quinta-feira, 31 de agosto de 2017

INVEJA, O QUE?

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Esses dias me disseram que o problema é a inveja. Então: estava faltando a inveja no pedaço. E motivo tem: a inveja é um mal secreto, quem sente não diz, quem sofre não vê.

De fato, a minha mãe sempre me pede para tomar cuidado com os invejosos, mas como vou enfrentá-los, se eu não sei quem são e onde estão? Todos os que declararam abertamente a sua inveja de mim usavam ironia: quando a gente admite de forma explícita o sentimento, a palavra literal para descrevê-lo não é inveja, é admiração.

A inveja, como a gente sabe, não pode ser expressa com sorriso, tapa nas costas, piscadinha pelo canto do olho, cumplicidade. A inveja é destrutiva e, principalmente, não se externaliza, corrói o sujeito invejoso por dentro.

Portanto, o caso da miss não é inveja, não. É racismo rasteiro.

Eu conheço o tipo de pessoa que faz isso. Aconteceu comigo disse a miss. Na escola, enquanto achavam que eu era branca, aceitavam os doces que eu oferecia na hora da merenda e se diziam invejosos de todo o meu arsenal açucarado (o que também incluía sorrisos). Quando descobriram que eu era negra, passaram a dizer que não queriam mais os doces e que não podiam brincar comigo no recreio. Visto que eu não tinha ficado mais bonita depois de os colegas descobrirem que eu não era bem branca, a conclusão é óbvia: não é inveja, é racismo.

Não é inveja quando perguntam no hospital se você é a empregada da paciente e você explica que é a nora. Não é inveja quando as pessoas recusam-se a dar uma informação porque pressupõem, olhando apenas para a sua cara, que você não precisa e não vai usar realmente o dado solicitado. Não é inveja quando as pessoas indicam o elevador de serviço para você. Não é inveja taxista recusar-se a fazer a corrida porque seu pai é negro. Não é inveja, porque as pessoas não queriam estar no seu lugar. Elas não ficam se corroendo de raiva por não poderem sofrer humilhações sistemáticas, por não serem destratadas continuamente.

Viu, mamãe? As pessoas não me invejam, não. E não invejam a miss. Elas sabem muito bem o mal que o racismo faz, e nunca, nunca mesmo, gostariam de passar por tudo o que a gente passa.

É trabalheira: é um ser, apesar de. A pele pesa. Não basta ser boa professora. É ser boa professora, apesar de tudo. Mas tudo o quê? A cor da pele? Todos os obstáculos enfrentados por causa da cor da pele?

Fique tranquila, mãe. Ninguém me inveja. O problema é outro. É ser um questionamento ambulante à consciência alheia. É servir de legitimador por tabela dos que não acreditam no próprio racismo e usam a gente como exemplo de comportamento tolerante. É quando as pessoas dizem: eu tenho até amigos negros, como posso ser racista?

Não é inveja, eu sei. Porque as pessoas mostram os dentes, afiam as unhas, insultam, dizem palavras feias e acham que isso é necessário para mostrar que alguém de pele mais escura está em um lugar inadequado para ela. É especialmente inadequado se o lugar for ótimo para os outros.

A inveja corrói, o racismo exclui. A inveja se esconde, o racismo se expõe. A inveja é persistente, amarga dia após dia, como erosão, como as dunas, que a gente escava e voltam para o mesmo lugar. O racismo é preguiçoso, sem vergonha e truculento, atropela denunciando o atropelador, não expondo apenas o atropelado.

Ah, se fosse inveja, seria muito mais difícil de explicar. Mas é racismo, todo mundo vê. Só não vê o racista, porque não quer. Porque prefere iludir-se e achar que a gente se ilude junto. Porque acha que esse grande meio de campo em que nos encontramos, com nossas heranças de culturas apagadas, de línguas esquecidas, de pobreza envergonhada, de identidade negada, nesse meio campo as pessoas acham que o nosso papel é fazer média, é fazer de conta que é inveja, que não é racismo, que a gente pega o mesmo ônibus, assiste à mesma novela, nosso destino paralelo de mediocridades e necessidades.

Lamento, mas não vim para fazer média. Tenho dificuldade para dizer: está bem, respeito a sua opinião. Porque racismo, saibam, não é uma opinião, é um crime. E eu não gosto de ser cúmplice

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

NO CÉU, NA TERRA E NO MAR

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Uma imagem do Cristo, de braços abertos e olhos voltados para o céu, está cimentada no mar de Taranto, perto de Capo San Vito, no sul da Itália. Dedicada aos civis e militares que morreram no mar, a obra de 1,65 metros de altura, repousa sobre um sólido pedestal. Em 15 de agosto de 1985, durante uma cerimônia oficiada por dom Guglielmo Motolese, Arcebispo de Taranto, a estátua foi colocada no fundo do mar, com a ajuda de helicóptero da Marinha Italiana, além de rebocadores e mergulhadores, a uma profundidade de oito metros. Todos os anos, nessa mesma data, uma cerimônia renova a fé e a esperança, através das preces de todos os que pedem proteção, além de recordar os que perderam a vida naquelas águas profundas.

Há registro de outras imagens submersas, à exemplo desta. Uma expressão de fé, movida pela saudade dos que partiram e desejo de proteção aos que ainda navegam em águas nem sempre calmas. É evidente que a convicção cristã não está ressaltando o valor de uma imagem, mas respeitando a necessidade do simbólico para expressar e fortalecer determinados sentimentos. Para além do respeito à diversidade religiosa está a confiança e o amor, concretizados numa imagem do Cristo de braços abertos, nas profundas águas do mar. Anualmente as pessoas se reunem em prece para revigorar a fé e eternizar a ‘presença’ dos que partiram. Ninguém enxerga a imagem, exceto os mergulhadores, mas todos sabem que ela está naquele mar.

Nossa vida se assemelha a um barco a navegar. Dependendo das condições do tempo, às vezes, a navegação é serena, outras muito agitada. Os navegadores do sul da Itália não exergam a imagem do Cristo de braços abertos, mas sabem que ela lá está e, assim, se sentem protegidos. Deus sempre será manifestação. Não há necessidade de ver com os olhos físicos a presença d’Ele. O importante é abraçar a vida, não esquecendo que Ele é presença que desconhece distância. Saber que Deus está nas profundezas do mar e na imensidão do céu e da terra, é o suficiente para navegar, em qualquer condição, neste grandioso e misterioso mar da vida. Ele está de braços abertos, sempre atento para auxiliar.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

SOLIDARIEDADE O PARADIGMA ESQUECIDO.

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Há falta clamorosa de solidariedade no momento atual de nossa história. Somos informados de que neste exato momento 20 milhões de pessoas estão ameaçadas de morrer literalmente de fome, no Iêmen, na Somália, no Sudão do Sul e na Nigéria. O grito dos famélicos se dirige ao céu e para todas as direções e quem os escuta? Um pouco a ONU e somente algumas corajosas agências humanitárias.

Em nosso país por causa dos ajustes promovidos pelos atuais governantes que deram um golpe parlamentar, visando impor sua agenda neoliberal, há pelo menos 500 mil famílias que perderam a bolsa família. Pobres estão caindo na miséria da qual haviam saído e miseráveis estão se tornando indigentes. Não são poucos os que vem à nossa ONG em Petrópolis (Centro de Defesa dos Direitos Humanos), que existe há 40 anos, pedindo comida. É possível negar o pão à mão estendida e aos olhos suplicantes sem ser desumano e sem piedade?

É urgente resgatarmos o significado antropológico fundamental da solidariedade. Ela é anti-sistêmica, pois o sistema imperante capitalista é individualista e se rege pela concorrência e não pela solidariedade e pela cooperação. Isso vai contra o sentido da natureza.

Dizem-nos os etno-antropólogos que foi a solidariedade que nos fez passar da ordem dos primatas para a ordem dos humanos. Quando nossos ancestrais antropóides saíam para buscar seus alimentos, não os comiam individualmente. Traziam-nos ao grupo para juntos comerem. Viviam a comensalidade, própria dos humanos. Portanto, a solidariedade está na raiz de nossa hominização.

