Não raramente dão educação sexual como meras aulas de higiene corporal para se evitar doenças sexualmente transmissíveis. O fundamental não é abordado: a constituição do amor como vínculo afetivo e efetivo.

Os nascidos no século XXI se iniciam na vida sexual em idade mais precoce do que as gerações do século XX. Meninas transam com meninas, meninos com meninos, sem que isso expresse necessariamente uma identidade sexual. “Ficar”, “selinho”, rotatividade de parceiros, tendem a banalizar o sexo, praticado como se fosse um esporte prazeroso, sem o peso da culpa ou envolvimento emocional para se impor como projeto de vida a dois.

Vários fatores contribuem para essa revolução sexual: a indiferença religiosa ou a espiritualidade desprovida da noção de pecado; a erotização da cultura hedonista e consumista do neoliberalismo (vide peças publicitárias e programas como Big Brother e Pânico na TV); o fim da censura (qualquer adolescente pode acessar todo tipo de pornografia na internet); e a velha moral burguesa que privatiza os bons costumes e publiciza a degradação da mulher (o mesmo empresário que proíbe a filha de usar roupas insinuantes, patrocina o programa ou o anúncio no qual a mulher é reduzida a objeto de deleite machista).

O que fazer? Liberar geral, com todos os riscos de aids e gravidez indesejada? Resgatar o moralismo, reaquecer o fogo do inferno e estimular a homofobia e o genocídio de LBGTodos?

Há que ir ao cerne da questão: formar a subjetividade. O jovem que se droga clama: “Não suporto essa realidade. Quero ser amado!” A jovem que transa com diferentes parceiros grita: “Quero ser feliz!” Porém, ninguém ensinou a eles que a felicidade não resulta da soma de prazeres. É um estado de espírito do qual se desfruta mesmo em situações adversas. E requer algo que os jovens buscam intensamente sem encontrar quem lhes ofereça: espiritualidade, como abertura à dupla relação: amorosa (uma pessoa, uma causa, um projeto de vida) e à transcendência. Não confundir com religião. Esta é a institucionalização da espiritualidade, como a família é do amor.

Pretender evitar a promiscuidade sexual dos jovens sem educação da subjetividade (e há excelentes ferramentas, como filmes, romances e poesias) é esperar que alguém seja honesto sem estar impregnado de valores éticos.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A ÁGUA, O ESPÍRITO E A NOVA CTIATURA

O símbolo das águas primordiais presentes no caos primevo antes da fundação do mundo (Gn 1,1-2) é um dos mais fortes e evocativos para a linguagem da criação do mundo e da humanidade. Essas águas - ainda não separadas da terra, visibilizando a ordenação cósmica do Criador - são vivificadas pelo Espírito de Deus que paira sobre elas. Portanto, desde muito cedo o povo de Israel captou o símbolo da água como estreitamente ligado ao Espírito de Deus, que é Espírito de vida, que suscita as coisas que não são para que sejam e que, pairando sobre o caos primitivo, é como uma grande ave que "choca" o ovo do mundo antes que esse exploda em vida nas suas mais variadas formas.

Sendo imagem e semelhança do Deus Criador, o ser humano é chamado a ser cocriador juntamente com Deus. Assim como um espelho d’água reflete o céu, a consciência humana, o espírito humano reflete a ação criadora do homem no mundo. Se se turva algum dos elementos do cosmos - por exemplo, a limpidez das águas - fica turvo também o seu reflexo. Assim como a água representa simbolicamente o recanto inconsciente do espírito humano, onde as memórias rejeitadas são alojadas e a origem primordial dorme esquecida, nós - seres humanos - fizemos dela o depósito da impureza e da poluição que produzimos ao longo da nossa história.

Falta água limpa e salubre para aplacar nossa sede, falta consciência para zelar, preservar e despoluir nossas fontes e reservas de água de superfície e subterrânea. Mesmo nossas águas subterrâneas guardadas por milênios, conseguimos poluir. A poluição invisível das águas profundas - ainda mais grave e de difícil reversão - é a face escondida do quadro de degradação observada nas águas de superfície. E mesmo as chuvas que purificam as águas, em algumas regiões do planeta tornam-se ácidas como resultado da poluição do ar.

Neste caos em que estamos transformando o planeta e nele nossa vida perdemos primeiro o contato espiritual com a água e, posteriormente, perdemos o contato com o elemento físico da mesma água. Como contato espiritual entendemos a compreensão profunda da natureza simbólica da água. Pois a água é a matriz de todos os processos circulatórios, dotada de plasticidade, adaptabilidade a todos os espaços e relevos, elemento sensorial por excelência, meio privilegiado de trocas, misturas e encontros.

Diante da perda de contato com a dimensão simbólica e espiritual da água não é difícil perceber a razão pela qual a crise mundial espelha a crise de consciência da nossa civilização, que tem profundas raízes espirituais.

Se não aceitamos o reflexo que a água nos devolve, nem a revelação das metáforas, não podemos recusar o que nos diz o nosso corpo, que contém em média 70% de água, nas mesmas proporções do circuito planetário. Dentro de nós circula o elemento líquido em artérias, veias e capilares de modo muito semelhante ao sistema de irrigação das bacias hidrográficas. Faltam critérios éticos e decisão política para cuidar das nossas águas, assim como da sobrevivência planetária: a degradação de gente e ambiente são verso e reverso da nossa inconsequente gestão da vida.

Revestir de cuidado os gestos cotidianos com que lidamos com a simbologia e a materialidade da água poderá reverter essa magia insana que irriga de morte o tecido da vida. Uma ética do cuidado, hoje defendida por tantos pensadores, e a estratégia ecológica dos três R (reutilizar, reciclar e reduzir o consumo) conseguirão, quem sabe, um dia, deter o avanço desse gigante moderno de mil tentáculos, de muitos nomes e nenhuma alma.

A revelação bíblica judaico-cristã pode ajudar-nos muito a refletir sobre essa ética e a afinidade simbólica entre água e espírito. Assim como no Antigo Testamento, no relato da criação, a água aparece ligada ao Espírito como fonte de vida, no Novo Testamento são muitas as passagens onde a ligação entre água e Espírito se faz igualmente visível.

Quando Jesus, cansado e com sede, chega ao poço de Jacó na Samaria, acontece uma das mais belas e profundas cenas bíblicas que o Evangelho de João, em seu capítulo 4, relata. Jesus, um hebreu, pede de beber a uma mulher samaritana. Esses povos não se entendiam e não se falavam. E um judeu piedoso não poderia dirigir a palavra a uma mulher gentia em espaço público. Porém, em torno da água - e da memória do comum pai Jacó - aquele judeu e aquela samaritana conversaram e acabaram por se entender. A água será a mediação do diálogo impossível. O fato de Jesus ter sede e pedir água faz com que a mulher aceite conversar. E o diálogo que começa tenso, vai se aprofundando.

Jesus oferece à mulher a água viva que jorra para a eternidade. A narrativa bíblica dá um salto qualitativo hermenêutico da água real para a água definitiva. A mulher pede dessa água para não ter mais sede e não precisar mais voltar a buscar água no poço. Mas depois sua preocupação vai se deslocar para um fato: aquele homem que lhe dirigira a palavra, quebrando a lei de seu povo, era igualmente capaz de ler em seu coração seu passado e seu presente. A água que jorra no coração da samaritana, mulher de seis maridos, será o Espírito do próprio Deus, que lhe revelará que aquele que lhe pediu humildemente de beber na verdade é o Messias esperado, o único que pode aplacar para sempre sua sede de vida.

O texto do evangelista João não diz se a mulher deu de sua água para Jesus, mas afirma que ela saiu espalhando sua fama pela cidade. A água, necessidade humana primária, que atingia também Jesus, faz-se um meio de anúncio do Espírito que jorra para a vida eterna e simboliza justamente a vida nova que Jesus vem oferecer a todos por meio de Seu Espírito. É o mesmo Jesus que proclamará: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, do seu interior correrão rios de água viva.” Jo 7, 37-38. E o evangelista acrescenta: “Ele falava do Espírito que haviam de receber os que cressem nele".

Enquanto Jesus não faz sua páscoa, sua passagem da morte para a glorificação, o Espírito não se faz sentir. Mas em todo aquele que escuta sua Palavra, o Espírito abre o livro da Revelação e faz acontecer a nova criatura, nascida da água e do Espírito.


Maria Clara Bingemer

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

DEUS DE LOTERIA

“Para brasileiro, sucesso financeiro vem de Deus.” Esta a manchete da Folha de S. Paulo no dia de Natal. Segundo pesquisa Datafolha, 88% dos pesquisados, ou seja, nove entre dez brasileiros, acreditam que a fé em Deus influi no aumento da renda pessoal.

Essa fé no deus que traz dinheiro é compartilhada por 90% das pessoas que têm religião; 70% das que se declaram “sem religião”; e 23% dos ateus... E o mais curioso, 1/3 dos entrevistados que cursaram apenas o ensino fundamental, e 28% dos que ganham no máximo dois salários mínimos por mês, concordam com esta afirmação: “As pessoas pobres, em geral, não têm fé em Deus e, por isso, não conseguem sair dessa situação.”

Pobre Deus! Seu santo Nome é em vão invocado até para justificar a desigualdade social. “Se você é pobre, basta um pouco mais de fé e, logo, a sua situação financeira haverá de melhorar.” Ideia que peca por dois equívocos: atribuir a Deus a causa da desigualdade social, e desqualificar a fé de quem se encontra na pobreza.

Essa teologia da prosperidade já vigorava no tempo de Jesus. E foi por ele duramente condenada. Os fariseus atribuíam os males humanos ao pecado. Se uma pessoa tinha uma doença, isso era culpa de seus pecados ou dos pecados de seus familiares, conforme relata o capítulo nove do Evangelho de João.

Jesus se posicionou contra essa falsa teologia e demonstrou que Deus não quer ninguém doente, como também não faz da pobreza um castigo por falta de fé. Se há miséria, pobreza e doença, temos que buscar as causas aqui na Terra, e não no Céu. Elas resultam dos males que nós, humanos, provocamos, como a acumulação privada da riqueza em mãos de poucos, em detrimento da maioria. E isso não corresponde à vontade divina; pelo contrário.

Isto sim é “ópio do povo”: culpar Deus pelas injustiças humanas. Ora, a Bíblia registra, na primeira página do livro dos Gênesis, que Deus nos criou para viver no paraíso. E ao terminar a obra da Criação “viu que tudo era muito bom”.

Se agora muita coisa anda ruim não é porque Deus, como escreveu Beckett na peça Fim de jogo, criou apressadamente o mundo em apenas seis dias, quando nem a confecção de uma roupa pode ficar perfeita em tão curto tempo... Nós é que abusamos de nossa liberdade e alteramos o projeto da Criação ao introduzir os frutos amargos do egoísmo: opressão, exclusão, preconceito e discriminação.

