sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A FARTURA DA CASA GRANDE ÁS N0SSAS CUSTAS.

Quem costuma ir à feira, ao mercado ou ao supermercado para comprar alimentos sabe muito bem
que eles têm subido de preços. A inflação começa a ficar fora de controle. O governo Dilma está consciente de que este é o seu calcanhar de Aquiles.
Os juros tendem a subir e a União anunciou um corte de R$ 50 bilhões no orçamento federal (espero que programas sociais, Saúde e Educação escapem da tesoura). Tudo para impedir que o dragão desperte e abocanhe o pouco que o brasileiro ganhou a mais de renda nos oito anos de governo Lula.
Lá fora, há uma crise financeira, uma hemorragia especulativa difícil de estancar. Grécia, Irlanda e Portugal andam de pires nas mãos. Na Europa, apenas a Alemanha tem crescimento significativo. Nos EUA, o índice de crescimento é pífio, três vezes inferior ao do Brasil.
Por que a alta do preço dos alimentos? Devido à crise financeira, os especuladores preferem, agora, aplicar seu dinheiro em algo mais seguro que papéis voláteis. Assim, investem em compra de terras. Outro fator de alta dos preços dos alimentos é a expansão do agrocombustível. Mais terras para plantar vegetais que resultam em etanol, menos áreas para cultivar o que necessitamos no prato.
Produzem-se alimentos para quem pode comprá-los, e não para quem tem fome (é a lógica perversa do capitalismo). Agora se planta também o que serve para abastecer carros. O petróleo já não é tão abundante como outrora.
Nas grandes extensões latifundiárias adota-se a monocultura. Plantam-se soja, trigo, milho... para exportar. O Brasil tem, hoje, o maior rebanho do mundo e, no entanto, a carne virou artigo de luxo. Soma-se a isso o aumento dos preços dos fertilizantes e dos combustíveis, e a demanda por alimento na superpopulosa Ásia. Mais procura significa oferta mais cara. A China desbancou os EUA como principal parceiro comercial do Brasil.
Soma-se a essa conjuntura a desnacionalização do território brasileiro. Já não se pode comprar um país, como no período colonial. Ou melhor, pode, desde que de baixo para cima, pedaço a pedaço de suas terras.
Há décadas o Congresso está para estabelecer limites à compra de terras por estrangeiros. Enquanto nossos deputados e senadores engavetam projetos, o Brasil vai sendo literalmente comido pelo solo.
Em 2010, a NAI Commercial Properties, transnacional do ramo imobiliário, presente em 55 países, adquiriu no Brasil, para estrangeiros, 30 fazendas nos estados de GO, MT, SP, PR, BA e TO. Ao todo, 96 mil hectares! Muitas compradas por fundos de investimentos sediados fora do nosso país, como duas fazendas de Pedro Afonso, no Tocantins, somando 40 mil hectares, adquiridas por R$ 240 milhões. Pagou-se R$ 6 por hectare. Hoje, um hectare em São Paulo vale de R$ 30 mil a R$ 40 mil. É mais negócio aplicar em terras que na Bolsa.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ano passado cerca de US$ 14 bilhões foram destinados, no mundo, a compras de terras para a agricultura. As brasileiras constaram do pacote. Estima-se que a NAI detenha no Brasil mais de 20% das áreas de commodities para a exportação.
O alimento é, hoje, a mais sofisticada arma de guerra. A maioria dos países gasta de 60 a 70% de seu orçamento na compra de alimentos. Não é à toa que grandes empresas alimentícias investem pesado na formação de oligopólios, culminando com as sementes transgênicas que tornam a lavoura dependente de duas ou três grandes empresas transnacionais.
O governo Lula falou muito em soberania alimentar. O de Dilma adota como lema “Brasil: país rico é país sem pobreza”. Para tornar reais tais anseios é preciso tomar medidas mais drásticas do que apertar o cinto das contas públicas.
Sem evitar a desnacionalização de nosso território (e, portanto, de nossa agricultura), promover a reforma agrária, priorizar a agricultura familiar e combater com rigor o desmatamento e o trabalho escravo, o Brasil parecerá despensa de fazenda colonial: o povo faminto na senzala, enquanto a Casa Grande se farta à mesa às nossas custas.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A NECROFILIA DAS MULTIDÕES NOS ENVERGONHA A TODOS.

Alguém precisaria ser inimigo de si mesmo e contrário aos valores humanitários mínimos se aprovasse o nefasto crime do terrorismo da Al Qaeda do 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque. Mas é por todos os títulos inaceitável que um Estado, militarmente o mais poderoso do mundo, para responder ao terrorismo se tenha transformado ele mesmo num Estado terrorista. Foi o que fez Bush, limitando a democracia e suspendendo a vigência incondicional de alguns direitos, que eram apanágio do país. Fez mais, conduziu duas guerras, contra o Afeganistão e contra o Irã, onde devastou uma das culturas mais antigas da humanidade nas quais foram mortos mais de cem mil pessoas e mais de um milhão de deslocados.
Cabe renovar a pergunta que quase a ninguém interessa colocar: por que se produziram tais atos terroristas? O bispo Robert Bowman, de Melbourne Beach, Flórida, que fora piloto de caças militares durante a guerra do Vietnã, respondeu, claramente, no National Catholic Reporter, numa carta aberta ao presidente: “Somos alvo de terroristas porque, em boa parte no mundo, nosso governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos de terroristas porque nos odeiam. E nos odeiam porque nosso governo faz coisas odiosas”. Não disse outra coisa Richard Clarke, responsável contra o terrorismo da Casa Branca numa entrevista a Jorge Pontual emitida pela Globonews de 28/02/2010 e repetida no dia 03/05/2011. Havia advertido à CIA e ao presidente Bush que um ataque da Al Qaeda era iminente em Nova York. Não lhe deram ouvidos. Logo em seguida ocorreu, o que o encheu de raiva. Essa raiva aumentou contra o governo quando viu que com mentiras e falsidades Bush decretou uma guerra contra o Iraque que não tinha conexão nenhuma com o 11 de setembro. A raiva chegou a um ponto que por saúde e decência se demitiu do cargo.
Mais contundente foi Chalmers Johnson, um dos principais analistas da CIA também numa entrevista ao mesmo jornalista no dia 2 de maio último na Globonews. Conheceu por dentro os malefícios que as mais de 800 bases militares norte-americanas produzem, espalhadas pelo mundo todo, pois evocam raiva e revolta nas populações, caldo para o terrorismo. Cita o livro de Eduardo Galeano “As veias abertas da América Latina” para ilustrar as barbaridades que os órgãos de inteligência norte-americanos por aqui fizeram. Denuncia o caráter imperial dos governos, fundado no uso da inteligência que recomenda golpes de Estado, organiza assassinatos de líderes e ensina a torturar. Em protesto, se demitiu e foi ser professor de história na Universidade da Califórnia. Escreveu três tomos “Blowback” (retaliação), onde previa, por poucos meses de antecedência, as retaliações contra a prepotência norte-americana no mundo. Foi tido como o profeta de 11 de setembro. Este é o pano de fundo para entendermos a atual situação que culminou com a execução de Osama Bin Laden.
Os órgãos de inteligência norte-americanos são uns fracassados. Por dez anos vasculharam o mundo para caçar Bin Laden. Nada conseguiram. Só usando um método imoral, a tortura de um mensageiro de Bin Laden, conseguiram chegar ao seu esconderijo. Portanto, não tiveram mérito próprio nenhum.
Tudo nessa caçada está sob o signo da imoralidade, da vergonha e do crime. Primeiramente, o presidente Barak Obama, como se fosse um “deus” determinou a execução/matança de Bin Laden. Isso vai contra o princípio ético universal de “não matar” e dos acordos internacionais que prescrevem a prisão, o julgamento e a punição do acusado. Assim se fez com Hussein do Iraque, com os criminosos nazistas em Nürenberg, com Eichmann em Israel e com outros acusados. Com Bin Laden se preferiu a execução intencionada, crime pelo qual Barak Obama deverá um dia responder. Depois se invadiu território do Paquistão, sem qualquer aviso prévio da operação. Em seguida, se sequestrou o cadáver e o lançaram ao mar, crime contra a piedade familiar, direito que cada família tem de enterrar seus mortos, criminosos ou não, pois por piores que sejam, nunca deixam de ser humanos.
Não se fez justiça. Praticou-se a vingança, sempre condenável. “Minha é a vingança” diz o Deus das escrituras das três religiões abraâmicas. Agora estaremos sob o poder de um Imperador sobre quem pesa a acusação de assassinato. E a necrofilia das multidões nos diminui e nos envergonha a todos.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

SONHAR É PRECISO!

