domingo, 31 de março de 2019

REFORMA DA PREVIDÊNCIA, DÍVIDA PÚBLICA E O RESTAURANTE



Aquele restaurante não estava entre os mais caros, mas servia refeições saborosas.

Dois colegas de trabalho almoçavam, e, entre garfadas e goles, conversavam animadamente. Pouco antes de terminarem suas refeições, notaram a chegada de dois outros colegas, e os convidaram a sentar à sua mesa. Pediram, ainda, que os dois novos colegas pagassem a conta, pois haviam deixado suas carteiras na empresa - mais tarde, eles os ressarciriam. Os dois novos colegas prontamente se dispuseram a pagar a conta. Os dois primeiros agradeceram, levantaram-se e foram embora.

Os dois novos ocupantes da mesa pediram, então, a conta dos colegas que haviam partido. Alguns minutos depois, o garçom trouxe a conta: R$ 447,50.

Eles, então, passaram a ter três (e apenas três) alternativas:

1) Sair correndo em disparada pela rua, sem pagar a conta;

2) Aceitar a conta de R$ 447,50 sem questionar;

3) Pedir a presença do gerente para que ele justificasse pormenorizadamente aquele valor.

Quero crer que qualquer pessoa de bom senso e de boa fé optaria pela alternativa 3. Solicitaria a descrição detalhada das refeições e bebidas que foram consumidas, pediria para ver a lista de preços, faria contas, validaria as informações com os dois primeiros colegas, etc.

OK... mas o que isso tem a ver com a reforma da previdência?

Explico.

A imagem abaixo, que apresenta (a partir de fontes oficiais) o orçamento federal executado em 2018.








No gráfico, é óbvio que as despesas com a dívida pública (40,66% ou 1,065 trilhão) superam, à larga, aquelas com a previdência (24,48% ou 641,2 bilhões).

Meu questionamento, na publicação do gráfico, foi: será que é realmente a previdência que deve ser atacada para que se equilibre as contas públicas? Ou será que é a dívida pública que nos empurra em direção ao abismo?

Naquela publicação, tive a honra de receber uma crítica de um profissional altamente qualificado, da área de finanças, que ocupa importante cargo público nessa mesma área em determinada administração municipal. O profissional, em contraponto ao gráfico que apresentei, trouxe outro, que reproduzo a seguir:








A diferença é que o gráfico dele apresenta apenas o Resultado Primário. Mas o que é isso?

Segundo o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, o Resultado Primário é (grifos meus) “... a diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo-se da conta as receitas e despesas com juros”.

Em outras palavras, o Resultado Primário é a soma de tudo o que o governo arrecada menos a soma de tudo o que o governo “gasta”. Se a conta final for positiva, temos superávit primário; se for negativa, déficit primário.

Em contrapartida, segundo o Banco Central do Brasil, o Resultado Nominal é (grifos meus) “...a diferença entre o fluxo agregado de receitas totais (inclusive de aplicações financeiras) e de despesas totais (inclusive despesas com juros), em determinado período”.

Até 2014, o resultado primário apresentava superávit (o governo arrecadava mais do que gastava), e o déficit primário surgiu após 2015:








No resultado primário, ou seja, desconsideradas as receitas e despesas com juros, é claro que as despesas com a previdência assumem papel primordial. (As contas da previdência são tecnicamente superavitárias, logo, mais importante do que simplesmente apresentar as despesas referentes a ela é apresentar o saldo, mas não vou considerar isto no momento.) Assim, seria perfeitamente razoável que se atacasse essas despesas.

O cerne da crítica do profissional que comentou minha publicação é (palavras e grifos meus):

“O governo gasta um pouquinho mais do que arrecada, e, contabilizados os resultados da dívida pública, que não pode ser questionada, o déficit é monstruoso. Logo, como não podemos questionar a dívida pública, questionemos a previdência.”

Decidi redigir este artigo porque o argumento apresentado por aquele profissional é o principal argumento que muita gente utiliza para defender, há décadas, cortes mais ou menos radicais em políticas públicas.

Mas... afinal, dívida é dívida, e deve-se honrá-la, certo?

Em termos. Volto ao nosso simpático restaurante. Os dois colegas deveriam simplesmente pagar aquela conta, afinal, “dívida é dívida”?

Há muitos anos, há um movimento bastante legítimo denominado Auditoria Cidadã da Dívida, que questiona exatamente a dívida pública “que não pode ser questionada”.

A Auditoria Cidadã não diz que devemos optar pela primeira alternativa à disposição dos dois angustiados colegas no restaurante (sair correndo sem pagar a dívida). Um simples calote na dívida (algo que é defendido por certos setores da esquerda radical) seria pura má-fé. Por outro lado, aquele movimento também repele a segunda alternativa (assumir a dívida sem questioná-la). O que a Auditoria Cidadã da Dívida propõe é: vamos verificar com cuidado e responsabilidade (e à luz da Constituição e da legislação infraconstitucional) a origem e a evolução de cada um dos componentes que construíram o montante atual da dívida pública, expurgar o que não for legal ou legítimo, e assumir a parcela correta dessa dívida.

“Ah, mas se a dívida está aí é porque é legítima, não há o que auditar”.

A economista Maria Lúcia Fattorelli, que está à frente da Auditoria Cidadã da Dívida, encabeçou, em 2008, auditoria da dívida pública do Equador. Como resultado, concluiu-se que cerca de 20% da dívida era ilegítima. Após negociação, os credores da dívida pública equatoriana concordaram com os resultados, e houve significativa economia para aquele país.

Adianto também (sem entrar em detalhes, ao menos por enquanto) que economistas de respeito questionam determinadas operações corriqueiras efetuadas pelos governos, como as “operações compromissadas” e o “swap cambial”, que seriam ilegítimas e causariam prejuízos trilionários (“tri”, mesmo).

Termino, portanto, apresentando os principais tópicos que defendo:

1) Não considero legítimo contabilizar apenas o resultado primário, atribuindo-se à dívida pública o status de inquestionabilidade.

2) Considerando-se as receitas e despesas com juros, a dívida pública assume papel preponderante nas despesas do governo.

3) É necessário que se faça a auditoria dessa dívida, que é paga por meio dos impostos que todos nós pagamos (e pela construção de novas dívidas).

4) É lamentável que se defenda a pauperização de milhões de brasileiros, ao se propor reforma draconiana na previdência social, enquanto se desconsidera olimpicamente a questão da dívida pública.