Por que, então, muitos atribuem a Deus terem se tornado um pouco menos pobres? Porque ao ingressar em uma Igreja, deixam de beber, fumar, jogar, frequentar bares e danceterias. Aprendem a poupar, adotam vida mais regrada. Isso é o suficiente para o assalariado melhorar a sua qualidade de vida.

Acreditar que o sucesso financeiro vem de Deus é aceitar um deus cruel que condena à pobreza metade da população mundial. Que culpa tem uma criança que nasce na miséria? Ora, a miséria de muitos existe porque, do outro lado do apartheid social, a riqueza de poucos engorda os cofres dos bancos.

Até um cego sabe que muitas fortunas nada têm de abençoadas. Decorrem da corrupção (vide a Lava Jato), da opressão (lucra-se muito e paga-se pouco aos funcionários), da falta de direitos básicos (o filho do pobre não tem acesso à educação de qualidade propiciada ao filho do rico), e até da exploração da fé alheia (padres e pastores que, em nome de Deus, enriquecem graças aos donativos dos fiéis).

Jesus não veio fundar uma religião ou uma Igreja. Veio semear entre nós um novo projeto civilizatório, baseado na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano, e no amor. Veio arrancar a venda que nos cobre os olhos e impede que reconheçamos as causas da miséria e da pobreza. Veio anunciar o Reino de Deus dentro do reino de César. Por isso foi assassinado na cruz, por associar Deus como “Pai Nosso” (de todos, e não somente meu) na medida em que somos capazes de partilhar o “Pão Nosso” (bens e direitos necessários para que “todos tenham vida e vida em abundância”).

Crucifica Jesus pela segunda vez quem, em nome de Deus, legitima a desigualdade social e dela tira proveito para enriquecer. Este deus de loteria não encontra lugar na Bíblia.

domingo, 22 de janeiro de 2017

ASSIM SEJA

É difícil fazer votos de Ano Novo quando se trata deste ano que ora finda. Provavelmente os de nossa geração, assim como os mais novos, jamais viveram tal quantidade de negatividades, desgraças, decepções, dores e horrores.

O Brasil conhece a pior fase de sua história. Recessão cruel, levantando às alturas os níveis de desemprego e subtraindo os índices de crescimento. O cenário político não pode ser mais preocupante. Sem lideranças de peso, as eleições de 2018 se aproximam como um grande vácuo, um abismo desabitado e inominável, que permite esperar que as coisas piorem ainda mais.

Ladrões foram presos e a enxurrada de delações premiadas só faz revelar um número crescente dessa espécie que parece especializada em apropriar-se indebitamente da terra pródiga e fértil onde, nas palavras de Pero Vaz de Caminha, “em se plantando, tudo dá.” Tudo dá...depende para quem. Os bancos na Suíça estão locupletados dos recursos roubado dos trabalhadores e a repatriação acontece não com a celeridade que se espera.

Os direitos trabalhistas, grande orgulho nacional há muitas décadas, foram feridos de morte. E os trabalhadores se deparam com o triste cenário de receberem seus salários parcelados ou não receberem de todo. E veem a própria aposentadoria como um horizonte longínquo e inexpugnável, cada vez mais distante no tempo, aonde chegarão apenas se gozarem de inusual longevidade.

No mundo, nada melhor acontece. O Mar Mediterrâneo continua a ser uma goela esfaimada que engole migrantes vindos de terras devastadas, arrasadas, destruídas. Mulheres grávidas, bebês de colo, famílias inteiras morrem afogadas, levando consigo sonhos, esperanças e vida. A Europa conheceu atentados os mais diversos, que semearam o terror onde antes havia bem-estar e despreocupação. A segurança passou a ser um mito do passado, assunto de história que avós contam para netos, referindo-se aos bons tempos, quando se podia estar à vontade em um supermercado, em uma casa de espetáculos, ou passeando na orla da praia no feriado nacional.

No lado de cá do Atlântico, ao norte da América, o ano fechou com a má notícia temida, mas não esperada. O candidato republicano Donald Trump ganhou as eleições presidenciais e governará os Estados Unidos por pelo menos quatro anos. Derrotado no voto popular, Trump venceu Hillary Clinton no intrincado e inexplicável sistema eleitoral estadunidense. As primeiras declarações, ações e convocações do candidato vitorioso semeiam a incerteza e o temor entre os migrantes de todas as procedências e entre as pessoas de bem. Tempos sombrios se anunciam ao norte do continente.

Procuram-se razões para esperar. Esperar que o ano novo possa ser melhor que o velho. Esperar que as coisas melhorem sobretudo para os pobres e as vítimas do progresso. Esperar que haja mais justiça, mais paz, mais concórdia. Neste exercício esperançoso, vejamos o que se pode resgatar de 2016.

O Papa Francisco firmou-se e confirmou-se como o grande líder do planeta. Reservou aos que de todos os cantos do globo observam seu pontificado uma surpresa diária, fez coisas como, por exemplo, encontrar-se com o Patriarca Kiril, da Igreja Ortodoxa Oriental. Foi o primeiro encontro entre os líderes das duas maiores igrejas do cristianismo por mais de mil anos. O abraço dos dois líderes religiosos aconteceu em Havana, no mês de fevereiro, e foi selado com esta frase de Francisco: “Finalmente! Somos irmãos!”

A Colômbia, país vizinho e amigo, após experimentar um duro fracasso no primeiro referendo pela paz, finalmente chegou ao acordo tão desejado quanto esperado. As Farc e o governo do presidente Juan Manuel Santos bateram o martelo sobre mais de cinquenta anos de guerra civil, abrindo oportunidades novas para o sofrido país e através dele para todo o continente.

E as Olimpíadas aconteceram no Rio de Janeiro. E bem, apesar de todas as Cassandras de plantão, que torceram pelo fracasso e o insucesso. O Brasil ficou para sempre na história como o anfitrião dos mais memoráveis e fantásticos Jogos Olímpicos da história recente.

Por todos esses fatos, podemos olhar para 2017 e ter esperança. Os poetas nos ajudam. Charles Péguy, poeta francês do século XX, escreveu que a fé é uma esposa fiel, a caridade é como mãe ardente, cheia de coragem. A esperança, por sua vez, é uma menininha insignificante, que só caminha de braço dado com as duas outras, grandes e sábias.

Em que ela difere? Qual o seu encanto? Qual sua graça especial? Na verdade, ela é a única – diz Péguy – que vê e ama não o que é, mas o que será. Na realidade, é ela que faz o mundo prosseguir, continuar e não explodir como fruto da inconsequência humana. Ela, que ama o que ainda não é e será no futuro da eternidade.

É essa esperança que nos permitirá olhar com paz e coração disposto para 2017. Podia ter sido melhor o que passou? Pois seja. Podemos esperar que seja melhor o que vem? Sim, com a esperança que é criança ainda, vestida de futuro e que nos perfuma o coração. Que venha 2017. E assim seja!



Maria Clara Lucchetti Bingemer

sábado, 21 de janeiro de 2017

DIÁLOGOS ULTRAUTERINOS

Volto a um assunto incômodo, mas inevitável: a morte. Estar diante dela, volta e meia, é tarefa com a qual me defronto. Por esses dias, mesmo, no velório de um jovem de 28 anos, me vi frente a essa aparente contradição: a morte me faz pensar sobre o sentido da vida...

Repito o que já disse antes; não há, nessa abordagem, nenhuma amarga obsessão, nenhum traço mórbido, depressivo ou fatalista. Apenas fico admirado, quando me vejo diante de um corpo esvaziado de tudo que um dia nele pulsou, do quão pouco sabemos sobre esse nosso denominador comum; viver e morrer.

Somos limitados, inseguros e, nessas horas, nosso único refúgio (ou fuga) contra o desespero da perda definitiva e sem remédio, é essa crença que nos acompanha desde que nos reconhecemos humanos: a vida, de alguma forma, continua...

Cada Religião tenta descrever a seu modo, como será esse depois e são muitas as possibilidades apresentadas. Mas, ainda assim, há quem se interrogue; existirá, mesmo, vida depois da morte?

Como crianças amedrontadas, diante da morte, desse passo para o desconhecido, choramos. O curioso é que, quando nascemos, choramos também. O medo se apossou do nosso coração que não sabia que o parto era um começo, e não o fim daqueles pobres nove meses que, até então, imaginávamos ser a vida. Aquele espaço apertado do útero, veja só, pensávamos que era o “nosso“ espaço. Afinal, era o que conhecíamos até então.

Foi pensando nisso que li e adaptei um texto enviado pelo meu amigo Pacheco, companheiro de sala de aula e de Exercícios Espirituais. Uma reflexão singela, mas cheia de sabedoria que pode ajudar a você, assim como ajudou a mim.

Dois bebês conversam no ventre da mãe:

- Você acredita em vida após o parto?

- Claro que sim! Quer dizer, acho... ou melhor, espero que sim. Tem que haver algo após o parto.

- Que nada, vida é aqui, não tem nenhum depois...

- Pode até ser, mas talvez estejamos aqui apenas nos preparando para o que virá mais tarde.

- Bobagem, que tipo de vida seria essa?

- Eu não sei, mas gostaria que houvesse mais luz do que aqui. Tão escuro. Quem sabe, poder andar com nossas próprias pernas, comer com nossas bocas, ter outros sentidos para perceber realidades que não podemos entender agora.

- Acorda, inocente, comer com a boca, onde já se viu? A única coisa real é esse cordão que nos alimenta e dá tudo o mais de que precisamos. E olha como ele é curto! Esse negócio de vida depois do parto é coisa de gente que acredita em milagre. Pra mim, nasceu, acabou!

- É, tem gente que não acredita em milagre. Eu já acho que tudo é um milagre. A começar de nós dois, aqui...

- Pois eu só acredito nisso aqui! O resto é fantasia.

- Pode ser, mas acho que há alguma coisa lá fora e, talvez, seja mesmo muito diferente do que vivemos aqui. Quem sabe a gente nem vá mais precisar desse cordão, ter mais espaço, até uma paisagem pra contemplar? Aqui é tão escuro...

- Se houvesse realmente vida após o parto, então, por que ninguém jamais voltou de lá pra contar?

- Bem, eu não sei, mas creio que vamos encontrar Mamãe e ela vai explicar tudinho enquanto cuida de nós.

- Mamãe? Você realmente acredita em Mamãe? Isto é ridículo. Se existe Mamãe, então, onde ela está agora?

- Eu não a vejo, mas sinto-a ao nosso redor. É como se estivéssemos cercados por ela. Somos nós, mas somos dela. É nela que vivemos. Tenho a sensação de que, sem ela, esse nosso mundinho nem poderia existir. É um mistério, eu sei, mas é o que sinto em meu coração...

- Pois eu só acredito no que posso ver, comprovar. E se não posso vê-la, então, é lógico que ela não existe.

- É verdade que a gente aqui vê muito pouco, quase nada... mas dá pra sentir...