Se há um direito sagrado que Deus imprimiu no coração humano é o direito de sonhar. Todos os bons sonhos alimentam a esperança e a esperança procura concretizá-los com paciência, luta e perseverança. Quem tem esperança sonha e quem sonha renova a energia da esperança. É assim que vamos adiantando o futuro e investindo com amor para que tudo se realize, conforme a dignidade do que sonhamos.
Para que os sonhos sejam bons e verdadeiros e animem a esperança precisam estar ligados ao presente e à realidade. Uma condição para chegar ao topo de uma escada é ir subindo degrau por degrau. Passo a passo, vamos chegando aonde desejamos. Seria ridículo ficar sonhando a chegada no cimo de uma montanha e permanecer imóvel na planície. É trágico o engano quando o sonho se converte em pura evasão e fuga, sem assumir as reais etapas a serem dadas com responsabilidade.
A esperança só é autêntica quando parte da realidade e do presente para levá-lo ao mundo dos sonhos. Com realismo e idealismo é bem mais fácil investir energia e amor, esforço e heroísmo, para que as metas sonhadas se concretizem. Os bons sonhos da esperança é que garantem aquela coragem que supera lutas e sofrimentos.
Dois perigos podem acontecer na caminhada humana. Um deles é viver só administrando o real, sem ter sonhos. Essa atitude leva as pessoas à monotonia da vida, ao desalento e à acomodação. Outro é viver longe da realidade, somente no mundo dos sonhos. Isso torna a pessoa alienada, fora do mundo real e iludida sem os pés no chão.
A vida nos mostra a necessidade de colocar os bons sonhos no dinamismo da esperança, que nunca nos tira da realidade e sempre nos mantém motivados e animados a alcançar novas metas em vista de outras sempre maiores.
Ao escrever este texto sobre os bons sonhos da esperança, lembrei-me de uma canção que todos gostam de entoar. Seu título é “Sonhar”  Algumas frases merecem ser registradas: “Ninguém pode prender um sonho e impedir alguém de sonhar. Ninguém pode cortar a esperança de um povo sofrido a lutar... Todo o sonho alimenta a história e a vitória do povo a chegar... Ninguém pode prender um sonho, como a luz do sol que nasceu. Ele brilha inventando caminhos, e desvela o que a noite escondeu”.
Na verdade, podemos até discordar dos sonhos de alguém, mas jamais poderemos impedir que possa sonhar. É possível que poucos sonhos sejam realizáveis, mas é melhor sonhar muito para que se concretizem poucos, do que sonhar pouco e não se concretizar nenhum.
Os bons sonhos movimentam a história; fazem evoluir os projetos e vão aprimorando as decisões e as obras das pessoas. É bonito quando um casal de namorados sonha sua casa. Quando um arquiteto capta o sonho e o apresenta em projeto a ser construído. Os bons sonhos profissionais ajudam a definir rumos de especialização. Os bons sonhos dos pobres motivam associações, cooperativas e organizações não governamentais. Enfim, sonhar é preciso!

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A LIÇÃO DO PEQUENO JAPONES.

A data de 11 de março não será esquecida no Japão e no mundo. Um tsunami – terremoto submarino – levou desolação e morte à costa japonesa. As ondas alcançaram até 23 metros. De altura. A televisão mostrou cenas somente vistas na fantasia dos filmes em super-produções. Automóveis e caminhões pareciam de plástico, redemoinhando nas águas, navios jogados em cima de prédios, aldeias inteiras desaparecendo. As estatísticas falam de 14 mil mortos e outros tantos desaparecidos.
Ha Minh Thanh é um policial vietnamita, voluntário no Japão. É dele o relato em carta à família, publicada na imprensa. Está acampado a 25 quilômetros da usina nuclear de Fakushima, trabalhando 20 horas por dia. As poucas horas que dorme são povoadas pela visão de cadáveres. Há dias foi escalado para ajudar na distribuição de comida, enviada por uma organização humanitária. As crianças da escola infantil eram muitas e, provavelmente, não haveria comida para todas.
O último da fila era um garotinho de nove anos, pés descalços e vestindo apenas minúsculo calção. A comida poderia acabar antes de sua vez. O policial ficou sabendo que o menino estava numa escola, no terceiro andar. O pai trabalhava perto e tratou de socorrer o filho. Ele viu quando o carro e o pai desapareceram levados pelas ondas. Sua mãe e a irmãzinha, revelou, moravam à beira da praia e foram levadas pelas ondas enlouquecidas. O voluntário tirou sua jaqueta de policial e vestiu-a no menino. Depois pegou sua bolsa de comida, deu a ele explicando: eu já comi hoje, fica para você!
A criança agradeceu com uma graciosa inclinação. Depois pegou a bolsa e foi colocá-la junto aos outros alimentos que seriam distribuídos. O policial ficou surpreendido, pois imaginava que o pequeno, faminto, começaria logo a comer. E mais surpreendido ainda ficou com a explicação da criança: é possível que haja gente com mais fome do que eu, coloquei-a junto aos outros alimentos, assim a distribuição será mais justa.
Um povo que consegue dar a uma criança de nove anos esta educação, jamais será derrotado. Saberá superar a guerra, a bomba atômica, o tsunami ou qualquer outra tragédia. É um povo que apostou na educação.
Hoje a educação no Brasil atravessa verdadeiro tsunami. Há estabelecimentos que acham que sua função é apenas ensinar. Os professores – em sua grande maioria – são mal remunerados. E a pior de todas as crises: não mais conseguem fazer valer sua autoridade em classe, diante da prepotência de alunos, que contam com o irracional apoio de pais.
Dom Pedro II dizia: se eu não fosse imperador, queria ser professor e a poetisa Gabriel Mistral - Prêmio Nobel de Literatura - pretendia fazer de um dos seus alunos seu verso mais perfeito. Todos temos a obrigação de aprender a lição do pequeno japonês.

domingo, 25 de janeiro de 2015

SABIO É QUEM NÃO SE DEIXA ILUDIR.

A esperança foge aos cálculos; vai além dos conceitos; não se aprisiona com decretos e nem se consegue medir com aparelhos. Algumas observações ajudam a situar quem tem esperança e quem está desesperado, quem cultiva a esperança e quem se deixa envolver pela indiferença.
O que é mesmo a esperança? De maneira simples e compreensível podemos dizer que a esperança é uma virtude humana que se apoia no desejo de um bem futuro e, atentamente, se volta para alcançá-lo. Essa virtude vai além do humano e se torna eapecial quando nos envolve vivamente no “já” e no “ainda não” do Reino de Deus.
Somente o ser humano pode viver e ter esperança! Nem os animais, nem os vegetais e menos ainda os minerais têm esperança. A esperança está tão dentro da vida humana que, por mais reprimida que seja, sempre faz despontar um raio de luz nas piores tempestades e sombras da vida.
O nosso viver como gente não acontece todo num instante, como quem diz: “Já estou pronto; alcancei tudo; conquistei todos os meus sonhos!”. O nosso agora sempre é seguido do ainda não. Por este motivo, a esperança é essencial para o viver humano. É claro que não podemos esconder a tentação que nos perturba, de querer resolver tudo de uma vez, de imaginar tudo feito, de achar que nossas seguranças humanas nos queriam acomodar.
É sintomática aquela parábola que o Cristo contou do homem rico insensato em Lucas. A colheita foi tão grande que ele mandou desmanchar os antigos celeiros e construir tudo novo, confirmando a si mesmo ter alcançado todas as esperanças. “Descansa, come, bebe e goza a vida!” De imediato Deus lhe disse: “Tolo! Ainda nesta noite tua vida será tirada. E para quem ficará o que acumulaste?”
Um instante na vida não é o todo da vida, por mais realizado que pareça. O risco de se iludir com a fartura do momento não é estranho a ninguém. Sábio é quem não se deixa iludir e se abre aos instantes da vida para as mais inesperadas surpresas. A força salutar da esperança sempre nos coloca a caminho, com a certeza do ‘melhor’ que está por vir, do encontro ‘maior’ que pressentimos e do ‘mais’ que desejamos.
Viver é ir entrando no futuro, movidos pela esperança. Esta não nos vacina contra o medo que precisa ser superado, pois o medo pode nos paralisar diante do caminho desconhecido. O medo é inimigo da esperança porque impede a pessoa de ir adiante e desenvolver sua capacidade criadora e dinâmica.
Há um falso conceito de esperança que apenas acha contentar a pessoa com a espera, numa atitude passiva e indiferente. Esta falsa ideia priva as pessoas dos sonhos e vai matando o entusiasmo e a criatividade.
Mais do que clarear conceitos de esperança, sempre é bom lembrar que esta vai definindo os traços de seu rosto nas pessoas que a cultivam. E quem de nós não gosta de viver com pessoas de esperança? A esperança vivida se torna contagiante e o contágio torna fecunda a esperança, ajudando a concretizar uma nova história.

sábado, 24 de janeiro de 2015

A VIOLENCIA TEM RAÍZES PROFUNDAS.

Cláudio Rodrigues Rocha, 43 anos, teve seus 15 minutos de celebridade. Guarda noturno, foi contratado para zelar pelas residências de uma rua, função que exerce há 15 anos. Sempre atento, percebeu que algo estranho estava acontecendo em sua área. Acompanhado da esposa e de um filho de 10 anos, o dono de uma empresa estava sob a mira de um revólver. O assaltante exigiu o documento e a chave do carro e o segredo do cofre. O guarda procurou uma posição estratégica e acionou sua arma, atingindo o abdômen do assaltante. A polícia foi chamada e o criminoso levado ao hospital, após ser indiciado por roubo. Mas o vigilante também foi preso por falta de porte de arma. É bom lembrar que o Estatuto do Desarmamento proíbe que vigilantes estejam armados.
A prisão do guarda noturno mobilizou os moradores e o bom senso prevaleceu. Um advogado conseguiu sua liberdade provisória, depois de ter passado vinte horas no Presídio Central de Porto Alegre. Cláudio da Rocha responderá em liberdade pelo crime.
A questão do desarmamento foi debatida no Brasil em plebiscito. Após uma campanha emocional o “Não” venceu o “Sim”. Os vitoriosos alegaram que é injusto proibir o cidadão comum portar armas, enquanto os criminosos possuem arsenais e estão dispostos a usá-los. Mesmo que o Sim - desarmamento - tivesse vencido, nada teria mudado. Há uma preocupação em eliminar as consequências sem chegar às causas. Lei nenhuma resolve por si mesma. A violência tem raízes profundas e se alimenta das injustiças do tecido social. A Igreja, a família e a escola já não desfrutam do apoio necessário. Os meios de comunicação, muitas vezes e de muitas maneiras, pregam a violência. A maior ilusão é acabar com a violência pela violência.
Os doutores da lei dos tempos de Jesus contabilizaram 632 mandamentos. Ao ser interrogado sobre o maior deles, Jesus apontou o amor a Deus e ao próximo. Eles constituem a síntese, a essência de todas as leis. Amar o próximo não pode ser apenas uma bela intenção, mas exige também a purificação da sociedade. As leis nunca salvaram ninguém. São Paulo alerta que a lei, sem o espírito, mata. Ela existe para privilegiar um valor. Mais que a humanidade se afasta de Deus, mais leis são necessárias. E inúteis. São Paulo garante: “Onde existe o Espírito do Senhor, aí reina a liberdade”.
Deus quer que seus filhos e filhas sejam felizes. O homem de hoje exige autonomia absoluta e pretende saber como ser feliz. Ele recusa a lei do amor e se obriga a viver sob a lei do temor. O guarda noturno cometeu pequena infração – arma sem porte –mas quem vai dar ordem de prisão aos grandes ladrões deste país? O Padre Antônio Vieira (1608 – 1697) lembrava que o verbo furtar era conjugado em todos os tempos, pessoas e modos. Na antiguidade grega, o filósofo Diógenes dizia que a lei era como uma teia de aranha, que só prendia pequenos insetos.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A MODERNIDADE AGONIZA,