Adicionalmente, para já responder a questionamentos que certamente surgirão à leitura deste meu artigo, afirmo também:

5) Eu não nego que ajustes possam ser necessários no Regime Geral de Previdência Social, especialmente tendo-se em vista o gradativo envelhecimento da população brasileira, que, segundo muitos autores, pode ou vai afetar, em prazo mais ou menos extenso, as contas da previdência. Esses eventuais ajustes, porém, certamente seriam muito menos dramáticos do que aqueles que se propõe hoje.

6) Concordo plenamente que privilégios aberrantes dos quais desfrutam algumas categorias -sem a pueril generalização que se dissemina por aí- sejam revistos, embora, ao contrário do que também tem sido divulgado, regimes próprios de previdência de servidores públicos não entrem para a “conta” da previdência social (Regime Geral de Previdência Social).

7) Mesmo com a desejável auditoria da dívida pública e eventual redução, ainda haveria resultado primário deficitário e resultado nominal com déficit ainda maior. É claro que é fundamental que se ajuste as contas públicas com responsabilidade. O que não é razoável, porém, é que esse ajuste se dê às custas do futuro (e da própria vida) de milhões de brasileiros. Há outros gastos a se cortar.

8) Minhas críticas são apartidárias. Todos os governos das últimas décadas, em maior ou menor grau, com maior ou menor responsabilidade, mantiveram essa lógica do privilégio a credores de uma questionável dívida em detrimento da população do país.

Por fim, saliento que não sou economista: sou apenas um curioso motivado que gosta de escrever. Não pretendo ser dono da verdade, e este artigo visa a estimular o debate a respeito de um tema capital para milhões de brasileiros. Afirmo também que, embora não seja a minha área de formação acadêmica, pretendo ler muito mais a respeito desse interessante tema, aprender mais.






Reinaldo del Dotore

sexta-feira, 29 de março de 2019

O MURO DE TRAMP.




A política capitalista na década de 80 articulou ampla frente de países e grupos econômicos para pôr fim ao sistema socialista. O símbolo da vitória é a derrubada do muro de Berlim. A queda do muro de Berlim em 1989 pôs fim à separação da Alemanha e representa a rejeição do sistema socialista. Porém, a vitória do capitalismo não é garantia de superação da sua crise. A crise do capitalismo é interminável.

Hoje, após 30 anos da queda do muro de Berlim, o capitalismo aprofunda sua crise econômica e política. Uma crise econômica que gera uma grande e crescente migração global. Diante isto, a elite global profere um discurso político de ódio, intolerância, fundamentalismo, nacionalismo contra enorme população órfã de um Estado e Nação. O muro de Berlim que dividiu a Alemanha por 28 anos é símbolo da bipolarização de uma disputa política pelo controle econômico do mundo.O fato é que após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Alemanha transformou-se num país de disputa política, ideológica e econômica da chamada Guerra Fria.

Na prática, a Alemanha Oriental ou República Democrática da Alemanha alinhava-se ao bloco de países socialistas. Alemanha Ocidental ou República Federal da Alemanha alinhava-se ao bloco de países capitalistas. Por conseguinte, os blocos políticos mundiais associavam-se a organizações militares. A Alemanha Ocidental tomava parte na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a Alemanha Oriental integrava-se ao bloco militar Pacto de Varsóvia. Com estas alianças reforçou-se a disputa e os embargos econômicos, políticos e militares não somente entre as duas Alemanhas, mas do mundo. A disputa econômica era entre dois sistemas – capitalismo e socialismo. A unificação da Alemanha na década de 90 representa o fim do modelo socialista, prova que em 1991 a União Soviética foi dissolvida.

Em razão desta política imperialista o muro de Berlim representa mais que uma disputa de controle econômico e político do mundo, é símbolo do fracasso do século XX. A triste verdade, a política imperialista promoveu a maior atrocidade da humanidade, duas Guerras Mundiais, deixando milhares de mortos e nações inteiras na pobreza. A divisão do mundo em dois blocos é fruto do fracasso do capitalismo atestado pela crise de 1929, conhecida como A Grande Depressão. A Grande Depressão é considerada a maior crise e o mais longo período de recessão econômica do século XX. Em consequência desta política imperialista as pessoas eram impedidas de saírem de um país ao outro. O mundo dividiu-se em duas ilhas e cruzar as fronteiras tornou-se um problema diplomático.

A queda do muro de Berlim foi comemorada pelo mundo como símbolo da liberdade. Hoje a humanidade não pode ignorar e muito menos tutelar a ideia de construir novos muros. Donald Trump, presidente dos EUA, chegou ao comando do país mais poderoso do mundo defendendo a construção de um muro na fronteira com o México para impedir a entrada de imigrantes. Com efeito, por não obter aprovação do Congresso e liberação de recursos públicos na quantia de 5,7 bilhões de dólares, cerca de 21 bilhões de reais para a construção do muro, Donald Trump ameaça o mundo com medidas econômicas.

Nas ameaças econômicas Donald Trump está dizendo que vai recorrer a todos os recursos políticos e jurídicos para a construção do muro. Com isso, o presidente americano tende a operar uma guerra fria entre nações; impor abusos e sanções aos direitos humanos reconhecidos pelos órgãos internacionais; punir por embargos econômicos países subdesenvolvidos; suspender acordos bilaterais com os países que acolhem os imigrantes; sufocar as vozes da democracia com autoritarismo; implantar uma política nacionalista desconsiderando acordos internacionais como a redução da poluição, do aquecimento, do efeito estufa, etc.

Isso, obviamente, não é uma atitude isolada de Trump, mas da política econômica neoliberal global que exige um mercado mundial sem restrições e comercialização de qualquer produto livre de barreiras nacionais. A política econômica liberal é uma verdadeira hipocrisia. Por um lado, exige absoluta liberdade que um produto seja comercializado em qualquer canto do mundo. Por outro lado, endurece leis de imigração e restringe o direito ao nivelamento da população subdesenvolvida e órfã do Estado-Nação. Este é, entre os muitos, um dos muros do capitalismo do século XXI.

segunda-feira, 25 de março de 2019

UM FILME PAR SER VISTO.






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Letra escarlate é um filme que constrói uma crítica sobre a distorção do olhar da sociedade. A perspectiva de uns, que não ampliaram sua visão de mundo, persegue, corrompe e induz outros, até que estes possam desenvolver sua própria opinião, através da coerência interna construída. E isso demanda muita reflexão, tempo e resgates internos.

