terça-feira, 30 de setembro de 2014

A NATUREZA ENSINA SOLIDARIEDADE.

Escolher-me, fechar-me em mim mesmo ou abrir-me para o mundo externo é o grande dilema, a grande briga de todo ser humano, interna e externa.
Individualismo e solidariedade são as realidades que a sociedade continuamente vai escolhendo. Sabemos e sentimos que o individualismo comanda o agir humano. Desde o sistema capitalista que vai amontoando muito para poucos, até o agir do casal ali dentro de casa, que por um motivo qualquer decide separar-se, deixando o individualismo vencer.
No meio de muitas atitudes humanas que levam ao individualismo, a natureza é uma lição de solidariedade. Há também muita solidariedade entre os seres humanos. Há fatos, gestos e atitudes que encantam. Existe muita ajuda entre pessoas e grupos. Acredito que a solidariedade é muito maior que o individualismo. O que estraga a sociedade como um todo é a mentalidade individualista que perpassa todas as estruturas.
Mas, a natureza ensina a solidariedade. Ensina a abertura de um ser para outro. Um está a serviço do outro. Até para alimentar-se. Um serve de alimento para o outro, e assim a cadeia da vida continua. Mas tomo apenas um exemplo para todos nós aprendermos a abertura e a solidariedade. É a flor do girassol. Contemplando uma plantação de girassol, salta aos olhos e mexe com o coração a beleza e o ensinamento dessa flor. É de manhã, e toda a plantação está voltada para o sol. É de tardinha, e toda a plantação se volta para a despedida do rei sol.
Que bom se todos nós pudéssemos nos sentir girassóis! Voltados para fora. Sempre à procura de luz. Sempre à procura de um ponto de chegada.
Cada pétala é como olhos à procura da vida em forma de luz e calor.
Saber escolher a vida. Essa é a lição do girassol. Diante dessa lição, pessoalmente podemos decidir escolher um ponto de apoio fora de nós, que podemos chamar de vida, de Deus, de amor às pessoas, de solidariedade, de espiritualidade, de vida de comunidade e de atitudes de voluntariado.
Mais uma lição posso tirar, olhando um girassol. Não preciso ter a pretensão de ser um girassol inteiro. Já é um privilégio ser uma pétala. Uma pétala ao lado da outra formamos família e comunidade, formamos grupo e festa. A festa é a alegria de ter alguém ao meu lado, olhando para o mesmo lugar, vivendo os mesmos sentimentos e comunicando a mesma vida.
Um alerta. Quando bater em nós o individualismo e a preocupação que entristece a vida, é hora de olhar - ou de imaginar - uma plantação de girassol. Parar e aprender a girar em busca de vida e de luz. Que bonito aprender que, desde o nascer até o pôr do sol, tenho para onde olhar e para onde me dirigir. Assim estarei superando o egoísmo que me fecha em mim mesmo e impede de exercer e viver num clima de amor.

domingo, 28 de setembro de 2014

QUE A MULHER POSSA FAZER A DIFERENÇA.

já lá se vai quase um século inteiro desde que se assiste ao fenômeno da emergência da mulher em todos os setores da vida social, política e cultural do mundo ocidental. E o evento desta emergência é percebido pelos principais setores desta mesma sociedade como um dos fatores mais importantes e relevantes em termos de mutação de seu perfil contemporâneo.
A metade feminina da humanidade, que vai saindo da sombra e da invisibilidade após tantos séculos, vem merecendo, por parte de especialistas das mais diversas áreas, atenção e interesse. Bastaria, para comprovar esta afirmação, a grande quantidade de pesquisas, escritos e eventos organizados em torno do tema, relacionando-o com as mais diversas áreas do saber, do conhecimento e da esfera pública. Antes confinada ao privado e ao doméstico, a mulher vem ocupando espaços cada vez mais importantes na esfera pública tendo chegado, já no século XX, a ocupar altos cargos de governo. Isto se deu de forma mais patente nos países nórdicos da Europa, como Finlândia e Noruega. Mas são dignos de nota igualmente os casos de ministras de estado nos Estados Unidos. Na América Latina, o caso da presidente Michele Bachellet, que está começando seu segundo mandato, é um bom exemplo de estadista formada na base e na luta diuturna pelos direitos humanos que chega ao poder por eleição democrática e sabe manter seu país na corrida pelo desenvolvimento e por uma vida melhor para a população. “Ao aumentar de maneira efetiva a influência da mulher em todos os níveis da vida pública, ampliam-se as possibilidades de mudança em direção à igualdade entre os gêneros e ao empoderamento da mulher, bem como para uma sociedade mais justa e democrática”, afirmou o então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, no relatório sobre a participação igualitária de mulheres e homens nos processos de tomada de decisões em todos os níveis.
Em 1995, a Plataforma de Ação de Pequim definiu como uma de suas prioridades a questão da mulher no exercício do poder e na tomada de decisões e apontou medidas concretas que deveriam ser adotadas por governos, setor privado, instituições acadêmicas e organizações não governamentais para que as mulheres tenham maior acesso e uma participação efetiva nas estruturas de poder e na tomada de decisões. Embora se haja avançado muito no acesso da mulher à política, o ranking nos mostra que ainda há muito a fazer, sobretudo em nosso continente e sobretudo em nosso país.
Isso nos leva a festejar o fato de que, olhando para 2014 e as eleições presidenciais que se avizinham, possamos enxergar duas mulheres na corrida presidencial: Dilma Roussef e Marina Silva. Independentemente de apoiarmos essa ou aquela, não importando qual delas nos agrada ou desagrada mais ou menos, o fato de duas candidatas do gênero feminino nos mostra que além das muitas coisas novas que a era Lula trouxe ao Brasil, veio também o balanço de gênero. Oxalá Dilma e Marina possam deixar um legado ético e positivo atrás de si quando termine o pleito, seja qual for seu resultado. Tomara que sua herança não seja como a de outras de triste memória, como a nada saudosa ministra Zélia, que após apropriar-se da poupança dos trabalhadores brasileiros de todas as extrações sociais, foi namorar ministros e atores de televisão e acabou nos Estados Unidos protegida de sanções maiores. Que Dilma e Marina possam ser comprobatórias de que a mulher pode fazer uma diferença também no governo de um país como o Brasil - eis nosso desejo.

sábado, 27 de setembro de 2014

VALORES OU ILUSÕES?

