segunda-feira, 5 de março de 2018

"SOMOS TODOS IRMÃOS", VIOLENTOS!


O paradoxo dá o que pensar. Paradoxal é algo ou um dito que desafia a lógica, o senso comum, por colocar lado a lado, conceitos, palavras ou afirmações, que, aparentemente não deveriam estar juntas, causando uma contrariedade, um escândalo, um “nó na cabeça”. Por exemplo: “que seja eterno enquanto dure”, “vive sonhando acordado”, “Deus, onipotente, poderia criar uma pedra tão pesada que ele mesmo não poderia carregar?”, “o amor não é amado”, “Deus morreu na cruz” etc.

Não sei se os Bispos da CNBB fizeram de propósito, mas o lema da Campanha da Fraternidade desse ano é um evidente paradoxo. O tema é Fraternidade e Superação da Violência e o lema é: “somos todos irmãos”. Por que há um paradoxo ao afirmar que devemos e podemos superar a violência porque, afinal, “somos todos irmãos”? Simples. Os irmãos Caim e Abel que o digam. A violência primária, o pecado original bíblico começa exatamente na morte de Abel por seu irmão Caim. Daí o título paradoxal desse artigo: “somos todos irmãos”, violentos! O paradoxo dá o que pensar.

Cuidado! O paradoxo não é uma contradição absurda e sem sentido e, portanto, um erro ou uma falsidade. Não, ele não é uma falsidade ou uma contradição sem sentido e absurda, ela é verdadeira e nos obriga a pensar na sua complexidade, inclusive, bíblica. É dos iguais e próximos, como são os irmãos de sangue, que emerge o ciúme, a inveja, o desejo de vingança e toda sorte de maquinação, astúcias e ardilosas tramas e violências destrutivas. Novamente poderíamos pensar na página bíblica que apresenta José, vendido como escravo, no Egito, pelos próprios irmãos. A história, bíblica ou não, é farta em casos de violência que não vem dos desconhecidos e do além, mas do que estão bem próximos, máxime os irmãos de sangue.

Se quisermos podemos ampliar o arco da violências que se dá entre os mais “próximos e irmãos”. Violências contra as crianças, idosos, mulheres, índios, homossexuais e pobres, todos eles praticados por pessoas próximas e que se dizem do bem, inclusive, mas na medida mesma do ato de violência as tornam do “mal”, apresentando-se novamente o paradoxo agora na forma: os “do bem”, cometendo o mal.

O que estou tentado dizer? Estou tentando dizer que a violência nos constitui e nos acompanha a todos, como vítimas e vitimadores ao mesmo tempo. Se a violência é fruto do pecado, ou é o próprio pecado em ação, isso é um debate filosófico e teológico de alta sofisticação, mas o que é menos especulativo e do mundo da vida cotidiana é que da violência, direta ou sistêmica e cultural, ninguém pode se dizer livre. Às vezes somos amorosamente violentos, gestualmente violentos, linguisticamente violentos, ou até litúrgica e sagradamente violentos. A pior das atitudes é a maniqueísta que diz que o bem está todo de um lado e o mal todo do outro e, evidentemente, eu e tu estaríamos do lado do bem e os outros é que são do mal. Não entremos nesse discurso rasteiro, maniqueísta, sem sofisticação e sem profundidade, tão propagado e propalado pelos defensores do politicamente incorreto.

É sobre isso que a Campanha da Fraternidade 2018, muito acertadamente, convoca para o debate nacional. Não há tema mais instigante, pela interdisciplinaridade, quanto o tema da violência. Proponho abordar, em próximos artigos, a questão desde o âmbito sociológico, teológico, antropológico e filosófico, seguindo a inspiração da Campanha da Fraternidade.

A violência nos constitui, mas ética e teologicamente, a violência é o que não deve ser, donde o chamamento para a sua superação. Para a superação, podemos contar com Deus, o anti-mal por excelência, e com uma parte de nossa alma que é pacífica, solidária, altruísta, generosa, justa e desejosa de Paz.

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