terça-feira, 31 de outubro de 2017

FRANCISCO E MARTINHO

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Neste dia 31 de outubro, data em que se comemoram as muitas reformas religiosas do séc. XVI, me encontro a imaginar uma conversa entre Francisco de Assis e Lutero...

- Bom te ver, aqui, Frei Francisco, o grande fundador da Ordem dos Frades Menores.

- Bom te ver também, Frei Martinho, o grande fundador da Igreja Luterana!

- Pois é, Frei Francisco... Mas a verdade é que eu nunca quis fundar uma igreja. Meu único desejo era ver a única Igreja de Cristo toda ela reformada.

- Coincidência, Frei Martinho! Eu também nunca quis fundar uma Ordem Religiosa. Eu só queria que todos os cristãos, desde os mais simples até o Papa, apenas vivessem o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, pobre, humilde e obediente. Até hoje não me conformo que os frades tenham aceito uma regra, conventos, títulos... Tem até frade que é bispo, cardeal! Acho que falhei em alguma coisa.

- Eu também acho que falhei. Eu só queria que a Igreja voltasse a viver o Evangelho de Jesus Cristo e deixasse de se preocupar com riqueza e poder.

- Pois era isso exatamente o que eu queria: uma Igreja pobre e que estivesse junto dos pobres.

- Meu problema acho que foram os príncipes alemães que se aproveitaram da insatisfação religiosa e a direcionaram para seus interesses políticos. E eu, ingenuamente, crendo que eles tivessem boa vontade, me deixei levar por sua proteção e seus benesses. Erro meu!

- Eu resisti até o fim. Renunciei à liderança da fraternidade fugi para as montanhas, fiz jejum, muita oração, meu corpo ficou todo dilacerado, escrevi para os frades um Testamento dizendo quais eram meus desejos e intenções... mas não adiantou! O canto de sereia das benesses eclesiásticas foi mais forte e o movimento foi domesticado. Por sorte teve Clara de Assis, minha companheira desde a juventude, que se manteve até o fim, até fazendo greve de fome. E depois vieram os frades que se chamavam de espirituais, pois diziam que o único superior da Ordem é o Espírito Santo e que os frades não podem ter nenhuma propriedade. Mas foram expulsos da Igreja como hereges...

- Pois, ouviste, Frei Francisco, falar desse Papa que aí está, que aliás, leva o teu nome, o Papa Francisco?

- Sim, e parece que ele também está tendo problemas com a Igreja..

- Mas ele não é o Papa?

-É, sim. Só que é um Papa meio estranho. Ele quer uma Igreja pobre e com os pobres. E muita gente na Igreja, principalmente alguns cardeais, bispos, padres, não estão a fim de deixar seu poder e sua riqueza para servir aos mais fracos e humildes...

- Bah! Se o Papa do meu tempo fosse assim, eu não teria pregado as 95 teses na Igreja de Wittenburg. Teria feito uma aliança com ele e teríamos mudado a Igreja.

- Será que ele vai conseguir mudar a Igreja?

- Eu só espero que os seus seguidores não sejam obrigados a fundar outra Igreja. Já chega de divisões na Igreja de Cristo.

- E eu espero que ele não seja obrigado a fundar mais uma Ordem Religiosa. Já tem demais...

- Prazer te ver, Frei Francisco.

- Prazer foi meu, Frei Martinho. Quer vir jantar lá em casa?

- Com certeza. Mas antes da janta, vais ter que me deixar fazer um sermão sobre a Carta aos Romanos.

- Sem problema! Desde que tu me deixes eu te lavar os pés antes da leitura.

- De acordo. Até logo...

domingo, 29 de outubro de 2017

NUTRIÇÃO E COMENSALIDADE

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Há alguns ditos, fatos e temas que, pela carga simbólica neles conectados, viralizam e tomam conta do debate público, para o bem ou para o mal. Nem tudo o que viraliza, isto é, se espalha rapidamente, é merecedor de análise e de alguma reflexão mais apurada. Fofoca também viraliza e nem por isso merece atenção acadêmica. Contudo, a polêmica que tomou conta das redes sociais em torno da Farinata, um composto alimentar que reaproveita alimentos em fase de vencimento de validade, merece a nossa atenção, não pelo poder de nutrição ou não da ração humana, como alguns pejorativamente definiram, mas pelo poder simbólico que a compõe. O poder do símbolo está em sintetizar e simplificar realidades complexas. Nesse aspecto a Farinata é o que há de mais simbólico.