Bonita, elegante, 40 anos, duas filhas, supervisora financeira de uma grande empresa, como muitas outras mulheres, desdobrava-se em dupla jornada: vida familiar e profissional. Era uma quarta-feira igual às outras. Depois de preparar a refeição matinal para a família, partiu para a empresa, na zona leste da capital paulista. Na ida deixaria a filha maior, seis anos, na creche e a caçula, seis meses, no berçário.
A partir daí, o piloto automático assumiu o controle de sua vida e atividades. Havia alguns assuntos da empresa a serem resolvidos com urgência, prazos não observados, ameaças de concorrentes. Em sua mesa, o telefone não parava, o fax despejava mensagens e ordens eram recebidas e expedidas pela via eletrônica. A agitação, à beira do estresse, prolongou-se por seis horas. Depois, ela recordou as filhas e o horário marcado com o pediatra. Abriu o Fiesta de vidros com insulfilm preto e, quando jogou a bolsa no banco de trás, deu-se conta que esquecera a filha no carro! Desesperada, tomou a filha no colo, mas era tarde demais, ela estava morta, com queimaduras de terceiro grau. Foi indiciada pela polícia por homicídio culposo, isto é, sem intenção de matar.
Para ela foi uma fatalidade. Normalmente deixava o bebê no berçário e depois levava a outra filha para a creche. Na quarta-feira fatídica, ela fez o contrário, passando antes para a creche, onde deixou a filha de seis anos. Perto da empresa, viu uma ambicionada vaga e estacionou o carro. A opinião pública dividiu-se. Para uns ela foi irresponsável, assassina, para outros foi vítima.
Uma lenda antiga conta a história de uma mulher pobre com o filho no colo, que ajuntava lenha no bosque. Uma voz misteriosa fez-se ouvir: apanhe tudo o que puder, mas não esqueça o principal! E, espantada, viu abrir-se a porta de uma gruta cheia de tesouros. Teria cinco minutos para apanhar o que quisesse. Havia montanhas de moedas de ouro, diamantes, rubis, colares... Ela colocou a criança no chão e começou a encher, primeiro os bolsos, depois o avental. Amarrou a blusa e fez dela uma espécie de bolsa e colocou nela mais tesouros. O tempo estava se esgotando, ela saiu feliz da gruta e a porta fechou-se para sempre. Ela estava rica e feliz. Mas logo deu-se conta da tragédia: esquecera o filho - o principal - na gruta.
Quais são mesmo nossas prioridades? Que escala de valores temos, não na racionalidade, mas na prática? Como ocupamos nosso tempo em função das prioridades que dizemos ter? Na prática, podemos esquecer o principal, como dizia a voz misteriosa. E o tempo corre veloz. A porta da gruta - a porta da vida - pode se fechar para sempre. O que sobrará: tesouros ou miçangas, valores ou ilusões? A cada dia devemos recordar: podemos e devemos correr em busca de nossos sonhos, mas não esqueçamos o principal!

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O OVO OU A GALINHA?

A”ética” neoliberal se reduz às virtudes privadas dos indivíduos. Ignora a visão de institucionalidade ética. Assim, reforça a atitude paralisante do moralismo, que reduz a ética a uma ilusória perfeição individual. Ora, se a sociedade é estruturada, a ética é imprescindível para configurarmos o mundo histórico. Portanto, a ética exige uma teoria política normativa das instituições que regem a sociedade. Como acentua Marilena Chauí, não basta falar em ética na política. A crítica às instituições geradoras de injustiças e negadoras de direitos exige uma ética da política. Criar espaços de criação de novos direitos. As instituições devem garantir a toda a sociedade a justiça distributiva - a partilha dos bens a que todos têm direito -, e a justiça participativa, a presença de todos - democracia - no poder que decide os rumos da sociedade.
O grande desafio ético hoje é como criar instituições capazes de assegurar direitos universais. Isso supõe uma ruptura com a atual visão pós-moderna, neoliberal, de fragmentação do mundo e exacerbação egolátrica, individualista. Ainda que o ser humano tenha defeito de fabricação, o que o Gênesis chama de “pecado original”, há que se criar uma institucionalidade político-social capaz de assegurar direitos e impedir ameaças à liberdade e à natureza. Isso implica suscitar uma nova cultura inibidora dessas ameaças, assim como ocorre em relação ao incesto, outrora praticado no Egito, sem faltar os exemplos bíblicos.
De onde tirar os valores éticos universalmente aceitos? Como levar as pessoas a se perguntarem por critérios e valores? Hans Küng sugere que uma base ética mínima deve ser buscada nas grandes tradições religiosas. Seria o modo de passarmos das éticas regionais a uma ética planetária. Mas como aplicá-la ao terreno político? Mudar primeiro a sociedade ou as pessoas? O ovo ou a galinha?
Inútil dar um passo atrás e fixar-se na utopia do controle do Estado como precondição para transformar a sociedade. É preciso, antes, transformar a sociedade através de conquistas dos movimentos sociais, e de gestos e símbolos que acentuem as raízes antipopulares do modelo neoliberal. Combinar as contradições de práticas cotidianas (empobrecimento progressivo da classe média, desemprego, disseminação das drogas, degradação do meio ambiente, preconceitos e discriminações) com grandes estratégias políticas.
É concessão à lógica burguesa admitir que o Estado seja o único lugar onde reside o poder. Este se alarga pela sociedade civil, os movimentos populares, as ONGs, a esfera da arte e da cultura, que incutem novos modos de pensar, de sentir e de agir, e modificam valores e representações ideológicas, inclusive religiosas.
“Não queremos conquistar o mundo, mas torná-lo novo”, proclamam os zapatistas. Hoje, a luta não é de uma classe contra a outra, mas de toda a sociedade contra um modelo perverso que faz da acumulação da riqueza a única razão de viver. A luta é da humanização contra a desumanização, da solidariedade contra a alienação, da vida contra a morte.
A crise da esquerda não resulta apenas da queda do Muro de Berlim. É também teórica e prática. Teórica, de quem enfrenta o desafio de um socialismo sem stalinismo, dogmatismo, sacralização de líderes e de estruturas políticas. E prática, de quem sabe que não há saída sem retomar o trabalho de base, reinventar a estrutura sindical, reativar o movimento estudantil, incluir em sua pauta as questões indígenas, étnicas, sexuais, feministas e ecológicas.
Neste mundo desesperançado, apenas a imaginação e a criatividade da esquerda são capazes de livrar a juventude da inércia, a classe média do desalento, os excluídos do sofrido conformismo. Isso requer uma ideologia que resgate a ética humanista do socialismo e abandone toda interpretação escolástica da realidade. Sobretudo toda atitude que, em nome do combate à burguesia, faz a esquerda agir mimeticamente como burguesa, ao incensar vaidades, apegar-se a funções de poder, sonegar informações sobre recursos financeiros, reforçar a antropofagia de grupos e tendências que se satisfazem em morder uns aos outros.
O polo de referência das esquerdas, em torno do qual precisam se unir, é somente um: os direitos dos pobres.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

NOSSA GRANDE PREOCUPAÇÃO É SER FELIZ.

O sol apenas aparecia no horizonte e o camponês já estava em sua lavoura. Teria pela frente um dia cheio de fadiga. Seu arado, puxado pelos bois, traçava sulcos na terra, onde brotaria um trigal. E com isso ganhava o pão, com o suor do seu rosto, para si e para sua família. Numa fazenda vizinha, um trator fazia o mesmo trabalho. E o homem do arado comentou para si mesmo: este que é feliz. Trabalha com rapidez, sem grande esforço e terá uma lavoura muito maior que a minha.
O tratorista viu um caminhão cruzar pela estrada e comparou as atividades. Veja, ele anda rápido, a paisagem muda constantemente, logo estará na cidade. Este que é feliz. Mas não era assim que pensava o motorista do caminhão. Tanto mais que por ele passou um luxuoso automóvel. Este não tem patrão, não tem que carregar e descarregar mercadorias. Deve ser um executivo com um alto salário e com direito a todas as mordomias. Olhando para o alto, o condutor do automóvel viu um avião cruzando o espaço. E imaginou a felicidade do piloto: alto salário, anda com rapidez, sem grande fadiga, não tem problemas de trânsito e conhece muitos países.
Olhando do alto, o piloto viu um pequeno ponto escuro, numa lavoura e pensou: feliz é este lavrador, faz o que gosta, semeia lavouras, cercado do canto dos pássaros, trabalha quando quer e está sempre perto de sua família.
O maior, o mais universal dos desejos do homem é ser feliz. Desde que nascemos até a hora da morte, nossa única preocupação é ser feliz. Todos os atos que fazemos têm esse objetivo. Por vezes a busca é indireta. Tomamos um remédio amargo, mas objetivamos a felicidade que vem da saúde. Trabalhamos, nos privamos de muitas coisas, para sermos felizes mais tarde. O filósofo pessimista Arthur Schopenhauer dizia: “O homem sempre quer ser feliz, mesmo quando se enforca”.
Nem todos concordamos a respeito do que é felicidade. Para uns, é sinônimo de dinheiro, para outros é o prazer. Saúde, família, bebida, viagens, reconhecimento público podem ser sinônimos de felicidade. O conceito muda também de conformidade com as etapas da vida. Para a criança, felicidade pode ser um brinquedo ou um doce, para o jovem a namorada dos sonhos, para o estudante o diploma, para o homem maduro uma viagem ou a aposentadoria.
Somos demasiadamente grandes para nos plenificarmos com coisas materiais. Elas se esgotam e deixam um vazio. Esta, por exemplo, foi a experiência de Santo Agostinho. Ele acabou por encontrar a felicidade onde, unicamente, está: em Deus. É uma felicidade que nos conduz na vida, superando as naturais frustrações e nos acompanha além da morte. De resto, felicidade está onde a colocamos. É inteligente ser feliz onde realmente estamos. É tomar consciência que podemos e devemos ser felizes ali em nosso cantinho e não onde não estamos.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

CADA PESSOA É UMA ESTRELA.