- Como...?

- Às vezes, quando estamos em silêncio, se você se concentrar e realmente se dispor a ouvir, poderá sentir a presença dela. Outro dia, mesmo, em meio ao meu silêncio, percebi sua voz dizendo: “antes que você nasça, antes mesmo que você fosse gerado em mim, por mim, eu já te conhecia e te amava”.

Acho que o segredo está no aprender a ouvir o silêncio...



Eduardo Machado

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

O HOMEM TRISTE

Não aconteceu de uma hora pra outra. Entristecer é um itinerário que se faz ladeira abaixo e, como diz o ditado, “pra baixo todo santo ajuda”.

Todo demônio também...

Foi um entristecer gradativo, uma perda inconsciente e progressiva de espontaneidade e alegria que lhe foi tirando cor dos pensamentos, silenciando palavras, atrofiando gestos.

A vida foi ficando cinza...

O sorriso, antes solto, fácil, foi se embotando, a começar pela capacidade de rir de si mesmo. Passou a levar a sério a sua tristeza.

Começou a contabilizar as perdas, mais que as conquistas.

Aos poucos, uma amnésia afetiva foi-se acumulando como poeira, escorrendo do cérebro, qual gelada lava, até seu coração.

Não se lembrava da última palavra de ternura que falara ou ouvira, nem o último gesto de carinho que dera ou recebera.

Por fim, era um homem triste., tornou-se um homem triste...

Algumas pessoas, mais próximas ou mais atentas, até perceberam, mas tinham suas próprias tristezas com que lidar. As tentativas fraternas de consolo, estímulo, incentivo, foram ficando tímidas e morreram dessa inanição que nasce com a impaciência.

Passou a pensar na morte, não como uma ruptura dramática, espetacular, mas como um lenitivo para aquele cansaço. Estava cada vez mais difícil carregar nas costas o peso dos dias.

Sentia saudades de suas crenças e alegrias.

Fora um homem de fé.

Quando a fé se eclipsava, recorria à esperança.

Mas, acima de tudo, apegava-se ao amor, como seu berço, caminho e destino.

Quando o amor lhe faltou, definitivamente, entristeceu...



Eduardo Machado

JULGAR?

A pergunta: o que aprendemos no ano que passou?
Que o mais difícil é aprender a julgar.

Por isso neste período refletimos sobre a nossa relação com os outros, pois é neles que espelhamos nossos desejos e nossos temores, nossas idealizações e nossos preconceitos, nosso egoísmo e nossa solidariedade.

Em cada julgamento que realizamos estamos julgando a pessoa que somos.

Lembramos de que a capacidade de julgamento é o que nos faz humanos, mas também pode nos desumanizar, quando:

Julgamos em forma apreçada, e fomos injustos.
Julgamos sob o efeito da cólera ou do medo, e agimos errado.
Julgamos em forma preconceituosa, e humilhamos.
Julgamos em forma dogmática, e desrespeitamos quem pensa diferente.
Julgamos em função da opinião dos outros e não do que sentimos, e nos tracionamos.
Julgamos a forma e não o conteúdo, e fomos banais.
Julgamos quando o que deveríamos ter feito era só compreender.
E usamos o poder no lugar do dialogo, e oprimimos.
E valorizamos o que não merecia e desvalorizamos o que não devia.
E humilhamos com nosso olhar ou com um comentário, incapazes de sair de nossa forma estreita de ser.

Porque nos propomos mudar nossa forma de julgar.

E sermos mais prudentes e menos afobados.
E sermos mais compreensivos e menos preconceituosos
E sermos mais cautelosos e menos apressados.
E sermos mais curiosos e menos dogmáticos.
E sermos mais generosos e menos egoístas.
Valorizando o essencial e não o supérfluo.
Protegendo nossos interesses sem pisar nos outros.
Levando em conta nossos sentimentos sem perder a noção de justiça.
Superando nossos preconceitos que são uma couraça empobrecedora.
E não permitindo que os medos nos dominem.

De forma que possamos chegar ao fim deste ano tendo julgado menos porque nos conhecemos mais, nos colocando ainda que seja por um instante na pele do outro, acumulado assim menos arrependimentos e mais atos de amor, produzido menos dor e mais satisfação.

Porque queremos ser melhores, vale a pena viver e brindar:

Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento.


Bernardo Sorj

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

FERIAS CONTEMPLATIVAS

Janeiro chegou e com ele as férias escolares, que comandam não apenas o calendário das instituições de ensino, mas a vida de uma boa parcela da população. E mais uma vez, aquilo que deveria ser repouso, se torna um frenético ir e vir, com agências de viagens abarrotadas, aeroportos e rodoviárias cheias, hotéis lotados.

A cultura das sensações e satisfações imediatas na qual vivemos mergulhados roubou inclusive nosso tempo e ­ o que é mais grave ­ nossa capacidade de repousar, descansar, relaxar. Ao estresse do tempo de trabalho e estudo, agregou-se o das férias, onde é absolutamente imprescindível fazer programas incessantes, viajar cansativamente para lugares longínquos. Atrás, arrastadas e impacientes, crianças entediadas, assediando sem parar os pais a fim de comprar, consumir, gastar o dinheiro que podem e não podem, adquirindo objetos, souvenires, brindes e gadgets para os quais provavelmente nunca mais vão olhar.

A volta ao lar trará consigo o sabor algo amargo da frustração do investimento hercúleo em um programa que, afinal, não valeu tanto a pena. A sensação de encontrar-se tão ou mais cansado do que no dia da partida e com a conta bancária reduzida a quase zero deixará no ar uma pergunta incômoda, mas inevitável: mas afinal, não se consegue descansar nem nas férias?

Diabolicamente engenhosa, a sociedade em que vivemos roubou até mesmo nossa capacidade de descanso gratuito. Porque é disso que se trata quando se fala em férias, repouso, lazer, retempero de forças e energias. A máquina do consumo quer colocar-nos em movimento custe o que custar. E o faz, não menos exaustivamente porque em contexto ou situação diferente. E como seres humanos, vamos sendo reduzidos a meros consumidores, em radical ruptura de aliança com a criação da qual fazemos parte.

O tempo de férias seria ­ se tal nos fosse permitido pelo frenesi em que vivemos ­ ideal para recuperar a relação com a criação da qual somos parte. Não para dominá-la ou instrumentalizá-la, como o fazem ­ com nossa cumplicidade ­ as indústrias de turismo e as cadeias de hotelaria. Mas para colocar-se, modesta e maravilhadamente, na escola do amor que olha, vê com respeito, contempla e entra em diálogo e comunicação.

O mundo assim por nós contemplado se tornará, então, surpreendentemente diáfano e transparente da presença divina, desdobrando seus mistérios e encantos diante de nosso humano olhar purificado de toda voracidade instrumentalizadora e tornado capaz de adoração. Nele, criaturas humanas que somos, nos sentiremos chamados a descobrir nosso lugar, que é de aliança e comunhão com a totalidade do cosmos.

Re-adquirir, portanto, um olhar contemplativo, extasiado, permitiria ver no mundo e em todos os seres viventes a marca comum de criaturas de Deus. Revelaria a criação como divina morada de Deus e do ser humano. E poderia ser, enfim, um bom programa para nossas próximas férias. Assim, quem sabe voltaríamos ao trabalho renovados e purificados do muito que o cotidiano nos tem esmagado com sua implacável exigência e frenético ritmo.

Mas, sobretudo, talvez aprendêssemos um pouco mais quem somos: não máquinas de produzir e consumir, mas pessoas criadas, em nada superiores aos outros seres, concidadãos humildemente "posteriores" de uma comunidade de seres vivos que nos antecedeu em seu emergir das mãos do Criador.

Talvez, além de tudo isso, este tempo de repouso ainda nos ensinasse mais sobre quem é esse Criador que, desde sua eternidade, nos desejou e inseriu no tempo e na história, a fim de "transformar a terra", mas também e não menos louvar e alegrar-se com as maravilhas que nos circundam. Aí sentiríamos que a coroa da criação de Deus não é o homem, mas sim o sábado, festa celebrativa e gratuita do Criador e do criado. Essas, sim, poderiam ser férias realmente "sabáticas" e contemplativas.

OITO HOMENS TEM A MESMA RIQUEZA QUE 3,6 BILHÕES DE PESSOAS MAIS POBRES DO MUNDO



Um novo relatório da organização não governamental Oxfam, divulgado nesta segunda (16), revela que o fosso material entre o 1% e os 99% da humanidade, respectivamente, o topo e a base da pirâmide da riqueza mundial, torna-se cada vez maior, com consequências nefastas para a sociedade. O documento também capta uma tendência preocupante: o abismo entre ricos e pobres está aumentando em uma velocidade muito maior do que a prevista. Baseado no Credit Suisse Wealth Report 2016 e na lista de milionários da Forbes, o relatório alerta que apenas oito homens concentram a mesma riqueza do que as 3,6 bilhões de pessoas que fazem parte da metade mais pobre da humanidade.

As informações são de reportagem da revista Carta Capital.

"Os oito primeiros colocados na lista da Forbes são o criador da Microsoft, Bill Gates (75 bilhões de dólares), Amancio Ortega (67 bilhões), da grife espanhola Zara; Warren Buffet (60,8 bilhões), da Berkshire Hathaway, Carlos Slim (50 bilhões), das telecomunicações e Jeff Bezos (45,2 bilhões), da Amazon. Figuram ainda o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg (44, 6 bilhões), Larry Ellison (43,6 bilhões), da Oracle, e, por fim, Michael Bloomberg (Bloomberg LP), com 40 bilhões.

Tal riqueza é, na maioria dos casos, hereditária. Nas próximas duas décadas, 500 indivíduos passarão mais de 2,1 trilhões de dólares para seus herdeiros, uma soma maior do que o PIB de um país como a Índia, que tem 1,2 bilhão de habitantes.

Intitulado Uma economia humana para os 99%, o relatório analisa de que maneira grandes empresas e os "super-ricos" trabalham para acirrar o fosso da desigualdade.

A renda de altos executivos, frequentemente engordada pelas ações de suas empresas, tem aumentado vertiginosamente, ao passo que os salários de trabalhadores comuns e a receita de fornecedores têm, na melhor das hipóteses, mantido-se inalterado e, na pior, diminuído.

O estudo aponta que, atualmente, o diretor executivo da maior empresa de informática da Índia ganha 416 vezes mais que um funcionário médio da mesma empresa.

Além disso, os altos lucros das empresas são maximizados pela estratégia de pagar o mínimo possível em impostos, utilizando para este fim paraísos fiscais ou promovendo a concorrência entre países na oferta de incentivos e tributos mais baixos."

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

O PREÇO DO SERVIÇO



A injeção de dinheiro público, outra vez, no Grupo Abril já era esperado, assim como aumentou em quase 1.000% os investimentos em outros meios de comunicação, notadamente, o Grupo Globo.