Em primeiro lugar é símbolo da lógica capitalista. Você sabia que o que move os empresários a colaborar no projeto da prefeitura de São Paulo nem é tanto pelo benefício que isso pode eventualmente trazer para a nutrição das crianças e pobres assistidos pela rede municipal, mas a vantagem que eles podem tirar do processo todo? Sim, o custo das empresas para descartar alimentos prestes a vencer é muito alto e o projeto lhe beneficiam sobremaneira. E não só isso, a prefeitura tem sinalizado para a isenção fiscal das empresas que colaborarem no projeto. Não imaginem vocês que os empresários viraram humanistas da noite para o dia...! Eles são solidários por egoísmo. Seguem a lógica da filósofa americana Ayn Rand que diz que há uma virtude no egoísmo, na medida em que ao estimular o egoísmo de alguns, o resultado é bom para todos.

Isso é grave, mas não é o mais grave. O mais grave vem da fala conjugada do prefeito da cidade, Dória, e do cardeal Dom Odilo Scherer. A síntese é: “Pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome”!

Para um desavisado essa é apenas mais uma frase de efeito e de marketing. Mas é mais que isso. Ela é, antes de tudo, a síntese mais acabada da mentalidade elitista e pós-humana que tem tomado conta do país. As elites têm flertado com a volta da escravidão, com a exclusão da mulher, com a degradação da natureza e com o sofrimento e morte sistemática dos animais e com o total descaso para com os pobres. Tudo está conectado, diz o Papa Francisco. E esse é um caso de conexão profunda. Dizer que pobre não tem e não se importa com hábitos alimentares, com boa alimentação, com confraternização, com comensalidade, mas só quer comer, como sinônimo de nutrição, é reduzir uma pessoa a uma árvore.

Comer não é sinônimo de nutrição, como a fala dos ilustres parece pretender dizer. A nutrição é um ato biológico. As árvores também se nutrem! Comer é um ato humano e espiritual. O que faz do comer um ato espiritual e humanizador, entre outras coisas, é a comensalidade. A comensalidade, comer juntos, comporta ritos! Ao redor da mesa nos reunimos na paz e alimentamos também a alma! A “ração humana” é uma afronta a pessoalidade e humanidade dos pobres que merecem projetos de libertação da condição de pobreza e não a sua perpetuação, para serem objeto de assistencialismo egoísta e pacificador das consciências, através de “bolotas” nutritivas. Os pobres merecem mesa, pratos, talheres, comida diversificada e saudável para alimentar o corpo, pacificar a alma e liberar os sonhos de uma sociedade justa, fraterna e solidária.

Qualquer projeto que não tenha isso como horizonte, não pode merecer apoio de quem segue Jesus, que deseja vida em abundância para todos e não migalhas humilhantes.

sábado, 28 de outubro de 2017

A TERRA ADOECE E NÓS TAMBÉM

      
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De uma ou de outra forma, todos nos sentimos doentes física, psíquica e espiritualmente. Há muito sofrimento, desamparo, tristeza e decepção que afetam grande parte da humanidade. Já o dissemos: da recessão econômica passamos à depressão psicológica. A causa principal deriva da intrínseca relação existente entre o ser humano e a Terra viva. Entre ambos vigora um envolvimento recíproco.

Nossa presença na Terra é agressiva, movemos uma guerra total à Gaia, atacando-a em todas as frentes. A consequência direta é que a Terra fica doente. Ela o mostra pela febre (aquecimento global), que não é uma doença, mas aponta para uma doença: sua incapacidade de continuar nos oferecer tudo o que precisamos. A partir de 2 de setembro de 2017 ocorreu a Sobrecarga da Terra, vale dizer, as reservas da Terra chegaram ao fundo do poço. Entramos no vermelho. Para termos o necessário e, pior, para manternos o consumo suntuário e o desperdício dos países ricos, devemos arrancar à força os bens e serviços naturais para atender as demandas. Até quando a Terra aguenta? A consequência será que teremos menos água, menos nutrientes, menos safras e os demais itens indispensáveis para a vida.

Nós, que consoante a nova cosmologia, formamos uma grande unidade, uma verdadeira entidade única com a Terra, participamos da doença da Terra. Pela agressão aos ecossistemas e pelo consumismo, pela falta de cuidado da vida e da biodiversidade adoecemos a Terra.

Isaac Asimov, cientista russo, famoso por seus livros de divulgação científica, escreveu um artigo a pedido da revista New York Times, (do dia 9 de outubro de 1982) por ocasião da celebração dos 25 anos do lançamento do Sputinik que inaugurou a era espacial, sobre o legado deste quarto de século espacial. O primeiro legado, disse ele, é a percepção de que, na perspectiva das naves espaciais, a Terra e a humanidade formam uma única entidade, vale dizer, um único ser, complexo, diverso, contraditório e dotado de grande dinamismo, chamado pelo conhecido cientista James Lovelock, de Gaia. Somos aquela porção da Terra que sente, pensa,ama e cuida.

