sábado, 31 de março de 2018

MORREMOS PARA RESSUCITAR


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O fato maior para o cristianismo não é a cruz de Cristo mas sua ressurreição. Sem a ressurreição Cristo teria ficado no passado, no panteão dos mártires abnegados, sacrificados por uma grande causa, um sonho de um Reino de justiça,de amor incondicional e de total entrega a Deus. Mas nunca reuniria pessoas para celebrarem sua presença viva entre nós. A ressurreição significa exatamente essa presença inefável de toda a realidade de Jesus,chamado por São Paulo como o “novissimo Adão”, com um corpo transfigurado, corpo-espiritual, dentro da história humana.

A ressurreição não deve ser vista como a reanimação de um cadáver, como o de Lázaro, mas como a plena realização de todas as possibilidades inerentes à vida humana dado que o ser humano é um projeto infinito, inteiro mas ainda incompleto. A ressurreição representa a vida do homem de Nazaré, elevado na cruz e depois introduzida dentro da realidade divina.

Pertence à fé cristã a convicção de que Cristo é o primeiro entre muitos irmãos e irmãs. Todos nós ressuscitaremos em seguimento dele. Mas quando? No fim do mundo que não sabemos quando vem? Ou no fim do mundo pessoal quando cada um de nós deixa este mundo espácio-temporal?

Seguindo a linha de reflexão dos melhores teólogos atuais, sustento a tese de que nós ressuscitamos quando para nós se realiza pessoalmente o fim do mundo, isto é, quando morrermos. Ao morrermos somos transfigurados e ressuscitados.

Esta é seguramente a mensagem mais esperançadora que o cristianismo pode oferecer para a humanidade e para cada pessoa humana. É a sua grandiosa colaboração antropológica. Não vivemos para morrer. Morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor

quinta-feira, 29 de março de 2018

"HA! NÃO SOU GAÚCHO".

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Quem teve a oportunidade de viajar por outros estados do Brasil, especialmente os do Norte e do Nordeste, sabe o quanto é difícil explicar que as pessoas nascidas no Rio Grande do Sul não são necessariamente gaúchas. Até muitos que moram no Estado mais ao sul do Brasil estranham quando afirmo que nasci neste Estado, mas nem por isso sou gaúcho. Mas é isso mesmo o diz o dicionário de gentílicos: quem nasce no Rio Grande do Sul é rio-grandense-do-sul. Assim de simples!

Gaúcho é outra coisa. Gaúcho não é um termo gentílico. É uma cultura. Tanto que existem gaúchos na Argentina e no Uruguai. Gaúcho é o morador do pampa, descendentes dos povos charruas que habitavam as pradarias pampeanas e foram dizimados pelos invasores espanhóis e portugueses.

Assim como eu e a maioria dos que hoje vivemos nestas terras, não somos descendentes dos índios charruas. Meus bisavós vieram  da Alemanha. Outros tem seus ancestrais oriundos da Itália, da Espanha, de Portugal, da França, Suíça, China, Japão... E há os que aqui estão porque seus antepassados foram trazidos à força da África para terem seu trabalho explorado como escravos nas fazendas e charqueadas do sul do Rio Grande do Sul.

Pergunto eu: um menino nascido hoje, filho de pais recém chegados do Haiti, de Bangladesh ou do Senegal, pode ser considerado gaúcho? Rio-grandense-do-sul com certeza é, pois a lei garante a todo nascido em solo brasileiro o direito de ser brasileiro. Mas se é ou não gaúcho, deixo para os gauchistas decidirem. Só lhes peço que tirem todas as consequências desta sua afirmação. E não apenas as que lhes são vantajosas. Se disserem que sim, que o recém nascido é gaúcho, lhes peço abandonem o discurso racista e xenófobo e acolham bem todos os estrangeiros aqui chegados e seus filhos que aqui nascem. Se disserem que não, parem de querer impor sobre toda a população do Estado uma identidade que não lhes diz respeito.

Sei que esta minha batalha é inglória. Sou exceção entre a maioria que, sem se questionar, brada nos estádios “Ah! Eu sou gaúcho...” e, na hora em que é entoado o Hino Nacional Brasileiro, viram de costas e cantam o Hino Riograndense onde se exaltam as façanhas de um passado que nunca existiu.

Lamento ter que dizer isso. Mas é uma afirmação necessária diante da ideologia gauchesca que teima em fazer dos CTG um espaço de reprodução simbólica da fazenda onde os escravos eram açoitados, os peões explorados até o fim de sua vida útil, e as mulheres tratadas como prendas e chinas. Ideologia que se atualiza em discursos escravagistas e excludentes de que “quilombolas, índios, gays, lésbicas ... é tudo que não presta” e que volta a quererem impor seu mando na base do chicote, como se viu a poucos dias com a passagem da caravana do Lula.

Se essa é a compreensão do gaúcho, posso então dizer, com toda a tranquilidade: “Ah! Não sou gaúcho...

segunda-feira, 26 de março de 2018

ESCONDE, ESCONDE.

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Conto até seis. Ouço as engrenagens do elevador vindo na nossa direção. O meu filho anuncia que as crianças precisam desobedecer aos pais, do contrário eles não teriam nenhuma função na vida delas. O elevador estaciona, entramos e subimos. Escondo uma secreta aprovação por aquela intuição, mas tremo diante de uma geração que já percebeu a nossa oculta derrota: protestar é preciso em um mundo pautado cada vez mais pela força do poder contra a coragem de existir.