Esse filme marca a minha alma, devido à grande incompreensão que vi nele e percebo em pessoas de compreensão limitada. Elas evitam o olhar, se afastam pelo medo de se contaminarem pelo que não concordam ou simplesmente não compreendem.

Pessoas que evitam encarar suas questões afastam-se do que não conseguem tratar. Não querem entrar em contato e se condicionam a pensar e a fazer o que é determinado pelo outro, que tem mais poder e dita as regras. Pessoas que se influenciam pela amargura de outras, ou pela visão distorcida delas, enxergam curto, fechado e sem perspectiva.

As pessoas precisam compreender e aprender que existe um outro, com opiniões, desejos e singularidades próprios. E que ninguém é dono da razão. Esse é o princípio básico.

Talvez precisemos ser tocados pelo carinho, pela compreensão e por nossas próprias indagações, que latentes permanecem até que possamos acessá-las, abandonando assim, as rejeições que não nos pertencem e recriando nosso viver...

domingo, 24 de março de 2019

PRECISAMOS DE PAZ, NÃO DE ARMAS.



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Dia de São José: neste 19 de março, em muitos países festejou-se o dia dos pais. De José conhece-se pouco: que era marceneiro e obediente. Acolheu o filho, acolheu a esposa, não polemizou com os anjos, não manchou com o machismo a família que formou.

José, como muitos pais que hoje estão sofrendo de forma inconsolável, também perdeu um filho.

Não se sabe o que José passou pela morte de seu filho, mas é certo que o sentir humano nos inclina à dor, à saudade e ao arrependimento pelas ocasiões perdidas e pelas escolhas equivocadas.

Não há pai que no momento da morte não faça um balanço de seus atos e não entregue ao filho a tarefa de prosseguir, de levar adiante o que de bom foi feito. Não há pai que não peça perdão ao filho pelos erros cometidos. Essa é a ordem natural da vida, quando os filhos enterram seus pais.

Diferente é a situação do pai que sobrevive ao filho e deve carregar na velhice o peso da herança ética que caberia ao futuro dos jovens.

E nós, que os filhos não perdemos, como podemos sobreviver com a culpa coletiva de ter defendido o instrumento de morte e de sofrimento de tantas famílias?

Haverá quem diga que esta não foi a primeira chacina de crianças da nossa história. Sim, há quem relativize a morte e a dor, especialmente quando é alheia. Mas para isso há uma resposta sem conivências de salão e de botequim: as chacinas anteriores foram cometidas por bandidos, a vida de inocentes foi ceifada por assassinos. Hoje também foram assassinos que mataram. Mas ao contrário do passado, agora a sociedade pede armas, pede sangue. E sangue houve. Os assassinos não tinham antecedentes criminais, ao contrário de muitos bandidos das passadas chacinas. Hoje quem pode assassinar e ter porte legal de arma é o cidadão comum, como o pacífico leitor, como o ingênuo defensor das armas, achando que o porte irá defendê-lo da morte, sem imaginar que está dando aval para uma perigosa roleta-russa.

Ao contrário de alguns, que relativizam a morte das vítimas, dizendo que em toda guerra inocentes morrem, que vão para as ruas e para as redes sociais prometendo uma arma para todo cidadão de bem, lamentando o homicídio de crianças inermes com a mesma superficialidade com a qual pregam o armamento de professores como método de defesa, é preciso ter a dignidade de não abdicar de um marco civilizatório que pode nos salvar da barbárie: o ódio se combate com leis, não com a distribuição de armas, o crime se combate com Estado, não com a justiça pelas próprias mãos, a dor se combate com a resistência ao impulso de vingança pessoal. Nenhuma lei que dê a cidadãos comuns armas de fogo poderá reforçar o Estado e as instituições que devem garantir a justiça. A legitimação do uso de armas de fogo não cria apenas o perigoso risco de novas chacinas, mas aumenta vertiginosamente o perigo de enfraquecimento do Estado e da democracia em prol do justicialismo, das milícias, do crime organizado, da vingança, do olho por olho, dente por dente. Em síntese: arma para civis é instrumento de barbárie. Arma nas mãos de civis é conivência com a cultura do sangue e da morte. Arma nas mãos de civis é cumplicidade com o assassinato brutal dos nossos jovens e das nossas crianças.

O que nós, sociedade, diremos hoje aos pais que perderam seus filhos? Devemos pedir perdão. Devemos pedir perdão também às crianças que têm pela frente um futuro funesto, construído pelo nosso desejo, votado e eleito pela maioria. Tenhamos ao menos a dignidade de assumir as nossas culpas e a nossa responsabilidade. Isso não trará de volta os filhos inocentes e não aplacará a dor dos pais, mas é o primeiro passo para transformar a herança que estamos deixando aos filhos que sobreviveram. Sejamos mais José e menos justiceiros. A morte se consola com a serenidade de não ter contribuído nem mesmo com pensamentos e palavras para o derramamento de sangue. Precisamos de paz, não de armas.

quarta-feira, 20 de março de 2019

É NA CASA ONDE MORAM, QUE TUDO ACONTECE.


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Há muita coisa digna de nota e de reflexão acontecendo no Brasil: ruptura de barragens, enchentes, violência urbana, descoberta da rede tentacular das milícias etc. E, no entanto, sinto-me movido a escrever sobre o feminicídio. Talvez porque ele venha aumentando exponencialmente em nosso país, que ocupa o quinto lugar no mundo em números absolutos dessa forma de violência de gênero. A cada duas horas uma mulher é morta no Brasil.

No entanto, talvez o propulsor mais imediato de minha perplexidade diante desse crime e seus terríveis e abomináveis rostos esteja em um dos últimos casos registrados pela mídia. Aconteceu no último fim de semana, exatamente após o dia internacional da mulher. Jonathan escreveu uma mensagem amorosa para Lidiane, com quem vivia há um ano. Postou-a nas redes sociais. Depois disso, à raiz de uma briga motivada provavelmente por ciúmes, matou-a com várias facadas, atacando igualmente a mãe da jovem. Lidiane morreu e a mãe se encontra hospitalizada em estado grave.

Passa-se do amor ao ódio em poucas horas, agride-se aquela a quem antes se abraçava e beijava, ataca-se até matar a companheira um dia depois de declarar nas redes sociais que ela era “a mulher que qualquer homem queria ter”. A casa onde a jovem estudante de direito morava com a mãe tornou-se palco de tragédia e de derramamento de sangue.