O segundo legado, consoante Asimov, é a irrupção da consciência planetária: Terra e Humanidade possuem um destino comum. O que se passa num, se passa também no outro. Adoece a Terra, adoece juntamente o ser humano; adoece o ser humano, adoece também a Terra. Estamos unidos pelo bem e pelo mal.

Mas também ocorre o inverso: sempre que nos mostramos mais saudáveis, cuidando melhor de tudo, recuperando a vitalidade dos ecossistemas, melhorando nossos alimentos orgânicos, despoluindo o ar, preservando as águas e as florestas é sinal que nós estamos revitalizando a nossa Casa Comum.

Segundo Ilya Prigogine, cientista russo-belga, prêmio Nobel em química (1977), a Terra viva desenvolveu esturutras dissipativas, isto é, estruturas que dissipam a entropia (perda de energia). Elas metabolizam a desordem e o caos (dejetos) do meio ambiente de sorte que surgem novas ordens e estruturas complexas que se auto-organizam, fugindo à entropia e positivamente, produzindo sintropia (acumalação de energia: Order out of Chaos, 1984).

Assim, por exemplo, os fótons do sol são para ele, inúteis, energia que escapa ao queimar hidrogênio do qual vive. Esses fótons que são desordem (rejeito), servem de alimento para a Terra, principalmente para as plantas quando estas processam a fotosíntese. Pela fotosíntese, as plantas, sob a luz solar, decompõem o dióxido de carbono, alimento para elas e liberam o oxigênio, necessário para a vida animal e humana.

O que é desordem para um serve de ordem para outro. É através de um equilíbrio precário entre ordem e desordem (caos: Dupuy, Ordres et Désordres, 1982) que a vida se mantem (Ehrlich, O mecanismo da natureza, 1993). A desordem obriga a criar novas formas de ordem, mais altas e complexas com menos dissipação de energia. A partir desta lógica, o universo caminha para formas cada vez mais complexas de vida e assim para uma redução da entropia (desgaste de energia).

A nível humano e espiritual, se originam formas de relação e de vida nas quais predomina a sintropia (economia de energia) sobre a entropia (desgaste de energia). A solidariedade, o amor, o pensamento, a comunicação são energias fortíssimas com escasso nível de entropia e alto nível de sintropia. Nesta perspectiva temos pela frente não a morte térmica, mas a transfiguração do processo cosmogênico se revelando em ordens supremamente ordenadas, criativas e vitais.

Quanto mais nossas relações para com a natureza forem amigáveis e entre nós, cooperativas, mais a Terra se vitaliza. A Terra saudável nos faz também saudáveis.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

PARAÍSOS FISCAIS


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Paraísos fiscais são redutos legais para abrigar fortunas ilícitas. Neles o crime fica imune e impune.

Os EUA perdem, a cada ano, mais de US$ 100 bilhões em receita tributária, devido a depósitos bancários offshore não declarados, ou seja, sonegação e evasão fiscais por empresas transnacionais.

A Noruega, com 5 milhões de habitantes, estima que seus contribuintes possuem mais de US$ 35 bilhões em depósitos não declarados em paraísos fiscais.

Sigilo e evasão fiscal offshore são generalizados e enraizados no sistema financeiro mundial. Exemplos são os bancos suíços UBS e Wegelin. Em 2009, o UBS pagou multa de US$ 780 milhões por fraudar a Receita Federal dos EUA. O UBS enviou funcionários àquele país para convencerem contribuintes a abrirem contas bancárias secretas, ciente de que os ajudavam a cometer sonegação fiscal.

Em 2013, o banco Wegelin admitiu sua culpa ao ser acusado, em Nova York, de ajudar ricos clientes a sonegar impostos e esconder mais de US$ 1,2 bilhão em contas secretas. O banco fez campanha para que clientes que deixavam o UBS transferissem suas contas secretas para o Wegelin, onde continuariam a ser sigilosas e livres de tributos. O Wegelin pagou US$ 74 milhões em multas, reembolsos e por fundos perdidos, o que resultou no fechamento do banco.

A legislação de paraísos fiscais proíbe empresas controladas por estrangeiros de ter atividades produtivas no próprio paraíso fiscal. Assim, os investidores usam empresas fantasmas (shell companies) como veículos para transações comerciais. Essas empresas não têm nenhum ativo ou operações; são apenas uma personalidade jurídica, daí o termo empresa fantasma. Sem identificação de seus proprietários, se adequam perfeitamente a atividades criminosas.