Conto até dez. Um alpinista francês, orgulhoso do código ético que o liga às suas montanhas, enfrenta a encosta nevada para monitorar o território e socorrer os necessitados. Encontra pelo caminho uma família de imigrantes, que escolheu a travessia dos Alpes com todos os seus rigores, a fim de evitar outro rigor, o da lei anti-imigração, que impede os membros de se reunirem com os parentes na França. A mulher está grávida e tem outros filhos pequenos. O alpinista avalia as condições da família e a situação do tempo: ela precisa de um hospital e assim ele faz. Chegando ao local do atendimento, o homem é acusado de favorecer a imigração clandestina e corre o risco de ser condenado a cinco anos de prisão. Como devo explicar ao meu filho, que se ele fosse um alpinista e se ele fosse francês, a coisa mais certa a fazer seria salvar aquela família e violar a lei, honrando assim o código ético das populações dos Alpes e elevando o senso de humanismo que a cultura europeia tanto prega ao mundo? A respiração é curta e preciso suspirar várias vezes, na inútil busca de uma resposta coerente. A Europa escolheu a lei implacável, acima da justiça. Como posso revelar esta constatação sem abalar a confiança que os jovens deveriam nutrir em relação ao futuro? Volto ao primeiro ponto e penso que talvez meu filho já tenha uma resposta. E eu já tenha o meu malogro.

Abro o jornal. Outra família, outra mulher grávida, mesmos Alpes, mesma polícia francesa, que sem receio detém o grupo e o acompanha até a primeira estação italiana na fronteira do país. Que a mulher esteja muito doente, não importa. Que ela possa ter um filho prematuro, não interessa. A lei foi cumprida, sem exceções, mesmo que elas fossem previstas pela própria lei que expulsa e condena. Acolhida em um hospital italiano, a equipe médica constata que ela está em estado terminal devido a um tumor. Fazem uma cesariana para tentar salvar a criança. A mãe não resiste. Conto até mil, com a respiração descompassada e suspirante. Nesse tempo infinito a desgraça humana não recebe resposta. A indiferença já não se esconde. A vergonha tornou-se qualidade rara. É o tempo das vitórias esmagadoras, inclementes. É o tempo longo, como o inverno gélido da alma, que clama por severidade, que exige vingança, que requer punição.

O crime, o abominável crime, para os que cumprem a lei, é que os imigrantes não morreram antes, afogados no Mediterrâneo, ou de sede no deserto, ou de tortura na mão dos traficantes, ou de asfixia dentro de caixas clandestinas nas boleias dos caminhões que atravessam as fronteiras da União. Ousaram atravessar os Alpes, enfrentar a neve com suas pegadas negras. Buscavam um lugar melhor onde permitir que seus filhos pudessem crescer com uma esperança nova: com a velha esperança humanista, com os valores da grande civilização europeia. Encontraram a lei. E nós perdemos a Europa, perdemos o humanismo. A civilização se escondeu. Vou contar mais um pouco, enquanto busco outras respostas que não tenho. Enquanto procuro a coragem de entregar este mundo a meu filho.

LIANE: TE AMO.

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Não há sentimento mais forte e mais belo que o amor. O amor verdadeiro consegue vencer todas as barreiras, todas as dificuldades. Ele permanece forte e inabalado diante das intempéries da vida.

Eu acredito que nosso amor é assim, forte demais para que tenha fim.

O amor nos alimenta, ao contrário da paixão que nos consome por dentro e apesar de forte não dura muito.

É verdade que já tivemos momentos frágeis, mas sempre conseguimos superar todos esses percalços que se apresentaram no nosso caminho. No fim das contas nosso sentimento é mais forte, mais sólido e com raízes mais profundas.

Um amor como o nosso, baseado na confiança, no respeito mútuo e na amizade, tem tudo para frutificar e durar para sempre.

O objetivo desta mensagem é dizer que você sempre pode contar comigo, porque no seu amor achei meu lugar.

Ao seu lado todo dia é especial, e hoje não seria diferente... Porque hoje é um dia mágico. Porque hoje é o seu dia!

Feliz aniversário e obrigado por ser meu par!
Te amo!

sábado, 24 de março de 2018

O PODER DA BÍBLIA

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O fenômeno religioso do século XXI apresenta-se como uma realidade que demanda estudo da teologia e da ciência. Em todo o período da história o sagrado e a religião corroboram na realização da vida humana. É em tempo de crise econômica que o sagrado e o religioso apresentam-se como caminho de realização das pessoas.

O século XX deixou profundas interrogações ao proporcionar duas Guerras Mundiais. Numa matança mundial tudo é posto sob suspeita, valores e políticas públicas. A Guerra Mundial não deixa de ser sinônimo de derrota da autossuficiência humana. Consequentemente qualquer perspectiva futura é uma incerteza, uma insegurança mundial. Em todo conflito mundial há intransigência e incapacidade humana manifestada. O senhorio humano é reduzido a sua autossuficiência intolerante. Diante de uma guerra mundial os suscetíveis ao prejuízo são os pobres, com o preço de mais miséria. Historicamente num período pós-guerra manifestou-se indiferença às camadas mais empobrecidas. Aos pobres resta contar com a confiança no sagrado e na religião.

É propriamente isto que leva em consideração o economista Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), através de uma pesquisa da recessão econômica brasileira. O objetivo do economista foi averiguar que dimensões da vida foram afetadas de maneira direta e indireta pela crise econômica. O resultado da pesquisa apontou o fenômeno sagrado e religioso como elemento extremamente significante em período de recessão econômica. Como primeira constatação apareceu o crescimento da confiança no sagrado e no religioso. No agravamento da crise da economia fortaleceu-se a experiência do sagrado e do religioso. Segundo o economista, a crise econômica pode ser definida como uma noite escura e a experiência do sagrado e da religião como o dia, luz e esperança.