O universo é muito mais do que o sol e as estrelas. É o inseto que eu piso, é o alimento que eu como. É toda a realidade que me cerca e me dá vida. E em tudo há respeito, acolhida e serviço. Podemos dizer que em tudo há relacionamento de amor. Relacionamento sem ciúmes e sem poder.
As flores enfeitam nossa terra. No colorido do jardim elas se beijam, se tocam e se acariciam. Nenhuma reclama da beleza da outra. A rosa não tem inveja do lírio. A sabedoria da natureza é um livro aberto para a humanidade. Toda pessoa deve estar aberta ao ensinamento das flores.
O sol cumpre sua missão. Não reclama das nuvens que diante dele fazem passagem. Ele sabe que as nuvens têm sua missão e seu espaço. Sabe que a terra necessita das nuvens para espalhar a chuva. Toda pessoa deve aceitar a missão e a função das outras pessoas para existir uma harmonia da vida.
E como é gostoso ficar olhando e sentindo a harmonia dos animais! Nenhum animal se envergonha pela sua condição. O sabiá não fica ciumento com o tubarão porque não sabe nadar. O gato não fica reclamando do canário porque não tem asas para voar. Não há rivalidade entre eles e nem ciúmes. Os animais podem lutar entre si por conquista de alimentos e água, mas nunca por conquista de poder e espaço. As pessoas é que não sabem respeitar o espaço de cada coisa, de cada animal e de cada criatura humana. E por causa da conquista do espaço e do poder são capazes de destruir e de matar.
As estrelas brilham no firmamento. Todas andam em seu caminho. Nenhuma atrapalha o caminho da outra. Nenhuma tem ciúmes do brilho e do calor da outra. Algumas brilham mais, outras menos. Assim é a humanidade. Cada pessoa é uma estrela. Brilha do seu jeito. Cada uma merece o respeito e o apoio. São bilhões de estrelas nesta humanidade que devem se respeitar.
Ao mesmo tempo, em nosso ser e em todo planeta terra está a variedade do calor e do frio, da luz e da escuridão. Há uma primavera e verão, um outono e inverno. Tudo vai acontecendo no seu ritmo. Há uma beleza na primavera, que é de causar admiração para o verão. Há uma beleza no inverno que pode encantar o outono. Cada realidade tem sua beleza. Assim, a vida de cada pessoa é perpassada pela primavera e verão, pelo outono e inverno. Como a natureza se respeita em suas estações, as etapas de nossa vida devem merecer o mesmo respeito.
Tudo isso parece ilusória poesia. Mas não é. Há uma poesia em cada ser e no universo como um todo. Mas a natureza, e cada ser, é um livro aberto que ensina a viver. Em cada ser e no universo todo estão as lições da vida. Depende de cada um acolher e viver essas lições. O livro aberto de um canteiro de jardim pode servir para os namorados conversarem de amor, como pode se tornar um local que recebe um corpo ferido por um criminoso, para quem o livro do jardim nada diz.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

NÃO HÁ COMO NOS ENGANARMOS.

Quando um psicotrópico - uma droga qualquer - chega ao cérebro, estimula a liberação de uma dose extra de um neurotransmissor, provocando sensações de prazer. À medida que o uso vai se prolongando, o organismo do usuário tenta se ajustar a esse hábito. O cérebro adapta seu próprio metabolismo para absorver os efeitos da droga. Cria-se, assim, uma tolerância ao tóxico. Desse modo, uma dose que normalmente faria um estrago enorme torna-se em pouco tempo inócua. O usuário procura a mesma sensação das doses anteriores e não acha. Por isso, acaba aumentando a dose. Fazendo isso, a tolerância cresce e torna-se necessária uma quantidade ainda maior para obter o mesmo efeito. A dependência vai assim se agravando continuamente.
Como o psicotrópico imita a ação dos neurotransmissores, o cérebro deixa de produzi-los. A droga se integra ao funcionamento normal do órgão. E quando falta o “impostor” químico, o sistema nervoso fica abalado. É a síndrome da abstinência.
A recusa em abster-se do que quer que seja por parte de uma sociedade hedonista como a nossa leva ao uso incontido e descomedido das drogas, que provocam viagens para fora da realidade e do tempo, sensações sempre mais fortes e omniabarcantes de prazer, de relaxamento, de bem estar. Fugir do cotidiano esmagador, banal, sem futuro; viajar a outros mundos e realizar outro tipo de experiências, contanto que não sejam aquelas reais e autênticas - essa é a proposta das drogas de toda espécie que o tráfico insidiosamente crescente traz para dentro das casas e das famílias, dos colégios e instituições educacionais, dos bares, boates e lugares de lazer onde a juventude - presa fácil e incauta da viagem fictícia que a droga proporciona, - se deixa envolver e embarca muitas vezes, infelizmente, na viagem sem volta da overdose ou da violência de letais consequências que os efeitos da droga provocam.
Dizer não à droga é tornar-se livre, independente. Dizer não à droga é dizer ao próprio corpo e ao próprio desejo: você não manda em mim. Eu é que mando em você. Estamos situados na minha identidade mais profunda de ser humano e de filho de Deus. E aqui é o templo do Espírito e a casa de Deus. Aqui mandamos eu e o Criador que me fez à sua imagem e semelhança.
Os especialistas costumam dividir as drogas em dois tipos: leves e pesadas. Drogas leves são as que causam “dependência psíquica”, que significa o desejo irrefreável de consumi-las. Pesadas são aquelas que, além da dependência psíquica, causam também a física, ou seja, a sua falta acarreta uma síndrome de abstinência tão violenta, com sintomas físicos tão dolorosos, que o viciado procura desesperadamente pela droga a fim de aliviar a ânsia de consumo. Por essa razão, fumo e álcool podem ser considerados drogas pesadas, apesar de serem socialmente aceitas.
A bandeira levantada pela luta antidrogas tem provocado polêmica, porque faz referência direta e indireta à violência que cerca o mundo das drogas. Antes, as campanhas de prevenção propunham dizer não às drogas, apresentando apenas uma visão individualista de sua ação maléfica: os prejuízos físicos e mentais do uso. Agora o conceito mudou: a mensagem apela para a responsabilidade social, tendo como mote: “O tráfico é dependente de você”. “Quem compra drogas financia a violência.” Os filmes mostram jovens bem-nascidos indo às “bocas”. No momento em que o usuário entrega o dinheiro ao traficante, ouve-se o locutor em off: “O que você faz com seu dinheiro é problema seu. O que o tráfico faz com seu dinheiro, também é problema seu”. Assim os filmes chocam duplamente, porque mostram o mundo violento das drogas e, sobretudo, porque responsabilizam o usuário por essa violência.
Não há como nos enganarmos: nada do que fazemos começa e acaba apenas em nós mesmos. Atinge, ao contrário, toda a coletividade. Hoje, dizendo não às drogas, estamos não só beneficiando a própria saúde. Estamos igualmente contribuindo para construir um mundo de paz, onde a violência seja um pesadelo cada vez mais longínquo. Sejamos senhores de nossa vida. Não deixemos que a droga mande em nós. A primeira vítima seremos nós mesmos.
“O paraíso artificial das drogas é bem a imagem de uma civilização reduzida a pó”

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

SEJA FELIZ. O PREÇO? 20 REAIS.