Nas Ilhas Virgens Britânicas havia 830 mil empresas em 2012. A população local é de, aproximadamente, 31 mil habitantes.

Sigilos bancários e corporativos oferecidos pelos paraísos fiscais facilitam atividades criminosas de ditadores e políticos em geral.

Mobutu Sese Seko exerceu o poder na República Democrática do Congo (ex-Zaire) de 1965 a 1997. Sua posição política facilitava que roubasse da sociedade, e paraísos fiscais permitiam que escondesse o roubo. As consequências foram devastadoras: a receita per capita da população, em 1992, foi metade do que era na sua independência, em 1960.

Sani Abacha governou a Nigéria entre 1993 e 1998. Desviou de US$ 3 a 5 bilhões das reservas monetárias do país, escondendo o dinheiro em Jersey, Liechtenstein, Suíça e Reino Unido. Com a ajuda do advogado britânico Tim Daniels, a Nigéria conseguiu repatriar quase US$ 3 bilhões.

O presidente do Paquistão, Asif Ali Zardari, anteriormente casado com Benazir Bhutto, foi processado e condenado por corrupção no Paquistão, na Suíça e na Ilha de Man.

Tim Daniels lista 14 casos de presidentes e políticos que roubaram dinheiro de seus países. Os crimes foram facilitados pelo uso de paraísos fiscais.

E no Brasil... Ora, como diz Ancelmo Gois, deixa pra lá

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

QUEM VAI INDICAR O JUIZ?


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É muito difícil ganhar uma partida de futebol quando o juiz joga com o time adversário. Todos sabem disso. Tanto na várzea como no futebol profissional. Nos meus velhos tempos de atleta varzeano, o grande dilema, quando acertávamos um jogo com algum time de uma comunidade da vizinhança, era saber se o juiz ia ser “nosso” ou “deles”. Como os acertos normalmente eram de dois jogos, um em cada localidade, a praxe era que o time visitante indicasse o juiz. Assim se buscava um equilíbrio entre o fator local e o fator juiz. E isso era ainda mais grave porque, no futebol varzeano, não havia bandeirinhas. Todas as decisões eram tomadas monocraticamente pelo todo poderoso árbitro.

Dispensável é dizer que, assim como os jogadores, o árbitro também era amador. Apitava a partir da experiência e do que ouvia no rádio e via na televisão que, naquele tempo, começava a aparecer no interior. Os erros eram muitos. Todos sabiam disso, mas como gostavam de futebol e, sem juiz, não havia jogo, todos toleravam condescendentemente os erros que, involuntariamente o árbitro cometia.

A coisa só enfeiava quando o encarregado do apito começava a tomar decisões com o claro intuito de favorecer o time de sua localidade. Aí havia três opções. A primeira, substituir o juiz. A segunda, mais radical, era a do time que se sentia prejudicado retirar-se do campo e, assim, encerrar o jogo. A terceira, rara, mas possível, era a de partir para a violência física que podia voltar-se contra o juiz ou contra o time adversário quando esse dava cobertura aos erros do juiz.

Lembro disso neste momento conturbado do país em que os juízes encarregados de arbitrar os diferendos sociais jogam sistematicamente a favor de um dos lados do conflito social. Enquanto absolvem sistematicamente todas as faltas cometidas pelos principais jogadores de um time, classificam como faltosas qualquer atitude dos representantes do outro time, mesmo aquelas que nunca foram cometidas.

Como no futebol de várzea em que nos divertíamos nos domingos à tarde, para que a paz volte e o “jogo Brasil” possa continuar, o ideal seria substituir os juízes partidários. Mas como o time por eles favorecido dificilmente acatará essa possibilidade, restam as outras duas. A segunda, de o time que se sente prejudicado deixar o Brasil, me parece inviável. Como e para onde iriam os 97% de brasileiros e brasileiras prejudicadas pela parcialidade arbitral? Nem duas Argentinas seriam suficientes para acolher a todos! E lá, pelo que se sabe, as coisas não são muito diferentes. Do outro lado do Rio da Prata, a parcialidade dos juízes parece ser ainda maior que a do Brasil.

Meu temor, então, é que só reste a terceira alternativa: que os que se sentem prejudicados se voltem contra os juízes iníquos e contra aqueles que sustentam suas decisões que desequilibra o jogo. Com isso, existe a possibilidade de que o jogo acabe para todos, e da forma mais lamentável possível. É o que temo neste momento.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO

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A primeira vez em que li menção sobre as Mães da Praça de Maio foi em livro de Rosiska Darcy de Oliveira. A partir daí não mais deixei de revisitar suas raízes. Essas mulheres me conquistaram para sempre.