Sem dúvida alguma, a fé é intrínseca à temporalidade humana. Para o economista Marcelo Neri, a crise econômica levou ao fortalecimento de comunidades religiosas como as igrejas pentecostais. Em razão de que “a própria infraestrutura das igrejas pentecostais é uma oportunidade de trabalho para quem está desempregado. Essas novas denominações funcionam um pouco como uma franquia: um fiel ou uma fiel pode abrir um templo na garagem de casa, junta algo para a comunidade com algo de que você precisa, uma ocupação”. Ainda que a pesquisa do economista careça de estudos por parte da ciência da religião, a priori confirma a importância do fenômeno religioso diante da recessão econômica instalada no país. Isto traduz que a confiança do pobre é o sagrado, a prática da religião e a comunidade religiosa, e não a economia e o governo.

Assim, como uma Guerra Mundial arrasa países e a humanidade, toda crise econômica é sinônimo de desconfiança nas políticas humanas. É justamente isto que os estudos do professor Aldo Fornazieri, Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FSCPSP), confirmam: “o sucesso das igrejas evangélicas nas periferias se deve justamente ao empobrecimento do país”. Em outras palavras, a economia não está no centro da discussão do pobre. Economia e mercado não lhe pertencem, apenas sua vida real. Logo, a Bíblia tem mais poder que qualquer política econômica globalizada.

sexta-feira, 23 de março de 2018

A ESPERANÇA NÃO PODE MORRER

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Apesar de toda a alegria dos brasileiros há um manto de tristeza e desamparo que se pode ler nos rostos da maioria que encontramos nas ruas das grandes cidades como o Rio e São Paulo entre outras.

É que politicamente o golpe parlamentar-jurídico-mediático (e hoje sabemos apoiado pelos órgãos de segurança dos USA) nos fechou o horizonte. Ninguém pode nos dizer para onde vamos. O que aponta de forma inegável é o aumento da violência com um número de vítimas que se igualam e até superam as regiões de guerra. E ainda sofremos uma intervenção militar no Rio de Janeiro.

Se bem observarmos, vivemos dentro de uma guerra civil real. As classes que já estavam abandonadas, agora o são mais ainda pelos cortes dos programas sociais que o atual governo de Estado de exceção impôs a milhares de famílias.

Tínhamos saído do mapa da fome. Regressamos a ele. E não se diga que foram as políticas dos governos do PT. Essas nos tiraram do mapa. A aplicação rigorosa do neoliberalismo mais radical pela nova classe dirigente instalada no Estado, está produzindo fome e miséria. O crescimento da violência nas grandes cidades é proporcional ao abandono a que foram submetidas.

As discussões dos vários organismos, responsáveis pela segurança, nunca vão à raiz da questão. O real problema que não querem abordar reside na nefasta desigualdade social, vale dizer, na injustiça social, histórica e estrutural sobre a qual está construída a nossa sociedade. A desigualdade social cresce quanto mais se concentra a renda e quanto mais avança o agronegócio sobre terras indígenas e dos povos da floresta e quanto mais se fazem cortes na educação, na saúde e na segurança.

Ou se faz justiça social nesse pais, que implica reformas: a agrária, a tributária, a política e a do sistema de segurança ou nunca superaremos a violência. Ela tenderá a crescer em todo o país.

Se um dia, é o que tememos, a marginália das grandes periferias abandonadas se rebelarem, por causa da fome e da miséria e decidirem assaltar supermercados e invadir os centros urbanos, poderá produzir um “bogotaço” brasileiro como ocorreu nos meados do século passado em Bogotá, destruindo, por semanas a fio, quase tudo que se via pela frente.

Estimo que as elites do atraso, apoiadas por uma mídia conservadora, por uma justiça fraca, para não dizer cúmplice e pelo aparato policial do Estado, reocupado por elas, poderão usar de grande violência, sem resolver mas agravando a situação.

Nesse quadro, como ainda alimentar a esperança de que o Brasil tem jeito e que podemos criar uma sociedade menos malvada,no dizer Paulo Freire?

Portadores de esperança são aqueles que caminham e se empenham para superar situações de barbárie. Estas mudanças nunca virão de cima, nem do atual stablishment, virão de baixo, dos movimentos sociais organizados e com parcelas de partidos comprometidos com o bem-estar do povo.

O Papa Francisco ao reunir-se com os movimentos sociais latino-americanos em Santa Cruz de la Sierra na Bolívia, cunhou três expressões resumidas nos três T: terra para as pessoas produzirem, teto para se abrigarem e trabalho para ganharem sua vida.

Lançou um desafio: não esperem nada de cima pois virá sempre mais do mesmo; sejam vocês mesmos os profetas do novo, organizem a produção solidária, especialmente a orgânica, reinventem a democracia. E sigam estes três pontos fundamentais: a economia para a vida e não para o mercado; a justiça social sem a qual não haverá paz; e o cuidado com a Casa Comum sem a qual nenhum projeto terá sentido.

A esperança nasce deste compromisso de transformação. A esperança aqui deve ser pensada na linha do que nos ensinou o grande filósofo alemão Ernst Bloch que formulou “o princípio esperança”. Quer dizer, a esperança não uma virtude entre outras tantas. Ela é muito mais: é o motor de todas elas, é a capacidade de pensarmos o novo ainda não ensaidado; é a coragem de sonhar um outro mundo possível e necessário; é a ousadia de projetar utopias que nos fazem caminhar e que nunca nos deixam parados nas conquistas alcançadas ou quando derrotados, nos fazem levantar para retomarmos a caminhada. A esperança se mostra no fazimento, no compromisso de transformação, na ousadia de superar obstáculos e enfrentar os grupos de opressores.Essa esperança não pode morrer nunca.

quinta-feira, 22 de março de 2018

O PODER DA VERDADE.

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A comoção que tomou conta do Brasil diante da bárbara execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ultrapassou as nossas fronteiras e ganhou o mundo. Horas após o assassinato, na semana passada, o assunto chegou ao 1º lugar no trending topics mundial do twitter e, de lá para cá, segue ocupando lugar de destaque nas redes sociais e despertando uma onda de solidariedade e clamor por justiça poucas vezes vista.