O filósofo francês Pierre Leroux nos meados do século XIX, ao surgirem as primeiras associações de trabalhadores contra a selvageria do mercado, resgatou politicamente esta categoria da solidariedade. Era cristão mas disse: “devemos entender a caridade cristã hoje como solidariedade mútua entre os seres humanos”(Cf. Jean-Lous Laville, L’économie solidaire: une perspective international 1994, 25ss).

A solidariedade implica reciprocidade entre todos, como um fato social elementar. Daí nasceu a economia do dom mútuo, tão bem analisada por Marcel Mauss.

Se bem reparmos, a natureza não criou um ser para si mesmo, mas todos seres uns para os outros. Estabeleceu entre eles laços de mutualidade e redes de relações solidárias. A solidariedade originária nos faz a todos irmãos e irmãs dentro da mesma espécie.

A solidariedade, portanto, é indissociável da natureza humana enquanto humana. Se não houvesse solidariedade nem teríamos condições de sobreviver. Não possuimos nenhum órgão especializado (Mangelwesen de A. Gehlen) que garante a nossa subsistência. Para sobreviver, dependemos do cuidado e da solidariedade dos outros. Essa é um fato inegável outrora e ainda hoje.

Mas precisamos ser realistas, nos adverte E. Morin. Somos simultaneamente sapiens e demens, não como decadência da realidade mas como expressão de nossa condição humana. Podemos ser sapientes e solidários e criar laços de humanização. Mas podemos também ser dementes e destruir a solidariedade, degolar pessoas como fazem os militantes do Estado Islâmico ou queimá-las dentro de um monte de pneus como faz a máfia da droga.

Por causa desse nosso momento demente que Hobbes e Rousseau viram a necessidade de um contrato social que nos permitisse conviver e evitasse que nos devorássemos reciprocamente.

O contrato social não nos dispensa de termos que resgatar continuamente a solidariedade que nos humaniza, sem a qual o lado demente predominaria sobre o sapiente.

É o que estamos vivendo a nível mundial e também nacional, pois pouquíssimos controlam as finanças e o acesso aos bens e serviços naturais, deixando mais da metade da humanidade na indigência. Bem dizia o Papa Francisco: o sistema imperante é assassino e anti-vida.

Entre nós, as atuais políticas de ajustes fiscais estão onerando especialmente os pobres e beneficiando aqueles poucos que controlam os fluxos financeiros. O Estado enfraquecido pela corrupção não consegue frear a voracidade da acumulação ilimitada das oligarquias.

Houve Alguém que foi solidário conosco. Não quis se prevalecer de sua condição divina. Antes, “por solidariedade apresentou-se como simples homem” (Flp 2,7) e acabou crucificado. Esta solidariedade nos devolveu humanidade (nos salvou) e continua nos animando a “a termos os mesmos sentimentos que ele teve”(Flp 2,5).

É urgente resgatarmos o paradigma básico de nossa humanidade, tão olvidado, a solidariedade essencial. Fora dela desvirtuaremos nossa humanidade e a dos outros.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

A VOLTA DO OVO DA SERPENTE

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O famoso filme de Ingmar Bergman, de 1977, é considerado uma das melhores interpretações cinematográficas do surgimento do nazismo e suas posteriores e funestas consequências para a Alemanha e o mundo inteiro.

Denotando meticulosa pesquisa histórica feita pelo grande cineasta sueco, o filme mostra com extrema fidelidade e realismo os primeiros passos de uma sociedade que já se encontra dividida e ameaçada. Deixa entrever o insidioso e silencioso processo que desembocaria no nacional-socialismo a partir de 1933 e resultaria no mais monstruoso genocídio que a humanidade já conheceu: o holocausto nazista.

Em seu filme, Bergman profetiza, a partir do que está acontecendo na sociedade alemã, aquilo que a espera. E compara a um ovo de serpente. É inesquecível a frase pronunciada pelo personagem do Dr. Hans dirigida ao trapezista judeu Abel Rosemberg já no final do filme: qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro. É como um ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se distinguir o réptil já perfeitamente formado.

Trata-se de um sentimento parecido àquele que experimentamos ao ler a surpreendente notícia de que um hotel suíço de uma estação de esqui – o Aparthaus Paradies – afixou em suas dependências um cartaz com a seguinte advertência: “Aos nossos hóspedes judeus – mulheres, homens e crianças – por favor tomem uma ducha antes de nadar... Se quebrarem as regras serei forçado a fechar a piscina para vocês. Obrigado por sua compreensão. “

Como se não bastasse, na porta do freezer do hotel, onde os hóspedes judeus haviam pedido para guardar sua comida “kosher”, de acordo com as regras de sua religião, apareceu outro cartaz, também dirigido apenas aos hóspedes judeus: "Aos nossos clientes judeus: podem ter acesso ao freezer somente nos seguintes horários: das 10h às 11h e das 16h30 às 17h30. Espero que compreendam que nossa equipe não gosta de ser incomodada o tempo todo".

A primeira reação veio imediatamente, provavelmente por parte de outro hóspede que se sentiu indignado com a recomendação. No mesmo cartaz da piscina, na parte de cima, foi escrito: “Eu não sou um hóspede judeu e achei isso muito racista”. A partir daí o cartaz foi fotografado, espalhado pelo mundo inteiro, viralizado nas redes sociais.

Israel exigiu desculpas oficiais, classificando o ato de antissemita da pior espécie. O ministério suíço das Relações Exteriores afirmou em um comunicado que destacou ao embaixador de Israel que a Suíça "condena o racismo, o antissemitismo e qualquer discriminação".

Poderia ser apenas um sintoma isolado. Mas não será ingenuidade considerá-lo assim? Não será ingenuidade extrema, uma semana após os episódios de Charlottesville, onde um jovem militante da supremacia branca investiu com um carro violentamente contra ativistas antirracistas. Os grupos da direita radical, defensores da supremacia branca, se opuseram ao projeto de retirar da cidade a estátua do general que lutou a favor da escravidão. Houve mortos e muito feridos.

Os supremacistas brancos e direitistas marcharam pelas ruas da pacata cidade da Virginia carregando tochas e incluindo em seu ódio discriminatório não apenas os negros, mas igualmente gays, judeus e outros grupos que, há pouco mais de 70 anos, Hitler também perseguia no seu intento de limpar a Europa de tudo e todos que não compusessem a raça ariana, “única pura e digna de viver”.

Ao lado desses há outros sintomas. O renascimento dos partidos direitistas na Europa, que estiveram perto de ganhar as eleições presidenciais na França. O repúdio de tantos países europeus à entrada dos imigrantes, que são em sua quase totalidade de outra ascendência, outra etnia, outra religião. O mesmo repúdio crescendo em surpreendente escala nos Estados Unidos de hoje, com correspondente legislação que o sustenta.

No Brasil, protesta-se contra o sistema de cotas. Os negros e os pobres sofrem as consequências da crise mais do que todos e são obrigados a conviver com o desmentido de que a escravidão foi abolida. Os negros são orientados a entrar pela porta de serviço em prédios de bairros de classe média alta. As vítimas do tráfico são em geral jovens e negras. A Lei Áurea parece ter sido algo episódico, que não chegou ainda a acontecer.

O preconceito é algo diabólico porque situa determinados grupos de seres humanos em um degrau inferior de humanidade. E lança-se sobre eles e elas várias atitudes negativas a priori que vão limitar sua cidadania e sua pertença na sociedade em que vivem.

De onde se tirou que os judeus necessitam mais de banho do que outros? Por que os negros ensombreceriam a imagem da nação mais poderosa do mundo? Qual a fonte da concepção de que os migrantes entram nos países mais desenvolvidos do primeiro mundo para roubar o emprego dos cidadãos nativos e locais?

A imensa dificuldade de lidar com a diferença do outro, com sua identidade que não é a minha, começa a tomar corpo e tornar-se um fenômeno coletivo com avassaladora força destrutiva. Ingmar Bergman olhava para o passado recente de seu continente ao fazer seu célebre filme. Hoje somos convocados a olhar o presente e procurar perceber a silhueta do réptil que se delineia na parte interior do ovo que choca a catástrofe.

