sábado, 21 de janeiro de 2017

DIÁLOGOS ULTRAUTERINOS

Volto a um assunto incômodo, mas inevitável: a morte. Estar diante dela, volta e meia, é tarefa com a qual me defronto. Por esses dias, mesmo, no velório de um jovem de 28 anos, me vi frente a essa aparente contradição: a morte me faz pensar sobre o sentido da vida...

Repito o que já disse antes; não há, nessa abordagem, nenhuma amarga obsessão, nenhum traço mórbido, depressivo ou fatalista. Apenas fico admirado, quando me vejo diante de um corpo esvaziado de tudo que um dia nele pulsou, do quão pouco sabemos sobre esse nosso denominador comum; viver e morrer.

Somos limitados, inseguros e, nessas horas, nosso único refúgio (ou fuga) contra o desespero da perda definitiva e sem remédio, é essa crença que nos acompanha desde que nos reconhecemos humanos: a vida, de alguma forma, continua...

Cada Religião tenta descrever a seu modo, como será esse depois e são muitas as possibilidades apresentadas. Mas, ainda assim, há quem se interrogue; existirá, mesmo, vida depois da morte?

Como crianças amedrontadas, diante da morte, desse passo para o desconhecido, choramos. O curioso é que, quando nascemos, choramos também. O medo se apossou do nosso coração que não sabia que o parto era um começo, e não o fim daqueles pobres nove meses que, até então, imaginávamos ser a vida. Aquele espaço apertado do útero, veja só, pensávamos que era o “nosso“ espaço. Afinal, era o que conhecíamos até então.

Foi pensando nisso que li e adaptei um texto enviado pelo meu amigo Pacheco, companheiro de sala de aula e de Exercícios Espirituais. Uma reflexão singela, mas cheia de sabedoria que pode ajudar a você, assim como ajudou a mim.

Dois bebês conversam no ventre da mãe:

- Você acredita em vida após o parto?

- Claro que sim! Quer dizer, acho... ou melhor, espero que sim. Tem que haver algo após o parto.

- Que nada, vida é aqui, não tem nenhum depois...

- Pode até ser, mas talvez estejamos aqui apenas nos preparando para o que virá mais tarde.

- Bobagem, que tipo de vida seria essa?

- Eu não sei, mas gostaria que houvesse mais luz do que aqui. Tão escuro. Quem sabe, poder andar com nossas próprias pernas, comer com nossas bocas, ter outros sentidos para perceber realidades que não podemos entender agora.

- Acorda, inocente, comer com a boca, onde já se viu? A única coisa real é esse cordão que nos alimenta e dá tudo o mais de que precisamos. E olha como ele é curto! Esse negócio de vida depois do parto é coisa de gente que acredita em milagre. Pra mim, nasceu, acabou!

- É, tem gente que não acredita em milagre. Eu já acho que tudo é um milagre. A começar de nós dois, aqui...

- Pois eu só acredito nisso aqui! O resto é fantasia.

- Pode ser, mas acho que há alguma coisa lá fora e, talvez, seja mesmo muito diferente do que vivemos aqui. Quem sabe a gente nem vá mais precisar desse cordão, ter mais espaço, até uma paisagem pra contemplar? Aqui é tão escuro...

- Se houvesse realmente vida após o parto, então, por que ninguém jamais voltou de lá pra contar?

- Bem, eu não sei, mas creio que vamos encontrar Mamãe e ela vai explicar tudinho enquanto cuida de nós.

- Mamãe? Você realmente acredita em Mamãe? Isto é ridículo. Se existe Mamãe, então, onde ela está agora?

- Eu não a vejo, mas sinto-a ao nosso redor. É como se estivéssemos cercados por ela. Somos nós, mas somos dela. É nela que vivemos. Tenho a sensação de que, sem ela, esse nosso mundinho nem poderia existir. É um mistério, eu sei, mas é o que sinto em meu coração...

- Pois eu só acredito no que posso ver, comprovar. E se não posso vê-la, então, é lógico que ela não existe.

- É verdade que a gente aqui vê muito pouco, quase nada... mas dá pra sentir...

- Como...?

- Às vezes, quando estamos em silêncio, se você se concentrar e realmente se dispor a ouvir, poderá sentir a presença dela. Outro dia, mesmo, em meio ao meu silêncio, percebi sua voz dizendo: “antes que você nasça, antes mesmo que você fosse gerado em mim, por mim, eu já te conhecia e te amava”.

Acho que o segredo está no aprender a ouvir o silêncio...



Eduardo Machado

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