O fenômeno chamou a atenção de pesquisadores das mídias digitais. Passados alguns dias do crime, a Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV Dapp) divulgou levantamento mostrando que o número de postagens expressando dor, revolta e luto, além de outras menções positivas à trajetória de Marielle, corresponde a 88% das manifestações nas redes.

E as mensagens depreciativas e desrespeitosas à memória de Marielle não passam de 7% do total. Sim, parece mais porque os cães hidrófobos do fascismo são barulhentos e espalhafatosos e chamam a atenção pelo linguajar rasteiro, impregnado de ódio e marcado por um nível estarrecedor de ignorância. Mas são só 7%.

Ah, mas a intenção de voto no candidato do nazismo nativo é bem maior, dirão alguns. Só que, provavelmente, uma quantidade expressiva dos eleitores em potencial de Bolsonaro, embora se deixem levar por sua cantilena de "prender e arrebentar", não são integralmente desprovidos de senso de humanidade como os tais 7% da pesquisa da FGV, contando os robôs, que não se envergonham de ofender uma mulher que foi trucidada por facínoras.

Aí entra o papel da aguerrida militância digital da esquerda. É para lá de recomendável mais frieza e prudência e menos alarmismo, mais inteligência e rigor ao disseminar informações e menos precipitação. O compartilhamento de memes e textos de extrema-direita, com o objetivo de denunciar seus conteúdos não raro criminosos, acaba dando asas ao ideário das trevas que tanto combatemos.

Deparamos nas redes com militantes tarimbados nas lides da luta política incorrendo neste grave erro. Outra coisa: notícias passadas adiante sem o menor cuidado quanto à sua veracidade só estimula a confusão entre nós. Os fake news e todo tipo de lixo inundam a internet. E, na guerra de guerrilha, autêntico David versus Golias, dos ativistas do campo progressista contra a mídia monopolista, a qualidade da informação é fator decisivo.

Muito já se debateu sobre a possibilidade de a blogosfera progressista, e demais militantes virtuais da causa democrática, adotarem, na medida do possível, pautas unificadas de atuação. Essa discussão empacou na constatação do caráter anárquico e irremediavelmente fragmentado da internet. No entanto, isso não quer dizer que quem trava o bom combate deva abdicar da poderosa arma da verdade

quarta-feira, 21 de março de 2018

LEITURA LITERAL DA BIBLIA.

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Para os cristãos, a Bíblia é Palavra de Deus. Todo texto, porém, é lido a partir de um contexto no qual o leitor extrai o pretexto, o efeito da leitura em sua vida.

O lugar social no qual se situa o leitor influi em seu lugar epistêmico. Por isso, o mesmo texto bíblico é interpretado de modo diferente se lido na academia ou em uma Comunidade Eclesial de Base.

Na tentativa de evitar hermenêuticas equivocadas, cabe à autoridade religiosa indicar a interpretação correta. Isso, entretanto, não é solução. A autoridade não é isenta de múltiplas influências. Durante séculos a Igreja Católica aceitou a versão criacionista, segundo a qual procedemos todos de Adão e Eva. Darwin e o evolucionismo comprovado pela ciência demonstraram que somos todos descendentes de macacos.

Ler a Bíblia fora do contexto pode induzir o fiel desavisado a odiar seu pai e sua mãe para aderir a Jesus (Lucas 14, 26). Um cristão tinha por hábito sortear, toda manhã, um versículo dos evangelhos como motivação espiritual. Ao abrir o texto em “Amai o próximo como a si mesmo”, adotou, naquele dia, postura mais atenciosa com a faxineira, o ascensorista e a copeira do escritório.

Dia seguinte caiu-lhe o versículo 5 do capítulo 27 de Mateus, sobre a culpa de Judas: “E ele foi e se enforcou”. Ciente de que a vida é o dom maior de Deus, permitiu-se uma segunda chance. Deparou-se com o último versículo da parábola do Bom Samaritano: “Vá e faça o mesmo.”

Ora, como Deus não quer o mal, ele se deu uma última oportunidade. Veio-lhe este versículo da paixão de Jesus em João: “O que tem a fazer, faça depressa” (13, 27)...

A leitura literal da Bíblia ou a pescaria de versículos que tira o texto de seu contexto, é hoje utilizada para fundamentalistas bradarem que a Bíblia condena a homossexualidade. Ora, em toda ela há apenas três versículos que podem ser interpretados nessa linha (Gênesis 19, 1-28; Levítico 18, 22; Romanos 1, 26-27).

Ainda que houvesse mais versículos, há que levar em conta que a Bíblia foi escrita dentro de uma cultura patriarcal, machista, e nem tudo que ela diz pode ser tomado ao pé da letra. Caso contrário, os fiéis não poderiam, hoje, comer carnes de porco, coelho, lebre e mariscos, proibidas em Levítico 11. Nem produtos embutidos (Atos 15, 19-29).

O apóstolo Paulo proíbe que homens preguem com a cabeça coberta (1 Coríntios 11, 4). Quantos bispos não o fazem ostentando a mitra? Paulo assinala que estar casado e ser bom marido é requisito para ser eleito bispo (1 Timóteo 3,2). E ainda recomenda que nos submetamos a toda autoridade, ainda que ditatorial (Romanos 13, 1-2).

“A letra mata, o Espírito vivifica” (2 Coríntios 3,6), proclama o mesmo Paulo. E o próprio Jesus ousou nos posicionar em uma nova óptica quanto aos textos do Antigo Testamento: “Ouviram o que foi dito; eu porém afirmo...” (Mateus 5).