Complexo é o feminicídio justamente porque nele as fronteiras são movediças e dificilmente definidas. O amor e o ódio convivem, a vítima e o algoz têm relação de proximidade e mesmo de intimidade. São companheiros, namorados, amantes até que o ódio e a violência tomem a frente da cena e a morte ocupe o lugar da vida.

O conceito é recente, dos anos 70. Foi cunhado pela socióloga sul-africana Diana E. H. Russel. Com ele, a pensadora pretendia contestar a neutralidade presente na expressão “homicídio”, que por sua generalidade contribuiria para manter invisível a vulnerabilidade experimentada pelo sexo feminino em todo o mundo. Enquanto os homicídios dolosos atingem todo tipo de pessoas, idades e gêneros, o feminicídio diz respeito fundamentalmente às mulheres, que em sociedades marcadas pelo patriarcalismo como a nossa, ainda são consideradas – consciente ou inconscientemente – propriedade dos homens.

Além disso, o feminicídio acontece em geral em casa, no espaço onde o assassino e a vítima vivem relações familiares e íntimas. A violência é despertada pelo ciúme, ou pela recusa da mulher em levar avante a relação. E o lar, a casa, passam a ser palco de terror e agressões letais dirigidas contra as mulheres, porque se rebelam ou não se acomodam na condição subordinada na qual séculos de machismo as situaram.

Argumentos contra a concepção do feminicídio como fenômeno social diferente do homicídio sustentam que a maioria dos assassinatos acontecidos no mundo todo – cerca de 80% - têm como vítimas pessoas do sexo masculino. É fato. Mas enquanto tais assassinatos acontecem no espaço público, os feminicídios se produzem na calada da noite, no segredo da casa e do quarto, no avesso do amor que se tornou agressão e terror. E se os motivos para os homicídios são de diversos formatos e procedências, como violência urbana, tráfico de drogas e outros muitos, os feminicídios acontecem por ódio pelas mulheres serem o que são: mulheres. Representam a culminância de um processo de agressões e intimidações, no qual a vítima é abusada em sua inferior força física, em sua fragilidade e vulnerabilidade e em sua sexualidade, que é subjugada, violada até o assassinato.

Diante desse quadro sombrio, a teologia cristã tem algo a dizer. Naquele tempo, o rabi de Nazaré salvou a vida de uma mulher adúltera que ia ser apedrejada por vários homens religiosos. Aceitou o carinho e a homenagem de uma prostituta conhecida na cidade protegendo-a da condenação a que se expunha por amor a ele. Deixou-se tocar por uma mulher hemorroíssa considerada impura e, em lugar de rejeitá-la, curou-a. Em meio a esta realidade deplorável em que seres humanos tiram a vida de outros – outras – por não aceitar sua diferença, o Cristianismo pode contribuir com uma palavra própria e diferenciada.

A prática de Jesus de Nazaré reflete a fé no Deus que criou a humanidade à sua imagem e semelhança. A imaginação do Criador é fecunda e as diferenças são condição indiscutível para que haja vida e vida em abundância. Quando a diferença é sufocada e estrangulada para que não se faça visível nem audível; quando a dominação já não consegue exercer seus direitos abusivos e reage com violência assassina, é hora de saber que o feminicídio é o assassinato não de uma ou outra das vítimas sobre as quais lemos nos jornais ou até eventualmente conhecemos. É o assassinato do futuro da humanidade e de toda a criação. Admiti-lo ou minimizar sua importância é ser cúmplice desse assassinato que encurta os horizontes e condena as novas gerações a uma lamentável esterilidade.

terça-feira, 19 de março de 2019

SIMPLES ASSIM: VERGONHOSO.

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Para agradar Trump e sua paranoica política anti-imigração, Eduardo Bolsonaro afirmou que sente vergonha dos trabalhadores brasileiros que vivem em situação irregular nos EUA. Equiparou-os a criminosos.

Mas a vergonha é o governo do capitão.

Afinal, trata-se de um governo que não defende os interesses do Brasil e dos brasileiros, mas sim os interesses dos EUA e dos norte-americanos.

Pudera. O deputado do baixo clero e sua legião de descerebrados foram eleitos graças, em boa parte, aos EUA, que, usando artifícios de guerra híbrida, inclusive na força tarefa da Lava Jato, conseguiram arruinar a democracia brasileira e suas instituições.

O resultado é que, agora, o Brasil está entregue a forças nitidamente facistoides, que envergonham o país ante o mundo.

Vergonha maior, contudo, é a ignorância e o despreparo exibidos, desavergonhadamente, pelos membros da armada Bolsoleone.

Tomemos o exemplo de Eduardo Bolsonaro e os migrantes brasileiros.

A maioria dos homens de negócios do EUA não tem a menor vergonha dos visitantes brasileiros. Ao contrário, nos adoram.

Apenas em 2014, 2,26 milhões de turistas brasileiros visitaram os EUA. Em 2018, mesmo com toda crise, 1,65 milhão de brasileiros foram gastar seu precioso dinheiro nos EUA.

Por lá deixaram, apenas em 2016, US$ 11,6 bilhões, ou R$ 44,3 bilhões, a preços correntes. Isso mesmo, R$ 44,3 bilhões em apenas um ano!

O gasto médio de cada turista brasileiro que vai aos EUA é de inacreditáveis US$ 5.097, 00. Gastamos mais lá que turistas canadenses, britânicos, franceses, japoneses, etc. Só perdemos, por muito pouco, para turistas chineses e indianos.

Somos esteio da economia de alguns estados norte-americanos, como a Florida. Brasileiros têm investido naquele território cerca de US$ 24 bilhões.

Por isso, Obama, sem nenhuma vergonha, ordenou a rápida expedição de vistos para brasileiros, em 2012.

Mas não são apenas os turistas e os investidores privados. O Brasil é o 4º maior credor internacional dos EUA. Com nosso dinheiro, ajudamos a financiar o gigantesco déficit fiscal que os EUA acumulam sem nenhuma vergonha.

Assim, brasileiros contribuem bastante para a economia americana e para gerar empregos para americanos.

Mesmo os brasileiros que estão lá em situação irregular contribuem muito para a economia dos EUA. Trabalham muito duro, em jornadas extensas, sem nenhuma garantia trabalhista e previdenciária, desempenhando tarefas que os trabalhadores norte-americanos têm vergonha de fazer, como limpar as privadas que o clã usará na sua visita.