Não é possível que a humanidade não haja aprendido as mais amargas lições pelas quais passou na tentativa homogeneizadora racial. Não bastaram continentes destruídos, milhões de mortos, a memória macabra dos campos de extermínio? Não por nada a imagem da serpente no livro do Gênesis é a personificação do demônio que tenta o ser humano. Deus queira tenhamos forças para esmagar a cabeça da serpente no seu nascedouro. Somente assim poderemos seguir perseguindo a vocação humana que é a nossa.

domingo, 27 de agosto de 2017

ESPERANÇA

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Se você já não enxerga perspectiva de futuro, despreza políticos e a política, recolhe-se à sua esfera privada, é sinal de que lhe roubaram a esperança.

Se já não suporta o noticiário, acredita que a espécie humana deu errado e todas as libertações resultam em opressões, saiba que lhe roubaram a esperança.

Se destila ódio nas redes digitais, desconfia de todos que proferem discursos sobre ética e preservação do meio ambiente, e confia apenas em sua conta bancária, esteja certo, roubaram-lhe a esperança.

Se não curte mais sonhos de um futuro melhor, não injeta utopia na veia e não assume seu protagonismo como cidadão, preferindo se isolar em sua redoma de cristal, é sinal de que lhe roubaram a esperança.

Os amigos de Jó tudo argumentaram para que ele abdicasse da esperança. Como teimava em mantê-la acesa se havia perdido terras, riquezas e família? Jó não introjetou a culpa, não jogou sobre os ombros de outrem os males que o afligiam, não abominou os revezes que o acometeram.

Reza o poema de Franz Wright, inspirado na prece da poeta persa Rabi'a al-Adawiyya, "Deus, se pronuncio meu amor por você por medo do inferno, incinere-me nele; / se pronuncio meu amor por ansiar pelo paraíso, feche-o em minha face. / Mas se com você eu falo apenas porque você existe, pare / de esconder de mim sua / infinita beleza."

Nessa gratuidade da fé, da esperança e do amor é que Jó se sentiu recompensado ao contemplar a infinita beleza: "Te conhecia só por ouvir dizer. Mas, agora, meus olhos te viram" (42,5).

Como escreveu Spinoza em seu "Tratado teológico político", "um povo livre se guia pela esperança mais do que pelo medo; o que está oprimido se guia mais pelo medo do que pela esperança. Um almeja cultivar a sua vida. O outro, suportar o opressor. Ao primeiro, eu chamo livre. Ao segundo, chamo servo."

Você, como eu, é vítima de promessas que se transformaram em ilusões que desembocaram em frustrações. Nem por isso admito que me roubem a esperança.

O segredo? Simples. Não me prendo ao aqui e agora. Olho as contradições do passado, marcado por retrocessos e avanços. Quantas batalhas perdidas resultaram em guerras vitoriosas? E quantos imperadores, senhores da vida e da morte, dos Césares a Átila, o huno; de Napoleão a Hitler; acabaram enxovalhados pela história?

Encaro o futuro em longo prazo. Sei que não participarei da colheita, mas faço questão de morrer semente.

Não creio em discursos nem amarro a minha esperança no paraquedas de algum avatar que promete salvação em curto prazo. Exijo programas e projetos, e julgo seus portadores por critérios rígidos. Procuro conhecer-lhes a vida pregressa, o compromisso com os movimentos sociais, sua ética e valores.

Sei que o futuro será o que fizermos no presente. Não espero milagres. Arregaço as mangas, convicto de que "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

A esperança é uma virtude teologal. A fé crê; o amor acolhe; a esperança constrói. Assim como o caminho se faz ao caminhar, a esperança se tece como o alvorecer no poema de João Cabral de Melo Neto: "Um galo sozinho não tece a manhã: / ele precisará sempre de outros galos. / De um que apanhe esse grito que ele / e o lance a outro: de outro galo / que apanhe o grito que um galo antes / e o lance a outro; e de outros galos / que com muitos outros galos se cruzam / os fios de sol de seus gritos de galo / para que a manhã, desde uma tela tênue, / se vá tecendo, entre todos os galos."

Gosto do verbo esperançar – estender o fio de Ariadne que nos conduz a todos para fora do labirinto. É um esforço coletivo, uma ação comunitária, um mutirão que nos irmana na certeza de que de dentro da pedra corre o filete de água que forma o córrego, faz o riacho, vira rio e rasga a terra, rega campos, alimenta ribeirinhos, até se somar ao leito do oceano.

Como diz Mário Quintana em "Das utopias", "Se as coisas são inatingíveis... ora! / Não é motivo para não querê-las... / Que tristes os caminhos, se não fora / A mágica presença das estrelas!"

sábado, 26 de agosto de 2017

UM BEIJO SOBRE A MÃO

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Os dois seguiam seu andar lado a lado, o olhar de ambos se encontrou e brilhou; ressaltou-se o amor que sentiam por um simples olhar. Muito tinham vivido juntos também brigado, disputado espaços, cedido e ou compreendido e agora ali estavam. Protegiam o seu universo e o seu momento. Ele num gesto singular, singelo, de carinho, pegou na mão da amada levou-a suavemente ao encontro de seus lábios e num sinal mágico do amor que mantinha por ela e que os nutria, beijou-a, revelando o que sentia e mostrando a transformação do amor que cultivava em seu íntimo.

Era hora de dar novo sentido para tudo que foi vivido até aquele momento. Esse foi o marco para a nova vida que se apresentava diante dos dois, numa ressignificação do amor que sentiam um pelo outro. Nesse sinal de conexão retinham o presente unindo ao passado e ao futuro, tudo se encontrava naquele simples gesto. Simbolizava a junção do olhar e do sentimento que nutriam, não era simplesmente um gesto em vão.

Beijo no rosto valoriza a pessoa, na boca evidenciando o amor, mas haa... o beijo na mão... é beijar a caminhada, a história de vida tal como existiu; valorizar a companhia, o estar juntos...

Ao pousar suavemente os lábios sobre a mão dela o olhar e o coração de ambos se conectou, e, naquele momento, houve um encontro de almas.

Um beijo na mão tem um valor imensurável... Quem já teve um beijo sobre a mão, sabe a verdadeira ressignificação do amor.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

COMO ESCREVER UM ROTEIRO

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Ninguém perguntou, mas vou explicar. Vou explicar como se escreve um roteiro. Precisamos de um herói ou de um anti-herói. Precisamos de um adversário declarado. Precisamos descobrir uma traição. Precisamos de um povo a ser salvo. Precisamos de uma reviravolta que surpreenda o público. Precisamos de um arrependimento. Mas para transformar o roteiro em seriado, precisamos que os atores repitam os seus papéis e cometam os mesmos erros repetidamente, sob uma forma nova.

Pensem no Batman, por exemplo. Um ladrão rouba seus pais à saída do teatro e acaba matando os dois. Batman, apenas uma criança, presencia o assassinato e fica traumatizado. Adulto, promete combater o crime a qualquer custo. É um herói vingativo e solitário, auxiliado por um mordomo que exerce o papel de tutor e psicólogo, mas as pessoas gostam dele, porque ele combate o crime, não importa por qual motivo.

Batman apresenta o nosso lado obscuro como se fosse algo positivo.

Pensem no Indiana Jones, por exemplo. A gente no princípio nem entende porque ele precisa recuperar o Santo Graal, lutando contra nazistas que viam no objeto um elemento místico capaz de assegurar o comando do mundo a Hitler. Parece altruísmo, mas não é. Indiana Jones precisa superar o conflito com seu pai, o grande arqueólogo que ofusca o filho. No final das contas, a sua batalha é crescer pessoalmente, mas as pessoas acham que ele está combatendo o nazismo.

Na verdade, Indiana Jones é a figura de Hitler no espelho. O positivo do negativo.