As Mães da Praça de Maio são uma notável organização de mulheres argentinas, ativistas dos direitos humanos há mais de quatro décadas. Seus filhos foram sequestrados e quase todos assassinados pelos militares argentinos durante a “guerra suja” contra os movimentos de esquerda, de 1976 a 1983. O atual governo da Argentina reconhece que aproximadamente 9 mil esquerdistas e líderes trabalhistas morreram nas mãos dos militares durante a ditadura. Porém, as Mães da Praça de Maio e outros defensores dos direitos humanos acreditam que o número de mortos aproxima-se de 30 mil. Essas vítimas “desapareceram” sem deixar rastro.

O objetivo da ditadura era esmagar a esquerda argentina e implementar a mesma política neoliberal imposta pelo regime do presidente Pinochet no Chile, pelos sucessivos governos militares do Brasil a partir de 1964 e por numerosos outros regimes de opressão na América Latina. O governo argentino cortou drasticamente os salários, declarou ilegais contratos sindicais então vigentes, conseguiu a demissão de milhares de ativistas sindicais e promoveu a privatização de boa parte da economia.

Conscientes de tudo o que estava acontecendo, as Mães da Praça de Maio deram início a uma corajosa campanha para exigir que o governo argentino desse conta do paradeiro de seus filhos desaparecidos. À medida que a consciência política crescia, elas tornaram-se inimigas implacáveis dos responsáveis por aquela guerra suja. E no processo de oposição à agenda neoliberal, essas mães começaram a se ver como herdeiras dos ideais de seus filhos, dispostas a levar adiante a luta deles.

As mães da Praça de Maio não têm ilusões. Sabem que seus filhos, a maioria, foram sequestrados, torturados e assassinados pela ditadura militar na Argentina. No entanto, elas permanecem firmes, recusando as ofertas do governo de reparação ou indenização pelas mortes de seus filhos. Elas insistem em declarar que não aceitarão formalmente a morte de seus filhos enquanto não for apresentada documentação sobre o que aconteceu com eles. É a única esperança de que a justiça seja feita pelo que aconteceu durante a ditadura.

Elas eram apenas um grupo de mulheres, mães e avós, que, em Buenos Aires, durante os sangrentos anos da ditadura militar, defenderam a causa de seus filhos que haviam “desaparecido” no abismo da tortura e da morte. Brandindo diante da ditadura o direito violado da maternidade, elas criaram uma força política com repercussões. Foi, talvez, o mais eloquente clamor contra aqueles terríveis anos na Argentina. Movidas por razões que eram aparentemente estritamente “privadas”, elas emergiram politicamente com novas metas e desafios, nascidos da dor inconsolável da perda de seus filhos.

As loucas têm sua “razão”. E esta não é tão fora de propósito, uma vez que o próprio Papa Francisco, argentino, a reconhece. Na data em que se celebra o Dia das Mães na Argentina, um grupo delas foi a Roma. Seu intento era realizar uma manifestação na Praça de São Pedro em comemoração à data e aos 40 anos do movimento. O desejo delas era realizar uma marcha, mas não foi possível porque naquele dia havia uma canonização acontecendo naquele mesmo lugar.

Porém, o papa Francisco não se esqueceu delas. Mandou um sacerdote buscá-las, colocá-las na primeira fila, e cumprimentou uma por uma. Assim, mesmo sabendo as posições controvertidas que existem na Argentina em relação às Mães da Praça de Maio, o Papa reconheceu e apoiou a “razão” dessas mulheres, que sofrem até hoje pela ausência nunca preenchida de seus filhos.

O olhar de pastor do Papa reconheceu que esses corpos femininos, consagrados pelo milagre da vida, tornaram público o vazio e a ausência deixada por seus filhos desaparecidos, e então tornaram-se instrumentos de redenção para todos que sofreram sob aquela cruel opressão.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

GESTOS QUE ENGRANDECEM

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A surpreendente história começou em 1951, quando o australiano James Harrison, aos 14 anos, foi submetido a uma cirurgia para extrair um pulmão. ‘Recebi 13 bolsas de sangue e a minha vida foi salva graças à ajuda de desconhecidos. Então, eu disse para mim mesmo que, quando fosse o suficientemente grande, iria me tornar um doador de sangue.’ Hoje James está com 80 anos. À primeira vista, ele é um homem simples, que brinca com seus netos, sai para passear e coleciona selos postais. Porém, carrega consigo um grande tesouro: seu sangue salvou a vida de mais de 2 milhões de bebês australianos.