A livraria estava repleta de livros de autoajuda. Contei 48 títulos, todos trazendo a solução mágica para negócios, amores, relacionamentos, fé, saúde, sorte e loterias. Quase todos traziam o pomposo título: “Como fazer”, “Como chegar”, “Como conseguir”, “Como alcançar”. Mundo mágico e tudo ao alcance do leitor por R$ 20 ou R$ 30.
Tomei nas mãos um deles, cujo título sugeria uma vida para sempre feliz. Prefiro não declinar o título. Custava apenas R$ 20. Comprei, não porque o precisasse, mas por curiosidade. Alguém estava garantindo felicidade eterna por R$ 20!
Li, pacientemente, até o fim. Cento e vinte páginas. O autor citava a Bíblia, o Alcorão, o RigVeda e os principais livros sagrados. Também os principais filósofos. Pelo número de citações bastante acuradas, o livro valeu o seu preço. Fiquei sabendo dos vários caminhos de felicidade propostos pelas mais diversas religiões, filosofias e culturas.
O livro não enganava. O autor, honestamente, apresentava aqueles caminhos como alternativas e em nenhum momento garantiu que a leitura do livro faria alguém feliz. Então, saltou-me a pergunta: se dentro do livro ele deixou claro que não queria enganar ninguém e apenas mostrava propostas de como ser feliz, por que na capa aquele título enganoso que garantia felicidade para sempre?
Caímos no marketing e nas suas falácias. Nem sempre o que está na vitrina é o que depois é vendido no balcão; nem sempre o que está na capa é o que está no livro. Nem sempre encontramos as ofertas a preços baixíssimos, porque, assim que chegamos, dizem que já foram vendidas. Mas, como fizemos uma visita - e era isso o que queriam - talvez compremos outra coisa. Nem sempre a moça de sorriso maravilhoso é quem tem as melhores maçãs para vender. As vezes as aparências enganam e o marketing também.
Aquele livro valeu pelo miolo, mas a casca mentia. As editoras fazem conosco o que a mãe faz com a criança que não gosta de se alimentar: inventa um aviãozinho! Aqui e acolá alguns livros são realmente bons, embora o título seja mentiroso. E há outros de título maravilhoso e miolo intragável.
Escrever anda fácil; ler é que está cada dia mais difícil!

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

NUDANÇAS CLIMÁTICAS.


É uma espinha na garganta do governo brasileiro a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro. Todos sabemos que o nosso planeta está doente. Nós, humanos, podemos usar máscaras para nos proteger da poluição atmosférica. A Terra não. Ela está irremediavelmente exposta aos efeitos nocivos de nossas atividades que, na ânsia de acumular lucros, afetam a preservação ambiental.
A Terra é um ser vivo. Os gregos antigos a chamavam de Gaia. É também um milagre da natureza. Um pouco mais ou um pouco menos de calor e a vida não existiria em nosso planeta.
Calcula a ciência que o Universo existe há 14 bilhões de anos. A Terra, há 4,5 bilhões. Atingida, durante milênios, por meteoros, períodos glaciais, secas, ela foi capaz de autorregenerar.
Porém, nos últimos 150 anos, o bicho homem/mulher causou demasiado estrago em seu habitat. Entupiu de lixo rios e mares, desmatou florestas (a Amazônia, em 17%), contaminou o ar que respiramos... enfim, provocou tamanha degradação, a ponto de Gaia ter perdido 25% de sua capacidade de autorregeneração. Só pode ser salva do apocalipse precoce com intervenção humana.
 Governos e empresas devem se comprometer, urgentemente, a reduzir a emissão de CO2 (gás carbônico). A excessiva presença de poluentes na atmosfera esburaca a camada de ozônio, derrete as geleiras, aumenta o aquecimento global, causa desertificação (e, portanto, fome e migrações), multiplica cânceres e enfermidades respiratórias.
O que está em questão não é apenas evitar que a temperatura da Terra suba dois graus, provocando efeitos nefastos. Temos pela frente apenas 15 anos para evitá-lo. É o próprio sistema de estímulo consumista. Sem mudança do paradigma capitalista, a catástrofe será inevitável.
Os países ricos, vilões da excessiva emissão de CO2, resistem às medidas de redução a serem adotadas até 2020. O Brasil vacila. O Ministério do Meio Ambiente defende o compromisso de, até lá, se reduzirem em 40% as emissões nacionais e o desmatamento da Amazônia em 80%. O Itamaraty e o Ministério da Ciência e Tecnologia são contra. A Presidenta Dilma Rousseff, como boa mineira, prefere não falar em índices ou números...
No centro do debate está a candidatura à Presidência O governo não mira propriamente Copenhague, e sim as urnas de outubro de 2014. Se a delegação brasileira presente na capital da Dinamarca abraçar a posição dos países ricos - que coincide com a do agronegócio e das empreiteiras - a candidata Dilma corre o risco de ficar mal na foto ecológica, sombreada pela candidata Marina. Se o Brasil se comprometer com a meta de redução de 40%, Dilma ganha destaque ecológico na foto, mas desagrada a base aliada que lhe sustentará a candidatura.
Queira Deus que o governo se preocupe mais com as futuras gerações e a saúde do planeta do que com os interesses pecuniários das empresas responsáveis pela degradação ambiental.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O PRAZER MOMENTÂNEO É ILUSÓRIO

Da antiguidade grega, em poema épico, Homero narra o episódio do cavalo de Troia. O rapto de Helena, a mulher mais formosa do mundo, originou a guerra dos gregos contra a poderosa e fortificada cidade de Troia. Agamenon assumiu o comando de um exército de mil navios, atravessou o mar Egeu, para atacar Troia. O cerco durou 10 anos, com muitas mortes, de ambos os lados. Vendo a inutilidade das armas, os gregos apelaram para a astúcia.
Fingindo terem desistido da guerra, embarcaram em seus navios, deixando na praia um enorme cavalo de madeira, que os troianos decidiram levar para dentro da cidade, como símbolo do triunfo. À noite, depois da festa da vitória, quando todos dormiam, os soldados gregos, que se escondiam dentro da estrutura oca do cavalo, saíram e abriram as portas da cidade para todo o exército grego, cujos navios haviam retornado secretamente. Apanhados de surpresa, os troianos foram vencidos, seus soldados mortos e a cidade incendiada.
A lição do cavalo de Troia não foi aprendida, pois continua acontecendo em nossos dias. O mal tem consciência de sua inferioridade e, por isso, precisa revestir-se de virtude para poder enganar suas vítimas. A ratoeira, sem queijo, não atrairia nenhum rato. Santo Agostinho falava das coisas belas pelo avesso. São atraentes e enganosas. No dia seguinte a pessoa se dá conta, quase sempre tarde demais.
A astúcia do cavalo de Troia é repetida pela droga, hoje, especialmente o crack. Não tem problema, ele vai te dar muito prazer. Experimente uma única vez, depois você para. E assim começa um caminho, quase sempre, sem volta e com um triste passivo para o usuário e sua família. Isso se repete com a bebida e com o cigarro. Vou experimentar, mas paro quando quiser, proclamam muitos. E o queijo da ratoeira e a astúcia do cavalo de Troia se repetem. Esta perigosa tática vale para todos os maus hábitos.
O grego Esopo, numa de suas fábulas, conta a história de um leão que colocou à porta de sua gruta um letreiro: palavra de leão, podeis entrar confiadamente! Mas a raposa, muito astuta, observou que existiam apenas pegadas de animais que entravam na gruta e nenhuma pegada de animais saindo. Inteligentemente, optou por não entrar.
A vida é feita de escolhas. As melhores escolhas são aquelas que nos fazem felizes no dia seguinte. O prazer momentâneo é ilusório e pode deixar um passivo de lágrimas e arrependimento. Porque, muitas vezes, é impossível remediar, é inteligente prevenir. É inteligente também escutar os que têm mais experiência. Não temos possibilidade de cometer todos os erros. Precisamos aprender também pelos erros cometidos pelos outros. E também pelos acertos dos outros. A experiência também conta, ela é mestra da vida.