Pensem em Bond, James Bond. O roteiro é sempre o mesmo: o mundo está ameaçado por um bandido incontrolável que pode jogar uma bomba, uma arma química ou biológica, e acabar com o seriado. Infelizmente isso nunca acontece e o filme sempre termina com o herói andarilho ao lado de uma moça bonita, brindando com champanhe, enquanto aguarda a nova aventura.

Bond ensina que padecimento não tem fim e que felicidade é uma bolha de vinho que desmancha na boca em segundos.

Pensem agora que o Brasil está cheio de pequenos batman, indiana jones, james bond e outros heróis. E que a gente entrega uma procuração em branco para eles agirem. Pensem que eles combatem o crime como justiceiros, como esquadrão da morte ou como apologistas da tortura. E a gente aplaude e até promete voto para eles. Pensem que outros prometem salvar o país e que muitas vezes no silêncio das suas noites solitárias a grande batalha é vencer a necessidade de aprovação. Alguns escrevem até cartas por se sentirem um simples elemento decorativo. Pensem nos que estão temporariamente sumidos. Imagino esses políticos em um filme como “Viva a liberdade”, de Roberto Andò. Só que alguns não tem irmãos gêmeos, eles têm irmãs.

Pensem, por fim, em um país em ruínas, ameaçado por mercado escravagista e por uma elite insaciável. Pensem nos seus capangas. Pensem no poder hipnótico dos bandidos. Pensem no bond tropical que a cada episódio precisa reaparecer para retirar a massa do estado de transe. É terrível. É um seriado péssimo.

Na realidade, escrevi este artigo para dizer que detesto os heróis, como dizia Brecht. Detesto os heróis da vida real. Eles são um sinal vivente da nossa impotência e do nosso talento para repetir os mesmos erros. Somos hábeis em roteiros de péssima qualidade. Vestimos a camiseta e depois de encerrada a festa colocamos o pijama, como se o assunto não fosse com a gente. Conseguimos fazer pior: diante do erro trágico, conseguimos a proeza de agir com resignação. Um bom roteiro exige que no momento grave o sujeito sinta um horror interior e que aquilo que parecia normal e inelutável seja visto como algo estranho, inaceitável, que requer uma reação. Eu esperaria do nosso roteiro real que alguns pedissem desculpas publicamente, ou que cortassem os pulsos, ou os cabelos. As unhas, pelo menos. Mas não, nenhum sinal. Apenas um silêncio ensurdecedor.

Pensando nos roteiros ruins da nossa vida, nos erros que repetimos, na nossa letargia diante das tragédias, no papel que nos recusamos a representar, lembrei de um perdedor excelente, o Darcy Ribeiro. Porque perder também é uma arte: é preciso merecer cada momento de uma derrota, lutando pela vitória. Darcy Ribeiro perdeu todas as suas batalhas, mas nos deixou essas palavras monumentais:

“Fracassei em tudo o que tentei na vida.

Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.

Tentei salvar os índios, não consegui.

Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.

Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.

Mas os fracassos são minhas vitórias.

Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”

Darcy Ribeiro nos deixou há vinte anos. Ele fez da sua vida um roteiro grandioso.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

POBREZA E RIQUEZA: DOIS MALES.

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A sociedade contemporânea dividida em classes sociais de pobres e ricos expressa dois males inaceitáveis: a pobreza e a riqueza. Acumular bens é um mal que fascina a humanidade. A insuficiência de recursos para saciar a fome é mal reprovável. As duas realidades extremas são um atentado à dignidade das pessoas e uma ameaça ao futuro da humanidade.

Muitas ações podem ser executadas em nível pessoal e comunitário, ou local e mundial, na erradicação da pobreza e no impedimento de acúmulo de grandes fortunas. A mudança inicia na compreensão sobre os estados de pobreza e riqueza. Normalmente entende-se que o contrário de pobreza é riqueza. Esta compreensão leva à ambição e estimula a posse de bens. Por conseguinte, quem vive no estado de pobreza almeja possuir riquezas. Os que desfrutam das riquezas pensam em acumular mais para o futuro. São duas ambições que reproduzem o sistema da sociedade capitalista. As pessoas se inebriam pelos bens, posses. Nesta lógica a sociedade é de competição, conquista, e consequentemente de exclusão, de eliminação do mais fraco. As relações sociais são tecidas com o pobre desejando ter riqueza para superar seu grave problema e o rico pretensioso de mais acumular e de segurança. Logo, a insuficiência de um e a abundância de outro são problemas que ameaçam o futuro da humanidade.

A superação desta realidade vem da compreensão do significado da pobreza e da riqueza. A pobreza é compreendida em vários sentidos. Um conceito é definido como carência cogonal, restrita às questões básicas da vida cotidiana como alimentação, moradia, vestuário, saúde, etc. Outra compreensão está ligada a questões como falta de rendimentos, bens, riqueza, situação abaixo da média dos rendimentos estabelecidos para sustento diário. Ainda existem outras formas de pobreza, como a carência social e cultural que torna as pessoas incapazes de participar da sociedade. Mas, das compreensões da pobreza, a de maior implicância é a da economia. Ou seja, da falta de rendimentos ou da insuficiência de ganhos para suprir as necessidades básicas do ser humano. Então, o contrário de pobreza não é a riqueza, mas a dignidade. Conquistar dignidade não significa ter riqueza, mas possuir o suficiente para as necessidades cotidianas.

Quanto à riqueza, refere-se à abundância de dinheiro, de posses. Normalmente define-se como pessoa rica alguém que acumulou uma substancial riqueza em relação às pessoas da mesma sociedade. Isto é, implica viver da relação que faça valer o dinheiro, o capital, como forma de proteção e segurança. Mas, há também a riqueza imaterial que não pode ser medida com base econômica, pois envolve a sabedoria, o conhecimento, a consciência, o estado de espírito. Portanto, ser rico é muito relativo. Contudo, em sociedade contemporânea o conceito é o de possuir muito dinheiro ou capital. Um leve engodo para o ser humano.

Sendo assim, pobreza e riqueza são dois males, dois lados da mesma sociedade. Estes males mostram que não damos o devido valor à vida humana. Aceitar a pobreza e o exagerado acúmulo é promover desamparo e infelicidade. Aos cristãos, orienta o ensinamento de Jesus: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3). Isto é, viver no espírito. Isto significa dosar e identificar para a vida o suficiente para um viver digno. Melhor dizendo, ter um estilo de vida que implica oposição à pobreza material absoluta e à cobiça, o acúmulo exagerado de bens. Dessa forma, viver uma interioridade consciente de que pobreza e riqueza são males que não condizem com o espírito cristão.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

EM 2018 VOTE BRASIL!

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Já que tudo indica que Temer permanece à frente do governo até dezembro de 2018, dado que a sua base aliada no Congresso decidiu obstruir a Justiça, fica a pergunta: a quem eleger para sucedê-lo?

Pesquisas eleitorais que já tiveram início destacam uma dúzia de prováveis candidatos. E os eleitores reagem de diferentes formas. Há os que já decidiram não votar. É a turma do Partido Ninguém Presta. Atitude meramente emocional. Quem tem nojo de política é governado por quem não tem. E tudo que os maus políticos querem é que viremos as costas à política para dar a eles carta branca.

Há os que votarão no próprio umbigo em defesa de seus interesses corporativos, como os eleitores da bancada do B: boi, bala, bola, bancos e Bíblia. Esses escolherão candidatos afinados com o latifúndio, o desmatamento da Amazônia, o extermínio dos indígenas, o mercado financeiro, a homofobia, a privatização do patrimônio público e o Estado mínimo.

Um contingente de eleitores votará em quem seu mestre mandar. É o rebanho eleitoral, versão pós-moderna do coronelismo, agora substituído por padres e pastores, figuras midiáticas e chefes de organizações criminosas.

Há ainda o eleitor que se deixará levar pela propaganda eleitoral. Votará em quem lhe parecer mais simpático, sem sequer conhecer os projetos políticos do candidato. É aquela empatia olho no olho que não vê mente, coração e bolsos...

E há os que votarão em candidatos progressistas, ou naqueles que assim se apresentarão nos palanques, na esperança de resgatar os direitos cassados pela atual reforma trabalhista e corrigir os desmandos do governo Temer, para que o país volte a crescer e ampliar seus programas sociais.