Desde os 18 anos segue uma rotina: doa seu sangue, que contém anticorpos raros que podem evitar abortos espontâneos ou graves lesões cerebrais ao bebê. A fim de prevenir a doença hemolítica do recém-nascido, as mães recebiam o anticorpo anti-D, extraído do sangue de James, que ficou conhecido como o ‘homem do braço de ouro.’ Em 2011, ele doou sangue pela milésima vez. Assim, seu nome foi incluído no Guiness Book, o livro dos recordes. O propósito que brotou do seu coração quando ainda era adolescente, salvou muitas vidas. Ele precisou de sangue e, depois, tornou-se um exemplar doador.

Não são poucas as famílias que, num determinado momento, correm de um lado para outro em busca de doadores de sangue. Doar um pedaço de pão é um gesto maravilhoso, estender a mão a quem necessita de uma ajuda, é uma oportunidade ímpar de exercitar a caridade. Porém, doar do próprio sangue é simplesmente extraordinário. Não é um gesto apenas humano, é algo divino. Feliz de quem se dedica à doação de sangue. É uma maneira inteligente e plena de amor para com aqueles que estão no leito de um hospital. O nome de James Harrison foi escrito no livro dos recordes, por ter realizado mil doações de seu raríssimo sangue. Mas existe outro registro que contempla todos os doadores de sangue: os nomes estão escritos no céu. Pois, doar o próprio sangue é digno de recompensa divina.

TOLERAR...

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Tolerância não significa aceitar passivamente violência, homofobia e racismo. Frente a tais atitudes temos o dever ético de ser intolerantes. A tolerância se situa na esfera das ideias e opiniões.

Na democracia, cada um tem o direito de ter as suas próprias convicções, ainda que se contraponham às minhas. Não devo por isso ofendê-lo, desmerecê-lo, humilhá-lo. Mas devo tentar impedi-lo de ir além de suas convicções predatórias à violação da dignidade por atitudes como o racismo.

A tolerância é filha da democracia. Na sociedade autocrática predomina a versão do poder e é crime se contrapor ou discordar dela.

A modernidade se funda na diversidade. Contudo, o coração humano não tem idade. Em todos os lugares e épocas ele comporta o solidário, o altruísta, o generoso, e também o ditador, o fundamentalista, o fanático que se julga dono da verdade.

Na medicina, intolerância é de quem sofre de alergia a camarão ou gergelim e considera insuportáveis tais alimentos. O que não se pode é transferir esse tipo de reação às ideias contrárias às minhas. Ainda que me escandalizem, não devo combatê-las com as armas de ódio e violência. Devo recorrer à razão, ao bom senso, me empenhando para que o marco legal da sociedade impeça que os intolerantes passem das ideias aos fatos, como considerar a homossexualidade uma doença e prescrever a “cura gay”.

Dizia Gandhi que “tolerar não significa aceitar o que se tolera.” Tolerar vem do latim “tollere”, e significa carregar, suportar. “Tolerantia”, na cultura romana, equivalia à resistência, qualidade de quem suporta dignamente dificuldades e pressões.

Tolerar não implica conceder a outro um direito. Direito não se tolera; pratica-se com plena liberdade. Em 1789, quando os deputados franceses debatiam na Assembleia Constituinte o artigo 10 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que se refere à liberdade religiosa, a maioria católica propôs que aos protestantes fosse tolerado terem seus próprios templos e praticarem o seu culto.

Saint-Étienne, deputado protestante, discordou. Disse que tolerância era “uma palavra injusta, que nos representa apenas como cidadãos dignos de piedade, como culpados que são perdoados.” E exigiu liberdade de culto.

Uma liberdade não tem o direito de pretender coibir a outra. Na Alemanha, os nazistas têm o direito de se organizar em partido político e ocupar cadeiras no Congresso. Mas não de querer restringir os direitos de judeus e imigrantes.

O exercício dos direitos não depende apenas da letra da lei. Todos temos liberdade de expressão, mas em uma sociedade economicamente desigual aqueles que possuem mais recursos têm mais condições de se expressar do que a população carente. Portanto, só há plena liberdade quando há também equidade.

Não existem religiões fanáticas ou intolerantes. Há, sim, indivíduos e grupos que encarnam tais atitudes.

O sofrimento pode nos tornar tolerantes ou intolerantes. No século III a.C., o imperador Ashoka governava o que é hoje Índia, Paquistão e grande parte do Afeganistão. Cruel, assassinava seus rivais. Conta-se que, após uma batalha, viu o rio encharcado de sangue e decidiu não mais provocar tanto sofrimento e morte.

Ashoka dedicou-se, então, a promover a paz entre religiões e pessoas com diferentes opiniões. Em colunas de pedra deixou gravados seus conselhos, como “aquele que defende a sua própria religião e, devido a um zelo excessivo, condena as outras pensando ‘tenho o direito de glorificar a minha própria religião’, apenas prejudica a sua, pois deve escutar e respeitar as doutrinas professadas pelos outros.”