Sem eles, o golpe parlamentar que apeou Dilma Rousseff do poder não teria se viabilizado. Sem Abril e Globo, a demonização do PT e, ato contínuo, a criação de um culto antipetista, com a ascensão messiânica do juiz Sérgio Moro, jamais teria acontecido.

Ainda assim, não deixa de ser surpreendente a indigência moral e o servilismo dessa gente.

Comparar a vida de Mick Jagger à de milhões de brasileiros - trabalhadores e trabalhadoras rurais, domésticas, pedreiros, serventes, vigilantes e toda a gente do povo - que irão morrer durante o expediente não é só ridículo.

É cruel.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

FILOSOFANDO

Os recentes morticínios em presídios e manifestações eticamente equivocadas daí decorrentes, em especial por parte de autoridades constituídas (legitimamente ou não), devem nos levar à reflexão acerca da ideia do mal.

O mal é desafiador e sempre se constitui em verdadeiro enigma para a filosofia. Possivelmente foi Kant quem elaborou a noção de "mal radical" como uma predisposição humana. Contudo, certamente foi Hannah Arendt quem resgatou e atualizou o conceito ao falar dos movimentos totalitários do Século XX.É de Arendt o que segue:

"Pode-se dizer que esse mal radical surgiu em relação a um sistema, no qual todos os homens se tornaram supérfluos. Os que manipulam esse sistema acreditam na própria superfluidade quanto na de todos os outros, e os assassinos totalitários são os mais perigosos, porque não se importam se estão vivos ou mortos; se jamais viveram ou se nunca nasceram".

Adicionalmente ela esclareceu que o mal se manifesta onde encontra espaço institucional para isso em razão de uma escolha política e se banaliza com o vazio do pensamento. Tudo a ver com os últimos e chocantes episódios protagonizados em nossas plagas.

Mas seria o "sistema" mencionado por Hannah Arendt uma entidade intangível, fluida embora onipresente? No caso dos massacres, a citação do "sistema" deve nos levar a examinar as questões relativas à aplicação de penas em geral (por vezes tão brandas e em outras tão severas) e ao encarceramento exacerbado em particular.

Pasmem ao saberem que quase 40% do total de presos no Brasil em 2015/16 sequer foram condenados. E mais, o Brasil tem hoje 4ª maior população prisional do mundo em termos absolutos. Só perde para EUA (2,2 milhões), China (1,7 milhão) e Rússia (673 mil).

Existem 607.731 presos no Brasil para um total de 376.669 vagas distribuídas em 1.424 unidades prisionais, o que significa 161% mais presos do que vagas. Além disso, do ponto de vista substantivo (dos valores éticos), qualquer pessoa que visite qualquer um dos nossos presídios ficará chocado com o ambiente absolutamente medieval, desumano e desumanizador.

Aliás, um grande equívoco que se pode cometer é compreender a sociedade dividida entre bons e maus, honestos e malfeitores, e imaginar que é possível suprimir o grau de liberdade de alguns sem afetar todos os demais. Não se trata de "passar a mão na cabeça" do apenado, se trata em ver em todo homem e mulher em primeiro lugar o ser humano. Trata-se de questionar algumas tendências autoritárias e retrógradas (por aderência à usurpação do poder de 2016) que vêm emergindo nos dias atuais.

Nessa linha é lícito citar a banalização da prisão temporária; a custódia antecipada se transformando em norma geral; as propostas de emenda para que a polícia tenha autonomia para prender, mesmo sem autorização de um juiz; a generalização da interceptação telefônica; a inversão da presunção da inocência e todo o leque de caráter arbitrário que as mentes simplistas estão concebendo e apresentando. Enfim, a repressão à criminalidade não pode fundamentar a supressão de direitos em recaída autoritária

Lembrando o que Darcy Ribeiro dizia em 1982: "se os governantes não construírem mais escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir mais presídios".

domingo, 15 de janeiro de 2017

O CASAMENTO HOJE EM DIA...

O Cristianismo se vale da dinâmica de comunidade para subsistir, tendo o próprio Cristo afirmado que “” (Mt 18,20). Nesse sentido, a pequena comunidade do matrimônio é um casulo de amor e respeito à vida. Porém, essa vida também é ameaçada por algumas enfermidades e deficiências como a discórdia, o divórcio, a profanação da aliança conjugal, as dificuldades econômicas.

No matrimônio, o amor divino é vivido de maneira intensa pelos cônjuges. Esse amor fecundo de vida se prolifera na criação de uma nova vida, os filhos, que emanam dessa união e desse enlace amoroso do casal. A prole, designada a ser amada e cuidada no amor e na vontade de Deus, surge para formar a família, uma pequena “eclesíola” (LIBÂNIO). Essa união dos cônjuges é sacramentada pela ação da Igreja. Os pais educarão seus filhos no amor paternal e na religiosidade, recebendo dos filhos a fidelidade filial. Essa fé e educação nos desígnios do Criador é o que tornam o matrimônio e a família santificados.

A pureza e a fidelidade são permeadas pelo amor conjugal, tornando a união do casal uma construção de vida e de respeito. Essas são também características de uma união de santidade e de fecundidade, a partir da qual a prole é gerada e cuidada no círculo familiar. Essa dinâmica fecunda é uma continuidade, uma colaboração com o Criador em sua obra, ocasião na que os cônjuges se tornam intérpretes da intenção divina.

Porém, o que caracteriza a família contemporânea? A compreensão tradicional afirma que se trata da composição marido/esposa/filhos. Não seria uma compreensão desatualizada e descontextualizada da realidade, principalmente nos aglomerados urbanos? Ora, nesses lugares percebemos uma estruturação familiar muitas vezes condicionada ao abandono dos filhos pelos pais (homens), sendo criados apenas pelas mães solteiras, desquitadas, ou sem união estável. Casos diversos, mas não menos reflexíveis, são as famílias compostas por pais de um mesmo gênero (homossexuais) e seus filhos geralmente adotados ou gerados através de gravidez assistida.

Nesse sentido, o mais importante é a forma como cada questão é abordada dentro do seu contexto e sejam compreendidos antes de serem julgados e que garantam a igualdade dos indivíduos. Para que haja a família faz-se necessário não fragmentos de amor, mas amor.

sábado, 14 de janeiro de 2017

JAMAIS CANSAR DE FAZER O BEM



A vida  sempre foi pautada por horários definidos. A reflexão é o espaço onde o dia é acolhido e ofertado. Uma tradição bem distante da disciplina, nada de rigidez, pois o amor é a inspiração que faz subir aos céus as preces de gratidão e de comunhão. A dedicação e o carinho  tornam de praxe que as orquídeas recebidas são preferencialmente colocadas em local de destaque. Nestes dias de início de um novo ano, entre uma meditação e outra, o olhar alcançou a orquídea presenteada por ocasião do meu aniversário, ainda no mês de abril. Algo incrível: algumas flores continuam lá, apesar do tempo decorrido. Novas flores surgiram, o ontem e o hoje continuam embelezados por essa maravilhosa orquídea.

Sem a intenção de ficar distraído durante a oração matinal, o pensamento percorreu outros horizontes. Impossível não ficar admirado diante daquela maravilhosa orquídea. Lembrei das mãos que a ofertaram. Pensei também na durabilidade das flores. Veio presente a capacidade de produzir novas flores. Pensei no ano que acabou de findar. Apesar de tudo, muitas flores foram colhidas. Alguns resumem diferentemente os dias, salientando que foram mais espinhos do que flores. Talvez não estivéssemos mais acostumados com exigências e carências. A abundância não prepara pessoas resistentes e resilientes.

A orquídea, com suas novas flores, inspira e desafia: independente da situação, é necessário continuar florescendo. Um novo ano é feito de 365 novas oportunidades. As condições externas nem sempre serão favoráveis, mesmo assim é importante não perder de vista a lição da orquídea: em qualquer situação, não deixar de florescer. Evidente que, em alguns momentos, as exigências superarão o ânimo e as próprias forças. Apesar de tudo, é possível continuar avançando, adaptando-se às circunstâncias adversas, realimentando a esperança, aberto às novas possibilidades. Em tempos de gigantesca complexidade, a criatividade deverá estar em contínuo movimento.

Voltando à reflexão, as preces resumem o desejo para este novo ano: ser como a orquídea, continuar florescendo e acreditando no melhor. Não desejar facilidades, mas pedir forças para ser capaz de colorir cada situação, principalmente quando o sofrimento for por demais insistente. Agradecer cada instante, saber viver com menos, sentir a alegria de viver, jamais cansar de fazer o bem.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

ONDE ESTÃO?

No âmbito do país violento, golpista, clivado por grupos políticos em pé-de-guerra, agrilhoado por uma crise política sem fim, sem saída, sem perspectiva de solução, os atos de monstruosidade ou de indiferença pelo direito alheio se tornam banais.

Um ambulante que teve a infeliz ideia de separar uma briga teve a cabeça pisoteada até o esmagamento por duas feras humanas enquanto os transeuntes mal desviavam o olhar do linchamento que tinham diante dos olhos.

Onde estão as pessoas que deveriam estar nas ruas correndo atrás de produzir para o país sair do buraco?

Onde estão as pessoas que deveriam estar nos parlamentos buscando soluções ou propostas?

Onde estão os ativistas que deveriam estar bradando, nas ruas e/ou nas redes, que não está tudo bem, não, e que não podemos nos dar ao luxo de ir salgar a bunda na praia porque instalaram uma ditadura no país?

Essa paz é falsa, é uma Pax Romana (longo período de relativa paz, gerada pelas armas e pelo autoritarismo, experimentado pelo Império Romano em 28 a. c.)

O grande risco que os golpes e as ditaduras deles decorrentes oferecem é o que está acontecendo no país, é a acomodação e o desalento, diferentes no conteúdo mas idênticos na forma.

As pessoas desistem de lutar e decidem ir “cuidar de suas vidas”. E é com isso que os golpistas contam, é com isso que os carrascos do povo contam, é com isso que os tubarões capitalistas contam, é com isso que os fascistas contam.

O objetivo do fascismo é justamente desestimular reações aos desmandos dos regimes autoritários vigentes ou pretendidos. Uma vez que você não se rebela mais, que esconde suas opiniões políticas, que aceita de cabeça baixa os desmandos dos novos donos do poder, o objetivo foi alcançado e não há mais necessidade de a militância fascista fazer suas blitz do ódio.

O Brasil ainda está vivendo do pouco mais de uma década de bonança econômica e social gerada pelos governos petistas. Ainda tem “gordura” para queimar. Mas a nova realidade irá se impor quando as reservas acabarem.

Só aí, quando o cinto apertar de verdade, é que as pessoas vão se dar conta de que não deveriam ter se acomodado, pois a viagem de volta à democracia só começará no momento em que a sociedade se der conta de que vai ter que se mexer ou continuará afundando na areia movediça do autoritarismo e da injustiça.