Ora, devemos votar no Brasil que sonhamos para as futuras gerações. Isso significa priorizar programas e projetos, e não candidatos. Um país no qual coincidam democracia política e democracia econômica. De que vale o sufrágio universal se não repartimos o pão?

Votar no Brasil que requer profundas reformas estruturais, como a tributária, com impostos progressivos; a agrária, com o fim do latifúndio e do trabalho escravo; a política e a judiciária. Brasil que promova os direitos das populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Brasil de democracia participativa e no qual o Estado seja o principal indutor do desenvolvimento, com distribuição de riqueza e preservação ambiental.

Fora disso, tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes. Ou pior.

Votar é importante, mas não suficiente. Porque no Brasil tradicionalmente nós votamos e o poder econômico elege. Em 2018, porém, será a primeira eleição para o Congresso e a presidência da República na qual as empresas não poderão financiar campanhas políticas, como faziam as que estão denunciadas pela Lava Jato. Isso não significa que o caixa dois será extinto. Seria muita ingenuidade pensar que políticos que se lixam para a ética não haverão de encontrar formas de obter dinheiro ilegal.

Por isso, é um erro jogar nas eleições todas as fichas da nossa esperança em um Brasil melhor. O mais importante é investir no empoderamento popular. Reforçar os movimentos sociais e sindicais, intensificar o trabalho de formação política e consciência crítica, dilatar os espaços de pressão, reivindicação e mobilização. Só conseguiremos mudanças significativas se vierem de baixo para cima.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

TOCAR O INTOCÁVEL

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O tato é o mais primitivo e o mais amplo dos sentidos humanos. Quando nascemos, nossos olhos ainda estão fechados, nossos ouvidos ainda estão surdos... nosso contato com o mundo se dá através da nossa pele.

O maior conforto para uma criança, logo ao nascer, é ser colocada sobre o corpo da mãe. Sentir o calor do corpo materno dá para o recém nascido o conforto e a segurança para superar a violência do parto. O mesmo diga-se para a mãe. Sentir o corpo da criança junto ao seu dá a ela a sensação de que tudo está bem com a criança. Hoje, depois de séculos de uma medicina asséptica, médicos voltam a descobrir essa realidade tão primitiva da experiência humana: o tato é o mais primitivo e mais profundo dos sentidos. Ele nos remete ao início da vida.

O tato como primitiva expressão da relação humana, também se manifesta quando queremos dizer a alguém que o amamos. Não basta dizer. Temos que nos aproximar e demonstrá-lo fisicamente. Num ambiente formal, simplesmente apertamos as mãos. É distante, mas já é um contato. Quanto temos um pouco mais de proximidade, beijamos o rosto da outra pessoa e nos deixamos beijar.

Quando esta proximidade ainda é maior, a proximidade se aprofunda e partimos para o abraço que aperta cada vez mais na medida em que queremos expressar a profundidade do sentimento que experimentamos pelo outro.

Num casal de amantes, o beijo, do rosto, passa aos lábios, à boca, fazendo-se expressão do encontro total dos dois que já não são dois, mas passam a ser um. A culminância do encontro táctil se dá na relação sexual, momento em que todo o corpo é tocado, na sua exterioridade e na sua intimidade, pelo corpo do outro.

Muitas vezes, quando representamos os sentidos, para falar do tato, desenhamos as mãos. Ledo engano. As mãos são a ínfima expressão do tato. O tato está presente em toda a superfície de nossa pele. Da ponta dos dedos dos pés até o alto da nuca. São, em média, dois metros quadrados de pele com cinco tipos de sensores que permitem ao nosso corpo sentir o mundo ao seu redor. Sentimos frio, calor, prazer e dor. É o sentido quantitativamente mais amplo no ser humano. Quando pisamos numa superfície quente ou fria, é o tato que está na sola dos nossos pés que sente. Todos já sentimos um frio subir pelas pernas. Ou um frio na barriga. Ou um calor... ou frio na nuca, nas costas, no ventre! Toda a superfície de nosso corpo é táctil. Ao mesmo tempo que protege o interior do nosso corpo, a pele nos coloca em contato e comunicação com o exterior.

Convido-as também a pensar em situações em que o sentido do tato não é permitido. Por exemplo, uma mãe que, ao parir o filho ou a filha, é privada do contato com a criatura que saiu de seu ventre. Não poder tocá-lo, sentir seu calor, sua pele, tê-lo sobre seu regaço... E, do lado da criança, como medir o trauma de sair do calor do ventre materno e não mais ter contato com aquele corpo que o gerou? Penso nas crianças que nasciam nos leprosários. Conheci o de Itapuã, em Viamão, pertinho de Porto Alegre. As mães leprosas, ao engravidar, sabiam que nunca tocariam seus filhos depois que saíssem de seus ventres. A cadeira de parto, de madeira, era colocada numa janelinha entre uma sala e outra. A sala das leprosas, onde ficava a mãe e a sala dos sãos, onde ficava a enfermeira. Ao nascer, a criança passava de uma sala para a outra. A criança apenas era mostrada para a mãe que nunca poderia tocá-la...

Alguém já fez a experiência de, ao estender a mão para saudar alguém, ter a mão do outro negada? Ou então, de ver o rosto desviar-se quando se aproximava para o beijo? Ou então, aquele abraço frio, mecânico, sem calor, sem sentimento?

Poderíamos também falar – e é preciso falar – daquele toque da pele agressivo, violento, impositivo. Aquele toque na pele indesejado, ofensivo, que as mulheres sofrem nos ônibus, nos trens, nas ruas, nas festas, nas casas, na intimidade do lar e até nas igrejas. O toque que se transforma em golpe, tapa, soco, estupro, quando a mulher não consente em ter seu corpo tocado por quem ela não deseja.

E as crianças que tem seus corpos tocados de forma violenta por parte de quem esperavam carinho e proteção. E seus corpos recebem agressão, violenta, na pele, no corpo, na profundidade da alma. Agressões de forma tão violenta que, muita vezes, inibem o próprio sentido do tato e acabam por tornar os corpos, individual e socialmente, insensíveis e intocáveis.

É preciso reaprender a tocar o intocável. E afastar o toque não consentido e não desejado que pode deixar marcas de dor e sofrimento para o resto da vida.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

IMORTALIDADE.

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No livro Homo Deus, Yuval Noah Harari, autor do também consagrado livro Sapiens: uma breve história da humanidade,flerta com uma ideia muito curiosa. Ele sustenta que a humanidade sempre foi atormentada por três inimigos e que, finalmente, agora, se vê liberta: a fome, as pestes e as guerras. É claro que, aqui e ali, ainda se morre de fome, pestes e guerras, mas nada comparado como o que já foi. Por si só essa ideia já é impactante.

Mas, o mais surpreendente é o que, na sua concepção, serão os grandes desafios do futuro, já que esses três já vencemos. Para ele a felicidade, a imortalidade e o desejo de divindade mobilizarão as energias das gerações futuras. Exagero? Claro que sim. Sempre que se faz projeções, sobretudo se forem otimistas, será um exagero. Afinal, no futuro estaremos todos mortos. Mas espera aí, a imortalidade é o exato contrário da ideia que no futuro estaremos todos mortos. Como pensar, então, a imortalidade? Deixemos para outra ocasião a felicidade e a divindade.

Machado de Assis, um gênio da literatura brasileira, tinha uma ideia muito perspicaz, e pouco romântica, do nosso destino comum que responde, mesmo que de forma um tanto cruel, ao nosso anseio por imortalidade. Na dedicatória do seu livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, lê-se: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. Sim, seremos imortais, no verme. Supondo que, quando o verme também morrer, um outro vivente o roerá, igualmente, e segue o ciclo...

