sábado, 21 de outubro de 2017

O JARDIM DE CADA UM

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Marx disse que o homem faz a história, mas não a faz do jeito que quer, porque não depende somente do querer, da consciência, do elemento subjetivo, depende também de forças materiais ou das condições objetivas de possibilidade. O tempo histórico, por sua vez, também é de dupla dimensão: Cronos e Kairós. O Cronos é cruel devorador de vivos e dos sonhos dos viventes. Kairós é o tempo da graça, da oportunidade, do que está prenhe e em condições de nascimento e, como um cavalo encilhado, na linguagem gaúcha, não passa a todo instante. Quando passa, ou se aproveita ou pode se perder a vez.

O tempo cronológico que marca dois mil e dezessete, no Brasil, tem sido um tempo, no mínimo, propício para ser pensado, já que para ser vivido está um tanto quanto, digamos, difícil. O que parecia superado, de repente, retorna, cínica e tragicamente, com ar de moralização: confunde-se representação com o representado, nas artes, não fazendo distinção entre o signo e a coisa, como se ao dizer a palavra “cachorro” a palavra saísse latindo ou mordendo...Ou como se, ao olhar para a Guernica, o espectador atribuísse a Picasso a intenção favorável a guerra, já que ele a representa. Não há o que se fazer contra a invencível ignorância, a não ser dizer, com Adorno, que a “inteligência é uma categoria moral”, logo, o ignorante é culpado da própria ignorância.

O que de mais trágico e cínico se apresenta, contudo, não vem das artes, mas de um certo glamour no politicamente incorreto que quer passar por “moderninho” o direito não só de fazer piada contra negro, gay e pobre, mas também lhe tirar direitos e violentar tudo o que anda à margem do padrão “normal” do liberal burguês conservador.

A ideia de que o “hoje” é melhor do que o “ontem” e pior do que o “amanhã”, típico do ideário iluminista do século XVII e XIX, que via na razão uma esperança iluminadora para o progresso moral da humanidade, está se retirando lentamente, ou nem tão lentamente assim, deixando rastros de obscurantismos e de nítido retorno à caverna, na metáfora platônica, que deveria deixar em estado de alerta os intelectuais, ou os que, minimamente, se preocupam com a defesa de direitos civilizacionais que nos trouxeram até aqui.

A esperança, contudo, é a última que morre, como aprendemos na história da Caixa de Pandora. Na retirada da tampa da caixa, todos os males se espalham, mas a esperança permanece intacta na caixa. Senão a esperança, pelo menos a expectativa de que algo aconteça para reverter o atual estado da questão. Se perdermos a esperança, o que sobrará?

Por enquanto, parece que o Kairós tem se retirado e, esperasse, esteja esperando a hora de, quando menos esperamos, ele se apresente como favorável para um novo começo, uma nova aurora na crença no futuro. Até lá, não deixemos de cuidar do próprio jardim. É isso, não deixemos de cuidar do próprio jardim, pois se a esperança nos faltar, que não nos falte o amor. O amor e a beleza, que não nos falte! É o amor e a beleza que pode nos suspender do chão da banalidade do mal e da feiura cotidiana.

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