O que caracteriza os tempos pós-modernos em que vivemos,  é a falta de resposta para a questão do sentido da existência. Por enquanto, estamos na zona nebulosa da terceira margem do rio.
A modernidade agoniza, solapada por esse buraco aberto no centro do coração pela cultura da abundância. Nunca a felicidade foi tão insistentemente ofertada. Está ao alcance da mão, ali na prateleira, na loja da esquina, divulgada em todo tipo de mercadoria.
No entanto, a alma se dilacera, seja pela frustração de não dispor de meios para alcançá-la; seja por angariar os produtos do fascinante mundo do consumismo e descobrir que, ainda assim, o espírito não se sacia...
A publicidade repete incessantemente que todos temos a obrigação de ser feliz, de vencer, de nos destacarmos do comum dos mortais. Sobre esses recai o sentimento de culpa por seu fracasso. Resta-lhes, porém, uma esperança, apregoam os que deslocam a mensagem evangélica da Terra para o Céu: o caráter miraculoso da fé. Jesus é a solução de todos os problemas. Inútil procurá-la nos sindicatos, nos partidos, na mobilização da sociedade.
Vivemos num universo fragmentado por múltiplas vozes, frente a um horizonte desprovido de absolutos, com a nossa própria imagem mil vezes distorcida no jogo de espelhos. Engolida pelo vácuo pós-moderno, a religião tende a reduzir-se à esfera do privado; olvida sua função social; ampara-se no mágico; desencanta-se na autoajuda imediata.
Nesse mundo secularizado, a religião perde espaço público, devido à racionalidade tecnocientífica, ao pluralismo de cosmovisões, à racionalidade econômica. Sobretudo, deixa de ser a única provedora de sentido. Seu lugar é ocupado pelo oráculo poderoso da mídia; os dogmas inquestionáveis do mercado; o amplo leque de propostas esotéricas.
A crise da modernidade favorece uma espiritualidade adaptada às necessidades psicossociais de evasão, da falta de sentido, de fuga da realidade conflitiva. Espiritualidade impregnada de orientalismo, de tradições religiosas egocêntricas, ou seja, centradas no eu, e não no outro, capazes de livrar o indivíduo da conflitividade e da responsabilidade sociais.
Agora, manipula-se o sagrado, submetendo-o aos caprichos humanos. O sobrenatural se curva às necessidades naturais. A solução dos problemas da Terra reside no Céu. De lá derivam a prosperidade, a cura, o alívio. As dificuldades pessoais e sociais devem ser enfrentadas, não pela política, mas pela autoajuda, a meditação, a prática de ritos, as técnicas psicoespirituais.
Reduzem-se, assim, a dimensão social do Evangelho e a opção pelos pobres. O sagrado passa a ser ferramenta de poder, para controle de corações e mentes, e também do espaço político. O Bem identifica-se com a minha crença religiosa. Bin Laden exige que o Ocidente se converta à sua fé, não ao bem, à justiça, ao amor.
Essa religião, mais voltada à sua dilatação patrimonial que ao aprimoramento do processo civilizatório, evita criticar o poder político para, assim, obter dele benefícios: concessão de rádio e TV etc. Ajusta a sua mensagem a cada grupo social que se pretende alcançar.
Sua ideologia consiste em negar toda ideologia. Assim, ela sacraliza e fortalece o sistema cujo valor supremo, o capital, se sobrepõe aos direitos humanos. Como observava Comblin, as forças que hoje dominam são infinitamente superiores às das ditaduras militares.
Aos pobres, excluídos deste mundo, resta se entregarem às promessas de que serão incluídos, cobertos de bênçãos, no outro mundo que se descortina com a morte. Frente a essa “teologia” fica a impressão de que a encarnação de Deus em Jesus foi um equívoco. E que o próprio Deus mostra-se incapaz de evitar que sua Criação seja dominada pelas forças do mal.
Fomos criados para ser felizes neste mundo. Se há dor e injustiça, não são castigos divinos, resultam de obra do ser humano e por ele devem ser erradicadas. Como diz Guimarães Rosa, “o que Deus quer ver é a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar, no meio da tristeza. Todo caminho da gente é resvaloso. Mas cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente volta.”

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

VIDA E MORTE.

Num dos mais belos hinos da liturgia cristã da Páscoa, que nos vem do século XIII, se canta que “a vida e a morte travaram um duelo; o Senhor da vida foi morto, mas eis que agora reina vivo”. É o sentido cristão da Páscoa: a inversão dos termos do embate. O que parecia derrota era, na verdade, uma estratégia para vencer o vencedor, quer dizer a morte. Por isso, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. Ressuscitado, garantiu a supremacia da vida.
A mensagem vem do campo religioso que se inscreve no humano mais profundo, mas seu significado não se restringe a ele. Ganha uma relevância universal, especialmente nos dias atuais, em que se trava física e realmente um duelo entre a vida e a morte. Esse duelo se realiza em todas as frentes e tem como campo de batalha o planeta inteiro, envolvendo toda a comunidade de vida e toda a humanidade.
Isso ocorre porque, tardiamente, nos estamos dando conta de que o estilo de vida que escolhemos nos últimos séculos, implica uma verdadeira guerra total contra a Terra. No afã de buscar riqueza, aumentar o consumo indiscriminado (63% do PIB norte-americano é constituído pelo consumo que se transformou numa real cultura consumista) estão sendo pilhados todos os recursos e serviços possíveis da Mãe Terra.
Nos últimos tempos, cresceu a consciência coletiva de que se está travando um verdadeiro duelo entre os mecanismos naturais da vida e os mecanismos artificiais de morte deslanchados por nosso sistema de habitar, produzir, consumir e tratar os dejetos. As primeiras vítimas desta guerra total são os próprios seres humanos. Grande parte vive com insuficiência de meios de vida, favelizada e superexplorada em sua força de trabalho. O que de sofrimento, frustração e humilhação aí se esconde é inenarrável. Vivemos tempos de nova barbárie, denunciada por vários pensadores mundiais, como recentemente por Tsvetan Todorov em seu livro O medo dos bárbaros (2008). Estas realidades que realmente contam porque nos fazem humanos ou cruéis, não entram nos cálculos dos lucros de nenhuma empresa e não são considerados pelo PIB dos países, à exceção do Butão, que estabeleceu o Índice de Felicidade Interna de seu povo. As outras vítimas são todos os ecossistemas, a biodiversidade e o planeta Terra como um todo.
Recentemente, o prêmio Nobel em economia, Paul Krugmann, revelava que 400 famílias norte-americanas detinham sozinhas mais renda que 46% da população trabalhadora estadunidense. Esta riqueza não cai do céu. É feita através de estratégias de acumulação que incluem trapaças, superespeculação financeira e roubo puro e simples do fruto do trabalho de milhões.
Para o sistema vigente, a acumulação ilimitada de ganhos é tida como inteligência; a rapinagem de recursos públicos e naturais, como destreza; a fraude, como habilidade; a corrupção, como sagacidade; e a exploração desenfreada, como sabedoria gerencial. É o triunfo da morte. Será que nesse duelo ela levará a melhor?
O que podemos dizer com toda a certeza é que nessa guerra não temos nenhuma chance de ganhar da Terra. Ela existiu sem nós e pode continuar sem nós. Nós sim precisamos dela. O sistema dentro do qual vivemos é de uma espantosa irracionalidade, própria de seres realmente dementes.
Analistas da pegada ecológica global da Terra, devido à conjunção das muitas crises existentes, nos advertem que poderemos conhecer, para tempos não muito distantes, tragédias ecológico-humanitárias de extrema gravidade. É neste contexto sombrio que cabe atualizar e escutar a mensagem da Páscoa que chega em breve. Possivelmente não escaparemos de uma dolorosa sexta-feira santa. Mas depois virá a ressurreição. A Terra e a Humanidade ainda viverão.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

E NÓS, PLEBEUS?

Ora, e se eu dissesse a você, leitor(a), que acabo de ler um romance no qual uma princesa, Anne, após 20 anos de casada, decide divorciar de seu marido, Mark, por suspeita de adultério? Como narrativas centradas na nobreza requerem temperos de romantismo e intriga, sedução e traição, o irmão da princesa, Charles, herdeiro do trono, também se separa de sua bela mulher, Diana, mãe de seus dois filhos, para se juntar a uma mulher divorciada, a inexpressiva Camilla.
Indignada com a atitude do filho, a rainha se recusa a abdicar, impedindo-o de ascender ao trono. A princesa Diana cai nos braços de um miliardário árabe, sob o risco de dar à luz, na nobre linhagem da Casa de Windsor, cabeça da Igreja Anglicana, o primeiro rebento muçulmano...