Não há nada de vergonhoso no sujeito que trabalha duro para sustentar sua família. Vergonhoso é ver autoridades brasileiras, que provavelmente nunca trabalharam duro na vida, se recusar a defender seus cidadãos e seu país e bater continência para a bandeira dos EUA.

Vergonhoso é o Acordo de Alcântara, que criará uma base dos EUA em território nacional.

Vergonhoso é liberar, sem reciprocidade, vistos para turistas norte-americanos, enquanto nossos turistas sofrem verdadeira via crucis para conseguir gastar seu dinheiro nos EUA.

Vergonhosa é a venda da Embraer para a Boeing, que acabará com nossa grande empresa de alta tecnologia.

Vergonhoso é o Brasil comprar briga com a China, nosso principal parceiro comercial, para apoiar Trump na sua cruzada protecionista, que também afeta o Brasil.

Vergonhoso é o Brasil comprar briga com os países árabes, que importam cerca de US$ 13,5 bilhões por ano de nossos produtos, principalmente alimentos, apenas para satisfazer um capricho geopolítico de Trump.

Vergonhoso é o Brasil alinhar-se à cruzada medieval de Trump contra a luta pelo equilíbrio climatológico e ambiental, o que deverá afetar gravemente nossas exportações de commodities e nossa imagem perante o mundo.

Vergonhoso é o Brasil insurgir-se contra o Mercosul e a integração regional, que tanto nos beneficiam, para dar apoio à agenda geopolítica dos EUA na América do Sul.

Vergonhoso é ver um presidente e um chanceler oferecer o território brasileiro para a instalação de uma base norte-americana em solo pátrio.

Vergonhoso é ver o Brasil submeter-se às exigências celeradas da administração Trump, para que nosso país participe de uma guerra na Venezuela, país vizinho, com a exclusiva finalidade de que os EUA tenham acesso privilegiado à maior jazida de petróleo do mundo.

Vergonhoso é ver nossas forças armadas transformadas em forças subalternas do Comando Sul dos EUA.

Vergonhoso é ver o Brasil transformado num grande Porto Rico, um protetorado dos EUA.

Vergonhoso, enfim, é ter um governo que não defende o Brasil e seus cidadãos. Um governo que nem sabe identificar os verdadeiros interesses do Brasil. Um governo guiado pelas alucinações ideológicas de um astrólogo. Um governo que nem sequer consegue achar os mandantes do assassinato de Marielle.

Sob Bolsonaro, o Brasil virou a grande chacota mundial. Nunca nossa imagem no exterior esteve tão baixa. Viramos símbolo maior da extrema direita mais reacionária e ignorante, empenhada em cruzadas medievais contra o “comunismo”, o “marxismo cultural”, o “ambientalismo global” e os direitos de mulheres, gays e outros grupos de excluídos.

E não adianta ficar perseguindo Jean Wyllys no exterior. O tiro sairá pela culatra.

Quem cobre o Brasil de vergonha é a armada Bolsoleone e seu festival incessante de declarações e atitudes de profunda ignorância e de abjeta submissão a Trump.


segunda-feira, 18 de março de 2019

"ESPÍRITO DE VIOLÊNCIA".


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“Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas? Pois a boca fala do que está cheio o coração.” ( Palavras de Jesus aos religiosos do seu tempo, em Mateus 12:34)

Quem não chorou, no Brasil, pela morte abrupta dos adolescentes na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano-SP, ou não tem dimensão do que estamos passando ou tem essa dimensão e, na verdade, torce por isso.

O Brasil está refém de, mais do que uma onda de violência, um “espírito de violência” (não de cunho espiritual – pode até ser também – mas aqui um espírito social, um zeitgeist), onde o uso das armas são apenas o complemento de algo já maquinado e orquestrado por essa época onde ódio e violência parecem dar as cartas e têm totalmente o jogo nas mãos.

E, sim, precisamos falar de Bolsonaro.

E, sim, precisamos falar do apoio evangélico a esse projeto de violência.

A campanha de Bolsonaro foi uma ode à violência, ao feminicídio, à LGBTFobia, ao uso das armas, à violência física como ação final contra todos aqueles que se levantassem contra o projeto de poder do führer tupiniquim.

Não me causou espanto a violência de Bolsonaro, homem tosco, oriundo dos militares repressores e opressores. Deu o que tinha para oferecer: violência, e mais nada. Nada de projetos, nada de planos, nada de governo. Quando abre a boca, destila ódio e violência aos diferentes.

Mas o mais interessante é que também não me causou espanto o apoio dos evangélicos e católicos conservadores ao então candidato. Nem um pouco de espanto. O conservadorismo “cristão” (e aqui as aspas são necessárias) sempre foi calcado na violência contra o outro, sempre na imposição de suas ideias e, historicamente, sempre matou quando foi preciso. Quem sabe um dia essa história seja recontada por uma Escola de Samba: O sagrado violento e a profanação que liberta!

Foram muitas as manifestações de líderes e grupos “cristãos”, postando fotos onde todos faziam arminhas com a mãos, gesto simbólico e maior da campanha de Jair Bolsonaro. Não hesito em parafrasear o versículo com que iniciei este texto: “Raça de cobras venenosas, como podem vocês, que são maus, fazer coisas boas? As mãos simbolizam do que está cheio o coração de vocês.” Sim! Fazem arminhas com as mãos porque em seus corações o que reina é o ódio e a violência. Se pudessem, e torcem para isso, sairiam atirando sem pestanejar em feministas, LGBT’s, negros “amaldiçoados”, mães e pais de santo…

Suzano, infelizmente, se repetirá. Queria poder acreditar que não, e luto para isso… mas essa gente quer que a violência triunfe, para que seus projetos de poder se façam valer, cada vez mais pela força, pelo rancor e pelo desejo de vingança de tempos em que o Brasil aspirou a igualdade entre todos.

Eles não suportam isso.

E o “deus” deles, e o presidente deles, autorizam a barbárie!

Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós…

sexta-feira, 15 de março de 2019

O CUIDADO É IMPERATIVO.


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O ódio e a raiva estão disseminados em nossa sociedade, toda ela dilacerada. Quem nos governa não é bem um presidente mas uma família, cuja característica principal, utilizando as redes sociais, é a linguagem chula, os comportamentos grosseiros, a difamação, a vontade de destruir biografias, a distorção consciente da realidade e a ironia e a satisfação sobre a desgraça do outro, como no caso da morte do pequeno Arthur, de sete anos, neto do ex-Presidente Lula. Após o carnaval, o próprio presidente postou no twitter material pornográfico escandalizante.