Exemplo de tolerância é Jesus. Acolheu o centurião romano, adepto da religião pagã (Mateus 8, 5-13), e a mulher fenícia, que cultuava deuses repudiados pelos judeus (Mateus 15, 22-25). Não disse uma palavra moralista à samaritana que tivera cinco maridos e vivia com o sexto (João 4, 7-26). Impediu que os fariseus apedrejassem a mulher adúltera (João 8, 1-11). Permitiu que a mulher pecadora lhe perfumasse os pés e os enxugasse com os cabelos (Lucas 7, 36-50). Diante do teólogo judeu, acentuou o gesto solidário do samaritano como exemplo do que Deus espera de nós (Lucas 10, 25-36).

O sábio tolera; o arrogante julga; o injusto condena.

sábado, 21 de outubro de 2017

O JARDIM DE CADA UM

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Marx disse que o homem faz a história, mas não a faz do jeito que quer, porque não depende somente do querer, da consciência, do elemento subjetivo, depende também de forças materiais ou das condições objetivas de possibilidade. O tempo histórico, por sua vez, também é de dupla dimensão: Cronos e Kairós. O Cronos é cruel devorador de vivos e dos sonhos dos viventes. Kairós é o tempo da graça, da oportunidade, do que está prenhe e em condições de nascimento e, como um cavalo encilhado, na linguagem gaúcha, não passa a todo instante. Quando passa, ou se aproveita ou pode se perder a vez.

O tempo cronológico que marca dois mil e dezessete, no Brasil, tem sido um tempo, no mínimo, propício para ser pensado, já que para ser vivido está um tanto quanto, digamos, difícil. O que parecia superado, de repente, retorna, cínica e tragicamente, com ar de moralização: confunde-se representação com o representado, nas artes, não fazendo distinção entre o signo e a coisa, como se ao dizer a palavra “cachorro” a palavra saísse latindo ou mordendo...Ou como se, ao olhar para a Guernica, o espectador atribuísse a Picasso a intenção favorável a guerra, já que ele a representa. Não há o que se fazer contra a invencível ignorância, a não ser dizer, com Adorno, que a “inteligência é uma categoria moral”, logo, o ignorante é culpado da própria ignorância.

O que de mais trágico e cínico se apresenta, contudo, não vem das artes, mas de um certo glamour no politicamente incorreto que quer passar por “moderninho” o direito não só de fazer piada contra negro, gay e pobre, mas também lhe tirar direitos e violentar tudo o que anda à margem do padrão “normal” do liberal burguês conservador.

A ideia de que o “hoje” é melhor do que o “ontem” e pior do que o “amanhã”, típico do ideário iluminista do século XVII e XIX, que via na razão uma esperança iluminadora para o progresso moral da humanidade, está se retirando lentamente, ou nem tão lentamente assim, deixando rastros de obscurantismos e de nítido retorno à caverna, na metáfora platônica, que deveria deixar em estado de alerta os intelectuais, ou os que, minimamente, se preocupam com a defesa de direitos civilizacionais que nos trouxeram até aqui.

A esperança, contudo, é a última que morre, como aprendemos na história da Caixa de Pandora. Na retirada da tampa da caixa, todos os males se espalham, mas a esperança permanece intacta na caixa. Senão a esperança, pelo menos a expectativa de que algo aconteça para reverter o atual estado da questão. Se perdermos a esperança, o que sobrará?

Por enquanto, parece que o Kairós tem se retirado e, esperasse, esteja esperando a hora de, quando menos esperamos, ele se apresente como favorável para um novo começo, uma nova aurora na crença no futuro. Até lá, não deixemos de cuidar do próprio jardim. É isso, não deixemos de cuidar do próprio jardim, pois se a esperança nos faltar, que não nos falte o amor. O amor e a beleza, que não nos falte! É o amor e a beleza que pode nos suspender do chão da banalidade do mal e da feiura cotidiana.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

RAÇÃO PARA POBRE.


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Ainda temos muito a falar sobre a ração que o prefeito de São Paulo, João Dória, prometeu fornecer aos pobres para erradicar a fome na cidade, com possibilidade de extensão do fornecimento para todo o território nacional. Não apenas pela falta de sensibilidade de quem elaborou o projeto e teve a coragem de apresentá-lo a sociedade, mas também pela quantidade de pessoas que apoia tamanho vilipêndio a dignidade humana. Entre elas, alguns líderes religiosos.