Mas eis que o destino a conduz à morte num trágico acidente automobilístico num túnel de Paris. Destronada da nobreza e da vida, Lady Di passa a merecer veneração mundial por sua beleza e dedicação a causas sociais.
Andrew, outro filho da rainha, se casa com uma tal Sarah. Seis anos depois, o casamento fracassa. Sarah perde as regalias nobiliárquicas e, desesperada, é flagrada negociando com empresários, por quantia superior a R$ 1 milhão, acesso ao ex-marido, representante comercial da Grã-Bretanha.
São todas histórias reais – no duplo sentido do adjetivo. Que autor de novela ou romance bolaria trama tão instigante e apimentada?
Agora, o mundo pareceu esquecer guerras e dores, trabalhos e dificuldades, para se deliciar com o casamento do príncipe William, filho de Charles e Diana, com a plebeia Kate Middleton. O sonho em forma de realidade! O verdadeiro reality show!
Não apenas os noivos expressam felicidade. A combalida economia britânica, afetada pela crise do capitalismo iniciada em 2008, também se rejubila. Como isca de turismo e venda de souvenires, a família real britânica garante aos cofres do país cerca de R$ 1,2 bilhão por ano. Prevê-se um faturamento de R$ 4,8 bilhões, graças aos milhares de turistas que foram a Londres pelo prazer de repetir o resto da vida: “Naquele dia, eu estava lá.”.
A UK Gift Company, especializada na venda de penduricalhos reais (chaveiros, isqueiros, louças com foto dos noivos, bolsas estampadas etc.) calcula um aumento de 40% nas vendas. Mundo afora, mais de 2 bilhões de pessoas, de olho nas bodas reais via TV ou internet, fizeram a festa das agências de publicidade e das empresas anunciantes.
Acima de toda essa nobre parafernália paira uma pergunta: vale a pena os súditos britânicos sustentarem a família real? Ora, a Casa de Windsor custa, a cada súdito, a bagatela de R$ 1,66 por ano. E possui em propriedades algo em torno de R$ 16 bilhões. A maior parte desse patrimônio está alugada, e a renda vai direto para os cofres públicos. Caso a monarquia fosse abolida, a família teria direito de apropriar-se da renda.
E nós, pobres plebeus, que admiramos extasiados bodas reais e já não temos monarquia? Elementar, meu caro Watson: revestimos os nossos ídolos de majestade – o rei Pelé; o rei Roberto Carlos; misses coroadas e escolas de samba em pompas principescas.
Ainda bem que o nosso príncipe destronado, Dom João Henrique de Orléans e Bragança, bisneto da princesa Isabel, assume tranquilo sua condição de feliz plebeu. Fotógrafo e hoteleiro, vive numa bucólica casa em Parat
y e não perde a oportunidade de oferecer aos amigos uma deliciosa cachaça.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O DRAMA DA PESSOA INVISÍVEL.

Na vida as perdas acontecem aos poucos. Os sentidos vão diminuindo, sobretudo a visão e a audição. Juliana, mãe de três filhos, começou a perceber que estava se tornando invisível. Um dia pediu às crianças: por favor, desliguem a televisão. Foi necessário repetir a ordem três vezes, sempre com maior intensidade. Depois, ela mesma desligou a TV. Na escola, tentou falar com a diretora. Outras mães que chegavam depois eram prontamente atendidas. Dias depois, numa festa, quase todos os convidados já se haviam retirado. Ela também estava pronta para sair. O marido falava com um amigo e não viu a esposa aguardando. Sua conclusão: ele não me enxerga, sou invisível.
Numa noite, o círculo de amizades de Juliana se reuniu na casa de uma amiga que fizera uma viagem à Europa. No fim, cada uma recebeu um brinde. Trouxe isso para ti, disse a anfitriã e entregou a ela um livro sobre catedrais. Ela não entendeu até que viu a dedicatória: com admiração por tudo o que você constrói e ninguém vê. O livro falava das catedrais da Europa. Algumas foram construídas ao longo de 100 ou mais anos. Milhares de operários haviam trabalhado e não sabemos seus nomes. O mais significativo: autor desconhecido. O construtor de uma destas catedrais esmerou-se em pintar um anjo, que ficaria oculto sob o telhado. Alguém observou que ninguém enxergaria o anjo, mas ele esclareceu: Deus vê!
Fechou o livro e viu iluminar-se dentro dela uma certeza: Deus te vê. Nenhum trabalho, nenhum sacrifício, nenhuma lágrima são perdidos, você está construindo uma catedral. Você não a verá concluída, nunca habitará nela, mas Ele está vendo cada gesto por pequeno que seja. Entendeu que a invisibilidade não é uma limitação, não é uma doença, mas faz parte da cura contra o orgulho e o egoísmo.
Não importa que seus filhos não digam aos amigos: vocês não acreditam quantas coisas a mãe faz. E isso desde o despertar: preparar o café, ver se os uniformes das crianças estão limpos, a hora do dentista, a compra de um presente que o filho levará no aniversário do amigo. Depois tem a limpeza, o almoço, as compras, devolver um livro, visitar a sogra que saiu do hospital, trocar a camisa do marido, que prefere outra cor. Mais: a janta, saber como foi o colégio dos filhos, os problemas do marido no escritório e preparar o dia seguinte. O importante é que os filhos tragam os amiguinhos para casa e que o marido sinta-se feliz no lar. Ela não trabalha com estatísticas, nem pede aplausos, nem espera ser vista. Ela está construindo uma catedral. E tem certeza que Deus a está vendo.
Na Grécia antiga, o pintor Zeuxis continuava pintando mesmo idoso e doente. E quando insistiam que não devia expor-se a tanto sacrifício, ele explicou: eu pinto para a eternidade. E o Evangelho aconselha: que tua mão direita não saiba o que a tua mão esquerda faz e o “Pai que tudo vê, te dará a recompensa”.

domingo, 18 de janeiro de 2015

O QUE ESTA HAVENDO COM A ESPERANÇA?

Há bons observadores que analisam as páginas atuais de nossa história. Estes procuram situar avanços e crises e se dão o direito de afirmar que a maior crise de nosso tempo atinge de frente a esperança. Há muita gente de semblante abatido por viver de saudades; há multidões de solitários que veem seus recursos emocionais e afetivos sendo danificados e sem perspectivas; há quem pouco ou nada mais espera do futuro por humanas decepções.
Grande número dos que investiam e investem todas as esperanças nos avanços da ciência e das conquistas técnicas percebe que o alcance da inteligência humana é limitado e toda a criatividade também é frágil. É elogiável quando esta percepção se torna um degrau para continuar avançando com novas esperanças, sem perder de vista os novos horizontes que Deus garante aos humanos que amam a vida.
Num discurso de campanha, um político dizia: “A esperança está doente!” Sinceramente, achei uma expressão muito infeliz e injusta. Seria como dizer: “O amor está doente!” Na verdade, jamais a esperança, em si, perde sua força, não adoece e não se desgasta, assim como o amor e todas as virtudes. Quem pode adoecer por falta de esperança são os humanos que não a cultivam, que não acolhem seu dinamismo sempre atual e novo, e não se dão conta que a esperança é um dom, mas também uma responsabilidade.
Como vai a esperança em você, amigo leitor? Como vai a esperança dentro de nossas casas, em nossa família? Como vai a esperança em nossas instituições de ensino, nas repartições públicas, na Igreja e nas congregações religiosas? Como nos imaginamos daqui a cinco, dez, vinte ou sessenta anos? Assim como a fé sempre começa com uma pergunta, a esperança também questiona nossas razões de viver deste ou daquele modo.
O dinamismo da esperança libera-se em nós quando somos capazes de jogar toda a confiança no ponto de chegada que vai além do tempo e da história. Ali as boas esperanças do cotidiano vão se juntando. E quando alcançamos a meta definitiva, todo o vigor da esperança se funde ao amor, só restando mesmo o amor para sempre.
Fernando Pessoa disse bem: “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. Grandes almas não desistem! Podem enfrentar as piores barreiras com dor e temor, mas sempre acham um jeito de prosseguir esperando, confiando e investindo tudo para que as esperanças aconteçam.
Se alguém perguntar a você: “Como vai a esperança?” Responda, também perguntando: “Como você administra a sua esperança?”

sábado, 17 de janeiro de 2015

PARA CRESCER É PRECISO DIMINUIR.

Karen Armstrong, em “A Era da Transformação”; Carl Sagan, em “Bilhões e Bilhões”; Joseph Campbell, em “ O Poder do Mito”; e Jean Baudrillard, em “A Transparência do Mal”, cada qual do seu jeito, abordam as questões da transcendência, da imanência e da excrescência; falam do humano que não se contém, não aceita ser contido e desafia os limites, mas, de tanto querer mais, perde o sentido do pouco e do menos e por isso não se situa.
Os humanos precisam de parâmetros e limites. Como a água, perdem-se na inutilidade quando não aceitam os limites. O sujeito sem limites vive de sentir-se sitiado e por isso mesmo é ressentido; nem as coisas se situam nele, nem ele nas coisas do seu meio. Lutou para sair da gravidade, liberou-se, entrou em órbita e agora não sabe re-entrar. Não quis o meio, não se dá bem com os extremos e por isso vive pelas extremidades.
De tanto querer ser superior, superficializou-se. Tornou-se diferente, mas não consegue ser ele mesmo, nem ver as coisas como elas são. Não há aeroporto capaz de receber e abastecer o seu avião. Então, não desce e gasta fortunas para abastecer-se nos ares dos seus sonhos. Vive de exorbitâncias e excrescências. Todo e qualquer mais-mais ainda é pouco para ele.
Há um tipo desses em cada grupo, em cada Igreja, às vezes em cada clube ou partido. A reflexão é cruel, como cruel é a rejeição que tira alguém do meio e o leva à excrescência. Na verdade, não cresceu e não crescerá, a menos que diminua o tamanho do seu ego que todo mundo percebe, menos ele!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

QUANDO OS PAIS TEM MAIS TEMPO PARA A INTERNET E OS NEGÓCIOS...