Quando os gregos entraram em guerra com os troianos, os generais espartanos e atenienses convocaram os cidadãos ao combate. Chegaram até à casa de Aquiles que, confortavelmente, usufruía da vida pacata de todo cidadão com alguma posse e com juventude o suficiente para ser desejado pelas mulheres. Ele resistiu. Não queria entrar numa fria. A mãe dele, contudo, o convenceu a ir para a guerra com um argumento muito provocativo. “Meu filho, disse ela, vai ficar aqui nesse fim de mundo até morrer de velho e sem notoriedade? Essa é a mãe de todas as guerras e quem nela morrer será lembrado por toda a eternidade”. Ele olhou para ela, abraçou-a e foi. Ainda hoje lembramos de Aquiles. Ele vive pelos seus grandiosos feitos, presente em nossa memória.

Sócrates foi acusado de agitar o mundo dos jovens atenienses com suas perguntas que punham em questão a tradição dos valores constituídos. Nada mais revolucionário do que pensar! Ele até dizia que Deus está dentro da gente e não nas forças da natureza, desafiando a religião pública e colocando em perigo a ordem constituída. Foi condenado por uma junta de Juízes a tomar cicuta, um veneno que não se dobra a apelações. Morreu sereno, filosofando e consolando os que ao seu redor choravam e lamentavam a sua partida. Por que? Porque ele acreditava que a alma humana é imortal e resiste à morte do corpo. Morreu feliz, na certeza na imortalidade da alma. Ele hoje seria um discipulo de Allan Kardec...

Jesus também foi acusado de ser um perigoso judeu, metido a líder popular, contra as leis farisaicas da tradição e contra os poderes invasores do império romano, sentenciado, com aplausos do populacho, que preferiu um assassino (Barrabás) a um inocente, à morte de cruz. Ele, diferentemente de Sócrates, não vai para a morte feliz e sereno. Teve calafrios e suou sangue, a ponto de pedir a Deus que o livrasse da angustiante agonia e da morte. Ele era humano, Jesus. E, por conta disso, morreu. Mas Deus, o Pai criador, o Barbudo, surpreendentemente, até mesmo para Jesus, o tira do esquecimento do túmulo e o ressuscita para a vida eterna. Que mistério a Ressurreição!

E agora vem o Yuval Noah Harari e diz que a humanidade gastará suas energias para conquistar a imortalidade. Ora, ora, ora! De que imortalidade ele está falando? Do após morte? Não. Ele está dizendo que a ciência do futuro vai nos livrar do ato mesmo de morrer. Vamos viver para sempre. Híbridos talvez, em simbiose com a máquina, mas livres da morte e eternamente vivos. Como nós modernos somos mesquinhos, não? Não temos uma causa nobre para viver e mesmo assim não queremos morrer. Sequer temos uma boa narrativa mítica ou poética para nos iludir...apostamos na ciência e pronto! Aquiles, Sócrates e Jesus tinham causas nobres que lhe deram sentido à vida e à morte. Mas nós queremos viver, viver e viver... E para que? Para viver, só para viver? Que sentido daremos à vida se não mais morrermos? Que tédio eterno seria vivermos para sempre! Eu prefiro morrer. Não tenho pressa, contudo... Só não gostaria que fosse um verme a me ressuscitar...Um verme não! Pô Machado, um verme não....!

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

HOJE TEM VELÓRIO, DESCULPE O INCOMODO

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Às vezes eu me sinto como o sujeito lírico do Poema em Linha Reta, de Álvaro de Campo (Fernando Pessoa): todas as famílias são felizes, só a minha reles, só a minha vil. Todo mundo vive numa família de margarina, sorridente, unida, hipócrita, menos eu.

Domingo, dia dos pais, dei de cara com o perfil de uma pessoa que nunca vi na minha vida. Sorridente na foto com o filho, ele sintetizava assim a sua biografia: um bom pai. Pois o bom pai deu-se o trabalho de entrar no blog da Presidenta Dilma, ler o texto que ela publicou para homenagear o ex-marido, o ex-Deputado Carlos Araújo, para fazer o seguinte comentário: “vai com ele”. Este bom pai de família exprimiu publicamente o desejo que uma mulher morresse assim, sem maiores explicações. Para um bom pai de família isso deve ser óbvio. Deve ser óbvio dar um exemplo de ódio, de intolerância, de machismo, de incitação à violência.



Exceção à regra das famílias margarinas? Não acredito. A hipocrisia de compactuar com a figura do bom pai cheio de ódio no coração é a condição básica para engolir tudo o que é aberração, como a gordura. E hipocrisia é o que não falta. Por exemplo, naquela família em que o pai tentou matar a mãe envenenada, depois de a ter traído inúmeras vezes. Mas ele é bom pai e bom avô, deu exemplo para todos. Por exemplo, o pai que batia na mulher, até que ela tentou o suicídio, e conseguiu morrer. Por exemplo, o pai que escondia os filhos fora do casamento, com a conivência de alguns parentes. Esses pais, por exemplo, são homenageados por seus filhos, como bons filhos de bons pais. A hipocrisia incha o fígado como margarina.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

O REINO DE DEUS

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O reino de Deus é uma categoria teológica. Um conceito religioso de que Deus tem seu reino. Isto é, diferente dos reinados humanos, é um acontecimento bíblico de suma importância ao homem como ser terreno e obreiro da obra divina. É acontecimento imprescindível para a fé e salvação do homem, consequentemente para a missão da Igreja.

A noção de reino de Deus é intrínseca às Escrituras Sagradas. Os textos dos quatros evangelistas apresentam muitas configurações dele. Jesus o compara a um tesouro escondido, uma pérola preciosa, fermento colocado na farinha, semente lançada na terra, etc. O evangelista Mateus recorda do ensinamento de Jesus aos seus discípulos no alto da montanha: os destinatários do reino são o pobre, despojado, oprimido, manso, misericordioso, aquele que promove a paz, a justiça (Mt 5,1-12). Com isso, para Jesus toda a humanidade é destinatária do reino, seja por situação social, pobreza, exclusão e pelo estado de espírito, desprendidos do mundo material. Fato é que Jesus e sua misericórdia não eliminam nenhum ser humano do reino de Deus. Mas, devido à ganância e à exclusão humana, Deus se posiciona inequivocamente ao lado dos marginalizados.

O posicionamento preferencial de Deus aos pobres tem causado desconforto em cristãos, abandono da vida de Igreja com crítica dirigida aos sacerdotes da Teologia da Libertação. O desconforto e o abandono de alguns cristãos é atitude que precisa ser repensada a partir da revelação de Deus. No decurso da história da salvação, na Antiga Aliança, Deus revela seu amor pelos oprimidos, como os escravos do Egito. Na Nova Aliança Deus manifesta, na cruz de seu filho Jesus, sua infinita misericórdia para salvar toda a humanidade. A má interpretação da predileção de Deus brota da falta de conhecimento da revelação divina. Certamente a vontade de Deus deveria servir de confiança e chamado à humanidade para participar de seu reino. Dessa forma, transformar o mundo em experiência do reino de Deus deve ser o ponto de convergência de cada crente.

Sendo assim, diante da pobreza e da exclusão do ser humano o posicionamento de Deus é mais radical em Jesus de Nazaré. O apóstolo Paulo afirma: “conheceis a graça do nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vós, para que por sua pobreza fôsseis enriquecidos” (2Cor 8,9). Na visão de Deus a pobreza social, material, é uma forma de desprezo pela vida do ser humano. Isto é, aguarda confiança em Deus para a manifestação de sua justiça. No dizer de Jesus os bem-aventurados do reino são as pessoas que convergem para a realização da justiça divina.

Para o teólogo Gustavo Gutiérrez, na pobreza do homem Deus encarna-se na solidariedade com o pobre e oprimido. Melhor dizendo, a predileção de Deus pelos oprimidos do sistema expressa que seu amor é um protesto contra a pobreza. Para a Teologia há uma correlação entre o reino de Deus e a solidariedade aos pobres. Quanto aos mal-entendidos com relação ao amor predileto de Deus, são inadequados nos cristãos já pelo próprio clamor ético de superação desta problemática social e humana. Desta perspectiva teológica, quando os cristãos denunciam problemas como fome, desemprego, alienação, repressão ou mortes prematuras, são juízos éticos e religiosos em vista do reino de Deus. Em suma, a rejeição desses males já é uma aceitação do amor de Deus pela humanidade liberta em sua justiça.

domingo, 13 de agosto de 2017

ELE ME VISITOU.