A fidelidade à Palavra de Deus não se coaduna com a intolerância, o preconceito e a discriminação. E Deus só se faz presente onde há amor (1 João 4,16).

terça-feira, 20 de março de 2018

A VIOLÊNCIA SE FAZ DE MUITAS FORMAS.

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Os medievais diziam que erramos de várias formas, mas há uma única forma de fazer a coisa certa. Só se acerta o alvo de um único jeito, mas há infinitas possibilidades de se errar. Algo parecido acontece com as múltiplas cópias possíveis de serem feitas a partir do original. O original é só um, as cópias são muitas. Essa ideia é atraente, mas é falsa. Essa postura é reflexo de um platonismo tardio que pensa a partir da metafísica do Um, do Bem, do Justo em si. Aristóteles já havia confrontado Platão e dito que o bem, o verdadeiro, o belo, o ser, enfim, se diz de várias e legítimas formas. Mas isso tudo é conversa de filósofos metafísicos e a questão que interessa, aqui, é mais pé não chão, mais terra e menos nuvens. Sejamos, pois, fieis à terra, como diz Nietzsche.

Interessa-me, na continuidade temática da Campanha da Fraternidade 2018, Fraternidade e Superação da Violência, sobremaneira, a ideia Aristotélica de que o ser se diz de muitas formas. E no caso específico da violência, a violência se faz de muitas formas. A mais perceptível é a direta e ostensiva que se traduz em “atos violentos”. A violência direta e cotidiana, traduzido em atos violento, é aquela violência nua e crua, a violência de uma arma na mão, de um soco na cara, de uma facada no peito etc.

Cotidianamente essa é a violência que nos afeta, nos mobiliza, nos preocupa. Ela de fato é uma forma do ser da violência e não há como negar a sua vigência e crescimento à luz do dia do nosso mundo da vida. As políticas públicas, na área da segurança, têm se concentrado nessa forma de violência, numa verdadeira maratona na modalidade “secar gelo”, punindo, fichando e colocando na cadeia os agressores. Quando a população clama por segurança e a imprensa estimula construções de cadeias, mesmo que para isso teremos que fechar escolas, é para enfrentar, bem ou mal, esse tipo de violência.

Contudo, sem ampliar o arco das violências, cometemos o auto engando de tomar a parte pelo todo. E o todo, quando se trata de violência, remete, no mínimo para outras duas formas, além da direta e de atos violentos. Essas duas formas são a “violência institucional” e a “cultura da violência”. Sobre a cultura da violência, ou a violência cultural, falarei no próximo artigo. Concentremo-nos, aqui, na violência institucional.

“A violência direta é a forma mais extrema de agressão, mas apenas aparentemente é a mais letal”, diz o texto base da Campanha da Fraternidade (p. 21). A mais letal é a sistêmica e institucional. Essa violência não se configura como um fato ou um evento isolado e, por isso, é a violência mais difícil de detectar. É a violência sem rosto, sem autoria direta e só com muita capacidade de percepção podemos dizer: é isso, é aqui.

A violência institucional ou sistêmica, mais do que atos isolados e diretos, são processos sociais, conectados a processos políticos e econômicos, que se sedimentam nas instituições e se apresentem com rosto de naturalidade, quando na verdade, são mecanismos sutis de violência operados e mantidos pela exclusão e pela desigualdade que o sistema capitalista produz e reproduz. Em meu entendimento não há síntese melhor desse tipo de violência do que a formulada por Brecht quando diz: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” (Bertolt Brecht). Parafraseando Brecht poderíamos dizer: “De um jovem que arranca o celular das nossas mãos se diz violento, mas ninguém diz violento o sistema que acha natural que as seis pessoas mais ricas do país detenham igual riqueza das 100 milhões mais pobres”.

De passagem poderíamos dizer que a violência direta, aquela que tem rosto, cara, endereço e que se traduz em atos violentos, em boa medida, é efeito da violência sistémica e institucionalizada geradora de desigualdades e exclusões de toda ordem. Ou não é fato percebido que em países nórdicos, onde a justiça distributiva é mais efetiva, a violência direta e cotidiana tende a diminuir drasticamente?

Então, se queremos a paz no cotidiano, preparemo-nos para a justiça e não para o aumento de prisões ou do direito de portar armas de fogo. Sem a superação da violência institucionalizada as soluções de intervenções pontuais serão sempre um “secar gelo” de resultado temeroso.


segunda-feira, 19 de março de 2018

O COMPLEXO DE VIRA-LATAS É OPÇÃO DA CLASSE MEDIA

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A expressão foi cunhada pelo grande Nelson Gonçalves. Originalmente referia-se à condição do povo brasileiro depois da derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950. O gol de Gigghia que fez calar o Maracanã abarrotado selava o sentimento presente na mente de muitos brasileiros de que o nosso destino seria o de ser eternos tupiniquins e que nunca alcançaríamos a glória das grandes civilizações. Nem mesmo no mundo desportivo.

A vitória por 5 X 2 contra a anfitriã Suécia no final da Copa de 1958 foi o começo da virada que se consolidou em 1962 e chegou ao seu auge em 1970 com a seleção canarinho do “Brasil ame-o ou deixe-o”. Os títulos que vieram depois – 1994 nos Estados Unidos e 1992 no Japão - foram apenas decorrência do “melhor futebol do mundo”. O sonho durou até a Copa do Brasil de 2014 e o fatídico 7 X 1 contra a Alemanha. E aí voltou o complexo de vira-lata até que a seleção prove ganhando outro mundial. Quem sabe o da Rússia em 2018?