Doze adolescentes, de 13 a 15 anos, foram cruelmente assassinados,  nas salas de aula de uma escola de Realengo, Rio. Outras tantas ficaram feridas. O criminoso, de 23 anos, disparou na própria cabeça a 66ª bala saída de seus dois revólveres.
Massacre como este nunca havia ocorrido no Brasil. São frequentes nos EUA. E enchem o prato da mídia em busca de audiência. A cada telejornal, reaparecem as fotos das crianças, o depoimento de parentes e amigos, os sonhos que nutriam...
Em Antígona, de Sófocles (496-405 a.C.), a mulher que dá nome à peça rebela-se contra o Estado que a proíbe de sepultar seu irmão. Hoje, a exploração midiática torna os corpos insepultos. As famílias das crianças sacrificadas, ontem no anonimato, agora ocupam manchetes e são alvos de holofotes. É a morte como sucesso de público!
O assassino foi o único culpado? Tudo decorreu de um “monstro” movido por transtornos mentais? A sociedade que engendra esse tipo de pessoa não tem nenhuma responsabilidade?
Um gesto brutal como o do rapaz que matou à queima-roupa 11 meninas e 1 menino não é fruto de geração espontânea. Há um histórico de distúrbios familiares, humilhações escolares (bullying) e discriminações sociais, indiferença de adultos frente a uma criança com notórios sinais de desajustes.
Quando pais têm mais tempo para dedicar à internet e aos negócios que aos filhos; adolescentes ingerem bebida alcoólica misturada a energéticos; alunos ameaçam professores; crianças se recusam a dar lugar no ônibus aos mais velhos... o sinal vermelho acende e o alarme deveria soar.
O que esperar de uma sociedade que exalta a criminalidade, os mafiosos, a violência, através de filmes e programas de TV, e quase nunca valoriza quem luta pela paz, é solidário aos pobres, trabalha anonimamente em favelas para, através do teatro e da música, salvar crianças de situações de risco?
Como evitar novos massacres semelhantes ao de Realengo? Quase dois terços dos eleitores brasileiros aprovaram, no plebiscito de 2005, o comércio de armas. As lojas vendem armas de brinquedo presenteadas às crianças. Os videogames ensinam como se tornar assassino virtual.
Há no Brasil 14 milhões de armas em mãos de civis, das quais metade ilegais, como as duas que portava o assassino dos alunos da escola Tasso da Silveira.
Segundo o deputado Marcelo Freixo (PSOL), existem no Estado do Rio 805 mil armas em mãos de civis, das quais 581 mil são ilegais, muitas em mãos de bandidos. “O cidadão que compra uma arma para ter em casa, pensando em se proteger, acaba armando os criminosos”, afirmou no Rio o delegado Anderson Bichara, da Delegacia de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas.
Como dar um basta à violência se o Instituto Nobel da Noruega concede o prêmio da Paz a guerreiros como Henry Kissinger, Menachem Begin, Shimon Peres e Barak Obama?
Monstro é tão-somente quem entra armado numa escola, num supermercado, num cinema, e mata a esmo? Como qualificar a decisão do governo dos EUA de, após vencer a guerra contra a Alemanha e o Japão, jogar a bomba atômica sobre a pacífica população de Hiroshima, a 6 de agosto de 1945 (140 mil mortos), e três dias depois outra bomba atômica sobre a população de Nagasaki (80 mil mortos)?
Hitler e Stalin também podem ser qualificados de “monstros” e seus crimes são sobejamente conhecidos. Mas não há uma certa domesticação de nossas consciências e sensibilidades quando somos coniventes, ainda que por inação ou omissão, frente ao massacre dos povos iraquiano, afegão e líbio?
A paz jamais virá como resultado do equilíbrio de forças. Há nove séculos o profeta Isaías alertou-nos: ela só vigorará como fruto de justiça. Mas quem tem ouvidos para ouvir?

O governo Dilma, com razão, não gostou do relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre os direitos humanos no Brasil. O Itamaraty fez uma nota de protesto. É pouco. Só há uma resposta à altura: o Brasil emitir um relatório sobre os direitos humanos nos
EUA

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

UM FINAL FELIZ!

Um famoso guerreiro da antiguidade, pouco antes de uma batalha, recebeu seu imediato, que vinha da frente de batalha, com pavor nos olhos. Comandante, disse ele, vamos perder a batalha, o inimigo tem dez soldados para cada um dos nossos. Nessas circunstâncias seria prudente bater em retirada. Isso é o que pensava o imediato, mas o general respondeu: não estamos aqui para contar os inimigos, mas para vencê-los. E, apesar de numericamente inferior, seu exército venceu a batalha. Os anais de guerra lembram a frase do legendário grego Leônidas quando lhe comunicaram que o exército persa era muito mais numeroso: suas flechas escurecerão o sol. Leônidas respondeu: melhor, combateremos à sombra. Ele escolheu o estreito de Termópilas, local estratégico que anulava a vantagem numérica e derrotou os persas.
Hoje a opinião pública é contra qualquer guerra, mas os livros de história estão repletos de fatos envolvendo guerreiros e batalhas. A vida pode ser também considerada uma grande batalha. Muitas vezes as situações são adversas e as derrotas inevitáveis. Perder uma batalha faz parte, mas não podemos perder a guerra. Para triunfar na vida é necessário ter um projeto claro, acreditar nele e ter a disposição de pagar o preço necessário. Sonhar é importante, mas não leva a nada. É necessário acordar, ter disposição de pagar o preço e, se necessário, recomeçar. Mudar faz parte da estratégica da vida, mas, quando mudamos, devemos ter a certeza de que estamos mudando para melhor.
Perder uma batalha é comum. Os grandes, os heróis, passaram por isso. O importante é aprender com a derrota. O único insucesso que não vale à pena é aquele que nada nos ensina. A derrota deve ser um desafio para recomeçar de maneira diferente. A derrota é também uma mestra: ela nos ensina como não fazer.
Leônidas venceu porque soube adotar a estratégia certa. No desfiladeiro de Termópilas, os persas tinham de avançar em fila única e isso favoreceu Leônidas e seus trezentos espartanos. Também é importante a persistência. Pode ser hoje, amanhã ou algum dia. Importante é crer que o sonho se tornará realidade. Enquanto a certeza continuar viva, a vitória está a caminho.
E a fé inspira os crentes.Breve Festejaremos mais uma Semana Santa. Haverá um sonho, depois virão as dificuldades, enfim, a sombria Sexta-Feira das trevas e da morte, a Sexta-Feira do sepulcro. Mas haverá  também o Terceiro Dia, o dia definitivo da luz. É iluminados pela certeza da fé que os cristãos, que representam uma minoria, continuam lutando. Eles têm certeza que a última palavra ainda não foi dita. Têm certeza que o mal não terá a última palavra. A história humana tem um final marcado: um final feliz.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

DEUS NOS QUER PARCEIROS NA CONSERVAÇÃO DO AMBIENTE.

Há alguns anos tocou-me a leitura de um comentário inédito. Um jovem de uma pequena localidade deste Brasil, filho de família honrada e cristã, foi procurar trabalho numa grande cidade e lá foi preso. Sem motivos e sem defesa, o jovem foi confundido por outro criminoso que a ele se assemelhava. Podemos imaginar a tortura de um inocente dentro de uma prisão sem justificativa.
Vendo-se longe da família, sem ser conhecido por ninguém e sem argumentos para se defender, a princípio o jovem entrou em desespero. Depois de alguns dias começou a reagir e mostrar quem ele era. Num ambiente imundo e desordenado, começou a se empenhar na limpeza e na arrumação do que lhe era possível. Num recanto abandonado, começou removendo o lixo e plantando flores.
A princípio, passava o dia sendo observado pelos colegas de infortúnio, dentre os quais havia apoiadores e zombadores. Na medida em que o ambiente ia se transformando, iam se unindo ao jovem parceiros de ação e de mudança. Dentro de alguns meses, a prisão imunda passou a ser uma casa habitável, rodeada de jardins e de boa convivência. Todo esse empenho e dedicação lhe valeram a credibilidade e a liberdade, honrosamente conquistada.
Não faz mal lembrar aqui a conhecida história do agricultor japonês que foi transformando um banhado numa horta muito produtiva e digna de admiração. O padre que fora convidado para dar a bênção de inauguração, ao chegar, não deixou de expressar seu encanto e disse: “Graças a Deus, como tudo está mudado!”. O japonês, muito sábio, disse ao padre: “O senhor lembra quando Deus trabalhava sozinho como estava?”
Na verdade, Deus nos quer parceiros na melhoria do ambiente. Para isso nos deu inteligência, visão, força e capacidade de transformação. É melhorando e humanizando o ambiente que nos tornamos também criadores com Deus neste mundo em que habitamos.
A melhora do ambiente não pode ser condicionada ao ter mais ou ao ter menos. Dentro da realidade onde se vive sempre podemos melhorar. Quantas vezes fui abençoar casas em bairros muito pobres e vi a beleza do chão batido bem cuidado, das poucas coisas ordenadas e limpas e até das humildes flores cultivadas em pequenos jardins.
Quem se dá conta da importância do bom ambiente para a vida e a convivência, também sabe investir, mesmo que seja um pouco por vez, para ir melhorando e adequando o seu espaço à sua dignidade. Às vezes, pequenos investimentos e pequenas mudanças vão alimentando esperanças e causando grandes alegrias.
O ambiente onde vivemos é extensão da própria vida. Somos seres situados e datados. Se podemos melhorar o ambiente onde estamos como pessoas, como família, também se fazem importantes o cuidado e a melhoria do ambiente de nossa comunidade, seja o templo, a escola, os salões, as ruas... Se o que é do indivíduo é importante, o que é de todos, é muito mais.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

UM GRANDE AMOR TEM UM POUCO DE DIVINDADE E MUITO DE TEMPO.