Mexa-se, saia do marasmo, não se desligue de tudo, não vá “cuidar da sua vida”, pois sua vida é seu país, sua vida depende da taxa de democracia por habitante que sua pátria tiver. Os problemas não desaparecem quando você os ignora. Pelo contrário, aumentam.

QUANDO SE TEM A MENTE ABERTA.

Um dos males que ameaçam subliminarmente nosso dia a dia é o risco da rotina. Popularmente fala-se da “mesmice”. Nada é relevante, tudo é igual. Vai-se vivendo. E assim passam as horas, os dias, os anos e a vida. Esse tipo de conformismo leva tantas pessoas a se arrastarem por um caminho que não oferece nem luzes, nem esperanças, nem horizontes.

O pior risco da rotina não é parar, pois quem deixa a vida estacionar na rotina só tem a regredir. Vida que parou dá para trás. Mas se há este perigo natural, que pode abater qualquer um de nós, existe um outro lado, o da capacidade de reagir. Os conformistas sentam à sombra de uma existência rotineira. Os inconformistas reagem, levantam-se e, antes de enfrentar os desafios, enfrentam a si mesmos, pois dentro de nós mora um inimigo em potencial.

Reagir é uma das atitudes mais dignas. Evidentemente, me refiro à reação diante da rotina da vida. Nada a ver com as reações impulsivas e agressivas diante de fatos ou pessoas. Para acontecer uma reação positiva, capaz de enfrentar a rotina e conferir dinamismo novo à vida, não bastam os recursos próprios da vontade e a liberação de bons desejos. Necessitamos contar também com os incentivos que vêm das pessoas e, acima de tudo, de Deus, do sobrenatural. Só ao natural não se consegue fazer acontecer uma reação de plenitude.

Sempre nos ajuda quando lembramos que cada momento da vida é único, o dia de hoje não se repete, cada ação que faço não tem igual. Tudo é novo e sempre novo para quem acolhe um pouco de eternidade nos pequenos espaços do tempo da vida de cada dia.

 “O contexto social em que vocês estão inseridos, às vezes, sofre o peso da mediocridade e do tédio. Não é necessário se resignar à monotonia da vida cotidiana, mas cultivar grandes projetos, ir além do comum: não lhes deixem roubar o entusiasmo! Será um erro também deixar-se aprisionar pelo pensamento fraco e pelo pensamento uniforme”.

Essa exortação vale para todos. Quando temos uma mente aberta, o pensamento flui fecundo e criativo. Somos chamados a aprender e nos deixar iluminar pelo bem, pela verdade e pela beleza. Um dos cuidados para não cairmos na rotina é também não nos deixarmos arrastar pela opinião dominante, não nos deixarmos condicionar pela maioria. Às vezes precisamos ter a coragem de remar contra a corrente para escolher a medida alta de um viver digno e esperançoso.

Tantas vezes, por conveniência ou até por questão de sobrevivência, há pessoas com imenso potencial para alcançar a medida alta da vida e da fé, mas terminam se nivelando por baixo e sufocando suas maiores aspirações. Cada dia que passa se faz mais necessário reagir em nome da dignidade e com a sempre possível força da fé, da esperança e do amor.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A ESCOLA NA VISÃO DE FRANCISCO

A escola é imprescindível na vida das pessoas. Sem ela certamente a vida seria muito diferente. Todos deveriam frequentar a escola por longos anos, se possível escolas de excelente qualidade de ensino. No Brasil, a realidade das escolas está longe de ser a ideal. Muitas coisas precisam ser repensadas. O discurso do Papa Francisco “Eu amo a Escola” pode nos ajudar nesta tarefa.

Em 10 de maio de 2014, na Praça de São Pedro, Roma, o Papa Francisco proferiu discurso aos estudantes, professores, pais e servidores das escolas da Itália. Inicialmente reconhece as dificuldades, os problemas e as coisas que não correm bem nas escolas. Porém, em seu discurso foi além de constatar a situação das escolas e surpreendeu a multidão: “Eu amo a escola, eu amei a escola como aluno, como estudante e como professor. E depois como bispo”. E prosseguiu com as razões do amor pela escola.

A razão primeira é por guardar uma imagem bela da escola, como o lugar onde não se aprende sozinho, mas há sempre um olhar que ajuda a crescer. Lembra a primeira professora, e que posteriormente a acompanhou e a visitou em seu leito de morte aos 98 anos. Elogia: “porque aquela mulher me ensinou a amá-la. Este é o primeiro motivo pelo qual eu amo a escola”.

A segunda razão é porque a escola é “sinônimo de abertura à realidade”. Ir à escola significa abrir a mente e o coração, os aspectos e as dimensões da realidade. Na escola, “nos primeiros anos aprende-se a 360 graus, em seguida devagarzinho aprofunda-se uma área e por fim especializa-se”. O aprender é tornar-se uma pessoa aberta. Os professores ensinam aos alunos os caminhos para permanecer abertos à realidade. O professor é sempre um pensamento aberto que procura contagiar os alunos.

A terceira razão é porque a escola “é um lugar de encontro”. Lugar onde estamos a caminho, iniciando um processo, empreendendo um caminho. Encontra-se companheiros, professores, pessoas, famílias, culturas, relações, respeito. É o lugar de aplicar o provérbio africano: “para educar um filho é necessária uma aldeia”. E para educar um jovem “é necessária muita gente: família, escola, professores, pessoal não docente, todos”.

A quarta razão é porque a educação não é neutra. Ela é positiva ou negativa. Enriquece ou empobrece. A missão da escola é desenvolver o sentido verdadeiro do bem, do belo. É lugar de estimular a inteligência, consciência, afetividade, etc. A quinta razão, por ser o lugar onde se aprende conhecimento, conteúdos, hábitos, valores. Ela faz crescer três línguas nas pessoas: da mente, do coração e das mãos. O professor ajuda a harmonizar e juntar as três línguas. Em defesa da escola o Papa Francisco termina seu discurso “não nos deixemos roubar o amor à escola”. Em defesa de uma boa educação “é sempre melhor uma derrota limpa do que uma vitória suja”. Valorizar a escola será uma imprescindível solução para o Brasil.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

SER FELIZ É O DESEJO

O inverno fora duro e parecia nunca mais ter fim. Impaciente e magro, um urso olhava para a paisagem desolada e para o lago congelado. Ele precisava, de qualquer maneira, encontrar alimento. Uma lufada de vento trouxe ao urso um inegável cheiro de comida e ele partiu, imediatamente, em sua busca. Seu instinto lhe sugeria muita prudência. Acabou encontrando um acampamento de caçadores, providencialmente, deserto. E lá, em meio a uma vigorosa fogueira, um panelão cheio de comida. O urso enfiou a cabeça nas gostosas iguarias e sem hesitar, abraçou o a panela.

Um calor insuportável começou a lhe queimar a boca, as patas e o peito. Era uma sensação que ele não conhecia, mas interpretou como uma coisa que queria roubar-lhe a comida. Continuou abocanhando a comida e apertou com força a panela, mas teve de rugir de dor. Quanto mais rugia, mais apertava a panela. Meia hora depois, quando chegaram, os caçadores viram um enorme urso, encostado a uma árvore. Morrera em consequência das queimaduras. Mesmo morto, tinha a expressão de que ele ainda estava rugindo de dor.

Ser feliz é o desejo, mais que isso, uma obsessão, que nos acompanha ao longo da vida. Todos os nossos atos, ao longo de toda a vida, têm uma direção única: a felicidade. Mesmo quando optamos por algo que nos machuca, no momento, jamais perdemos o foco da felicidade, mesmo que seja para mais adiante. Mas na realidade nem mesmo sabemos bem o que é ser feliz. Confundimos, muitas vezes, momentos de prazer com felicidade. A miopia, por vezes, faz-nos optar pelas águas de uma cisterna poluída, deixando de lado fontes cristalinas. Santo Agostinho, que na primeira parte da vida correu em busca da felicidade, deu-se conta de coisas que eram “belas pelo avesso”.

Na vida, algumas vezes, abraçamos coisas que parecem sinalizar a felicidade. Imediatamente, ou com o passar do tempo, nos damos conta que isso não nos faz feliz. Pelo contrário, origina sofrimentos. Mas não queremos largar a panela. Seria suficiente desistir. Acabamos derrotados por algo que nos parecia trazer a felicidade.

Determinados erros justificam-se pela inexperiência juvenil. Com o passar dos anos devemos aprimorar o juízo crítico. Não podemos querer apenas abraçar aquilo que nos faz feliz agora. Precisamos pensar no dia seguinte. As feridas podem nos levar ao desastre.

É sempre tempo de recomeçar. É sempre tempo de fazer a contabilidade entre o custo e o benefício. E se algo não nos favorece, tenhamos a lucidez que o urso não teve: largue a panela.

E Santo Agostinho resumiu sua incansável busca da felicidade: “Fizeste-nos para ti, ó Deus, e irrequieto estará o nosso coração até não repousar em Ti”.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

COOPERAÇÃO SE REFORÇA COM MAIS COOPERAÇÃO

Um dos efeitos mais perversos do golpe parlamentar, destituindo com razões juridicamente questionáveis pelos juristas mais conceituados de nosso país e também do exterior, foi impor um projeto econômico-social de ajustes e de modificações legais que significam um assalto ao já combalido bem comum. O golpe foi promovido pelas oligarquias endinheiradas e anti-nacionais que usaram um parlamento de fazer vergonha por sua ausência de ética e de sentido nacional, que por ele pretendem drenar para seu proveito a maior fatia da riqueza nacional. Isso foi denunciado por nomes notáveis como Luiz Alberto Moniz Bandeira, Jessé Souza, Bresser Pereira, entre outros.
Está em curso um desmonte da nação. Isto significa a implantação de um neoliberalismo ultraconservador e predatório que praticamente anula as conquistas sociais em favor de milhões de pobres e miseráveis, tirando-lhes direitos com referencia ao salário, ao regime de trabalho e das aposentadorias além de reduzir e até liquidar com projetos fundamentais como a Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, o FIES e outros institutos que permitiam o acesso aos filhos e filhas da pobreza ao estudo técnico ou superior.
Mais que tudo, começou-se a leiloar bens coletivos como partes da Petrobrás e a colocação à venda de terrras nacionais. A privatização significa sempre uma diminuição do bem de interesse geral que passa às mãos do interesse particular. Atacam-se ao que se chama hoje de “direitos de solidariedade” que submete os interesses particulares ao interesses coletivos e comuns.