Mas aí eu coloco uma pergunta: será que é mesmo real o complexo de vira-latas do povo brasileiro? Quem sou eu para desmentir ou corrigir o Nelson Gonçalves... Mas, desde a minha humildade, lanço a tese de que o tal complexo não atinge todos os brasileiros. Ele é um complexo típico da classe média. E isso não é o resultado de nossa composição étnica mestiça ou da fatalidade de sermos um país tropical, como afirmaram vários “cientistas” brasileiros do séc. XX. O complexo de vira-lata é uma opção da classe média. Tenho muitas razões para pensar assim. Elenco apenas algumas. Sigam-me na lista se tiverem paciência.

A classe média brasileira – a do sul, pelo menos – nunca esteve em Belém do Pará, nem em Manaus, Fortaleza, João Pessoa ou Salvador. Mas a classe média faz questão de ir a Nova Iorque, Paris, Londres e Roma. A classe média nunca comeu uma feijoada, um vatapá, uma moqueca de peixe, um tutu mineiro, um autêntico churrasco gaúcho. Mas a classe média faz questão de dizer que adora escargot, come o insosso McDonalds e faz um esforço danado prá engolir sushis, sashimis e tamakes. A classe média não vai ao cinema para ver filmes brasileiros. Ela despreza os nossos atores e atrizes e afirma que nossos filmes não tem qualidade técnica. Mas a classe média lota os cinemas com as produções hollywoodianas de quinta categoria. A classe média não houve rock brasileiro, tem horror de música sertaneja e passa longe do samba, do pagode e do funk. Mas a classe média lota os estádios nos shows de ridículas bandas americanas que não tem o menor pudor com o uso do playback. A classe média não compra roupa nos shoppings brasileiros. Ela vai fazer suas compras em Miami onde paga o dobro pelos mesmos produtos chineses, bengalis e tailandeses vendidos em Ciudad del Este. Mas a classe média tem orgulho de dizer que fez suas compras em Miami. A classe média jamais participa das festas juninas, do Círio de Nazaré ou do carnaval de rua. A classe média comemora o Halloween, o Thanksgiving Day e o Saint Patrick’s Day.

O fato é que a classe média não gosta do Brasil. Ela não quer que o Brasil saia de sua situação de Terceiro Mundo. A classe média quer que o Brasil continue sendo um país marcado pela pobreza. Imagina se o Brasil dá certo e essa multidão de pretos e pobres começa a tomar o lugar que historicamente foi da classe média branca e bem nascida? Seria o fim da própria classe média... Melhor que o Brasil perca de novo para a Alemanha de 7 X 1! E que a Petrobrás seja vendida. Afinal, prá que ter a maior e melhor petroleira do mundo? O Brasil não merece, pensa a classe média. E as reservas do pré-sal? O Brasil não sabe o que fazer com elas. Melhor entregá-la para os europeus e norte-americanos que sabem o que fazer com o petróleo. As reservas naturais de ferro, manganês, bauxita, níquel, cádmio, titânio? Entreguemos para os chineses, pensa a classe média. Chinês transforma tudo em manufaturado e depois nós compramos! A biodiversidade da Amazônia? Os cientistas brasileiros não são capazes de aproveitá-la... Aliás, prá que incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico se podemos comprar tudo já pronto nos shoppings de Miami, Cingapura, Doha, Hong Kong ou Taiwan? A caatinga e o cerrado? São só árvores tortas e espinhentas. Belas de verdade, para a classe média, são as florestas de coníferas do norte da Europa e do Canadá. O pampa? Um imenso deserto verde. Vamos enchê-lo de eucaliptos australianos! São lindos os eucaliptos australianos... Bom mesmo seria importar cangurus prá substituírem os pangarés e as ovelhas. Prá que sermos a sexta economia do mundo se podemos ser a primeira colônia americana?

E o pior é que a classe média, mesmo dizendo-se admiradora dos Estados Unidos e defensora das liberdades individuais, ela tem pavor de democracia. Democracia só existe nos Estados Unidos e Europa. Aqui, o bom mesmo é uma boa ditadura. Daquelas bem sanguinárias, com tanques e tropas nas ruas. Porque “bandido bom é bandido morto” e as “pessoas de bem” tem direito a se armar para se defender. Políticas públicas, só para os ricos, tipo bolsa-empresário e auxílio moradia para juízes, ministros, deputados e senadores. Pobre tem que aprender a pescar. Nada de acostumá-los com as benesses do Estado. Vicia, torna preguiçoso. Ajuda do Estado apenas para o andar de cima no qual a classe média acha que habita. Se o filho de trabalhador não pode pagar pela universidade, que não estude. O Brasil precisa de mão de obra barata para rebaixar o “custo Brasil”. Políticos decentes? Melhor impedir que se candidatem. Se forem eleitos, podem dar mau exemplo e o populacho pode querer fazer política. E, caso algum consiga candidatar-se e ser eleito, faz-se um impeachment sem qualquer base legal. Com a Câmara, com o Senado, com o Supremo e com tudo, como bem lembrou o Romero Jucá. E se o impeachment for muito trabalhoso, tem sempre um miliciano disposto a ganhar uns trocados para fazer o serviço sujo numa noite escura de uma rua do centro do Rio de Janeiro. Foi feito com Mariella Franco. Pode ser feito com outros. Como disse a filósofa Marilena Chauí, “a classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim"

domingo, 18 de março de 2018

SOMOS E SEMPRE SEREMOS RESISTÊNCIA.

