terça-feira, 19 de dezembro de 2023

NATAL EM GAZA

Jesus nasce em Gaza e, agora, já não podem matá-lo, pois haverá de ressuscitar em cada criança, em cada jovem, em cada cidadão palestino  

Neste Natal, Jesus nasce em Gaza. Não na manjedoura exposta em um curral, mas entre escombros do que resta das moradias de seus habitantes. Não nasce cercado de animais, e sim de bombas detonadas, balas de fuzis Tavor Ctar atiradas contra a população civil (950 tiros por minuto), granadas e gases letais. E os voos assassinos dos caças F-35.


Jesus nasce e ignora que seus pais, que pretendiam se refugiar no Egito, foram atingidos mortalmente por uma chuva de bombas “bunker buster” jogadas pelas tropas israelenses.

Jesus e seus pais não encontraram acolhida em Belém. Tiveram que se abrigar em um curral. Do mesmo modo, famílias palestinas foram sumariamente expulsas de seus lares para dar lugar aos colonos sionistas que não reconhecem o direito de a nação palestina instituir o seu legítimo Estado. Escorraçadas, essas milhares de famílias foram confinadas nos estreitos limites de Gaza e da Cisjordânia, controladas por tropas israelenses como se fossem subumanas, sobrevivendo em condições análogas a campos de concentração a céu aberto.

Não há coro de anjos nem cânticos de glória a Deus, e sim o grito estridente de sirenas de alarme e o silvo aterrorizante de projéteis disparados pelos canhões mortíferos dos tanques Merkava.

Jesus nasceu sob o selo da discriminação: por ser palestino, por ser filho bastardo de um casal nazareno (tanto que José quis abandonar Maria ao sabê-la grávida), por ser um sem-teto, por sua família ter ocupado a terra de uma chácara em Belém, por ser considerado blasfemo e usurpador do título de Filho de Deus.

mais uma vez, é rechaçado em sua própria terra. Se seus conterrâneos são impedidos de formar seu Estado, qualquer ação de autodefesa que desencadeiem será qualificada de “terrorista”. Epíteto que jamais explodiu, em Jerusalém, o Hotel King David e matou 91 pessoas. Nem quando mais de 200 mil pessoas, todas inocentes, foram cruelmente assassinadas no maior atentado terrorista de todos os tempos – as bombas atômicas atiradas pelo governo dos EUA sobre as populações civis de Hiroshima e Nagasaki.
 A grande mídia utilizou quando Menachem Begin, em 22 de julho de 1946, Sim, o Hamas rompeu a linha da “guerra justa” ao sequestrar mais de 200 pessoas, a maioria delas civis. Mas quem reage às “detenções administrativas” feitas pelo governo de Israel e que mantém nas prisões cerca de cinco mil pessoas sem acusações formais?

Jesus nasce em Gaza e, agora, já não podem matá-lo, pois haverá de ressuscitar em cada criança, em cada jovem, em cada cidadão palestino consciente de que a terra das vinhas e das oliveiras guarda em seu solo as cinzas de seus mais longínquos ancestrais.


quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

A ESPERANÇA ESPERANTE.

 



Ocorre um fenômeno que nos fez colocar a questão : será que  nos não estamos acercando de nosso próprio fim? Alguns notáveis biólogos como A.Meredith e a própria Lyn Margulis, pensam que o recente e fantástico sucesso do ser humano no povoamento do planeta não passaria de “um fenômeno de ocaso”, quer dizer, do grande jogo de luzes antes do inevitável fim do espetáculo. A expansão populacional nos faz, realmente, pensar.

Somente em 1800 chegamos a um bilhão de pessoas; em 1930 já éramos 2 bilhões; em 1974 alcançamos a cifra de 4 bilhões; em 1987 éramos 5 bilhões; em 1999 emergimos como 7 bilhões e em 2022,finalmente chegamos a 8 bilhões de pessoas.

Se bem observarmos há um crescimento exponencial. Comenta Margulis, uma das maiores especialistas em microbiologia:”De acordo com dados históricos sabe-se que as espécies se reproduzem frequentemente com considerável profusão momentos antes de se extinguirem”(Microcosmos,p.213). Outro grande cientista John R.Plat comenta: Ficamos atemorizados quando observamos estes exemplos de aceleração evolutiva”(The Acceleration of Evolution,em The Futurist,1981).

O argumento que mais me convence e funda minha hipótese (não é mais que hipótese) de que nosso fim não está distante é fornecido pela própria Margulis. Ela usa o exemplo do que ocorre com os micro-organismos colocados dentro da cápsula de Petri. Cito: “A cápsula de Petri são placas redondas dotadas de alimento transparente que permite ao investigador ver as colônias bacterianas sob a forma de pontos mesmo a olho nu. Alimentados com nutrientes os micróbios revelam-se quase sempre muito prolíficos…Ao esgotarem todas as substâncias nutritivas e ao atingirem as bordas da placa de  Petri, os múltiplos bilhões de bactérias deixam de se desenvolver e de súbito morrem por falta de alimento e de espaço vital. Para a humanidade, o mundo pode mostrar-se idêntico a uma cápsula de Petri”(p.214).