CUIDANDO DO NOSSO JARDIM.

Tenho certeza que esta terra já foi um jardim. Tenho mais certeza ainda de que esta terra, com todo o universo, será um jardim mais perfeito ainda.
Lendo a Bíblia, em seus primeiros capítulos, sentimos e contemplamos a realidade de um jardim. Tudo em paz. Todos os animais convivendo. Água em abundância. Ausência de espinhos. Flores de todos os tipos. O homem passeando nesse jardim, sem medo e sem vergonha, sem orgulho e na humildade de sentir-se criatura de Deus. E Deus caminhava pelas estradas do jardim: “podia-se ouvir seus passos.”
Essa descrição bíblica é o sonho de todo coração humano. Quem não deseja viver num paraíso desses, aqui e agora? Quem não deseja uma vida em harmonia, sem medos, sem doenças e morte e sem preocupações?
Quem acredita na Bíblia tem certeza que esse paraíso acontece e acontecerá em plenitude. É o livro do Apocalipse que faz sonhar uma vida “sem sofrimento e morte, sem luto e choro.” Vida totalmente nova. Acontece em cada pessoa que tenta viver em harmonia com todos. Acontece nos ambientes naturais e que se encontram espalhados por muitos lugares desta terra. É difícil crer neste jardim colocando-se na realidade de uma cidade grande, onde comanda a violência, a fome, a força, o medo e a desordem. Mas nem tudo é confusão e desordem. Nem tudo são raivas e choros. Nem tudo é fome e sede. Há pequenos jardins espalhados por todos os cantos deste planeta. Nem tudo é destruição e inferno. Há recantos de paz e respeito pela vida. Há clima de alegria e de bem-estar.
Diante dessa realidade, torna-se importante cada pessoa fazer sua parte na construção e no cuidado do jardim. O cultivo do jardim começa dentro de nós. Começa no cuidado com o terreno que somos nós. Terreno limpo. Chão adubado. Limites dos canteiros. Escolha de sementes saudáveis. Esse terreno pessoal é cultivado em nossos sentimentos e escolhas. O jardim, para ser bonito, depende do que vamos semeando ou é semeado desde o nosso nascimento. A partir desse cultivo eu posso criar meu jardim pessoal, mesmo no meio de um ambiente contraditório. Quer dizer, eu faço meu jardim. Ele depende, em grande parte, de mim. Vai dependendo do que cultivo em minhas escolhas e seleção de sentimentos e buscas.
Mas, ao mesmo tempo, cultivar o jardim é não descuidar-se do meio ambiente e do clima. Tudo está interligado. Por isso não posso pensar somente na minha situação pessoal, mas sou sociedade, sou grupo, sou dependência. E para quem não acredita na possibilidade de céu no meio desse nosso mundo quebrado, lembre São Francisco de Assis, que no meio de uma sociedade em briga, de conflitos com a família, de problemas com os companheiros, de doença e pobreza, cantava a alegria da vida. Mostrava que é possível viver um paraíso pessoal no meio da guerra da vida.
Somos responsáveis pelo cultivo de nosso jardim pessoal, e também pela construção do jardim planeta terra, que é nossa casa e nosso jardim.

domingo, 14 de setembro de 2014

ESCOLHER O BEM É TORNAR-SE UMA PESSOA LIVRE.

Quanto mais se fala em liberdade e em ser livre, mais as mentes humanas se confundem. Aprender a ser livre é uma escola exigente. Ao mesmo tempo, simples. É só escutar o coração. O que o coração deseja. O que satisfaz aos anseios da vida. O que leva à vida. Na escola da liberdade e de ser livre, diversas lições pode-se ir aprendendo.
Aprender a ser livre é despreocupar-se. Jesus ensinou claro quando disse: não vos preocupeis com o dia de amanhã. Aprender a ser livre é viver o momento agora.
Preocupar-se com o passado é perda de tempo. As preocupações não ressuscitam fatos. Nem antecipam fatos de amanhã, que ainda não chegaram. A preocupação escraviza. Tira a liberdade de viver bem o momento presente.
Aprender a ser livre é não deixar-se dominar pelo medo. O medo tira a liberdade. Impede de agir. Prende a pessoa dentro de si mesma. Não toma iniciativas e nem usa da criatividade. A pessoa medrosa não progride porque tem medo de dar um passo errado.
Aprender a ser livre é enfrentar um problema de cada vez. A pessoa que vai aprendendo a ser livre sabe que nada ajuda amontoar os problemas. Tomar um por um os problemas na mão, saber separá-los, se torna mais fácil resolvê-los. Colocados juntos, assustam e impedem de agir.
Aprender a ser livre é não envolver-se nos problemas dos outros. Não significa ser insensível à dor do outro. Nem significa não preocupar-se com o sofrimento do outro. Esse envolvimento não deve nos tirar a liberdade de continuarmos com nossa maneira de agir, viver e pensar. Os problemas das pessoas não devem entrar em nós. Devem parar na porta de nossa vida. Da porta para dentro devemos exercer nossa liberdade.
Aprender a ser livre é contabilizar as coisas boas. É outro caminho da liberdade. Não ser escravo do pessimismo e do derrotismo. Nem ficar dominado pelos erros que se fez. Livre é e pessoa que faz e valoriza o bem. A escolha do bem é a escolha da liberdade. Quanto mais bondosa é uma pessoa, mais está exercitando a liberdade.
Aprender a ser livre é libertar-se dos rancores. A pessoa que guarda raiva, ódio, ressentimento, é uma pessoa escrava de si mesma. Aprender a ser livre é despojar-se de todos os sentimentos destrutivos. Quem cultiva esses sentimentos dentro de si tem que tomar consciência que está carregando consigo as pessoas que detesta. É um peso a mais que impede de caminhar mais livremente. Quem odiamos está sempre conosco, mais do que a pessoa que amamos.
Aprender a ser livre é uma escola de todo o dia. É viver alerta e tomando na mão as próprias ações. Tomando na mão os sentimentos. Sendo dono do próprio destino. É uma escola onde nós somos nosso professor e aluno. Acima de tudo nossa liberdade vai se realizando na capacidade de escolher o bem. Escolher o bem é tornar-se uma pessoa livre.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A GLORIA DE DEUS É O HOMEM VIVO.