Assisti ao vídeo de lançamento da campanha, no qual Dória classifica a ração como um "alimento abençoado", e confesso que o que mais me chocou, foi constatar a presença de padres, freiras e até de um grande líder do espiritismo cristão, dando apoio ao projeto. Qualquer estupidez que venha a sair da mente de Dória ou da direita, não me surpreende, mas saber que pessoas - que se propuseram a ter uma vida religiosa cristã, e que por isso, deveriam ter um compromisso maior com a dignidade humana - apoiam esse tipo de coisa, me entristece.

Fazendo um comparativo entre as ideias e preocupações dos governos da direita justa, meritocrática e moralista, com os governos da esquerda maligna, delinquente e assistencialista, no sentido de erradicar a fome ou de pelo menos não permitir que ela aumente, percebemos uma diferença brutal na percepção social do problema. O governo Alckimin está envolvido em um escândalo, que configura um desvio de mais de 2 milhões de reais, na verba destinada a merenda escolar das crianças de São Paulo. Ou seja, alguém que ganhou votos para fazer algo pelos menos favorecidos, está roubando o dinheiro que deveria alimentar os mesmos. Mas ninguém foi preso.

Por outro lado, o ex governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, foi preso, acusado de comprar votos, dando comida aos mais pobres. O que não foi provado. Logo, ele teve que ser solto. Vale lembrar que o mesmo Garotinho, trouxe para o estado, um projeto chamado "Restaurante Popular", que mesmo não tendo sido uma ideia original sua, a adoção foi uma tremenda bola dentro no seu governo. As refeições eram servidas ao preço módico de 1 real. Os Governos seguintes acabaram com o projeto, que agora retornou sob a benção do bispo e prefeito nas horas vagas, Marcelo Crivella, muito mais por conta da presença da atuante e engajada deputada federal licenciada, Clarissa Garotinho, filha de Garotinho e hoje secretária de administração no governo do sobrinho de Edir Macedo. Duvido que tal ideia tivesse partido do prefeito fantasma. Até porque, o senhor Crivella ainda não repassou para as creches do município, os 13 milhões de reais que seriam destinados as escolas de samba e que ele vetou, justificando que as crianças eram mais importantes. E são mesmo. E também acho que as escolas de samba não devem receber dinheiro público. Mas cadê o dinheiro? Será que está guardado em alguma arca no templo de salomão?

Então você apoia quem beneficia os mais pobres em troca de votos? Não necessariamente. Mas analisemos friamente a questão. Entre votar em alguém, que além de não fazer nada a seu favor, ainda vai roubar o pouco que você tem, não seria mais inteligente - ou até mesmo por uma questão de legítima defesa - votar em alguém que fará algo por você ou lhe prejudicará menos? Entre um candidato que promete lhe servir ração e outro que lhe oferece uma refeição digna por 1 real, em quem você votaria? Sabendo que ambos irão se beneficiar de alguma coisa - por menor que seja - quando eleitos. Isso é fato. E não importa se o candidato é de direita, esquerda, centro ou do cateto oposto a hipotenusa. Não sejamos hipócritas.

O Bolsa família de Lula gerou revolta em boa parte da elite, a mesma que prefere que o pobre coma os restos oferecidos por Dória, a ter um pouco mais de dignidade. O mantra: "Não pago imposto para sustentar vagabundo", foi e ainda é muito entoado, por uma turma que vê o dinheiro dos seus impostos sendo armazenados em malas secretas, investidos em jóias e barras de ouro e sendo usado para comprar deputados e senadores, para que esses garantam a governabilidade - pasmem - de um presidente que desde que aplicou o golpe, faz de tudo para ferrar ainda mais a vida do povo brasileiro. E tem conseguido com louvor.

O prefeito de São Paulo ainda não oficializou a distribuição da "Dória Chow", mas devemos lembrar que a sua administração já sugeriu como contenção de gastos, que se "marcasse" as crianças com tinta de caneta, para que as mesmas não repetissem a merenda na escola. Isso tudo porque a verba destinada a merenda não sai do bolso do estado. Até porque, o estado não gera renda. O dinheiro é nosso, dos nossos impostos, tributos e afins e deveria ser usado como nós quiséssemos e de acordo com as nossas necessidades mais urgentes. Mas isso é utopia. Esquece!

Oferecer ração para os mais pobres, é uma verdadeira cachorrada (com todo respeito e o meu pedido de perdão aos caninos pela comparação), que nos faz deduzir que a ração proposta, se alinha mais com as necessidades alimentares dos cães fascistas que andam ladrando por aí. Segundo Dória, o mesmo composto alimentar possui vários sabores e é consumido por Astronautas em viagens espaciais. Estaria ele planejando enviar os pobres para lua? Para o espaço ele já os mandou há muito tempo.

Oremos!