segunda-feira, 19 de março de 2018

O COMPLEXO DE VIRA-LATAS É OPÇÃO DA CLASSE MEDIA

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A expressão foi cunhada pelo grande Nelson Gonçalves. Originalmente referia-se à condição do povo brasileiro depois da derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950. O gol de Gigghia que fez calar o Maracanã abarrotado selava o sentimento presente na mente de muitos brasileiros de que o nosso destino seria o de ser eternos tupiniquins e que nunca alcançaríamos a glória das grandes civilizações. Nem mesmo no mundo desportivo.

A vitória por 5 X 2 contra a anfitriã Suécia no final da Copa de 1958 foi o começo da virada que se consolidou em 1962 e chegou ao seu auge em 1970 com a seleção canarinho do “Brasil ame-o ou deixe-o”. Os títulos que vieram depois – 1994 nos Estados Unidos e 1992 no Japão - foram apenas decorrência do “melhor futebol do mundo”. O sonho durou até a Copa do Brasil de 2014 e o fatídico 7 X 1 contra a Alemanha. E aí voltou o complexo de vira-lata até que a seleção prove ganhando outro mundial. Quem sabe o da Rússia em 2018?

Mas aí eu coloco uma pergunta: será que é mesmo real o complexo de vira-latas do povo brasileiro? Quem sou eu para desmentir ou corrigir o Nelson Gonçalves... Mas, desde a minha humildade, lanço a tese de que o tal complexo não atinge todos os brasileiros. Ele é um complexo típico da classe média. E isso não é o resultado de nossa composição étnica mestiça ou da fatalidade de sermos um país tropical, como afirmaram vários “cientistas” brasileiros do séc. XX. O complexo de vira-lata é uma opção da classe média. Tenho muitas razões para pensar assim. Elenco apenas algumas. Sigam-me na lista se tiverem paciência.

A classe média brasileira – a do sul, pelo menos – nunca esteve em Belém do Pará, nem em Manaus, Fortaleza, João Pessoa ou Salvador. Mas a classe média faz questão de ir a Nova Iorque, Paris, Londres e Roma. A classe média nunca comeu uma feijoada, um vatapá, uma moqueca de peixe, um tutu mineiro, um autêntico churrasco gaúcho. Mas a classe média faz questão de dizer que adora escargot, come o insosso McDonalds e faz um esforço danado prá engolir sushis, sashimis e tamakes. A classe média não vai ao cinema para ver filmes brasileiros. Ela despreza os nossos atores e atrizes e afirma que nossos filmes não tem qualidade técnica. Mas a classe média lota os cinemas com as produções hollywoodianas de quinta categoria. A classe média não houve rock brasileiro, tem horror de música sertaneja e passa longe do samba, do pagode e do funk. Mas a classe média lota os estádios nos shows de ridículas bandas americanas que não tem o menor pudor com o uso do playback. A classe média não compra roupa nos shoppings brasileiros. Ela vai fazer suas compras em Miami onde paga o dobro pelos mesmos produtos chineses, bengalis e tailandeses vendidos em Ciudad del Este. Mas a classe média tem orgulho de dizer que fez suas compras em Miami. A classe média jamais participa das festas juninas, do Círio de Nazaré ou do carnaval de rua. A classe média comemora o Halloween, o Thanksgiving Day e o Saint Patrick’s Day.

O fato é que a classe média não gosta do Brasil. Ela não quer que o Brasil saia de sua situação de Terceiro Mundo. A classe média quer que o Brasil continue sendo um país marcado pela pobreza. Imagina se o Brasil dá certo e essa multidão de pretos e pobres começa a tomar o lugar que historicamente foi da classe média branca e bem nascida? Seria o fim da própria classe média... Melhor que o Brasil perca de novo para a Alemanha de 7 X 1! E que a Petrobrás seja vendida. Afinal, prá que ter a maior e melhor petroleira do mundo? O Brasil não merece, pensa a classe média. E as reservas do pré-sal? O Brasil não sabe o que fazer com elas. Melhor entregá-la para os europeus e norte-americanos que sabem o que fazer com o petróleo. As reservas naturais de ferro, manganês, bauxita, níquel, cádmio, titânio? Entreguemos para os chineses, pensa a classe média. Chinês transforma tudo em manufaturado e depois nós compramos! A biodiversidade da Amazônia? Os cientistas brasileiros não são capazes de aproveitá-la... Aliás, prá que incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico se podemos comprar tudo já pronto nos shoppings de Miami, Cingapura, Doha, Hong Kong ou Taiwan? A caatinga e o cerrado? São só árvores tortas e espinhentas. Belas de verdade, para a classe média, são as florestas de coníferas do norte da Europa e do Canadá. O pampa? Um imenso deserto verde. Vamos enchê-lo de eucaliptos australianos! São lindos os eucaliptos australianos... Bom mesmo seria importar cangurus prá substituírem os pangarés e as ovelhas. Prá que sermos a sexta economia do mundo se podemos ser a primeira colônia americana?

E o pior é que a classe média, mesmo dizendo-se admiradora dos Estados Unidos e defensora das liberdades individuais, ela tem pavor de democracia. Democracia só existe nos Estados Unidos e Europa. Aqui, o bom mesmo é uma boa ditadura. Daquelas bem sanguinárias, com tanques e tropas nas ruas. Porque “bandido bom é bandido morto” e as “pessoas de bem” tem direito a se armar para se defender. Políticas públicas, só para os ricos, tipo bolsa-empresário e auxílio moradia para juízes, ministros, deputados e senadores. Pobre tem que aprender a pescar. Nada de acostumá-los com as benesses do Estado. Vicia, torna preguiçoso. Ajuda do Estado apenas para o andar de cima no qual a classe média acha que habita. Se o filho de trabalhador não pode pagar pela universidade, que não estude. O Brasil precisa de mão de obra barata para rebaixar o “custo Brasil”. Políticos decentes? Melhor impedir que se candidatem. Se forem eleitos, podem dar mau exemplo e o populacho pode querer fazer política. E, caso algum consiga candidatar-se e ser eleito, faz-se um impeachment sem qualquer base legal. Com a Câmara, com o Senado, com o Supremo e com tudo, como bem lembrou o Romero Jucá. E se o impeachment for muito trabalhoso, tem sempre um miliciano disposto a ganhar uns trocados para fazer o serviço sujo numa noite escura de uma rua do centro do Rio de Janeiro. Foi feito com Mariella Franco. Pode ser feito com outros. Como disse a filósofa Marilena Chauí, “a classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim"

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