No meio do oceano existia uma ilha onde moravam todos os sentimentos: alegria, tristeza, amor... Um dia souberam que a ilha seria inundada pelas águas. Todos os sentimentos apressaram-se a fugir com seus barcos. Mas o amor – sem muita noção do tempo - resolveu ficar mais um pouco para melhor contemplá-la, antes de desaparecer.
Quase inundada a ilha, o amor começou a pedir socorro. O primeiro pedido foi feito ao barco da riqueza. A resposta foi negativa: não posso, carrego muito ouro e prata, não há lugar para você. O amor continuou pedindo ajuda, agora à vaidade: não posso ajudá-lo, você está todo molhado e poderia sujar e estragar meu barco. A tristeza também recusou o pedido do amor, alegando que estava muito deprimida, preferia ir sozinha. As chances diminuíam e o barco da alegria estava muito cheio – por causa da euforia e do barulho – e não escutou o pedido. Desesperado, o amor começou a chorar quando uma voz o chamou: venha, amor, eu levo você no meu barco. Era um velhinho e o amor ficou tão feliz que esqueceu de perguntar-lhe o nome. Já na margem, o amor perguntou à sabedoria: quem era aquele bom velhinho que me trouxe em seu barco? Foi o tempo, afirmou a sabedoria, e completando a resposta garantiu: só o tempo é capaz de ajudar a entender um grande amor.
Vivemos hoje o tempo da pressa, da velocidade e do barulho. Para ganhar tempo, a sociedade de consumo oferece coisas pré-fabricadas e instantâneas. Você vai a uma loja e compra o que precisa num instante. Em poucos minutos, a dona de casa prepara uma refeição, um financiamento é obtido e um objeto qualquer é adquirido via Internet. Em poucas horas é feita uma viagem que, no passado, demorava uma semana. Além disso, existem coisas virtuais, especialmente amigos e amigas virtuais.
Ninguém tem tempo de esperar e a vida é sacudida por mil sentimentos, quase sempre, na superficialidade. Aí surge o amor à primeira vista, o amor instantâneo, um sentimento misturado com mil outros sentimentos, por vezes, contraditórios. Nós nos amamos e isto basta, é o dogma de muitos jovens. E o amor eterno pode acabar em meses.
A sabedoria antiga explicava que, para conhecer uma pessoa, era necessário antes comer com ela um saco de sal. Era o sal do cotidiano e do tempo. O Evangelho lembra: sobre a areia, é possível construir rapidamente uma casa. E com a mesma velocidade que é construída, ela desaba. Deus é amor e o amor verdadeiro tem um pouco da divindade, mas tem muito do tempo. Um carvalho leva 80 anos para a maturidade, uma abóbora está pronta em 30 dias... Um grande amor tem tudo a ver com o tempo.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

OUÇA A CRIAÇÃO.

Um casal de joão-de-barro construiu sua morada na janela de uma casa de família. Sem licença dos donos e sem serem percebidos, os novos moradores se estabeleceram e começaram a conviver. Em posse de seu ninho, durante uma refeição dos proprietários da casa, inauguraram o seu canto festivo. Ao cantarem, foram descobertos em sua invasão. De imediato, a dona de casa, muito zelosa pela estética, deu ordem à empregada para demolir a casa de barro. Mas no momento em que a mãe deu a sentença um filho gritou: “Mãe, para com isso! Ouça a criação! Deixa o joão-de-barro cantar!” A palavra da criança foi levada a sério e, a partir daí, os novos moradores foram aceitos e diariamente ofereciam, em recompensa, o seu canto inconfundível. Um novo afeto e uma nova sensibilidade contagiaram a família.
Ouça a criação! Parece ser uma urgência tanto maior quanto mais somos invadidos e agredidos pela poluição sonora que se impõe ao nosso redor. A pior perda de sensibilidade auditiva não vem pela deficiência dos ouvidos, mas pela frieza e dureza do coração.
Ouça a criação! É mais do que escutar o canto do joão-de-barro, a melodia dos ventos que sopram na floresta, a harmonia dos grilos no entardecer ou o berro dos rebanhos de nossos campos. Tudo isso também pode ser importante, especialmente para as novas gerações. Porém, para aprendermos ouvir a criação em sua verdadeira linguagem, necessitamos confirmar e acolher, cada dia, a voz da palavra criadora de Deus que ressoa em cada obra que saiu de suas mãos. Tudo fala de Deus!
Ouça a criação! É um chamado que vem do coração da vida, para que a vida não se torne tão vazia e agredida. Há uma palavra que antecede e segue o que nossos ouvidos ouvem e nossos olhos veem. O “Faça-se” pronunciado pelo Criador não emudeceu com o tempo. Em tudo o que nos cerca há uma mensagem de amor sempre vivo e atual. Até mesmo os fatos ruins podem ser entendidos como um grito de alerta para escutarmos a palavra original daquele que fez bem todas as coisas e continua seu projeto.
Há alguns anos, ao visitar os confrades da região de Rondônia e Mato Grosso, ao longo dos caminhos, Carlos, viu a dramática derrubada das matas. Tratores e grandes correntes demoliam em minutos o que a natureza tinha gerado em séculos. Ao ver a queda impiedosa, ouvia-se também o grito de morte da floresta nativa. E o pior é que isso não terminou. “A criação continua gemendo em dores de parto”. Mas, que parto? Eis a questão! Se é para nascer algo melhor e escutar os hinos harmoniosos de uma nova criação, o parto será honroso. Se for para nascerem desertos e monstros, que o Criador nos inquiete em tempo para continuarmos sonhando com um “novo céu e uma nova terra”.
Ouça a criação! Essa escuta exige um permanente treinamento de fé, através do silêncio interior. Se aprendermos escutar e acolher a ação do Espírito de Deus que, no início da criação pairava sobre as águas, para que pudessem gerar a vida, ainda poderemos saudar o alvorecer do primeiro dia da criação.

domingo, 11 de janeiro de 2015

PEQUENOS GESTOS PARA MUDAR O MUNDO.

Chama nossa atenção desde o início o uso de uma imagem fundamentalmente humana para despertar nossa consciência para o sofrimento da natureza hoje. As dores de parto não são privilégio humano, é certo. Os animais, sobretudo os mamíferos, também as sofrem. Mas apenas os seres humanos têm consciência da dor e podem explicitá-la. Por isso, o livro do Genesis, ao querer explicitar o que seria consequência do pecado original, ao lado do suor e do esforço do trabalho, coloca as dores de parto que a mulher sentirá para dar ao mundo seus filhos. E não sem razão essas dores, esse processo, é igualmente chamado de “trabalho”. Quando uma mulher vai dar à luz, diz-se que entrou em “trabalho de parto”.
Além de chamar a atenção para o fato de que uma visão excessivamente antropocêntrica deu origem a este processo de desprezo e destruição da natureza sob o pretexto de que apenas o ser humano mereceria a atenção do Criador. Assim, gestos pequenos e cotidianos tais como: apagar as luzes, não usar inutilmente ar refrigerado, não desperdiçar água, não poluir o ambiente, fazer triagem do lixo etc. podem ser uma boa ascese para nós, filhos da civilização do plástico e do descarte irresponsável que resultou em boa parte na situação terrível que hoje vivemos e que já nos ameaça bem de perto. O aumento de catástrofes naturais como enchentes e terremotos dão bem conta de até que ponto a natureza se encontra e se sente agredida, e dá disso sinais potentes.
Pequenos gestos não excluem os grandes. Devemos também organizar protestos, manifestos, participar de grupos ecológicos, informar-nos cada dia mais e melhor sobre o problema. A literatura hoje é abundante e ninguém pode dizer que não tem fontes de pesquisa sobre este assunto tão atual e candente. Quanto mais informados estivermos, mais poderemos contribuir para criar uma consciência ecológica universal, tão necessária no momento em que vivemos. Talvez uma boa ascese seria, em lugar de ver novelas ou ler coisas inconsistentes e superficiais, dedicarmos um momento ao dia para uma boa leitura sobre ecologia, a fim de ver que ação transformadora poderíamos empreender, inventar ou em qual das que já existem engajar-nos.
Por fim, a motivação maior para esta ascese nossa seria o fato de sermos imagens do próprio Deus que, na origem dos tempos, “retirou-se” e “contraiu-se” em sua eternidade, a fim de que o mundo – ou seja, aquilo que não era Deus - pudesse eclodir. Muitos autores judeus, dos quais o mais notável é sem dúvida Isaac Lurian, elaboraram sobre esta mística chamada do tzim-tzum, do encolhimento de Deus por amor à sua criação.
Imitadores que somos convidados a ser do próprio Deus, por parte de seu Filho Jesus que a misericordiosa e clemente “ascese divina” que nos permitiu ser e viver nos inspire a fim de que, por meio de uma responsável e consciente “ascese antropológica”, demos e cultivemos a vida em todas as suas dimensões neste planeta.

PARA AS POTENCIAS OCIDENTAIS, DIREITOS HUMANOS?