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João Carlos Resende é médico oncologista e trabalha no Hospital do Câncer de Barretos, um dos maiores da América Latina, que recebe pacientes de várias partes do Brasil. Por isso, a rotina é corrida, com um número elevado de atendimentos diários. Em meio à correria e a dor estampada em seus pacientes, o bondoso médico tirou um tempo para relatar um episódio que ele denominou como ‘um encontro com Deus’.
São dele as emocionante palavras sobre uma humilde e idosa paciente com câncer: ‘Semana cansativa, coração agitado, mente num turbilhão. Deus hoje resolveu me visitar. Ele tinha um corpo franzino, rosto marcado pelo sol, mãos com sutil aspereza de quem trabalhou pesado a vida toda e um cheiro de lavanda misturado com as cinzas de um fogão a lenha. Ele falava de um jeito bonito e simples.

Vestia a melhor roupa que tinha, colorida, bem cuidada, mas respingada da sopa que serviram antes da consulta. Seus olhos fugiam dos meus. Como podia Deus se fazer pequeno assim? Parecia envergonhado, ansioso pela notícia, infelizmente não tão boa. Estava cansado da viagem, da sala de espera lotada e de anos de luta contra o câncer. A doença mudou, progrediu e voltou a judiar. Aquele remédio que tanto nauseava aqueles poucos quilos tão frágeis se faria necessário mais uma vez.

Mas, doutor, não diga isso, falou a humilde senhora. O médico exclamou: Dona Socorro, não fica triste. O doutor aqui tem coração mole e pode chorar. Olhou para mim e pude ver o brilho dos seus olhos querendo dizer: vou chorar em casa, para o senhor não olhar. Fiquei pensando: como pode Deus me visitar assim. Ali acabou meu cansaço. Examinei aquele corpo pequeno.

Pensava comigo o quanto eu queria retirar cada um daqueles tumores e ao mesmo tempo me emocionava porque, com aquela visita, Deus retirava cada um dos meus tumores, não físicos. No final de tudo, depois de eternos poucos minutos de graça, ela olhou para mim e disse: Doutor, o resto pode estar doente, mas meu coração é grande e bom. Então, já emocionado, apenas pedi um abraço e agradeci por tudo aquilo. Ela voltou-se e foi embora. Não tive dúvidas: através daquela humilde senhora, Deus me visitou, me curou e me deu forças para continuar.

O dedicado médico conseguiu ver os traços de Deus naquela humilde e adoentada senhora. Esse é o passo fundamental para quem cultiva a espiritualidade: não procurar um Deus distante, perdido nas nuvens, mas um Deus que se faz visível através de tantos gestos humanos.

Deus é criativo quando deseja ser encontrado. Por outro lado, a agitação diária e a procura pelo extraordinário não permitem que muitos vejam Deus em suas incontáveis manifestações. Todos procuram o rosto de Deus. Ele não está distante. É necessário prestar atenção nos detalhes diários: Deus gosta de surpreender, disfarçado pela simplicidade. Aquele médico deixou que Deus o encontrasse naquela simples mulher. Uma visita inesquecível.

BICHO TAMBÉM É PAI. FELIZ DIA DOS PAIS.

No Brasil, comemora-se o Dia dos Pais no segundo domingo de agosto. A celebração, portanto, aproxima-se. Este ano, ocorre dia 13. Ser pai é uma grande conquista para os homens, mas também para os animais irracionais.
Entre os bichos, o nascimento de um filhote significa a continuação da linhagem genética da família. Sendo assim, os machos cantam, dançam e lutam até a morte para conquistar uma parceira. Porém, após a concepção, nem todos demonstram tanto interesse pelos filhotes. Não é crueldade, são apenas as leis da natureza! Há os que abandonam a família sem qualquer ressentimento, mas também os que assumem verdadeiramente o papel de pais: suprindo as necessidades, protegendo, ensinando. Quem são os melhores pais do reino animal? A seguir, alguns exemplos.

. Pinguim-imperador - entre os animais, nenhum pai passa por condições tão extremas para assegurar a vida do filhote quanto o pinguim-imperador. Os machos permanecem na Antártida durante o inverno praticamente sozinhos, já que os outros animais que habitam o continente gelado no verão partem para terras mais quentes, inclusive as fêmeas do pinguim-imperador. Os machos ficam justamente para proteger a prole. São eles que guardam o ovo concebido pela parceira, em uma bolsa especial, localizada acima dos pés. No inverno antártico, não há comida, nem água. O sol só volta a brilhar depois de quatro meses. Ventos fortes fazem a temperatura cair abaixo dos 70ºC negativos e forçam os pais a se agruparem para suportar a atmosfera congelante.
Quando os primeiros raios de sol surgem no horizonte, os ovos eclodem liberando filhotes famintos. Como um último esforço, os incansáveis pais – que já perderam metade do seu peso – produzem uma secreção proteica, semelhante ao leite, capaz de sustentar o pequeno pinguim pelo menos durante uma semana. Tempo suficiente para as mães voltarem de sua pescaria por águas mais quentes trazendo peixes para o marido e o novo filho. Na chegada, ela regurgita a fim de alimentá-los. A partir daí, pai e mãe começam um revezamento. Enquanto um sai para pescar o outro cuida do filhote, e a família permanece unida até o pequeno ficar independente.

. Ema - o macho possui o seu harém com até 12 fêmeas. E são eles os responsáveis por incubar os ovos de seu grupo. Eles chocam até 60 ovos durante um período de quarenta dias. Quando os filhos nascem, é o pai que os cria, sozinho.

. Saguis - os pais são responsáveis pela maioria dos cuidados de seus filhos recém-nascidos, enquanto suas companheiras se recuperam durante várias semanas após o parto. Os bebês saguis podem pesar até 25% do peso da mãe, tornando o processo de parto difícil e exigente. Portanto, cabe ao pai, alimentar, proteger e cuidar das necessidades dos bebês enquanto as mães se restabelecem.

. Cavalo-marinho - é o macho que fica “grávido”. Ele recebe os óvulos de sua parceira e, após fertilizá-los, os guarda em uma bolsa especial na barriga. O pai carrega os filhotes até que eles estejam totalmente formados e prontos para enfrentar os mares sozinhos.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

O ALCÓLATRA


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É o caso do alcoólatra;Diariamente nos deparamos com pessoas próximas a nós que pelas suas escolhas e ritmo de vida caem num buraco e sofrem. Ou ficam doentes, endividadas, compraram e não podem pagar, são demitidas, vão à falência, montaram um negócio, não avaliaram bem os riscos e quebraram, é o casamento que não deu certo, é o filho que se meteu em drogas, é um negócio mal feito, é um acidente de carro, é a pobreza, uma criança sem condições enfim, cada pessoa tem seus problemas.

As duas atitudes mais comuns são, ou dar um ponta pé para que a pessoa caia mais fundo e sofra mais ainda ou estender a mão para tirá-la do buraco. O que é mais comum? Há alguns casos que um bom chute faz bem. Soube de um pai que já havia salvado seu filho de uma enrascada que ele se meteu, mas na segunda vez, não moveu um dedo e deixou seu filho ficar preso por três semanas por outra enrascada. Valeu a lição. Algumas pessoas só aprendem mesmo e acordam para a vida quando perdem tudo.tra, só procura ajuda quando perder tudo. Enquanto as pessoas estão lhe cuidando e se preocupando, ele segue seu ritmo. É o amor exigente. Mas há uma infinidade de pessoas que estão precisando de uma mão estendida, uma palavra, uma ajuda, uma oportunidade, sobretudo as crianças e os jovens. Um dia desses presenciei uma pessoa gritar e falar mal a uma criança pobre que estava pedindo na sinaleira. Isso gera mais ódio.