Esclareçamos o conceito de bem comum. No plano infra-estrutural o bem comum é o acesso justo de todos aos bens comuns básicos como à alimentação, à saúde, à moradia, à energia, à segurança e à comunicação. No plano social é a possibilidade de levar uma vida material e humana satisfatória na dignidade e na liberdade num ambiente de convivência pacífica.
Pelo fato de estar sendo desmantelado pela atual ordem injusta, o bem comum deve agora ser reconstruido. Para isso, importa dar hegemonia à cooperação e não à competição e articular todas as forças comprometidas com o interesse geral a resistir, a pressionar e a ganhar as ruas.
Por outro lado, o bem comum não pode ser concebido antropocentricamente. Hoje desenvolveu-se a consciência da interdependência de todos os seres com todos e com o meio no qual vivemos. Nós enquanto humanos, somos um elo, embora singular, da comunidade de vida e responsáveis pelo bem comum também desta comunidade de vida. Não podemos vender nossas terras nem deixar de delimitar os territórios indígenas, os donos originários de nosso país nem descuidar do desmatamento desenfreado da Amazônia como está ocorrendo agora.
Nós humanos, possuimos os mesmos constituintes físico-químicos com os quais se constrói o código genético de todo o vivente. Dai se deriva um parentesco objetivo entre todos os seres vivos como o tem enfatizado o Papa Francisco em sua encíclica sobre a ecologia integral. Por isso cuidar e defender a natureza é cuidar e defender a nós mesmos, pois somos parte dela. Em razão desta compreensão o bem comum não pode ser apenas humano, mas de toda a comunidade terrenal e biótica com quem compartimos a vida e o destino.
Cooperação se reforça com mais cooperação, pois aqui reside a seiva secreta que alimenta e revigora permanentemente o bem-comum, atacado pelas forças que ocuparam o Estado e seus aparelhos no interesse de poucos contra o bem comum de todos os demais.


domingo, 8 de janeiro de 2017

ESTÁ CHEGANDO A HORA DOS BANCOS PÚBLICOS.

Nos últimos meses, o governo brasileiro não apenas está tomando medidas temerárias do ponto de vista estratégico como também o está fazendo na contramão do mundo, em um momento em que o nacionalismo e o Estado se fortalecem, como reação à globalização, até mesmo pelas mãos da extrema direita, nos países mais desenvolvidos. O que vem sendo apresentado, com a cumplicidade de uma mídia imediatista, irresponsável e descomprometida com os objetivos nacionais, não passa de uma sucessão de “negócios” apressados e empíricos que têm como único norte o acelerado desmonte, esquartejamento e inviabilização em poucos anos, do Estado, com deletérias, estratégicas, e talvez irreversíveis consequências para o futuro.

Estamos entregando o país aos negócios privados, principalmente estrangeiros, em transações gigantescas, feitas a toque de caixa, que envolvem bilhões de dólares. Na maioria das vezes, à revelia da sociedade brasileira, a ponto de muitas estarem sendo realizadas até mesmo sem licitação, como está ocorrendo com a “venda” e desnacionalização de poços do pré-sal e de outros ativos.

Tudo isso com uma fúria privatista que só encontra paralelo nos nefastos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que tiveram como principais consequências econômicas a duplicação da dívida líquida pública e a queda do crédito, do PIB, da renda assalariada e do trabalho formal ao fim de seus oito anos de governo.

Se o recuo estratégico é grave em setores primordiais, como energia, infraestrutura e defesa, ele atinge também, drasticamente, os bancos públicos. Assim como não existem grandes países sem grandes empresas nacionais, também não existem grandes nações que possam prescindir de um forte sistema financeiro público para que se desenvolvam estratégica e soberanamente. Não se trata apenas, como ocorria no passado, do direito de cunhar moeda, mas de ter instrumentos que possam garantir que a roda da economia continue girando.

Nos últimos anos, o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil foram cruciais para manter o país crescendo, investindo na “bancarização” da população e na expansão do crédito. O volume de crédito em circulação, que caiu de 36% para 23,8% do PIB nos governos de FHC, mais do que duplicou nos governos do PT, até atingir 54,2% em dezembro de 2015. Sem financiamento à indústria e à agricultura teria sido impossível, para o país, enfrentar a longa sucessão de graves crises que vêm atingindo o mundo ocidental e o capitalismo desde 2008, quando a banca privada se retraiu, deixando de emprestar dinheiro e passou a investir, como sempre fez historicamente, basicamente em títulos do governo.

Com isso, embora o lucro dos bancos tenha aumentado mais de 400% na era Lula com relação ao governo anterior, as instituições públicas se expandiram mais do que as particulares, aumentando a variedade e quantidade dos serviços prestados a seus clientes, oferta de crédito, lucros e sua presença na economia nacional.

E como o atual governo responde a esse imprescindível papel estratégico? Pega carona e incentiva a campanha, com forte componente ideológico, que se está desenvolvendo na mídia e nas redes sociais, contra o BNDES. Promove a estúpida, suicida e inexplicável eliminação de R$ 100 bilhões dos ativos do BNDES, que estão sendo “repassados” ao Tesouro, para suposto “abatimento” cosmético e irrelevante da dívida pública, em um momento em que o país é apenas a 40ª nação do mundo em endividamento, e se encontra mergulhado em grave recessão.

Reforça essa política de terra arrasada com a interrupção e eliminação, pela atual diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, de projetos de exportação de serviços de engenharia de empresas já atingidas pelo tsunami punitivo da Operação Lava Jato em bilhões de dólares. Com isso, morrem no nascedouro milhares de empregos que poderiam surgir por alguns dos maiores expoentes da engenharia nacional e por centenas de médias e pequenas empresas de sua cadeia de fornecedores.

O governo estende os nefastos efeitos dessa abordagem destrutiva ao Banco do Brasil e à Caixa – apelando para a velha desculpa da busca de “eficiência” – por meio do desmanche e do “enxugamento” do BB e da Caixa, que envolve o já anunciado fechamento de centenas de agências e a demissão “incentivada” de milhares de funcionários, em um momento em que dezenas de municípios, para o enfrentamento da crise, não poderiam prescindir da presença e do apoio dessas instituições.

Quais são as razões que se escondem por trás disso? Por que e para que pisar torcer o pescoço das galinhas dos ovos de ouro da economia nacional que, além de manter o país funcionando, deram altíssimos retornos para seus acionistas e para a União e estão ligadas a conquistas de enorme importância social, como a construção de 3,5 milhões de casas populares nos últimos anos?

De 2010, para cá, o BNDES, além de emprestar centenas de bilhões de reais para grandes, médias e pequenas empresas, teve mais de R$ 40 bilhões de lucro. O Banco do Brasil alcançou, em 2011, um lucro líquido de mais de R$ 12 bilhões e chegou a mais de R$ 14 bilhões em 2015. Os seus ativos, que eram de quase R$ 1 trilhão em 2011, chegam a quase R$ 1,5 trilhão este ano. A Caixa Econômica Federal lucrou quase R$ 4 bilhões em 2011 e expandiu seus resultados para 7,2 bilhões em 2015.

De que tipo de “reestruturação” esses bancos precisam? De mandar gente embora para fazer com que os que vão ficar trabalhem o triplo – cada funcionário de agência do Banco do Brasil já é responsável, em média, pelo atendimento a quase 450 contas da instituição –, e comecem a cometer falhas, e fazer os clientes pensarem em migrar para os bancos privados?

Não se pode compreender esse cerco à banca pública a não ser como um desejo subjacente de abrir mercado para a banca privada, embora esta não tenha deixado de multiplicar também seus ganhos. Deve assustar, sobretudo, a possibilidade que os bancos públicos têm, a qualquer momento, de regular indiretamente o mercado, sempre que necessário, baixando as suas taxas de juros e as tarifas que cobram da população.

Mas essa deliberada e injustificável estratégia de sabotagem e sufocamento dos bancos públicos pode ter, também, outras intenções. Como sempre ocorre, ela abre caminho para que se possa dizer que eles estão operando mal ou perdendo dinheiro, e que devam ser privatizados a médio prazo, eliminando-os, totalmente, da economia nacional.

Assim como ocorre no caso da Petrobras, a sociedade brasileira precisa responder ao desmanche e à campanha contra a banca pública decisivamente. Os bancários e os municípios prejudicados devem entrar na Justiça contra o fechamento de agências, levando ao Judiciário e ao Ministério Público informações relativas à verdadeira situação financeira dos bancos estatais e sua importância econômica e social no contexto do processo de desenvolvimento brasileiro.

É preciso que aqueles que dizem que é necessário aumentar a “eficiência”, expliquem onde está a ineficiência de instituições que praticamente salvaram o país durante a crise de 2008, que contribuíram para a expansão do crédito, da produção e da infraestrutura e que, na última década, deram dezenas de bilhões de reais em lucro. Enquanto o sistema financeiro privado internacional levou a economia global ao colapso.

sábado, 7 de janeiro de 2017

GENTE BOA TAMBÉM MATA

Quem reclamou de 2016 e apostou que ‘17 seria melhor, quebrou a cara logo no réveillon.

é que na noite da festa das roupas brancas, ao invés das sete ondinhas, um sujeito pulou um muro, arma em punho, e passou a disparar freneticamente.

fez 13 vítimas, entre elas a ex-esposa, o filho pequeno e ele próprio.

matou mais mulheres que homens.

a carta que deixou estava recheada de ódio às mulheres de maneira geral: “vadias ardilosas”.

se um diabo desses tivesse acontecido em berlim ou em paris, os nossos bravos bonecos de ventríloquo d’além mar já estariam colocando na cena do crime o que eles chamam de estado islâmico.

diriam que o terrorista deixou - eles sempre deixam - o documento de identidade cair debaixo da arma, para provar que ele era ele mesmo.

aí falariam do defunto o que bem quisesse, defuntos não se defendem.

diriam que o sujeito fez pesquisas na internet e havia ali algumas palavras de origem árabe como azeitona, xadrez, algarismo etc., o que automaticamente o ligaria ao terrível daesh.

fazem isso porque buscam uma motivação, tentam montar uma narrativa para tentar compreender a mentalidade do criminoso por meio do discurso que o seu ato produz.

mas o crime se deu aqui e, antes que o careca-capinador-de-maconha ligasse o assassino a alguma célula terrorista da tríplice fronteira, veio à tona algumas mensagens escritas pelo assassino.

e, veja que curioso, as mensagens eram na verdade uma compilação dos clichês estúpidos que a mídia passou a ventilar por aí, vocalizando e dando visibilidade a uns celerados como frota, malafaia, janaína paschoal, bolsonaro e afins.

mas a nossa tão diligente mídia não se prestou a fazer essa associação, sequer tentou analisar o discurso de ódio do assassino.

era só colocar lá um daqueles “papagaios-especialistas” e ele dizer: sim, é cria nossa, tudo o que ele disse ali nós estamos carecas de dizer aqui aos microfones e aos quatro ventos.

bingo.

veja um exercício simples: agrupe algumas fotos de cartazes usados nas raves cívicas e você terá um mosaico com todos os termos usados nas mensagens do criminoso.

notem que o facebook tá cheio de laiques para o tipo de postura assumida pelo sujeito: misoginia, machismo, ódio às esquerdas e aos direitos dos manos etc.

porque a midiazona não fez esse tipo de relação? simples, associações são feitas quando são convenientes a quem as faz.

nas caixas de comentários dos grandes portais, “homens de bens” tentam defender o agressor, culpar as vítimas e até dizer que fariam o mesmo.

embora o nosso código penal seja claro ao definir a apologia ao crime como crime também, esses celerados não serão punidos, nem os portais que lhes dão visibilidade.