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Um.
Dois.
Três.
Quatro.
Quatro tiros na cabeça.
Execução sumária. Não apenas de uma representante do povo, ativista das minorias e defensora dos direitos humanos para todos – e não apenas para a burguesia. Execução não apenas de uma mulher negra e corajosa. Execução não apenas de mais uma favelada. Os tiros que silenciaram Marielle Franco ecoam no bater de cada panela; repercutem em cada pato amarelo e manifestoches que desfilaram nas avenidas.
Os tiros silenciaram uma guerreira, mas não calarão tantos outros mais. A "coincidência" na morte de Marielle retrata a corrupção sistêmica, a seletividade vil, abastecidas pelo ódio e a desinformação alienadora da sociedade refém de um sistema. Retrata também o mau caratismo e oportunismo de muito "cidadão de bem".
Não seremos calados por intimidações. Continuaremos a criticar e lutar contra a polícia política e fascista ainda militarizada – e seus "batalhões da morte". Não nos calaremos perante a política neoliberal golpeadora dos direitos sociais e da classe trabalhadora. Nossa voz ecoará sempre contra juízes e promotores partidários, suas benesses financeiras e interesses pessoais. Continuaremos lutando pelo bem coletivo e social, sem distinção de cor e classe. Lutaremos sempre contra o imperialismo e à submissão ianque.
Lutaremos e honraremos cada gota de suor e sangue derramado, seja de Marielles, Marias ou Josés. Afinal, nosso luto é verbo! Somos e sempre seremos a RESISTÊNCIA!

sexta-feira, 16 de março de 2018

MULHER É BICHO ESQUISITO.

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Já dizia a compositora e cantora – mais que isso, pensadora Rita Lee – que mulher é bicho esquisito porque tem um sexto sentido maior que a razão. Não, não se trata da velha historinha machista de que o homem é a razão e a mulher, a sensibilidade; o homem é o espírito, a mulher é o corpo.  E por aí vai.  Séculos de enganos e embustes com essas sandices.
No entanto, há que reconhecer que – graças a Deus! – a mulher é diferente do homem.  E aí me parece perfeita a canção de Rita Lee.  Mulher sente de outro modo e isso faz com que pense de outro modo.  Tem um sexto sentido maior que a razão. E este dom que a faz ser o que é permite que traga para o meio do mundo contribuições preciosas que sem ela não existiriam.
Há mulheres que pensam.  E muito! E bem! Com rigor, com profundidade, refletindo sobre coisas sérias, ou fazendo pesquisas de ponta que vão salvar vidas.  Mas enquanto o homem tem necessidade de estar mergulhado cem por cento nas coisas sérias que faz e pensa, a mulher consegue o milagre de fazer e pensar tudo isso e também amamentar uma criança, cozinhar, enfeitar ambientes com flores. Plural, múltipla, a atenção da mulher se dirige a mais de uma coisa ao mesmo tempo, sem que isso prejudique a qualidade com que assimila e trata uma e outra.
Para uma mulher, viver momentos de absoluta transcendência e elevada contemplação jamais foi incompatível com estar com os pés bem fincados no cotidiano, beijando os filhos, arrumando a casa e cuidando de quem precisa.  É Adélia Prado, a grande poeta, quem diz: “aos domingos bato o osso no prato chamando o cachorro.  E atiro os restos”. A mesma Adélia, católica praticante, que nesse mesmo domingo certamente foi à missa e escreveu: «a missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum». E que, contemplando Jesus Crucificado na festa do Corpo de Deus, exclama em transe poético: “Eu te adoro, ó Salvador meu, que apaixonadamente me revelas a inocência da carne”.
A transcendência arrancada de sua inacessibilidade é trazida para o chão da vida e para o cotidiano mais simples e despojado.  A mulher, bicho esquisito, com seu sexto sentido maior que a razão, consegue fazer isso.  Passa das coisas mais transcendentais às mais concretas sem se sentir por isso dividida, fragmentada ou diminuída. A sublime capacidade de integrar diferentes níveis da existência realizando harmoniosa síntese, este é o dom maior da mulher em meio à vida.
Que nos confirme Santa Teresa de Ávila, a grande, a mística que viveu graças inenarráveis generosamente prodigalizadas a ela pelo Deus a quem amou e que a amou infinitamente.  Ela encontrava o esposo sempre amado nos êxtases aos quais era amorosamente conduzida, mas não menos entre as panelas, cuidando das irmãs doentes, ou viajando em lombo de burro pela Espanha afora. Essa intimidade com o divino através e por meio do humano é própria não só das santas, mas de todas as mulheres em diferentes situações de vida.
Senão como entender os sentimentos e as atitudes de tantas mulheres que enfrentaram na sua fragilidade os poderes mais autoritários e cruéis da história da humanidade apenas para salvar vidas vulneráveis e ameaçadas?  A história do nazismo está cheia de exemplos. Como entender que quando todos já deram por perdida a vida do jovem envolvido com o tráfico, a mãe continue a enfrentar os traficantes ao risco da própria vida para requisitar o corpo do filho, a fim de enterrá-lo dignamente?  Essas mulheres, como todas as outras, não acreditam na morte, têm uma aliança profunda com a vida e sua fonte inexaurível. E seu sexto sentido lhes diz que a vida acaba triunfando...desde que alguém faça sua parte, inclusive elas.
A Escritura está cheia de exemplos de mulheres que mudaram o rumo da história do povo de Deus.  Desde as parteiras egípcias que mentiram descaradamente ao faraó, desobedecendo sua ordem de matar os bebês das mulheres hebreias e salvando assim todo um povo;  passando por Sara, mulher de Abraão, que depois de haver rido incrédula acreditou na promessa de Deus de engravidar na velhice e foi mãe de Isaac; chegando em Maria de Nazaré, que viveu uma gravidez sem pai, enfrentando a sociedade patriarcal de seu tempo; chegando às mulheres, que ao terceiro dia foram ao túmulo para ungir o corpo do crucificado, se depararam  com a boa nova da ressurreição e a espalharam pelo mundo afora.
Sexo frágil não foge à luta, dirá ainda Rita Lee.  O Dia Internacional da Mulher celebra aquela que permite ao mundo continuar em movimento, pois traz em seu corpo o segredo da vida. Aquela que, em comunhão com os ciclos da mãe terra, inscreve uma e outra vez no livro da vida novas letras, caracteres, narrativas e histórias.  Aquela que suspira de gozo, geme de dor, chora de tristeza ou de alegria e mantém sempre as antenas ligadas no canal do sexto sentido, para que o perfume possa ser derramado por toda parte; para que o vinho que alegra a festa não falte; para que o Infinito possa caber no finito; para que o Espírito possa fecundar a argila; para que o Criador caiba todinho em seu ventre.
A elas, a nós, um muito feliz Dia Internacional da Mulher.  Em tempos de denúncias de abusos, assédios, servidões e explorações as mais diversas; quando o Brasil é quase campeão da violência contra a mulher, é bom sentir que temos um sexto sentido maior que a razão; que nossa fragilidade é nossa força; e que o drama da Gata Borralheira terá final feliz não por causa do príncipe e do sapatinho de cristal, mas devido à capacidade de amar que caracteriza a verdadeira nobreza, perceptível no fogão ou nos salões.