Claro que dar coisas nem sempre é educativo, mas não precisamos magoar e machucar mais ainda do já estão. Ninguém cresce só na vida. Alguém lhe ajudou na sua caminhada. É hora de devolver. Pague seu dízimo para a vida. DEVOLVA COM AMOR, UM POUCO DO QUE VOCÊ GANHOU. Temos que desenvolver mais a solidariedade. Acolher, entender, orientar. Tem muita gente dando ponta pé nos outros, mas também tem muita gente estendendo a mão. Quantos exemplos bonitos.

Como é na sua casa e na sua família? E no seu bairro? E no seu local de trabalho? As pessoas estendem a mão ou dão ponta pés? Elogiam mais ou criticam mais? Vamos pensar nisso.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

A FANTASIA

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A fantasia é a matéria-prima da realidade. Tudo que é real, do computador ao jornal no qual você lê este texto, nasceu da fantasia de quem criou o artigo, concebeu o computador e editou a publicação.

A cadeira na qual me sento teve seu desenho concebido previamente na mente de quem a criou. Daí a força da ficção. Ela molda a realidade.

A infância é, por excelência, a idade da fantasia. A puberdade, o choque de realidade. Privar uma criança de sonhos é forçá-la a, precocemente, antecipar seu ingresso na idade adulta. E esse débito exige compensação. O risco é ele ser pago com as drogas, a via química ao universo onírico.

As novas tecnologias tendem a coibir a fantasia em crianças que preferem a companhia do celular à dos amigos. O celular isola; a amizade entrosa. O celular estabelece uma relação monológica com o real; a amizade, dialógica. O risco é a tecnologia, tão rica em atrativos, “roubar” da criança o direito de sonhar.

Agora, sonham por ela o filme, o desenho animado, os joguinhos, as imagens. A criança se torna mera espectadora da fantasia que lhe é oferecida nas redes sociais, sem que ela crie ou interaja.

Na infância, eu escutava histórias contadas por meus pais, de dona Baratinha à Branca de Neve e os sete anões. Eu interferia nos enredos, com liberdade para recriá-los. Isso fez de mim, por toda a vida, um contador de histórias, reais e fictícias.

Hoje, a indústria do entretenimento sonha pelas crianças. Não para diverti-las ou ativar nelas o potencial onírico, e sim para transformá-las em consumistas precoces. Porque toda a programação está ancorada na publicidade voltada ao segmento mais vulnerável do público consumidor.

Embora a criança não disponha de dinheiro, ela tem o poder de seduzir os adultos que compram para agradá-la ou se livrar de tanta insistência. E ela não tem idade para discernir ou valorar os produtos, nem distinguir entre o necessário e o supérfluo.

Fui criança logo após a Segunda Grande Guerra. O cinema e as revistas em quadrinhos, em geral originados nos EUA, exaltavam os feitos bélicos, do faroeste aos combates aéreos. No quintal de casa eu e meus amigos brincávamos de bandido e mocinho. Nossos cavalos eram cabos de vassoura.

Um dia, o Celsinho ganhou do pai um cavalinho de madeira apoiado em uma tábua com quatro rodinhas. Ficamos todos fascinados diante daquela maravilha adquirida em uma loja de brinquedos.

Durou pouco. Dois ou três dias depois voltamos aos nossos cabos de vassoura. Por quê? A resposta agora me parece óbvia: o cabo de vassoura “dialogava” com a nossa imaginação. Assim como o trapo que o bebê não larga nem na hora de dormir.

O direito à fantasia deveria constar da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

CAMINHANDO

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A passos seguros seguia pela insegurança que a vida me apresentava naquele momento e naquele lugar. Sem fazer alarde ia na direção que precisava, achava coerente. Em algumas ocasiões a cabeça baixa e os pés seguros no chão seguiam um leve andar. A bagagem com todas as crenças que construí estavam ali presentes, me ajudando nessa passagem.
Sim, era leve meu andar, mas era áspero o terreno por onde precisava caminhar. Em alguns momentos me perdia, também o foco e a direção, ia na contramão, mas logo achava novamente a curva que me levava ao meu leve andar. Minha bússola eram registros que foram ressignificados no decorrer dos anos e que tinham firmado raízes em mim; os quais precisei com firmeza trabalhar. Eram eles as convivências com pessoas de valor que fizeram parte da minha vida, da minha história ajudando-me a ser quem eu era incluindo todas as buscas em que me embrenhei.
Olhava para mim e via o que precisava construir, reconstruir, mas era leve meu andar, assim como saber por onde deveria pisar.
Ter a coragem de viver é se emocionar, se entregar a uma jornada com o formato que lhe permite ter. Ser de verdade é absorver as coisas boas e as outras também. Negar as adversidades é não me construir inteira. Façamos das adversidades pontes que nos levam mais próximos das verdades. Aprendizados que podem nos ajudar a crescer e nos fortalecer interiormente.
Passar por dentro da vida é senti-la intensamente, saboreando o doce e o amargo de estar ali e de caminhar inteiro pela existência.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

A SUPRESSÃO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA


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“O Supremo Tribunal Federal tem uma dívida para com a democracia brasileira: não impediu, com argumentos jurídicos e com sua autoridade de guardião da Constituição, que fosse politicamente consumado pelo Congresso um golpe contra a presidente eleita Dilma Rousseff", escreve a jornalista Tereza Cruvinel. Com tantos políticos corruptos que compõem o Congresso Nacional, o golpe parlamentar de 2016 podia ser impedido pela alta corte jurídica do país? Fica a pergunta em face à manifestação da jornalista.

A cobrança da jornalista Tereza Cruvinel ao Supremo Tribunal Federal em 30 de maio tem embasamento em manifestações de ministros da suprema corte. A título de referência, na segunda-feira 29 de maio o ministro Luís Roberto Barroso manifestou preocupação “ao admitir que a remoção de Dilma deixasse uma cicatriz na vida política brasileira”. Insatisfeita, a jornalista contrapõe ao ministro: "desculpe o ministro, mas esta é uma explicação errada para uma atitude errada". Já no entendimento de Luís Roberto Barroso, “não cabia ao Supremo Tribunal Federa interferir no processo por acreditar que não devia fazer uma opção política numa sociedade dividida”. Contudo, para a jornalista “a história cobrará do Supremo” por sua decisão de não interferir no processo de cassação da presidente Dilma Rousseff. Seja qual for a verdade, o fato é que o golpe parlamentar foi alicerçado no argumento da falta de apoio político, embora a presidenta fosse eleita pela soberania nacional. Isto é, com mais de 50% do apoio da população.

Na verdade, os prejudicados com a supressão do sistema democrático no país são o povo, os pobres, as classes populares que perderam seus direitos, seguridade social e recursos orçamentários com as reformas do governo. Como se não bastasse a retirada de direitos que levaram dezenas de anos para a conquista, a atual situação de instabilidade política e institucional instalada no Brasil tem se agravado com a divulgação de áudios de gravações de corrupção do presidente e ministros. Toda semana novos fatos jogam mais combustível que elevam a instabilidade política. No dia 17 de junho, em entrevista concedida à revista Época, o empresário Joesley Batista implodiu o governo: “O Brasil é hoje presidido por seu maior e mais perigoso criminoso, chamado Michel Temer. Temer é o chefe da Orcrim da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa turma é muita perigosa”. Acrescenta que a corrupção é orquestrada. “Moreira Franco operava nos aeroportos; Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima atuavam na Caixa Econômica Federal. Michel Temer e Eliseu Padilha conspiravam no Congresso, enquanto Henrique Eduardo Alves recolhia propinas numa das arenas da Copa do Mundo”.

Qualquer que seja a verdade o Brasil precisa passar por uma reformulação do Estado, lutar pela reimplantação da democracia, escrever nova Constituinte, eleger os representantes dos três poderes para que façam valer e cumprir a Constituição. Quem sabe assim seria possível evitar a corrupção endêmica dos partidos políticos e do governo. Mas, devido às revelações da articulação política do golpe parlamentar de 2016, por enquanto a crítica da jornalista tem sentido: “com o golpe dos corruptos contra a presidente honesta, o Brasil passou a ser comandado diretamente pelo crime e milhões de pessoas perderam seus empregos”. Enquanto isso, o Brasil é governado para favorecer os políticos corruptos.