As potências ocidentais, lideradas pelos EUA, botam a boca no trombone em defesa dos direitos humanos na Líbia. E as ocupações genocidas do Iraque e do Afeganistão? Quem dobra os sinos por um milhão de mortos no Iraque? Quem conduz à Corte da ONU os assassinos no Afeganistão?
O interesse dos EUA e da União Europeia não é a defesa dos direitos humanos na Líbia. É assegurar o controle de um território que produz 1,7 milhão de barris de petróleo por dia, dos quais depende a energia de países como Itália, Portugal, Áustria e Irlanda.
O caso do Iraque é exemplar: os EUA inventaram as jamais encontradas “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein para exercer o controle sobre o segundo maior produtor mundial de petróleo - 2,11 milhões de barris/dia, só superado pela Arábia Saudita. E com reservas de 115 bilhões de barris. Soma-se a sua posição geográfica estratégica, já que faz fronteiras com Arábia Saudita, Irã, Jordânia, Kwait, Síria e Turquia.
No dia 20 de março, completaram-se doze anos que os EUA e parceiros invadiram o Iraque sob o pretexto de “estabelecer a democracia”. O governo de Maliki está longe de uma democracia. Em fevereiro último, milhares de iraquianos foram às ruas para reivindicar trabalho, pão, eletricidade e água potável. O exército os reprimiu brutalmente. Nenhuma potência mundial clamou em favor dos direitos humanos nem sugeriu que Maliki responda perante tribunais internacionais.
A ONU é, hoje, lamentavelmente, uma instituição desacreditada. Os EUA a utilizam para aprovar resoluções que justifiquem seu papel de polícia global a serviço de um sistema injusto e excludente.
Kadafi esteve no poder desde 1969. Por que os EUA e a União Europeia jamais falaram em derrubá-lo? Porque, apesar de seus atentados terroristas, era conveniente manter ali um déspota que atraía investimentos estrangeiros e impedia que chegassem à Europa os imigrantes ilegais da África subsaariana. Quando o povo líbio clampu por liberdade, os EUA ocuparam posições estratégicas no Mediterrâneo, com aviões, helicópteros e navios de guerra. A União Europeia, por sua vez, estava preocupada em evitar que milhares de refugiados desembarcassem em seus países combalidos pela crise financeira.
Fala-se em estabelecer uma “zona de exclusão aérea” na Líbia. Isso significa bombardear os aeroportos do país e todas as aeronaves ali estacionadas. Em suma: uma nova frente de guerra.
O fato é que a Casa Branca foi surpreendida pelo movimento libertário no mundo árabe e, agora, não sabe como proceder. Era mais cômodo prosseguir cúmplice dos regimes autoritários em troca de fontes de energia, como gás e petróleo. Mas como opor-se ao clamor por democracia e evitar o risco de o governo de tais países cair em mãos de fundamentalistas?
Kadafi chegou ao poder com amplo apoio popular ao derrubar o regime tirânico do rei Idris, em 1969. Mordido pela mosca azul, com o tempo esqueceu todas promessas libertárias que fizera. Em 1974, valendo-se da recessão mundial, expulsou as empresas ocidentais, expropriou propriedades estrangeiras e promoveu uma série de reformas que fizeram melhorar a qualidade de vida dos líbios.
Finda a União Soviética, a partir de 1993 Kadafi deu boas-vindas aos investimentos estrangeiros. Após a queda de Saddam, temendo ser a bola da vez, assinou acordos para erradicar armas de destruição em massa e indenizou vítimas de seus atentados terroristas. Tornou-se feroz caçador de Osama Bin Laden. Pediu ingresso no FMI, criou zonas especiais de livre comércio e abriu o país às transnacionais do petróleo. Iniciou a privatização da economia, o que fez o desemprego aumentar cerca de 30% e agravar a desigualdade social.
Kadafi mereceu elogios de Tony Blair, Berlusconi, Sarkozy e Zapatero. Como ao Ocidente, desagradou-lhe a derrubada dos governos tirânicos da Tunísia e do Egito. Depois, atira contra um povo desarmado que aspira vê-lo fora do poder. Para as potências ocidentais, Kadafi tornou-se uma carta fora do baralho. O discurso do Ocidente é a democracia. O interesse, o petróleo. E para o capitalismo, só isto interessa: privatizar as fontes de riqueza. Enquanto a lógica do capital predominar sobre a da liberdade, o Ocidente jamais conhecerá verdadeiras democracias, aquelas nas quais a maioria do povo decide os destinos da nação.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

OS JORNALISTAS É QUE PAGAM O PATO.




A semana que termina nesta sexta-feira escancarou a crise dos meios de comunicação brasileiros. Primeiro, foi a Abril, em São Paulo, quem entregou metade dos andares que ocupa e viu o busto do fundador Victor Civita ser. Em seguida, o Estado de Minas demitiu 11 profissionais experientes e foi repreendido pelo sindicato dos jornalistas por ter misturado jornalismo e política, de forma tão explícita. Agora, é o Globo que corta 100 profissionais, dos quais 30 na redação.
Há um ponto em comum entre esses três grupos editoriais. Todos, no último ano, adotaram o discurso de que o Brasil rumava para o caos. Engajados na campanha do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à presidência da República, o que foi feito de forma explícita por Zeca Teixeira da Costa, diretor do Estado de Minas, esses veículos venderam a ideia de que a economia brasileira, mesmo com pleno emprego e inflação na meta (ainda que no topo), mais cedo ou mais tarde afundaria.
Tal discurso contaminou as expectativas empresariais, reduzindo investimentos. E os primeiros a sofrer foram os grupos de comunicação. Os patrões venderam o caos, mas os jornalistas e profissionais de outras áreas é que pagam o pato.

O CÉU SE CONSTROI AQUI!

Tales de Mileto foi um dos chamados Sete Sábios da Grécia. Numa oportunidade, refletia o significado dos astros para a existência. Absorto, em contemplar o céu estrelado, caiu num buraco e quebrou uma perna. Uma mulher do povo, que tudo assistiu, comentou: esse aí preocupa-se tanto com o que se passa no céu e não sabe o que existe debaixo dos seus pés.
A primeira frase da Bíblia proclama: “no início Deus criou o céu e a terra”. Seria perigoso separar o que Deus uniu. Ele criou o céu e a terra. Na prática, essas duas realidades aparecem separadas. Há os que dão importância absoluta ao céu e esquecem a terra. Outros, ao contrário, tudo apostam na terra, ignorando completamente o céu.
A corrente materialista garante que tudo acontece na terra, o céu é uma utopia, ou seja, lugar nenhum. Karl Marx fala que o céu é uma alienação com objetivos bem definidos: iludir os pobres da terra, o que interessa aos poderosos. O céu da igualdade, sustenta o pensador alemão, deve acontecer aqui com pão, terra e liberdade para todos. Para ele, a religião se constituía no ópio do povo.
A corrente espiritualista só aposta no depois, ignorando totalmente a terra. Vale a pena sofrer agora, aguardando a felicidade definitiva do céu. Nesta perspectiva, a terra é apenas uma estrada, em péssimas condições, mas que nos leva à pátria desejada. O devoto ergue, com fervor, os braços para o alto, mas esquece de estendê-los aos irmãos. Nessa teologia seria suficiente celebrar festivamente, ter uma vida mortificada e de acordo com as leis da Deus e da Igreja. Vale de lágrimas, o mundo não teria jeito.
A terra sem céu se transforma num deserto sem vida e sem horizontes. De alguma maneira, justificaria o absurdo e a vida sem sentido. Mas o céu sem a terra se transforma em religião alienada e triste. De nada adiantaria lutar contra o fatalismo, marcado pela supremacia do mal no mundo. A consciência e a vida individual seriam o santuário de Deus.
Uma religião viva e dinâmica só pode assumir a ligação do céu e da terra, do hoje terreno e do amanhã divino. Tudo o que acontece na terra tem ligação com o céu. E o céu será o resultado daquilo que se viveu na terra. É unir fé e vida. É unir aquilo que celebramos no domingo e aquilo que realizamos durante a semana. É unir festa ao cotidiano. É olhar para o céu, mas cuidar onde caminhamos.
Existe a tendência de separar o sagrado do profano. O templo e as coisas de Deus seriam sagradas, enquanto as demais realidades seriam profanas. Na realidade, podemos profanar as melhores coisas, mas podemos - e devemos – tornar sagradas todas as coisas. O céu se constrói aqui. É uma casa que construímos aqui na terra, mas que habitaremos depois. Devemos, ao longo da vida, olhar as realidades do céu, mas cuidando onde pisam nossos pés.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

AMOR... UMA EXIGENCIA POLÍTICA.

Fé e ciência nem sempre tiveram um bom diálogo. As primeiras respostas às indagações do ser humano a respeito do cosmo, dos fenômenos naturais e da vida, foram dadas pela religião. Xamãs, feiticeiros, gurus e sacerdotes faziam a mediação entre o Céu e a Terra.
A religião é filha da fé e a ciência, da razão. Frente às pesquisas científicas dos gregos antigos a religião mirou com os olhos da desconfiança. Não admitia que os fatos narrados na Bíblia fossem apenas mitos e símbolos, sem base científica, como a existência de Adão e Eva, a construção da Torre de Babel e o Dilúvio Universal.
Durante 1.300 anos a Igreja se apegou à cosmologia de Ptolomeu (90-168), adequada à crença de que a Terra é o centro do Universo, no qual Deus se encarnou em Jesus.
Se a fé parte de verdades reveladas que, por sua vez, exigem adesão de fé, sem comprovação experimental, a ciência é o reino da dúvida e se apoia em pesquisas empíricas. A fé apreende a essência das coisas; a ciência, a existência.
Para a ciência, não importa quem ou o por que, importa o como. A ela não interessa quem criou o Universo e qual a finalidade de nossas vidas. Quer saber como funcionam as leis cosmológicas, como as forças da natureza interagem entre si, como retardar o envelhecimento de nossas células, ampliando nosso tempo de vida. O diálogo entre fé e ciência iniciou-se quando, na modernidade, a razão se emancipou da religião. Copérnico, Galileu e Giordano Bruno que o digam. Houve atritos e condenações recíprocas, até que a extensa obra deTeilhard de Chardin (1881-1955) – geólogo, paleontólogo e téologo – fez a Igreja Católica reconhecer que a fé pode não estar de acordo com o uso que se faz de descobertas científicas, como a fissão do átomo para a construção de ogivas nucleares, mas jamais negar a autonomia da ciência e o modo como ela desvenda os mistérios da natureza.
Nesse intuito de atualizar o diálogo entre a ciência e a fé é que a editora Agir reuniu, durante três dias, no Rio, o físico teórico Marcelo Gleiser e Frei Beto, mediados por Waldemar Falcão, espiritualista e pesquisador de fenômenos esotéricos. De  encontro resultou o livro “Conversa sobre a fé e a ciência”, que está nas livrarias.
Marcelo Gleiser é originário de família judia, formado em física pela PUC-Rio e, hoje, professor e pesquisador na Universidade de Dartmouth, nos EUA. Autor de excelentes obras, como a recente “Criação Imperfeita” (Record), Gleiser considera-se agnóstico. Surpreendeu-me seus conhecimentos de história das religiões e de como elas se relacionam com a ciência.
Ciência e fé servem para nos propiciar qualidade de vida, conhecimento da natureza e sentido transcendente à existência. Se pela fé descobrimos a origem e a finalidade do Universo e da vida e, pela ciência, como funcionam um e outro, tudo isso pouco importa se não nos conduz ao essencial: a uma civilização na qual o amor seja também uma exigência política.