Os profetas da morte de Deus continuam se dando muito mal. Recente pesquisa revela que a maioria absoluta acredita em Deus. A Polônia é o país com maior índice de crentes: nada menos de 97%. Isso depois de décadas de doutrinação oficial pelo materialismo e ateísmo. O segundo lugar fica com o Brasil. Segundo a pesquisa, 90% dos brasileiros são crentes. Na Argentina o índice baixa um pouco: 74%. É mais ou menos o patamar dos países europeus. A República Tcheca tem o menor índice dos que acreditam em Deus: apenas 37%. A maior surpresa fica com a Rússia. Stalin, Lenin e outros devem ter pesadelos em seus túmulos, convencidos que perderam a batalha. A Santa Rússia de Dostoiévski continua viva e vigorosa. Exatamente 87% dos russos declararam crer em Deus. Mas o que significa crer em Deus?
Um rumoroso processo, nos Estados Unidos, ajuda a compreender a questão. No Estado de Wisconsin, Dale e Leilani Neumann foram condenados por rezar em vez de levar a filha ao médico. Dale, que chegou a estudar para ser pastor evangélico pentecostal, confessou ao júri que ao chamar ajuda médica, “estaria colocando o médico acima de Deus”. A filha Madelaine, de 11 anos, morreu em consequência de diabete, cercada por pessoas que rezavam por sua cura. Dale e Leilani Neumann deverão passar cerca de 25 anos na cadeia.
O Deus dos cristãos é o Deus da vida. Ele ainda não acabou de criar o mundo. E a criação, hoje, continua através de seus filhos. Rezar pela cura é importante, mas não podemos ficar só nisso. Toda a descoberta em favor da vida é sagrada. Deus deu inteligência e vontade a seus filhos para que descobrissem os caminhos da saúde e da felicidade. A glória de Deus é o homem vivo, proclamava Santo Irineu há 18 séculos. E o próprio Jesus declara que sua missão é ser portador de vida e vida em abundância.
Em todas as religiões existe uma tendência fundamentalista. Significa tomar um texto isolado, ao pé da letra, fora do contexto, e explicá-lo do seu jeito. E daí surge o fanatismo, sinônimo de cegueira e teimosia. O método de Deus não é agir diretamente, mas através das mediações humanas. O médico, a enfermeira, todos os que lutam pela vida e saúde realizam uma obra sagrada. Hoje nós somos a inteligência, os braços de Deus no mundo. É inteligente deixar de lado o personalismo e pedir a opinião dos demais e decidir em comunidade. De resto, crer em Deus é observar seus Mandamentos.
Um provérbio árabe ensina: “confia em Deus, mas amarra teu camelo”. Deus e a oração não podem servir de desculpa para preguiçosos. Depois que tivermos feito nossa obrigação, depois de esgotarmos todos os meios ao nosso alcance, temos o direito de pedir a Deus. E, mesmo assim, Deus costuma mandar o auxílio através de um irmão.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

UMA MANEIRA DIFERENTE DE FALAR DE AMOR.

 Falar sobre o amor. Sinto certo constrangimento porque esta palavra - amor - é uma das mais desgastadas de nossa linguagem. E como fenômeno interpessoal, um dos mais desmoralizados. Para não repetir aquilo que todo mundo já sabe e ouve, costumo fazer uma abordagem inspirado num dos maiores biólogos contemporâneos: o chileno Humberto Maturana. Em suas reflexões o amor é contemplado como um fenômeno cósmico e biológico. Expliquemos o que ele quer dizer: o amor se dá dentro do dinamismo da própria evolução desde as suas manifestações mais primárias, de bilhões e bilhões de anos atrás, até as mais complexas no nível humano. Vejamos como o amor entra no universo.
No universo se verificam dois tipos de acoplamentos (encaixes) dos seres com seu meio, um necessário e outro espontâneo. O primeiro, o necessário, faz com que todos os seres estejam interconectados uns aos outros e acoplados aos respectivos ecossistemas para assegurar sua sobrevivência. Mas há um outro acoplamento que se realiza espontaneamente. Os topquarks, a primeira densificação da energia em matéria, interagem sem razões de sobrevivência, por puro prazer, no fluir de seu viver. Trata-se de encaixes dinâmicos e recíprocos entre todos os seres, não vivos e vivos. Não há justificativas para isso. Acontecem porque acontecem. É um evento original da existência em sua pura gratuidade. É como a flor que floresce por florescer.
Quando um se relaciona com o outro (digamos dois prótons) e assim se cria um campo de relação, surge o amor como fenômeno cósmico. Ele tende a se expandir e a ganhar formas cada vez mais inter-retro-relacionadas nos seres vivos, especialmente nos humanos. No nosso nível é mais que simplesmente espontâneo como nos demais seres; é feito projeto da liberdade que acolhe conscientemente o outro e cria o amor como o mais alto valor da vida.
Nessa deriva, surge o amor ampliado que é a socialização. O amor-relação é o fundamento do fenômeno social e não sua consequência. Em outras palavras: é o amor-relação que dá origem à sociedade; esta existe porque existe o amor e não ao contrário. Se falta o amor-relação (o fundamento) se destrói o social. Sem o amor o social ganha a forma de agregação forçada, de dominação e de violência, todos sendo obrigados a se encaixar. Por isso sempre que se destrói o encaixe e a congruência entre os seres, se destrói o amor-relação e, com isso, a sociabilidade.
Não foi a luta pela sobrevivência do mais forte que garantiu a persistência da vida e dos indivíduos até os dias atuais. Mas a cooperação e o amor-relação entre eles. Os ancestrais hominídios passaram a ser humanos na medida em que mais e mais partilhavam entre si os resultados da coleta e da caça e compartilhavam seus afetos. A própria linguagem que caracteriza o ser humano surgiu no interior deste dinamismo de amor-relação e de partilha.
A competição, enfatiza Maturana, é antissocial, hoje e outrora, porque implica a negação do outro, a recusa da partilha e do amor. A sociedade moderna neoliberal e de mercado se assenta sobre a competição. Por isso é excludente, inumana e faz tantas vítimas como a atual crise revelou. Ela não traz felicidade porque não se rege pelo amor-relação.
O amor é um fenômeno cósmico e biológico. Ao chegar ao patamar humano ele se revela como um projeto da liberdade, como uma grande força de união, de mútua entrega e de solidariedade. As pessoas se unem e recriam pela linguagem amorosa, o sentimento de benquerença e de pertença a um mesmo destino.
Sem o cuidado essencial, o encaixe do amor-relação não ocorre, não se conserva, não se expande nem permite a consorciação entre os demais seres. Sem o cuidado não há atmosfera que propicie o florescimento daquilo que verdadeiramente humaniza: o sentimento profundo, a vontade de partilha e a busca do amor. Estimo que falar assim do amor faz sentido porque nos faz mais humanos.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

MAIS UMA VITÓRIA COMO ESSA E ESTAREI DERROTADO.

Rei do Épiro e da Macedônia, Pirro não apenas decidiu enfrentar Roma, senhora do mundo, como também levar a guerra à península itálica. Formou um grande exército e bateu os romanos na batalha de Àsculo. A novidade nesta batalha foi a introdução de elefantes ao lado da infantaria. A estratégia deu certo e os romanos perderam cerca de 6 mil soldados. Mas o triunfo teve um grande preço a pagar e Pirro, ao analisar suas perdas, comentou: “Mais uma vitória como essa e estarei definitivamente derrotado”.
O episódio fez surgir a expressão vitória de Pirro. São aquelas conquistas enganosas. Ao contrário, há derrotas positivas. Há vitórias que abastardam e derrotas que dignificam. Charles Peguy, escritor e soldado francês, morreu na batalha do Marne, na primeira Guerra Mundial. Fazendo seu elogio fúnebre, um colega proclamou: felizes os que morrem nas grandes batalhas! Morrer se constitui em perda e tristeza, mas morrer numa grande batalha indica a dimensão de uma vida, indica uma causa pela qual vale a pena viver e mesmo morrer.
A vida de uma pessoa é marcada por uma causa, por um ideal. É um sentido que, de alguma maneira, marca todas as nossas ações. É um dinamismo prodigioso que nos faz agir e sonhar. Naturalmente um sonho deste tamanho tem um preço a ser pago. Herói na luta pela independência do Brasil, Tiradentes, antes de subir à forca, declarou: mil vidas daria, se mil vidas tivesse. A luta por um ideal pode significar renúncia, incompreensões, perdas, mas assumidas com alegria. O Evangelho fala de um tesouro escondido (Mt 13, 44). Em função dele, um homem vende tudo o que possui e compra o tesouro. Ele parece fazer um mau negócio, mas a sabedoria evangélica garante que ele é feliz com a troca. É ainda o Evangelho que fala numa escolha, aparentemente, estranha: saber perder. E esclarece que esse saber perder pode significar uma grande vitória.
E a história está marcada por homens e mulheres que souberam perder, que trocaram tudo pelo tesouro escondido: Francisco de Assis, Inácio de Loiola, Teresa de Calcutá, Mahatma Gandhi, Martin Luther King... Outros preferiram o mais fácil e por isso foram esquecidos para sempre.
De resto, a luta tem um sabor todo especial, mesmo que a vitória não aconteça. Um dia Deus nos questionará a respeito da luta, não sobre eventual vitória. Mesmo porque o triunfo nem sempre depende de nós. Depende de nós a luta. E realmente são felizes os que morrem numa grande batalha, morrem lutando por um ideal.

domingo, 7 de setembro de 2014

A FALTA DA JUSTA MEDIDA.