Os sentimentos mais perversos aninhados na alma de seguidores do atual presidente e de sua família, vieram à tona. Os críticos não são vistos com adversários mas como inimigos a quem cabe combater.

Os Bolsonaro violam a lei áurea, presente em todas as culturas e religiões: “não faças ao outro o que não queres que te façam a ti”. Como se vive, consoante o eminente jurista Rubens Casara, num Estado pós-democrático, pior ainda, num Estado sem lei, podemos entender o fato de atropelar a Constituição, passar por cima das leis e por fim, anular uma ética mínima que confere coesão a qualquer sociedade. Estamos a um passo de um Estado de terror.

Valem-nos as categorias do conhecido psicanalista inglês Donald Winnicott, um clássico no estudo das relações parentais dos primeiros anos da criança, para entender um pouco o que nos parece ser algo patológico. Segundo ele, a ausência de uma mãe bondosa e a presença de um pai autoritário marcariam em seus familiares, os comportamentos desviantes, violentos e a falta de percepção dos limites. Talvez esta base psicológica subjacente nos esclareceria um pouco sobre a truculência dos filhos e o despudor do próprio presidente ao expor no twitter uma obscenidade sexual. Entretanto, um país não pode ser regido por portadores de semelhantes patologias que geram um generalizada insegurança social, além de reforçar uma cultura da violência, como atualmente.

À esta cultura da violência propomos a cultura do cuidado. O cuidado é da essência do ser humano. Sem o cuidado de todos os fatores que se combinaram entre si, jamais teria surgido o ser humano. O cuidado é tão essencial que se nossas mães não tivessem tido o infinito cuidado de nos acolher, não teríamos como deixar o berço e buscar o alimento necessário. Morreríamos esfaimados.

Bem escreveu o psicanalista, este norte-americano, Rollo May:” Na atual confusão de episódios racionalistas e técnicos, perdemos de vista o ser humano. Devemos voltar humildemente ao simples cuidado. É o mito do cuidado, e somente ele que nos permite resistir ao cinismo e à apatia, doenças psicológica de nosso tempo.

Tudo o que fazemos vem, pois, acompanhado de cuidado. Tudo o que amamos também cuidamos. Tudo o que cuidamos também amamos. O cuidado é tão essencial que é por todos compreendido porque todos o experimentam a cada momento, seja ao atravessar a rua ou ao dirigir o carro e seja com as palavras dirigidas à outra pessoa.

Dois sentidos básicos são expressos pelo cuidado. Primeiramente, significa uma relação amorosa, suave, amigável e protetora para com o nosso semelhante. Não é o punho cerrado da violência. É antes a mão estendida para uma aliança de viver e conviver humanamente.

Em segundo lugar, o cuidado é todo tipo de envolvimento com aqueles que nos são próximos e com a ordem e o futuro de nosso pais. Ele implica certa preocupação porque não controlamos o destino dos outros e do país. Quem tem cuidado não dorme, dizia o velho Vieira.

Finamente observou ainda Winnicott, o ser humano é alguém que necessita de ser cuidado, acolhido, valorizado e amado. Simultaneamente é um ser que deseja cuidar como fica claro com nossas mães, ser aceito e ser amado.

Esse cuidado uns pelos outros e de todos por tudo o que nos cerca, a natureza e nossa Casa Comum refreia a violência, não permite a ação devastadora do ódio que ofende e mata e é o fundamento de uma paz duradoura.

A Carta da Terra, assumida pela ONU em 2003, nos oferece uma compreensão das mais verdadeiras da paz:”é aquela plenitude que resulta das relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com o Todo maior do qual somos parte".

No atual momento de nosso país, atravessado por ódios, palavras ofensivas e exclusões, o cuidado é imperativo. Contrariamente aprofundaremos a crise que nos está assolando e tolhendo nosso horizonte de esperanças.

quinta-feira, 14 de março de 2019

FALTA DE JUSTIÇA E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA


Resultado de imagem para distribuição de rendaO IBGE divulgou, na última semana de fevereiro, que o desemprego voltou a crescer no Brasil. Agora são 12,7 milhões de pessoas. Quem se encontra nessa situação, ou já passou por isso, sabe como é terrível estar desempregado. A autoestima se reduz, as incertezas assustam, a insegurança se aprofunda. Como pagar o aluguel, o gás, a luz, o telefone, e as prestações dos eletrodomésticos?

O trabalho é o nosso fator de identidade social. Quando somos apresentados a uma pessoa não basta saber-lhe o nome. Paira a pergunta: e o que faz? A resposta qualifica socialmente o interlocutor.

Segundo levantamento do Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas, no final de 2018 a desigualdade se agravou devido à dificuldade de os trabalhadores menos qualificados aumentarem seus rendimentos. O governo modificou os critérios de aumento anual do salário mínimo, o que reduziu o poder aquisitivo dessa parcela da população.

Desde 2015 o salário mínimo não tem ganho real, porque o PIB, que mede a riqueza do país, encolheu em 2015 e 2016. E piorou com a reforma trabalhista da gestão Temer, porque o emprego informal, quase sempre desqualificado, passou a pagar salários indignos, muito aquém das necessidades básicas dos empregados.

O Brasil é, hoje, o 9º país mais desigual do mundo, e o 1º da América Latina. Os outros oito países mais desiguais ficam todos na África. Hoje, a renda média da metade mais pobre da população é de R$ 787,69 por mês, inferior ao valor do salário mínimo (R$ 998). Sessenta por cento dos brasileiros sobrevivem com menos de um salário mínimo por mês.

Em 2016, os pobres tinham renda média de R$ 217,63. No ano seguinte, R$ 198,03. Perda de 9%. Já os 10% mais ricos tiveram 2,09% de aumento na renda, que chegou a R$ 9.519,10 por mês. Desses 10%, 12 milhões ganharam até R$ 17,8 mil de renda tributável. E a parcela de 1% mais rico, que abrange 1,2 milhão de brasileiros, teve rendimento médio superior a R$ 55 mil por mês (Oxfam).

Portanto, ainda que o PIB volte a crescer, isso não significa que haverá aumento da renda dos trabalhadores. A desigualdade é agravada pela apropriação abusiva que uma pequena parcela da sociedade faz da riqueza nacional.