é a omissão conivente.

a impunidade é a alfafa desses bardotos.

não falta quem diga que assassino era apenas um pai tentando exercer o seu sagrado direito de ser pai; mesmo que ele tenha feito isso matando o filho.

em outro crime de ódio, o sujeito que espancou até a morte um ambulante no metrô de sampa - porque o trabalhador tentou impedi-lo de matar uma travesti - foi preso com uma camiseta do que dizem ser o nosso senhor jesus cristo e disse, na maior cara dura, que se considerava um homem de bem.

é o mesmo discurso usado na propaganda do ministério dos transportes: gente boa também mata.

e digo mais: se o cabra estivesse com alá desenhado estampado na camiseta automaticamente o crime teria conotação religiosa, esses barbudos que odeiam a liberdade e o estilo de vida ocidentais.

como era o cristo, o cagação de raiva de malafaia não foi associada como motivadora dessa homofobia.

voltemos à noite do réveillon.

o assassino-suicida - defendido por tanta gente de bens - se mostra perturbado com o feminismo, com os direitos humanos, com os presos que vivem num playground com salário mensal e três refeições por dia, com a vagabunda da dilma, com a corrupção que gera microcefalia(?), com a lei maria da penha...

o estado progressista e a conquista de direitos pelas minorias eram um tormento pra ele.

o crime ocorrido na noite de réveillon em campinas é um crime de ódio e intolerância.

é uma desumanidade de quem não reconhece alteridades, só a sua presumida autoridade.

foi, igualmente usando esses clichês baratos e confusos, tão difundidos pela midiazona, que um pai matou o filho universitário em goiânia e depois se matou.

o garoto tinha simpatia pelas ocupações e pelas ideias progressistas.

era o outro dentro de casa.

o discurso do ódio motiva a eliminação do outro, do inimigo, mesmo que o sujeito se sacrifique como exemplo de purificação.

é o tal suicídio altruísta descrito por durkheim.

é só ler as mensagens que o criminoso deixou, para justificar o injustificável, que você enxerga a mão que manipula as cordinhas.

até agora, sabe-se quem puxou o gatilho, mas quem o motivou?

questões enigmáticas.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

PRECISAMOS SUPERAR NOSSO COMPLEXO DE "VIRA-LATAS"

Precisamos superar o nosso complexo de “vira-latas” e tomarmos consciência da importância geopolítica e estratégica do Brasil no conjunto das nações do mundo. Somos uma das maiores nações em termos geográficos e populacionais. Somos a sétima economia do mundo com um mercado interno de 204 milhões de brasileiros. Mas mais que tudo, somos um reserva de bens e serviços naturais como nenhum país do mundo possui em termos de terras férteis, de água doce, de florestas úmidas, de bio-diversidade e de riqueza populacional pluri-étnica. Tal fato não passa desapercebido pelas potências que se arrogaram o poder de decidir o caminho por onde deve andar o planeta, o sistema-vida e o sistema-Terra. É por isso que nosso país, seu governo, as grandes empresas são vigiadas e espionadas. Ademais somos a grande potência do Atlântico Sul voltada para a África. Para onde irá o Brasil? Que posição tomará face aos problemas mundiais? Fará um caminho próprio, baseado na sua riqueza natural e histórica, influenciando outros países? Estas são as preocupações das potenciais que têm sob seu controle o processo de globalização . Transcrevemos esse artigo para nos alertar da importância que possuímos em termos de defesa de nossa soberania nacional. E também denunciar aqueles grupos e poderes que querem se alinhar a um dos poderes mundiais dominantes renunciando à construção de nosso próprio caminho e de nossa identidade nacional e desta forma dar uma contribuição à inteira humanidade. O estudo foi feito por um economista JOSÉ ALVARO DE LIMA CARDOSO, recomendado pelo nosso maior analista das políticas internacionais LUIS ALBERTO MONIZ BANDEIRA. Recomendo a leitura para melhorar nosso quadro de análise de nossa realidade nacional no contexto global.
Eis o que diz:

José Alvaro de Lima Cardoso, economista.


Nesta altura dos acontecimentos até as pedras sabem que o interesse imperialista nas matérias primas do Brasil (petróleo, minerais, água, biodiversidade da Amazônia) foi um dos carros-chefe do golpe. No entanto, além do interesse econômico imediato – nas matérias-primas e na eliminação de direitos e redução de salários – o golpe tem decisivo componente geopolítico, com cada vez maiores evidências do envolvimento direto das forças de inteligência norte-americanas (CIA, FBI, NSA). Está cada vez melhor documento, por exemplo, o envolvimento da equipe da Lava Jato com estratégias montadas em instituições de inteligência dos EUA.
Ao contrário de 1964, quando a censura e a repressão impediam a circulação de informações, neste golpe, apesar da democracia ter sido restringida, está sendo possível denunciar suas entranhas enquanto ele se desenrola (apesar da blindagem da mídia). Sabemos, por exemplo, da relação de Sérgio Moro com a comunidade de informações dos EUA. Moro fez cursos no Departamento de Estado, dos EUA, em 2007. No ano seguinte fez um programa especial de treinamento na Escola de Direito de Harvard. Em 2009 participou da conferência regional sobre “Illicit Financial Crimes”, promovida pela Embaixada dos Estados Unidos. Foi treinado, segundo o historiador Moniz Bandeira, em ação multi-jurisdicional e práticas de investigação pelos estadunidenses. Inclusive em demonstrações reais, segundo o historiador Moniz Bandeira, de como preparar testemunhas para delação.
Tivemos a informação também, ainda antes do impeachment, que Sérgio Moro, e o procurador-geral da República Rodrigo Janot, atuam em parceria com órgãos dos Estados Unidos contra empresas brasileiras. E que Sergio Moro recentemente autorizou o compartilhamento da delação premiada do ex- diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, com investigadores de Londres em processo contra a Petrobrás. Segundo informações divulgadas na imprensa, Sergio Moro tem autorizados conversas feitas diretamente com cada delator da Lava Jato e o Departamento de Justiça dos EUA, sem passar pelo Estado brasileiro, como prevê a lei. Ou seja, os responsáveis pela operação Lava Jato permitem o acesso a órgãos do Estado norte-americano, a informações sigilosas, que são utilizadas para atacar e processar judicialmente a Petrobrás e outras empresas brasileiras. Como podemos nominar esse tipo de atitude? Como podemos chamar também a prisão do Vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, principal responsável pela conquista da independência na tecnologia do ciclo de combustível, que colocou o Brasil em posição de destaque na matéria, no mundo?

Não foi por acaso que na preparação do golpe, nos últimos anos, foi estimulado no povo brasileiro o complexo de vira-latas e se depreciou de forma sistemática tudo que poderia significar orgulho pelo País ou amor pela pátria. A campanha foi tão eficiente que idiotas saíram nas manifestações pró impeachment vestidos com as cores ou enrolados na bandeira dos EUA. Somente um processo sofisticado de manipulação da população poderia possibilitar o apoio a uma operação entreguista como a Lava Jato, pensada para quebrar a Petrobrás e o seu entorno, que gerou R$ 140 bilhões em prejuízo para a economia, provocando a demissão de milhares de trabalhadores, liquidando com dezenas de projetos na área de energia, indústria naval, infraestrutura e defesa. Recentemente, membros do Ministério Público Federal vieram a público para colocar sob suspeição o programa de construção de 36 caças estratégicos com a Suécia, colocando em dúvida a lisura de um ex-presidente da República e dos militares que participaram do negócio.

O golpe e o entreguismo estão só no começo. No apagar das luzes de 2016, o presidente golpista determinou à Comissão Aeronáutica Brasileira na Europa (CABE) a contratação, com urgência, de serviços de sensoriamento remoto por satélite. O custo de importação do equipamento está estimado em cerca de R$ 300 milhões. Segundo informações da imprensa, os membros da CABE estranharam a ordem, visto que este tipo de serviço para as Forças Armadas, só pode ser realizado por empresas nacionais ou constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País. Salvo raras exceções.


A ordem, que partiu da Casa Civil, tem graves implicações também no campo da soberania e segurança nacional. Segundo informações, a divisão de licitações e contratos da Aeronáutica classificou como ilegal a determinação, visto que esse tipo de fornecimento tem que ser feito por empresas brasileiras, inscritas no Ministério da Defesa. Os oficiais da Força Aérea, segundo os jornais, estão intrigados com o pedido da Presidência da República, que está se metendo diretamente nesse tipo de assunto, e atropelando regras que, dentre outras coisas, exigem a presença de empresas nacionais no processo. O que pode explicar essa entrega voluntária da vigilância do território brasileiro a empresas estrangeiras, senão entreguismo e subserviência? O que representa, do ponto de vista da segurança e soberania, buscar apoios em outros países, se empresas nacionais sabidamente têm condições de fornecer com excelência esse tipo de serviço? É que este não é um golpe qualquer. A agressão imperialista que o Brasil está sofrendo pode se comparar às guerras contra o Iraque e a Líbia, as técnicas de desestabilização utilizadas são semelhantes.

José Alvaro de Lima Cardoso, economista, publicada no Blog de L.boff

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

PAI, ME ENSINA A OLHAR

A alma humana é um mistério e os olhos a revelam. É através deles, os olhos, que espiamos o interior da alma. Sim, a alma tem interior, aquele núcleo duro do Eu, que está para além das aparências e os olhos nos revelam. Como ver além das aparências? Como acessar o interior? Não basta olhar, é preciso ver...!

Os sentidos, tato, olfato, paladar, audição que apontam para fora, para o mundo exterior, para a captação do mundo externo, encontram nos olhos uma dupla dimensão. Com eles vemos o exterior e os que nos veem acessam a nossa alma interior. Vemos e somos vistos. Objetificamos e somos objetificados. Por conta disso, Sartre disse que o inferno são os outros. São o inferno porque nos olham. Ao nos olharem nos tornamos objetos e ninguém gosta de se sentir objeto. Há algo de verdade em Sartre...! Não toda a verdade, claro. O outros são o nosso paraíso também...!

Os olhos nos abrem para fora e nos possibilitam sermos vistos por dentro. Não bastasse essa dupla dimensão há ainda um outro duplo ofício nos olhos, eles servem para ver e para chorar. Para ver e para chorar! Não só para olhar, mas para ver. Ver é mais do que olhar. Ver é olhar com cuidado, com insistência, com atenção, com distinção. Ver é olhar com o corpo todo e não só com a visão. Assim é também com o choro. Choramos com o corpo todo, os olhos são apenas a válvula de escape...!