Em outras palavras, os organismos da ONU tem mostrado anualmente a Sobrecarga da Terra (The Earth Overshoot). Chegamos a ela neste ano de 2023, no dia 22 de julho. Isto quer dizer: constatou-se o esgotamento dos nutrientes essenciais que a Terra nos fornece para garantir a continuidade da vida. Como, particularmente os países ricos, não diminuem seu suntuoso consumo, a Terra viva não pode mais dar o que não tem. Então responde com mais aquecimento global, mais eventos extremos, mais vírus letais e outros fenômenos que podem colocar o futuro da vida humana e da natureza em situação de dissolução e até desaparecimento. O citado cientista Plat estima que a vida na Terra se avizinha de sua maior viragem depois de 4 bilhões de anos de existência. Não há consciência coletiva acerca deste risco na população, nem nos “decisions makers” nem nos chefes de Estado.

Todos os anos milhares de espécies vivas desaparecem depois de permanecerem por milhões de anos sobre o nosso planeta. Chegando ao seu clímax desaparecem para dar lugar a outras. Pergunto: será que não chegou a nossa vez de desaparecer deste planeta? A Terra continuará pacificamente girando ao redor do sol. Mas sem nós.

Não desejaria que o prognóstico de um dos últimos grandes naturalistas Jacob Monod chegasse a se realizar. Em seu livro “E se a aventura humana viesse a falhar”(2000) observa: ”somos capazes de uma conduta insensata e demente. A partir de agora se pode temer tudo, realmente tudo, inclusive a aniquilação da espécie humana. Seria o justo preço de nossas loucuras e de nossas crueldades”(p.246). Com esperança confiamos que ainda daremos um salto em nossa consciência, despertaremos, mudaremos de rumo e assim salvaremos a vida, nossas culturas e nosso futuro. É a esperança esperante.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

A VOZ DO BEM.

É preciso, ecoar de onde nascem os sentimentos, palavras que possam devolver a esperança, restaurar os relacionamentos, produzir entendimentos, especialmente quando há grande urgência em refazer escolhas nos âmbitos pessoal, familiar, político, religioso e econômico também. Refazer escolhas norteadas pela voz do coração emoldurada pela claridade da razão, o que nos impede de perder o rumo, o sentido do viver – para não cair no ardil existencial de desistir do dom da vida. Ou, ainda, viver o dom da vida desconsiderando toda grandeza que o viver carrega em si. Deixar falar a voz do coração, assim nos lembra a poesia da canção, indica ser oportuno e urgente priorizar “a voz do bem” ante os cenários e a avalanche de “falas” facilitados, sobretudo, pela velocidade das redes sociais.

O bem traz intrinsecamente no seu âmago a verdade que liberta e corrige, denuncia e anuncia, com propriedades que passam longe dos destemperos patológicos multiplicados por interesses de todo o tipo, fazendo do falar uma ancoragem perigosa e perversa que jamais conseguirá atingir a mais importante propriedade da palavra, a geração de entendimentos, próprio da demanda de tecer relacionamentos que promovam a paz.

A avalanche de crises, em curso no conjunto da grande mudança civilizatória envolvendo a humanidade neste momento, aponta grandes e complexas transformações impedindo a voz do bem. É assustadora a dimensão de hostilidade dos discursos, não só político, mas também o religioso, promotor de lutas fratricidas e demolidoras de reputações, com grosserias e manipulações lesivas, produzindo na vivência religiosa tudo o que se pode imaginar, menos a promoção da voz do bem. De modo semelhante se cultiva uma odiosidade na política e na religião, desvirtuando-a dos pilares de suma importância na construção da história e, particularmente, neste momento de transição civilizatória, com reconstruções a se operar, recuperação de perdas em tempo e em vidas, consideradas as suas etapas todas.

Não deixar falar a voz do coração, componente intrínseco do viver humano, está empurrando a sociedade ao precipício do ódio. Deixar falar a voz do coração é um chamado que perdeu o rumo e precisa ser recuperado com o exercício primeiro de deixar falar a voz do bem. Deixar falar a voz do bem é compromisso e garantia da possibilidade de se produzir uma profecia indispensável na construção de uma sociedade justa e solidária. Diminuta, tem se configurado a possibilidade de avanços civilizatórios, por causa do ódio que se propaga e dissemina a desestabilização das instituições, para tomar seu lugar com ilusória proposta. Caminho sem factibilidade enquanto resposta às demandas e urgências para qualificadas correções de rumos, claridade nas escolhas e balizamentos humanísticos que impulsionem, urgentemente, a humanidade à condição de, ao menos, administrar melhor o conjunto de crises que a destroem. E, assim, desenhar por este humilde passo a passo um novo tempo, usufruindo de condições propícias advindas das conquistas tecnológicas e avanços científicos. Compreende-se, pois, as multiplicadas inadequações no mundo da política e no interno da vivência religiosa, agravadas por misturas, ora inconsequentes e inconscientes, ora perversas e calculadas.

