terça-feira, 20 de março de 2018

A VIOLÊNCIA SE FAZ DE MUITAS FORMAS.

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Os medievais diziam que erramos de várias formas, mas há uma única forma de fazer a coisa certa. Só se acerta o alvo de um único jeito, mas há infinitas possibilidades de se errar. Algo parecido acontece com as múltiplas cópias possíveis de serem feitas a partir do original. O original é só um, as cópias são muitas. Essa ideia é atraente, mas é falsa. Essa postura é reflexo de um platonismo tardio que pensa a partir da metafísica do Um, do Bem, do Justo em si. Aristóteles já havia confrontado Platão e dito que o bem, o verdadeiro, o belo, o ser, enfim, se diz de várias e legítimas formas. Mas isso tudo é conversa de filósofos metafísicos e a questão que interessa, aqui, é mais pé não chão, mais terra e menos nuvens. Sejamos, pois, fieis à terra, como diz Nietzsche.

Interessa-me, na continuidade temática da Campanha da Fraternidade 2018, Fraternidade e Superação da Violência, sobremaneira, a ideia Aristotélica de que o ser se diz de muitas formas. E no caso específico da violência, a violência se faz de muitas formas. A mais perceptível é a direta e ostensiva que se traduz em “atos violentos”. A violência direta e cotidiana, traduzido em atos violento, é aquela violência nua e crua, a violência de uma arma na mão, de um soco na cara, de uma facada no peito etc.

Cotidianamente essa é a violência que nos afeta, nos mobiliza, nos preocupa. Ela de fato é uma forma do ser da violência e não há como negar a sua vigência e crescimento à luz do dia do nosso mundo da vida. As políticas públicas, na área da segurança, têm se concentrado nessa forma de violência, numa verdadeira maratona na modalidade “secar gelo”, punindo, fichando e colocando na cadeia os agressores. Quando a população clama por segurança e a imprensa estimula construções de cadeias, mesmo que para isso teremos que fechar escolas, é para enfrentar, bem ou mal, esse tipo de violência.

Contudo, sem ampliar o arco das violências, cometemos o auto engando de tomar a parte pelo todo. E o todo, quando se trata de violência, remete, no mínimo para outras duas formas, além da direta e de atos violentos. Essas duas formas são a “violência institucional” e a “cultura da violência”. Sobre a cultura da violência, ou a violência cultural, falarei no próximo artigo. Concentremo-nos, aqui, na violência institucional.

“A violência direta é a forma mais extrema de agressão, mas apenas aparentemente é a mais letal”, diz o texto base da Campanha da Fraternidade (p. 21). A mais letal é a sistêmica e institucional. Essa violência não se configura como um fato ou um evento isolado e, por isso, é a violência mais difícil de detectar. É a violência sem rosto, sem autoria direta e só com muita capacidade de percepção podemos dizer: é isso, é aqui.

A violência institucional ou sistêmica, mais do que atos isolados e diretos, são processos sociais, conectados a processos políticos e econômicos, que se sedimentam nas instituições e se apresentem com rosto de naturalidade, quando na verdade, são mecanismos sutis de violência operados e mantidos pela exclusão e pela desigualdade que o sistema capitalista produz e reproduz. Em meu entendimento não há síntese melhor desse tipo de violência do que a formulada por Brecht quando diz: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” (Bertolt Brecht). Parafraseando Brecht poderíamos dizer: “De um jovem que arranca o celular das nossas mãos se diz violento, mas ninguém diz violento o sistema que acha natural que as seis pessoas mais ricas do país detenham igual riqueza das 100 milhões mais pobres”.

De passagem poderíamos dizer que a violência direta, aquela que tem rosto, cara, endereço e que se traduz em atos violentos, em boa medida, é efeito da violência sistémica e institucionalizada geradora de desigualdades e exclusões de toda ordem. Ou não é fato percebido que em países nórdicos, onde a justiça distributiva é mais efetiva, a violência direta e cotidiana tende a diminuir drasticamente?

Então, se queremos a paz no cotidiano, preparemo-nos para a justiça e não para o aumento de prisões ou do direito de portar armas de fogo. Sem a superação da violência institucionalizada as soluções de intervenções pontuais serão sempre um “secar gelo” de resultado temeroso.


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