O Brasil é um país de jovens. Nessa faixa etária, segundo a ONU (Pnud), o desemprego em nosso país é de 30,5%, o maior percentual da América do Sul. E 1 em cada 4 jovens integra o time dos “nem nem”, ou seja, aqueles que nem trabalham nem estudam.

Ora, não é preciso ter bola de cristal para saber como esses jovens conseguem bancar seus gastos. Ou desfrutam de renda alheia (família, herança etc) ou recorrem a atividades ilícitas (narcotráfico, contrabando, roubos etc).

Os economistas do FMI e do Banco Mundial, que controlam as finanças internacionais, defendem que, para o Brasil crescer, é preciso impor austeridade, promover ajuste fiscal, respeitar o teto de gastos e fazer a reforma da Previdência. Como diz Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia (2001), o capitalismo só cresce se contar com produtores e consumidores. Mas hoje o sistema tem como foco principal a financeirização da economia, denunciada por Piketty.

Com um PIB de R$ 6,3 trilhões, o Brasil é um país rico. Daria para toda a nossa população viver muito bem. Somos 208 milhões de habitantes. Dividido o valor do PIB pelo número de habitantes, cada um teria uma renda anual de R$ 30 mil. Ou R$ 10 mil por mês para cada família de 4 pessoas, o que asseguraria a todos uma vida digna.

Portanto, como alerta o economista Ladislau Dowbor, o problema brasileiro não consiste na falta de recursos. Reside na falta de justiça e de distribuição da renda.

quarta-feira, 13 de março de 2019

RECORDAR É VIVER


Tomaz Silva/Agência Brasil

Vem de longe, como diria Leonel Brizola, a relação do clã Bolsonaro com as milicias cariocas, que está hoje novamente em todas as manchetes, como se pode ver no levantamento feito por Marcelo Reis de Melo, do Instituto Análise, que reproduzo abaixo na íntegra, sem comentários.
***

“Recordar é viver”, por Marcelo Reis de Melo

1) 2003: Jair Bolsonaro, no Congresso, defende milícias e grupos de extermínio;

2) 2007: Flávio Bolsonaro defende legalização das milícias;

3) 2008: Flávio Bolsonaro na ALERJ durante a votação para instauração da CPI das milícias, após dois repórteres do jornal O DIA serem barbaramente torturados por milicianos na Favela do Batan: “Sempre que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a FELICIDADE dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a SEGURANÇA PÚBLICA. Façam consultas populares na Favela de Rio das Pedras, na própria Favela do Batan, para que haja esse contrapeso também”;

4) 2011: A juíza Patrícia Acioli é assassinada com 21 tiros no Rio por milicianos. Flávio Bolsonaro, após a morte, vai ao twitter e difama a magistrada;

5) 2015: A juíza Daniela Barbosa é agredida por milicianos durante uma inspeção no Batalhão Especial Prisional durante uma inspeção no Rio. Flávio Bolsonaro sai em defesa dos agressores;

6) 2015: Flávio Bolsonaro foi o único dos 70 deputados da ALERJ que votou contra a CPI dos Autos de Resistência, que visa apurar possíveis fraudes nas mortes perpetraras por policiais. A CPI surgiu após um vídeo mostrar PMs mexendo na cena do homicídio de um homem na favela da Providência, na Zona Norte do Rio. As imagens mostram os policiais colocando uma arma na mão de dele após ser assassinado;

7) 2015: José Padilha expõe que deixou o Brasil após ameaças de morte sofridas em razão do filme Tropa de Elite 2, que escancara o problema das milícias e sua relação com o poder público;

8) 2018: Jair Bolsonaro, em campanha à presidência, defende milícias que atuam no Rio e diz que “naquela região onde a milícia é paga, não tem violência”;

9) 2018: Flávio Bolsonaro faz campanha com família ligada ao jogo do bicho, organização que que se fortificou justamente durante a Ditadura (especula-se que bicheiros do segundo escalão se tornaram milicianos);

10) 2018: Marielle é assassinada. Forte suspeita de envolvimento de milicianos e políticos. Silêncio na família Bolsonaro;

11) 2018: Policiais que integram a campanha de Bolsonaro são presos na Operação Quarto Elemento, que investiga a atuação de milicianos que praticavam extorsões. Os dois PMs presos são irmãos de Valdenice de Oliveira, a Val do Açaí, assessora e tesoureira do PSL;

12) Dois candidatos do partido de Bolsonaro quebram uma placa de homenagem à Marielle e posam sorrindo, junto ao Witzel. No mesmo evento, os candidatos falam que vão “DECAPITAR AQUELES VAGABUNDOS DO PSOL”. Flavio Bolsonaro defende a atitude dizendo que a “placa era ilegal”.

13) Ministério Público do Rio de Janeiro afirma ter colhido provas de que uma milícia de São Gonçalo teria atuado em favor de um dos candidatos de Jair Bolsonaro à ALERJ, o coronel Fernando Salema (PSL);

14) Organizadora do “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” é agredida no Rio de Janeiro;

15) Clã Bolsonaro é eleito e jornalista diz que quem postou “Marielle presente” estará fora do governo;

16) COAF revela que Fabrício, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, fez movimentação atípica de R$ 1,233 milhão entre 2016 e janeiro de 2017. O ex PM já cometeu pelo menos 10 homicídios;

17) O COAF descobriu que, além do lote de 1,2 milhão de reais, passaram também pela conta corrente do assessor de Flávio Bolsonaro 5,8 milhões de reais nos dois exercícios imediatamente anteriores.

18) Novo relatório do COAF aponta Flávio Bolsonaro recebeu R$ 96 mil em 50 depósitos fracionados. Ele alega que o dinheiro vivo é fruto da venda de um imóvel;

19) É revelado que Queiroz, antes de ir para o Albert Einstein, se escondeu na favela de Rio das Pedras, dominada pela milícia;

20) Flávio Bolsonaro empregou mãe e mulher de chefe do Escritório do Crime em seu gabinete, suspeitos de assassinarem Marielle.

21) Flávio Bolsonaro foi o único parlamentar que votou contra a concessão da medalha Tiradentes à Marielle.

Instituto Analise

terça-feira, 12 de março de 2019

MORRER TRABALHANDO OU TRABALHAR ATÉ MORRER.


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Ao completar míseros dois meses o governo de Jair Bolsonaro é uma usina infindável de crises, produzidas por ele próprio, por seus filhos ou pelo núcleo de ministros identificados com o chamado clã Bolsonaro – facção do poder e de apoiadores ligados por uma crendice pré-iluminista que chamam de ideologia.

