terça-feira, 3 de janeiro de 2017

PAI, ME ENSINA A OLHAR

A alma humana é um mistério e os olhos a revelam. É através deles, os olhos, que espiamos o interior da alma. Sim, a alma tem interior, aquele núcleo duro do Eu, que está para além das aparências e os olhos nos revelam. Como ver além das aparências? Como acessar o interior? Não basta olhar, é preciso ver...!

Os sentidos, tato, olfato, paladar, audição que apontam para fora, para o mundo exterior, para a captação do mundo externo, encontram nos olhos uma dupla dimensão. Com eles vemos o exterior e os que nos veem acessam a nossa alma interior. Vemos e somos vistos. Objetificamos e somos objetificados. Por conta disso, Sartre disse que o inferno são os outros. São o inferno porque nos olham. Ao nos olharem nos tornamos objetos e ninguém gosta de se sentir objeto. Há algo de verdade em Sartre...! Não toda a verdade, claro. O outros são o nosso paraíso também...!

Os olhos nos abrem para fora e nos possibilitam sermos vistos por dentro. Não bastasse essa dupla dimensão há ainda um outro duplo ofício nos olhos, eles servem para ver e para chorar. Para ver e para chorar! Não só para olhar, mas para ver. Ver é mais do que olhar. Ver é olhar com cuidado, com insistência, com atenção, com distinção. Ver é olhar com o corpo todo e não só com a visão. Assim é também com o choro. Choramos com o corpo todo, os olhos são apenas a válvula de escape...!

Pergunta a 10 pessoas e nove vão te dizer que se tivesse que ficar com apenas um dos cinco sentidos, ficaria com a visão. Se preferires um outro sentido, saiba que és exceção. É claro que todos os sentidos são essenciais e é dramática a ausência de qualquer um deles, mas, em caso de escolha, quem não ficaria com a visão? Eu ficaria...Há muita beleza ainda não vista....!

Que maravilha a visão e que enigma da natureza o ato de ver. Como pode a evolução da matéria ter chegado ao órgão que nos mune da capacidade de ver! Os olhos são a complexidade em maior grau. Nós humanos podemos até aumentar a visão, a capacidade de olhar, através de lentes e óculos, mas sequer podemos almejar criar-produzir um olho. É por isso que Deus tem que existir, se não houver outra razão, que seja essa: Deus tem que existir porque o acaso não poderia ser tão precioso e generoso a tal ponto de nos munir da visão.

Contudo, somos cegos para tantas coisas. Somos incapazes de ver o mundo com cuidado, com o corpo todo, com amor. Tantas coisas nos passam desapercebidas e a quantas damos atenção em demasia? Eduardo Galeano nos brinda com uma metáfora poética o que de melhor podemos dizer sobre a visão e sobre o olhar. Diz o poema:

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Pai, me ensina a olhar! (GALEANO).

O que mais se pode dizer? Que os teólogos, os filósofos, os poetas, os historiadores, os pedagogos e Jesus, nos ajudem a ver...!

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