Pergunta a 10 pessoas e nove vão te dizer que se tivesse que ficar com apenas um dos cinco sentidos, ficaria com a visão. Se preferires um outro sentido, saiba que és exceção. É claro que todos os sentidos são essenciais e é dramática a ausência de qualquer um deles, mas, em caso de escolha, quem não ficaria com a visão? Eu ficaria...Há muita beleza ainda não vista....!

Que maravilha a visão e que enigma da natureza o ato de ver. Como pode a evolução da matéria ter chegado ao órgão que nos mune da capacidade de ver! Os olhos são a complexidade em maior grau. Nós humanos podemos até aumentar a visão, a capacidade de olhar, através de lentes e óculos, mas sequer podemos almejar criar-produzir um olho. É por isso que Deus tem que existir, se não houver outra razão, que seja essa: Deus tem que existir porque o acaso não poderia ser tão precioso e generoso a tal ponto de nos munir da visão.

Contudo, somos cegos para tantas coisas. Somos incapazes de ver o mundo com cuidado, com o corpo todo, com amor. Tantas coisas nos passam desapercebidas e a quantas damos atenção em demasia? Eduardo Galeano nos brinda com uma metáfora poética o que de melhor podemos dizer sobre a visão e sobre o olhar. Diz o poema:

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Pai, me ensina a olhar! (GALEANO).

O que mais se pode dizer? Que os teólogos, os filósofos, os poetas, os historiadores, os pedagogos e Jesus, nos ajudem a ver...!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

QUE PONTE É ESSA ?

Ninguém tem dúvidas de que Michel Temer é um péssimo gestor – e a melhor prova disso é a destruição do país que ele tomou de assalto à frente de um Parlamento recheado de corruptos – mas não se pode negar a sua eficiência como articulador de bastidores em favor de si próprio. Como consequência de jantares, conversas de pé de ouvido e liberação de recursos para emendas parlamentares ele é adorado pelo Congresso Nacional, onde tem quase 90% de aprovação dos seus membros, obviamente os mesmos que destituíram a presidenta Dilma Roussef e o colocaram no poder. Se depender, portanto, desse desmoralizado Legislativo, Temer deverá permanecer no Planalto até 2018, pois o seu impeachment jamais será aprovado pelos beneficiários de suas benesses, não importa os crimes que cometa no exercício da Presidência da República. Certamente por estar convencido da proteção do Congresso é que ele não se preocupa com a impopularidade, pois não dependeu do povo para chegar ao Palácio do Planalto e não precisa dele para lá permanecer.

Ao mesmo tempo, também garantiu o apoio da grande imprensa, mediante gordas verbas publicitárias canalizadas para os maiores veículos de comunicação de massa do país. Por conta dessa estratégia, que aprendeu com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – que até hoje desfruta da simpatia dos donos e editores – a mídia esconde ou minimiza as notícias negativas do seu governo e destaca as positivas, por mais insignificantes que sejam, influenciando uma parcela da população que se habituou a pensar pela cabeça dos Marinho, dos Mesquita, dos Frias e dos Civitta. Ainda assim, apesar dessa escandalosa proteção, Temer, segundo as últimas pesquisas, foi rejeitado por quase 80% da população, o que, no entanto, não representa nenhuma ameaça à sua permanência no Planalto. Na verdade, a única ameaça que ainda paira sobre a sua cabeça é a ação dos seus aliados tucanos no Tribunal Superior Eleitoral, que poderá cassar o seu mandato, no ano que se inicia, numa votação comandada pelo ministro Gilmar Mendes.

O TSE é o único que pode defenestrar Temer do Palácio do Planalto, graças à ação do PSDB, que atirou em Dilma e acertou nele, embora sem nenhum remorso por ser hoje seu aliado. Isto porque as lideranças tucanas, entre elas o senador Aécio Neves e o próprio FHC, perceberam que, considerando o fato de que o sucessor de Temer será eleito pelo voto indireto caso ele seja cassado em 2017, esta será uma oportunidade única para o PSDB ascender à Presidência da República sem os riscos de derrota numa eleição direta. Na realidade, se nenhum fato extraordinário acontecer de inesperado, frustrando os planos tucanos, Temer vai continuar construindo a sua "Ponte para o Futuro", que FHC classificou de "pinguela" e os trabalhadores já estão chamando de "Ponte para o inferno". Com o Congresso e a mídia do seu lado – e o Judiciário ignorando as denúncias de corrupção contra ele e seus ministros – Temer não precisa se preocupar com o povo que, sem a ressonância da imprensa comprometida, não conseguirá mobilizar-se para derrubá-lo. A não ser que o fato inesperado – a prisão de Lula – acenda os ânimos do populacho.

Afora uma possível cassação determinada pelo TSE, portanto (renúncia nem pensar porque ninguém larga espontaneamente um osso como a Presidência da República), Temer vai continuar destroçando a nação, desmontando suas conquistas, entregando nossas riquezas naturais, em especial o petróleo, para o capital estrangeiro e apequenando o Brasil aos olhos do mundo, o que afugenta potenciais investimentos. Temer e seus apoiadores nos transformaram, efetivamente, num país de vira-latas. Os franceses estão comemorando o negócio lesa-pátria realizado por Pedro Parente, praticamente doando a eles campos produtivos do pré-sal, e os americanos rindo de satisfação pela colaboração dos investigadores da Lava-Jato, que entregaram a eles na bandeja delatores e informações que lhes permitirão processar a Petrobrás e tirar dela até as calças. Com brasileiros como esses o país não precisa de inimigos.

Como consequência das ações deletérias do governo, da atuação vergonhosa do Legislativo e do comportamento político-partidário do Judiciário, que envergonham e revoltam todos os que amam este país, muitos brasileiros já estão abandonando o território nacional, desencantados com os homens que ocupam cargos de mando nos três poderes e, também, com a mídia, que perdeu o respeito e a credibilidade inclusive no exterior. E grande parte dos brasileiros que vive no exterior também já não pretende voltar, até porque não consegue mais vislumbrar melhores oportunidades de trabalho e de sobrevivência. As lágrimas de vergonha de servidores públicos do Rio de Janeiro, registradas pela TV, com os salários atrasados e obrigados a receber doação de alimentos para não passar fome, infelizmente retratam a triste situação do país inteiro, onde o desemprego leva milhares de famílias ao desespero. Enquanto isso, na contramão da situação da maioria dos brasileiros, uma pesquisa revela supersalários no Judiciário e no Ministério Público. O pessoal da Lava-Jato, portanto, vai bem, obrigado.


domingo, 1 de janeiro de 2017

FELIZ ANO NOVO DE NOVO

Feliz Ano-Novo aos artesãos de utopias, cujas mãos calosas desenterram girassóis dos pântanos da ambiguidade; às mulheres garimpeiras de afetos recônditos, divas miraculosas do bem-querer gratuito; às crianças sobrevividas nos corações de todas as idades; e aos guardiões de silêncios meditativos.

Feliz Ano-Novo aos magos da delicadeza e aos que tecem laços de fita com as linhas do tempo; aos auscultadores do rumor de anjos e aos portadores de altivez luminosa montados em cavalos de fogo.

Feliz Ano-Novo aos peregrinos de trilhas desprovidas de obscuridade; aos catadores de conchas nas praias ensolaradas da saciedade ética; aos desatadores de nós nas dobras do espírito; aos arautos de alvíssaras e aos espantalhos do infortúnio.

Feliz Ano-Novo a quem se debruça da janela da alma para contemplar o próprio alvorecer; aos navegantes cujas velas se movem graças ao sopro do Espírito; aos semeadores de horizontes translúcidos; às bordadeiras de ternura no solo pedregoso de nossas desventuras.

Feliz Ano-Novo aos acampados no vasto território da insensatez, reféns de egos inflados; aos acrobatas de mirabolantes conjecturas, escravos de suas altissonantes ilusões; aos autores da incongruência cívica, inveterados jogadores do blefe.

Feliz Ano-Novo aos corações seduzidos pelo toque do amor divino; aos voluntários da generosidade, sinalizadores de caminhos nas vias labirínticas de nossos desacertos; aos profetas inflexíveis à embriaguez da mesmice, intrépidos cultivadores da esperança.

Feliz Ano-Novo aos confeiteiros de adocicados prenúncios entre tantas desilusões; aos artistas da sobriedade, avessos à ribalta da hipocrisia; aos ourives da beleza engravidada de densidade subjetiva; aos mestres da sabedoria impelidos pela brisa suave impregnada do gosto de mel.

Feliz Ano-Novo aos filósofos desalfabetizados de erudição, atentos aos voos da inteligência a transcender a razão; aos adeptos da mística vazia de imagens e palavras; aos ciganos de Deus cujos passos percorrem as sendas mistéricas da amorosidade inefável.

Feliz Ano-Novo a quem se recusa a proferir o discurso ácido da dessignificação do outro; aos habitantes de aldeias líricas, em cujo amanhecer soam cânticos benfazejos; aos eremitas do desconsolo, alimentados pelo Verbo que se faz carne; aos hábeis alpinistas da imaginação, em cujas artes a vida se transmuta em alegorias.

Feliz Ano-Novo aos caçadores de minudências, atentos aos detalhes da gentileza; aos ourives da elegância, cujas palavras exalam fragrâncias perfumadas; às sentinelas do assombro, agraciadas pelo dom de identificar a vida como milagre; aos artífices da fantasia, transubstanciadores de nossas emoções mais telúricas.

Feliz Ano-Novo a quem cala os despropósitos alheios, incapaz de transformar a própria língua em pedra de tropeço; aos velejadores de devaneios românticos, inebriados de poesia; aos arquitetos do futuro, dedicados ao projeto da cerimônia de núpcias da liberdade com a justiça.

Feliz Ano-Novo aos artistas da insensatez capazes de imprimir à vida caráter lúdico; aos aplicados cavalheiros da filosofia do riso, dos quais emana o júbilo de viver; e aos aflitos acendedores de luminárias, discípulos indignados de Diógenes.

Feliz Ano-Novo a quem trafega na contramão dos pusilânimes, entregue à ousadia de reinventar a existência após cada fracasso; e ao guarda do farol em pleno mar revolto, cujo facho de luz abre vias douradas na superfície das águas; e às mulheres de corações embalados pelo acalanto de Cupido.

Feliz Ano-Novo aos olhos vigilantes ao ocaso ambiental, nos quais lágrimas são ressecadas pela fuligem de chaminés lucrativas; aos desengaioladores de pássaros, destemidos pilotos de voos alucinados; e aos serviçais da gratuidade, militantes do altruísmo compassivo.

Feliz Ano-Novo a quem teve um ano infeliz, ferido em dores e lágrimas, atolado em desesperanças e sendas obscuras - queira Deus que agora possa resgatar o melhor de si, religar-se ao Transcendente e fazer do amor a razão de seu renascer em vida.