A MORTE TEM SENTIDO QUANDO A VIDA TEVE SENTIDO.

Não tenho mais nenhuma razão para viver”. Essa foi uma das últimas frases ditas por Elizabeth Rosemont Taylor, mais conhecida por Liz Taylor, falecida aos 79 anos. Foi a última diva da época de ouro de Hollywood. Começou a atuar no cinema aos 12 anos. Trabalhou em 54 filmes, recebendo dois Oscar, distinção máxima no cinema. Foi perfeita no palco e um fracasso total fora dele.
Casou nove vezes e teve oito maridos - deu-se ao luxo de casar duas vezes com Richard Burton. Casamentos seguidos de separações. Seu primeiro divórcio foi aos 18 anos. Foi a primeira atriz a receber um milhão de dólares para participar de um longa metragem. Sua vida pessoal foi totalmente tumultuada, com passagens sombrias pelo mundo do álcool e das drogas, com direito a tentativas de suicídio. No fim da vida aderiu à causa da Aids, angariando milhões de dólares para pesquisar a cura da doença.
Ela será recordada como uma jovem de sorriso encantador, fascinantes olhos violeta, corpo esplêndido e insuperável capacidade de representar. Num único papel ela fracassou: na sua vida.
Alguns de seus filmes ficarão para sempre: Assim Caminha a Humanidade, Quem Tem Medo de Virgínia Wolf, O Pecado de Todos Nós... Possivelmente o mais significativo: Adeus às Ilusões! Liz Taylor seguiu um roteiro comum de outras divas do cinema: glória, dinheiro, sexo... depois o desencanto, a decadência e a frase “não tenho mais nenhuma razão para viver”.
Mônica, a mãe de Agostinho, teve uma frase semelhante, mas numa situação diferente. Após chorar, rezar e empregar todas as alternativas possíveis ao longo de trinta anos, ela viu o filho abraçar a fé, ser batizado e assumir um projeto totalmente voltado para Cristo. Que faço, agora, neste mundo? Perguntou-se Mônica. Ela considerou cumprida sua missão. Martinho de Tours, velho e cansado, pediu a Deus o descanso definitivo, mas colocou uma ressalva: caso houver ainda alguma missão, não recuso o trabalho.
Francisco de Assis, já envolvido pelas névoas da eternidade, elaborou a última estrofe do Cântico das Criaturas, em louvor à “ Irmã Morte” que ia conduzi-lo ao Pai.
A morte é bela quando a vida foi bela. A morte tem sentido quando a vida teve sentido. E o Evangelho recomenda: “Ajuntai tesouros no céu, onde a ferrugem não corrói e os ladrões não roubam”.  E com esses tesouros, um sentido para viver e morrer.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

AS MUDANÇAS DO MUNDO.

É curioso saber que Francisco de Assis tenha sensibilizado até o ilustre e declarado ateu José Saramago. Num pequeno teatro, o escritor envolve em polêmica o Santo da grande paz quando o imagina preocupado numa possível volta à terra. No reencontro com frei Elias, Francisco escuta que sua obra de ontem não tem mais nenhuma semelhança com o que existe hoje. “O mundo mudou enquanto estiveste ausente”. Elias chama Francisco de ingênuo, se por acaso esperasse encontrar a insignificância de sua herança.
Imaginamos que triste recepção nesta possível volta à terra. Mas Francisco, conforme nos apresenta Saramago, tem uma resposta muito sábia quando diz a frei Elias: “O mundo mudou assim, porque nós não soubemos mudá-lo de outra maneira. Agora teremos de mudar-nos a nós próprios para que o mundo possa mudar”.
O certo é que Francisco de Assis nunca teve como primeira intenção a mudança dos outros, nem da Igreja, nem do mundo, mas a mudança de si mesmo. Quando seu grande centro se tornou o “meu Deus e meu tudo”, todas as demais relações se ajustaram da forma mais condizente.
“O mundo mudou!” Essa expressão não deixa de ser verdadeira, mas também pode esconder uma triste impotência de quem olha para trás e não consegue conviver com a possibilidade de um sadio relacionamento, com um mundo que, em certos setores, mudou para pior.
Com justiça constatamos que muitas mudanças, trabalhadas pela inteligência humana, estão gerando avanços de humanização no mundo, tanto no campo como na cidade. Há progressos que se confirmam como o novo nome da paz. Esses são sempre bem vindos porque são efetivados com alto senso de humanidade e são favoráveis à vida.
Existe uma expressão popular que a considero sábia e oportuna para todos: “Se queres mudar alguma coisa, mude para melhor, nunca para pior”. Querer mudar faz parte natural dos humanos que desejam imprimir a própria marca por onde passam. A mesmice sedimenta a pessoa, acomodando-a. Desde as pequenas mudanças do dia a dia, até as grandes e extraordinárias, ajudam a dinamizar a vida e a acreditar que é possível um mundo melhor.
Quando pensamos em mudanças não é difícil dedicar uma grande atenção aos meios, achando que são tudo. Na verdade, a sofisticação dos meios que vai acontecendo com fins equivocados pode se tornar uma desgraça para as pessoas e a sociedade. Posso querer um carro novo para desempenhar bem e com segurança meu serviço, como posso desejar um carro novo para humilhar um vizinho ou acelerar uma desgraça.
Na verdade, as melhores mudanças que se tornaram um benefício para a humanidade sempre cuidaram com sabedoria os fins para os quais os novos meios se justificam. Outra grande verdade é que dentre todas as mudanças, a mais importante é a mudança do coração. Isso se chama “conversão”.

domingo, 4 de janeiro de 2015

AINDA VALE A PENA VIVER.

Três cenas aterradoras: o terremoto no Japão, seguido de um devastador tsunami, o vazamento deletério de gases radioativos de usinas nucleares afetadas e os deslizamentos destruidores, ocorridos nas cidades serranas do Rio de Janeiro, provocaram em nós, com certeza, duas atitudes: compaixão e solidariedade.
Primeiro, irrompe a com-paixão. A compaixão talvez seja, entre as virtudes humanas, a mais humana de todas, porque não só nos abre ao outro, como expressão de amor dolorido, mas ao outro mais vitimado e mortificado. Pouco importam a ideologia, a religião, o status social e cultural das pessoas. A compaixão anula essas diferenças e faz estender as mãos às vitimas. Ficarmos cinicamente indiferentes, mostra suprema desumanidade que nos transforma em inimigos de nossa própria humanidade. Diante da desgraça do outro não há como não sermos os samaritanos compassivos da parábola bíblica.
A com-paixão implica assumir a paixão do outro. É transladar-se ao lugar do outro para estar junto dele, para sofrer com ele, para chorar com ele, para sentir com ele o coração despedaçado. Talvez não tenhamos nada a lhe dar e até as palavras nos morram na garganta. Mas o importante é estar aí junto dele e jamais permitir que sofra sozinho. Mesmo que estejamos a milhares de quilômetros de distância de nossos irmãos e irmãs japoneses ou perto de nossos vizinhos das cidades serranas cariocas, o padecimento deles é o nosso padecimento, o seu desespero é o nosso desespero, os gritos lancinantes que lançam ao céu, perguntando, “por que, meu Deus, por que?” são nossos gritos lancinantes. E partilhamos da mesma dor de não recebermos nenhuma explicação razoável. E mesmo que existisse, ela não desfaria a devastação, não reergueria as casas destruídas nem ressuscitaria os entes queridos mortos, especialmente as crianças inocentes.
A compaixão tem algo de singular: ela não exige nenhuma reflexão prévia, nem argumento que a fundamente. Ela simplesmente se nos impõe porque somos essencialmente seres com-passivos. A compaixão refuta por si mesma a noção do biólogo Richard Dawkins do “gene egoísta”. Ou o pressuposto de Charles Darwin de que a competição e o triunfo do mais forte regeriam a dinâmica da evolução. Ao contrário, não existem genes solitários, mas todos são inter-retro-conectados e nós humanos somos enredados em teias incontáveis de relações que nos fazem seres de cooperação e de solidariedade.
Mais e mais cientistas vindos da mecânica quântica, da astrofísica e da bioantropologia sustentam a tese de que a lei suprema do processo cosmogênico é o entrelaçamento de todos com todos e não a competição que exclui. O sutil equilíbrio da Terra, tido como um superorganismo que se autorregula, requer a cooperação de um sem número de fatores que interagem entre si, com as energias do universo, com a atmosfera, com a biosfera e com o próprio sistema-Terra. Esta cooperação é responsável por seu equilíbrio, agora perturbado pela excessiva pressão que a nossa sociedade consumista e esbanjadora faz sobre todos os ecossistemas e que se manifesta pela crise ecológica generalizada.
Na compaixão se dá o encontro de todas as religiões, do Oriente e do Ocidente, de todas éticas, de todas as filosofias e de todas as culturas. No centro está a dignidade e a autoridade dos que sofrem, provocando em nós a compaixão ativa.
A segunda atitude, afim à compaixão, é a solidariedade. Ela obedece à mesma lógica da compaixão. Vamos ao encontro do outro para salvar-lhe a vida, trazer-lhe água, alimentos, agasalho e especialmente o calor humano. Sabemos pela antropogênese que nos fizemos humanos quando superamos a fase da busca individual dos meios de subsistência e começamos a buscá-los coletivamente e a distribuí-los cooperativamente entre todos. O que nos humanizou ontem, nos humanizará ainda hoje. Por isso é tão comovedor assistir como tantos e tantas se mobilizam, de todas as partes, para ajudar as vítimas e pela solidariedade dar-lhes o que precisam - sobretudo a esperança de que, apesar da desgraça, ainda vale a pena viver.