A nossa cultura se caracteriza pelo excesso em quase todos os âmbitos da vida: excesso na utilização dos recursos naturais, na exploração da força de trabalho, na especulação financeira, na acumulação de riqueza. A atual crise é fruto em grande parte deste excesso.
O historiador inglês Arnold Toynbee em seus estudos sobre nascimento e morte das civilizações assinala que estas entram em colapso quando o excesso para mais ou para menos começa a predominar. É o que estamos assistindo. Daí a importância de refletirmos sobre a justa medida, que acaba sendo sinônimo de sustentabilidade.
A justa medida tem a ver com o ótimo relativo, vale dizer, com o equilíbrio dinâmico entre o mais e o menos. Por um lado, toda medida é sentida negativamente como limite às nossas pretensões. Daí nasce a vontade e até o prazer de violar o limite. Por outro, é sentida positivamente como a capacidade de usar, de forma moderada, potencialidades que podem dar outro rumo à história e assim garantir a continuidade da vida.
Vejamos rapidamente o lugar da justa medida em algumas culturas conhecidas.Nas culturas da bacia do Mediterrâneo, particularmente entre os egípcios, gregos, latinos e hebreus, a procura da justa medida era central. O mesmo se dá no budismo e na filosofia ecológica do Feng-Shuy chinês. Para estas tradições o símbolo era a balança e as respectivas divindades femininas, tutoras do equilíbrio.
A deusa Maat era a personificação da justa medida para os egípcios. Sob sua responsabilidade estava aquela medida política que permitia tudo fluir equilibrada e sinfonicamente. Mas os sábios egípcios cedo perceberam que esse equilíbrio só é sustentável se a medida exterior corresponder à medida interior. Caso contrário, impera o legalismo. Hoje sabemos que essa visão influenciou fortemente o pensamento grego e latino e fez com que uma das características fundamentais da cultura grega fosse a busca insaciável da medida (métron, em grego, donde vem nosso metro). Clássica é a formulação, verdadeira regra de ouro: “A perfeição está na justa medida em todas as coisas”.
A deusa Nêmese, venerada por gregos e latinos, correspondia à deusa Maat dos egípcios. Representava a justiça divina e a justa medida. Quem ousasse ultrapassar a própria medida era imediatamente fulminado por esta divindade. Assim, por exemplo, os campeões olímpicos que, como hoje, se deixavam endeusar pelos fãs; escritores e artistas que permitiam sua divinização por causa de suas obras.
A Bíblia hebraico-cristã formula, à sua maneira, a busca da justa medida. Ela se baseia no reconhecimento do limite intransponível entre o Criador e a criatura. A criatura jamais poderá ultrapassar esse limite e ser como Deus. A grande tentação formulada pela serpente a Adão e a Eva no paraíso terrenal era: caso ultrapassassem o limite seriam como Deus. Ultrapassaram e receberam o castigo: a expulsão do paraíso. Pecado é não aceitar a situação de criatura, é recusar esse limite e essa medida, é procurar alçar-se à altura divina.
Apesar da expulsão, continuou a missão de “cultivar e guardar” o jardim do Éden. Aqui se anuncia uma medida de valor sempre atual: o ser humano pode intervir na natureza desde que orientado pela medida do cuidado, pois “cultivar” expressa o cuidado essencial e “guardar” é sinônimo de garantir a sustentabilidade.
Cabe perguntar: quem estabelece a medida? Indicaram-se muitas fontes inspiradoras. Geralmente apontadas como únicas: ou a natureza ou a razão universal ou a sabedoria dos povos ou as religiões e a revelação na Bíblia judaico-cristã...
Hoje mais e mais estamos convencidos de que nada pode ser reduzido a uma única causa (monocausalidade) ou a um único fator. Pois nada é linear e simples. Tudo é complexo e vem urdido de inter-retro-relações e de redes de inclusões. Por isso precisamos articular todas aquelas instâncias e outras mais. Juntas devem nos ajudar a encontrar uma justa medida adequada. Pois todas elas trazem alguma luz e comunicam alguma verdade. Sabedoria é colher estas verdades que potenciam o equilíbrio e permitem a vida viver e evitam conflitos desnecessários.
Para nós hoje a questão é: qual é a justa medida de intervenção na natureza que, por um lado, preserva o capital natural e por outro nos traga benefícios? Porque ainda não achamos a fórmula justa estamos patinando na crise.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

ELAS SÃO APENAS DIFERENTES.

Um pedreiro fez um muro. Usou tijolos, cimento, cal e areia. Chegou o dono e falou: “Por favor, derrube este muro e faça tudo de novo.” O pedreiro, chateado, perguntou o que havia de errado. O dono observou: “Olhe como você colocou os tijolos... olhe o amontoado do cimento que liga os tijolos! O muro não parece estar reto. Com o mesmo material você podia ter feito uma obra de arte e, na verdade, você fez simplesmente um amontoado de material para ganhar seu salário.”

Deus deu o melhor de si. Somente um cego, surdo, mudo e sem coração não percebe que tudo o que existe neste universo é perfeito. Tudo tem um começo, um objetivo e um destino. Cada realidade, do seu jeito, é revestida de beleza. A beleza faz parte da obra de Deus, simplesmente porque Ele é beleza. A beleza do artista se reflete em sua obra. As criaturas que julgamos feias, não são feias. São apenas diferentes. A diferença faz a beleza. Desde o inseto, que nossos olhos não conseguem ver, até a galáxia mais distante do universo, em tudo há uma beleza. Não ver e não crer nesta beleza é não crer e nem ver o artista que está presente em todas essas obras. Até certo ponto é não ter perspectiva de futuro, pois céu é libertar-se do véu do corpo e da matéria para penetrar na beleza de cada criatura. Céu é estar em tudo e em todos e viver no encantamento.
Realizar-se é dar o melhor de si. É imitar o Criador. É despir-se da mediocridade do “mais ou menos” e do “pouquinho”, para dar o melhor de si naquilo que somos e fazemos.
É dar o melhor de si na vida de família, onde cada um toma a iniciativa de colocar-se a serviço, de sentar-se e conversar sobre a vida familiar e dar o melhor de si para o sucesso de todos.
É dar o melhor de si no trabalho, fazendo de cada ação uma obra de arte para si e para a sociedade. É imitar Deus, que trabalhou seis dias, e viu que tudo era bom e perfeito. Tudo era obra de arte saída de suas mãos. É gostar do que se faz, e fazer do melhor jeito. É dar tudo de si.
É dar o melhor de si nos relacionamentos do dia a dia. Olhar, saudar, abraçar, respeitar e acolher as pessoas como são. É exercitar o mandamento do amor, que é a força e energia que liga todas as realidades. No universo tudo se ama. Tudo se entrega. Tudo se entrelaça.
É dar o melhor no cuidado de si mesmo, cuidando do corpo e da saúde, lendo os melhores livros, vendo os melhores programas em televisão, escolhendo as melhores pessoas para conviver.
É dar o melhor tempo para cuidar das pessoas, para estar com os filhos e familiares, para realizar encontros de crescimento.
É dar o melhor de si para Deus, pois Deus deu-se todo e tudo para suas criaturas. Nada guardou para si. É escolher o melhor tempo para um momento de oração, e não apenas as sobras. É escolher estar na comunidade para celebrar, no melhor momento e do melhor jeito, porque Deus merece o melhor de nossa vida.
Dar o melhor de si é destruir o egoísmo e realizar-se no amor.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

ANTES CHORAR POR NÃO CONSEGUIR DO QUE BAIXAR A CABEÇA POR NÃO TENTAR.