quinta-feira, 15 de março de 2018

É SÓ QUERER APRENDER.


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Uma oração  diária reaviva a esperança e a amplia a necessária força espiritual, para dar conta das demandas do cotidiano. Num dia desses fiquei pensando justamente no filtro de café. No passado era feito de tecido. Hoje, o papel substitui eficientemente, sem falar da praticidade das máquinas de café. Se não existisse o filtro, o líquido estaria misturado com pó, advindo dos grãos triturados. A vida também precisa de muitos filtros. Nem tudo pode ser absorvido, sem que seja feita uma triagem. Muitas vezes, para encontrar a verdade é necessária uma peneira racional para separar acréscimos e outras coisas mais. Nem tudo pode ser assimilado tal qual se apresenta. É sinal de prudência situar o texto no contexto, para não se precipitar em julgamentos desnecessários e até injustos.

O filtro do café poderia servir de inspiração para adentrar no universo apresentado pelas redes sociais, por exemplo. Uma simples opinião é praticamente ‘jogada’ no universo virtual, onde receptores sem consciência crítica absorvem naturalmente, além de replicar para seus respectivos seguidores. Um bom filtro poderia diminuir estragos, pois o medo tem roubado a paz de muitas pessoas. Até as palavras, multiplicadas no ambiente familiar, deveriam passar pelo crivo do filtro ético. Se as pessoas tivessem somente um pouco de bom senso, as fofocas não teriam espaço no universo da convivência. Assim como o filtro separa o pó de café do saboroso líquido, que o amor possa continuar filtrando os minuciosos relatos de incontáveis histórias e registros. A verdade é como um saboroso café matinal, que sinaliza o início de uma nova jornada e a alegria de tantos encontros, tecidos por olhares, palavras e convicções. O filtro do café ensina tanta coisa. É só querer aprender.



quarta-feira, 14 de março de 2018

VOAR EM BANDO

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O tempo tem sido escasso para todos. Mesmo assim, é possível reservar uns minutos diários para observar o que nos rodeia. Gosto de olhar pela janela, perceber as condições do tempo, observar alguns detalhes presentes na natureza, ouvir os diversos sons, o ruído do balançar dos galhos das árvores. Confesso que os pássaros conseguem prender minha atenção. Alguns cantos conseguem me transportar à infância, quando o contato com a terra era mais intenso, o colorido dos passarinhos causava admiração, os córregos molhavam os miúdos pés descalços. Não se trata de saudosismo, mas de lembranças que fazem bem, que eliminam distâncias geográficas e temporais, que permitem trazer o ontem para o hoje. Faz um bem enorme dar uma escapadinha e visitar o passado. Nesses momentos tenho a impressão de que os vazios existenciais, por uns instantes, se preenchem. Facilmente me surpreendo rindo sozinho, recordando as travessuras e a criatividade daqueles inesquecíveis primeiros anos de vida.

Continuo olhando pela janela e vejo os pássaros voando em bando. Dificilmente um pássaro é solitário. Se está sozinho, talvez seja pela necessidade de procurar alimento. Na hora de recolherem-se, voam em direção à árvore eleita como pousada. No outro dia, sem a necessidade de maestro, acontece a alvorada festiva. Não sei se tem um responsável pelo horário, mas são pontuais, quanto ao início e ao término. Em seguida voam para os diversos espaços: é necessário dar conta da auto sustentação. Ninguém aplaude a sonora apresentação, ninguém os elogia, mesmo assim eles continuam cantando, sem falhar um dia se quer. Meu pensamento vai um pouco mais longe e chega até os humanos. Me dou conta que a solidão tem visitado muitos corações. As pessoas preferem cantar sozinhas, também caminham sozinhas. Para muitos não falta o pão de cada dia, mas falta a companhia, o toque, o olhar, o abraço.

A vida é um maravilhoso presente. Porém, desde cedo é necessário aprender que viver só tem sentido se houver convivência. Tudo seria diferente se aprendêssemos a cantar juntos, rir em grupo, secar mutuamente as lágrimas, falar das coisas simples da vida, escutar as histórias alegres e tristes. Talvez não seja bem a falta de tempo o maior problema. Pensar só em si, querer o melhor para si mesmo, não se aproximar e nem se dedicar aos outros: aqui reside o princípio de algumas histórias que não terminam num final feliz. Encontrar-se não é uma obrigação, mas o primeiro passo para ampliar os horizontes existenciais. É triste ser feliz solitariamente. Os pássaros cantam juntos, voam em bando, habitam os galhos da mesma árvore. Antes do nosso voo final, vamos cantar juntos, independente da melodia. Talvez não haja tempo para um ensaio, mas valerá a pena entoar o hino da esperança e do amor. Agora vou fechar a janela e dar conta das outras atividades e dos compromissos.