Ocorre que são tantas e tão diversas as crises, numa profusão estonteante, que já há quem pergunte se não há método nessa loucura. Explico: enquanto o presidente e seu clã escandalizam o mundo com seu flagrante despreparo e mobilizam o exército do obscurantismo, com a mão do gato a área econômica do governo vai impondo um pacote sujo antitrabalhador e antissindical.

No último dia 1º de março, às vésperas do Carnaval e enquanto o Brasil esconjurava a mensagem desumana de Eduardo Bolsonaro sobre a morte do neto de Lula, era editada a MP/873, que ataca frontalmente a liberdade de associação e o financiamento do movimento sindical. Publicada à sorrelfa, a medida altera drasticamente os mecanismos atuais de cobrança das contribuições individuais e coletivas, chegando ao cúmulo de instituir a obrigatoriedade de pagamento por boleto bancário.

A “novidade” vem para completar o estrangulamento financeiro do movimento promovido por Michel Temer na malsinada reforma trabalhista, quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi esquartejada atendendo a sanha do capital em detrimento do trabalho.

Na Quarta-Feira de Cinzas o assunto mais comentado em todos os botecos e vielas do país foi a escandalosa e escatológica postagem feita pelo presidente em suas redes, levando ao mundo uma mensagem depreciativa do Carnaval brasileiro.

No entanto, passou quase despercebido que o governo, na figura de Rogério Marinho, aquele que relatou a reforma trabalhista, informou que planeja enviar ao Congresso uma Emenda Constitucional acabando com a unicidade do movimento sindical na base, modelo que o estrutura historicamente. Tal medida representaria a pulverização da representação dos trabalhadores em uma miríade de micro sindicatos, sem força real na base, legitimidade e autonomia para negociar à vera com patrões e entidades patronais os interesses de cada categoria.

O governo faz essa ofensiva visando enfraquecer e dividir o movimento justamente quando os sindicatos e as centrais se preparam e buscam a unidade para enfrentar o ataque maior aos direitos: a inclassificável Reforma da Previdência enviada por Bolsonaro ao Congresso. Aliás, “reforma” tão draconiana que avança até mesmo sobre o direito à aposentadoria dos trabalhadores rurais, pensões e benefícios de idosos carentes.

As pautas obscurantistas e irracionais promovidas pelo governo são gravíssimas, mostram despreparo e nenhum pudor republicano na administração do país. Servem para Bolsonaro alimentar suas milícias de internet, que não se desmobilizaram pós-campanha e mantêm uma clara disposição de perseguir adversários políticos. Combater esse tipo de ação detestável é um dever democrático e até mesmo civilizatório, que ultrapassa as clássicas divisões políticas que marcaram o país no último período.

Mas isso não pode vendar nossos olhos para outras ameaças também reais e urgentes. O governo elegeu como inimigos e movimenta a máquina para aniquilar os trabalhadores, os poucos direitos que ainda restam e as organizações sindicais. Esse é o objetivo final do pacote antipopular e antissindical, que tem na Reforma da Previdência a sua pedra angular.

A unidade mais ampla possível se faz necessária para enfrentar esse pacote de maldades, até porque a derrota do governo nessas pautas fortalecerá a luta popular e seus instrumentos e produzirá um racha na sustentação política de Bolsonaro. Não temos o direito à dispersão

segunda-feira, 11 de março de 2019

PREVIDÊNCIA: O DÉFICIT É DE INFORMAÇÃO E NADA MAIS.


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O governo federal vem batendo pesado na tecla da imperiosidade de uma antipopular reforma da previdência, que seria obrigatória para o equilíbrio das contas públicas. Muitos brasileiros honestos e de boa fé passaram a admitir essa suposta necessidade como inquestionável. Os detentores do poder real -o mercado financeiro- têm, por meio de seus porta-vozes na mídia tradicional e nas redes sociais, agido de forma extremamente eficaz na criação e aprofundamento do dogma "reforma da previdência ou caos total".

A informação, porém (fato que, aliás, é característica do Brasil desde sempre), é enviesada. O outro lado é metodicamente abafado, inviabilizado.

Economistas de renome, como Eduardo Moreira e Maria Lúcia Fatorelli, têm alertado que o suposto "déficit" da previdência é uma ficção.

Contabilizadas todas as fontes constitucionais de financiamento (e não apenas as contribuições previdenciárias de empregados e patrões, como cirurgicamente aqueles porta-vozes ecoam diuturnamente), a previdência social é sistematicamente superavitária.

Eduardo Moreira já escancarou essa realidade com números, obtidos em fontes oficiais. Ele, inclusive, já demonstrou que até 2015 a previdência era superavitária até mesmo se contabilizadas apenas as contribuições: após aquele ano, com o despencar do PIB, ela passou a ser deficitária, mas, reitero, contabilizados todos os recursos constitucionais, mesmo após 2015 não há falar em déficit.

Além disso, deve-se salientar o papel das DRU (Desvinculações da Receita da União) na fabricação desse déficit. As DRU, em apertada síntese, se apropriam de parte das receitas cuja destinação constitucional é, a princípio, "engessada" em prol de políticas de proteção social (incluindo a previdência e a assistência sociais) e desviam para outras finalidades, especialmente o pagamento de juros da dívida pública. Em outras palavras, as DRU retiram dinheiro da previdência e entregam aos grandes detentores de títulos públicos (bancos, fundos de pensão, fundos de investimento e "investidores" estrangeiros).

Convido aqueles que compraram o dogma da necessidade de uma reforma radical e urgente da previdência, que beneficiará (ainda mais) os credores da dívida pública em detrimento dos interesses da sociedade civil, que pesquisem, que leiam artigos ou assistam vídeos que apresentem visão oposta àquela que apresentada pela mídia mainstream e por analistas supostamente isentos nas redes sociais. As informações estão disponíveis nas redes sociais. Um bom começo é ouvir as palavras dos dois economistas citados no início do artigo (há muitos mais) – ambos têm vídeos extremamente didáticos publicados no YouTube.

É claro que não é necessário acreditar em minhas palavras, como não é saudável acreditar piamente em ninguém (nem no governo). Sugiro apenas que os leitores procurem fontes diversas de informação quanto a esse espinhoso tema, que façam a análise crítica e que, ao final, concluam qual ou quais informações são embasadas em dados empíricos e quais têm lastro em achismos, dogmas e mantras.