Um menino de seis anos decidiu preparar uma surpresa para seus pais. Num sábado, bem cedo, levantou em silêncio e foi para a cozinha. Prepararia panquecas para o café. Coisa bem simples, tanto mais que estava com a receita na mão. Como primeiro passo tirou do armário uma tigela e uma colher de madeira. Depois puxou uma cadeira, sem fazer barulho, para alcançar a lata de farinha. Era muito pesada e ele acabou derramando tudo no chão. Rapidamente apanhou a quantia que julgava necessária e colocou na tigela, acrescentando uma xícara de leite.

Havia farinha em toda a parte, mas ele achava que tudo estava indo regularmente. Subiu de novo na cadeira para apanhar uma dúzia de ovos. A grade resvalou e não sobrou um para contar a história. O menino ajuntou o que deu e colocou na tigela, misturando tudo. Outro problema estava pela frente: deveria colocar no forno ou no fogão? Não sabia ligar nem um, nem outro. Olhou para trás e, desolado, viu que o gatinho estava lambendo o conteúdo da tigela. Expulsou o animal, que deixou um rastro de leite, farinha e ovos. Ele mesmo se deu conta que seu pijama estava sujo.
Nesse momento, olhou para a porta e lá estava seu pai, parado. Assustado arregalou os olhos, sentiu uma vontade imensa de chorar. A cozinha estava na maior bagunça e certamente vinha bronca. Mas o pai foi ao seu encontro, tomou-o no colo e o beijou ternamente, não se importando que sua roupa também ficasse manchada de ovos e farinha.
Assim é como Deus age conosco. Ao longo da vida projetamos muitas coisas e, por vezes, nada dá certo. Culpados, abaixamos os olhos, convencidos de nossa inutilidade. A melhor solução é desistir e fugir do olhar do Pai.
E aí acontecem as surpresas de Deus. Ele nos ama não porque merecemos, mas porque precisamos. E nunca muda de atitude. É o pai que acolhe o filho pródigo, é o pastor que procura a ovelha até encontrá-la, é o juiz que não condena a mulher adúltera, é o crucificado que intercede junto do Pai pelos algozes: eles não sabem o que fazem.
Na parábola dos talentos (Mt 25,14), o único empregado rejeitado é aquele que enterrou o dinheiro. Enterrar o talento é fechar-se em si mesmo, lavar as mãos, recusar-se a partilhar. Esse é o grande pecado. Por outro lado, tentar é a grande virtude. Isto implica também em saber recomeçar. Deus tem olhos de pai e vê a boa vontade nos filhos. E nunca nos cobrará pelo sucesso, mas baterá palmas sempre que tentarmos. Antes chorar por não conseguir do que baixar a cabeça por não tentar. Nossa missão é continuar preparando panquecas para Deus e para os irmãos. De qualquer jeito.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

SABER EDUCAR É SABER AMAR.

Pesquisas indicam que as crianças brasileiras costumam passar 4 horas por dia na escola e o dobro de olho na TV. Impressiona o número de peças publicitárias destinadas a crianças ou que as utilizam como isca de consumo.
A pesquisadora Susan Linn, da Universidade de Harvard, constatou que o excesso de publicidade causa nas crianças distúrbios comportamentais e nutricionais. De obesidade precoce, pela ingestão de alimentos ricos em açúcares ou gorduras saturadas, como refrigerantes e frituras, à anorexia provocada pela obsessão da magreza digna de passarela.
Sexualidade precoce e desajustes familiares são outros efeitos da excessiva exposição à publicidade. São menos felizes, as crianças influenciadas pelas ideias de que sexo independe de amor, a estética do corpo predomina sobre os sentimentos, a felicidade reside na posse de bens materiais.
Impregnada desses falsos valores, tão divulgados como absolutos, a criança exacerba suas expectativas. Se uma criança associa a sua felicidade a propostas consumistas, tanto maior será sua frustração e infelicidade, seja pela impossibilidade de saciar o desejo, seja pela incapacidade de cultivar sua autoestima a partir de valores enraizados em sua subjetividade. Torna-se, assim, uma criança rebelde, geniosa, indisciplinada em casa e na escola.
A praga do consumismo é, hoje, também uma questão ambiental e política. Montanhas de plástico se acumulam nos oceanos e a incontinência do desejo dificulta cada vez mais uma sociedade sustentável, na qual os bens da Terra e os frutos do trabalho humano sejam partilhados entre todos.
Um dos fatores de deformação infantil é a desagregação do núcleo familiar. No Dia dos Pais um garoto suplicou ao pai, em bilhete, que desse a ele tanta atenção quanto dedica à TV... Um filho de pais separados pediu para morar com os avós após presenciar a discussão dos pais de que, um e outro, queriam se ver livre dele no fim de semana.
Causa-me horror o orgulho de pais que exibem seus filhos em concursos de beleza. Uma criança instigada a, precocemente, prestar demasiada atenção ao próprio corpo, tende à esquizofrenia de ser biologicamente infantil e psicologicamente “adulta”. Encurta-se, assim, seu tempo de infância. Não surpreende, pois, que, na adolescência, o vazio do coração busque compensação na ingestão de drogas.
Com frequência pais me indagam o que fazer frente à indiferença religiosa dos filhos adolescentes. Respondo que a questão é colocada com dez anos de atraso. Se os filhos fossem crianças, eu saberia o que dizer: orem com eles antes das refeições; leiam em família textos bíblicos; evitem fazer das datas litúrgicas meros períodos de miniférias, como a Semana Santa e o Natal, e celebrem com eles o significado religioso dessas efemérides; incutam neles a certeza de que são profundamente amados por Deus e que Deus vive neles.
Crianças são seres miméticos por natureza. Ora, o que esperar de uma criança que presencia os pais humilharem a faxineira, jogarem lixo na rua...
Criança precisa de afeto, de sentir-se valorizada e acolhida, mas também de disciplina e, ao romper o código de conduta, de punição sem violência física ou oral. Só assim aprenderá a conhecer os próprios limites e respeitar os direitos do outro. Só assim evitará tornar-se um adulto invejoso, competitivo, rancoroso, pois saberá não confundir diferença com divergência e não fará da dessemelhança fator de preconceito e discriminação.
É preciso conversar com elas, através da linguagem adequada, sobre situações-limites da vida: dor, perda, ruptura afetiva, fracasso, morte. Incutir nelas o respeito aos mais pobres e a indignação frente à injustiça que causa pobreza; senso de responsabilidade social (há dias vi alunos de uma escola varrendo a rua), de preservação ambiental (como a economia de água), de protagonismo político (saber acatar decisão da maioria e inteirar-se do que significam os períodos eleitorais).
Se você adora passear com seu filho em shoppings, não estranhe se, no futuro, ele se tornar um adulto ressentido por não possuir tantos bens finitos. Se você, porém, incutir nele apreço aos bens infinitos - generosidade, solidariedade, espiritualidade - ele se tornará uma pessoa feliz e, quando adulto, será seu companheiro de amizade, e não o eterno filho-problema a lhe causar tanta aflição.
Saber educar é saber amar.