O momento atual, caracterizado por crises sobre os ombros arqueados da humanidade, precisa ser vivido e entendido com uma lucidez que permita aprendizagem e possa exercitar a resiliência fazendo nascer modos novos nos modelos de sociedade, pautada pelo falar a voz do bem, longe de ataques figadais e demolidores, nos trilhos da fraternidade universal e da solidariedade. Uma outra lógica de funcionamento, com força de superação de divisões odiosas, dando lugar à nobreza da igualdade fraterna, superando desigualdades sociais e raciais, pondo fim aos cenários vergonhosos e inaceitáveis de discriminações, violências e homicídios.

Deixar falar a voz do bem, sem dissimulação ou conivências, dizendo a verdade, é caminho fecundo na produção de entendimentos lúcidos que possam fazer ver o despropósito produzido por ódios políticos e religiosos. A voz do bem é remédio terapêutico para recuperar a voz do coração, desmontando manipulações ilegítimas para articular em riqueza as diferenças, iluminando escolhas inadiáveis para produzir entendimentos indispensáveis de processos e mecanismos que libertem a sociedade dos artífices do mal, em razão de conveniências, de submissão ou de lucros a todo preço.

 Uma súplica: Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz; onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver discórdia que eu leve a união, onde houver dúvidas que eu leve a fé; onde houver erro que eu leve a verdade; onde houver ofensa que eu leve o perdão; onde houver desespero que eu leve a esperança, onde houver tristeza, que eu leve alegria, onde houver trevas, que eu leve a luz. Deixar falar a voz do bem.

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

O QUE É O TEMPO?


Meus caros jovens,

Considerem a vida, o valor supremo, acima do qual só há o Gerador de toda vida, aquele Ser que faz ser todos os seres. Os cientistas, especialmente o maior deles que se ocupou do tema da vida, o russo-belga I.Prigogine afirmou: podemos conhecer as condições físico-químico-geológicas que permitiram o irromper a vida há 3,8 bilhões de anos. O que ela seja, no entanto, permance um mistério.

Mas podemos seguramente dizer que o sentido da vida é viver, simplesmente viver, mesmo na mais humílima condição. Viver é realizar, a cada momento, a celebração desse evento misterioso do universo que pulsa em nós e quiçá em muitas olutras partes do universo.

A vida é sempre uma vida com e uma vida para. Vida com outras vidas, com vidas humanas, com vidas da natureza e com vidas que por acaso existirem no universo e que um dia puderem se comunicar conosco. E vida para dar-se e unir-se a outras vidas para que a vida continue vida e sempre se perpetue.

Mas a vida é tomada por uma pulsão interior que não pode ser freada. A vida quer irradiar, se expandir e se encontrar com outras vidas. A vida é só vida quando é vida com e vida para.

Sem o com e sem o para a vida não existiria como vida assim como a conhecemos, envolta em redes de relações includentes e para todos os lados.

A pulsão irrefreável da vida faz com que ela não queira só isso e aquilo. Quer tudo. Quer até a Totalidade, quer o Infinito. No fundo, a vida quer ser eterna.

Ela carrega dentro de si um projeto infinito. Este projeto infinito a torna feliz e infeliz. Feliz porque encontra, ama e celebra outras vidas e tudo o que está ao seu redor, mas é infeliz porque tudo o que encontra, ama e celebra é finito, lentamente se desgasta, cai sob o poder da entropia e acaba desaparecendo. Apesar dessa finitude em nada enfraquece a pulsão pelo Infinito e pelo Eterno.

Ao encontrar esse Infinito repousa, experimenta uma plenitude que ninguém lhe pode dar, mas que só ela pode desfrutar e celebrar. O infinito em nós é o eco de um Infinito maior que sempre nos chama e nos convoca.

A vida é inteira, mas incompleta. É inteira porque dentro dela está tudo: o real e o potencial. Mas é incompleta porque o potencial ainda não se fez real. E como o potencial é ilimitado, o nosso tipo limitado de vida não comporta o ilimitado. Por isso nunca se faz completa para sempre. Permanece como abertura e espera para uma completude que quer e deve, um dia, acontecer. É um vazio que reclama ser plenificado. Caso contrário a vida não teria sentido.Como disse alguém: “a vida é oceânica demais para caber num doutrina petrificada no tempo”. Não seria a morte o momento de encontro do finito com o Infinito?

Eis que com a vida, surge o tempo. Que é o tempo? O tempo é a espera daquilo que pode vir a acontecer. Essa espera é a nossa abertura, capaz de acolher o que pode vir, fazer-nos mais inteiros e menos incompletos.

Viva intensamente cada momento do tempo! O passado já não existe porque passou, o futuro não existe porque ainda não veio. Só existe o presente. Viva-o com absoluta intensidade, valorize cada momento, ele traz o futuro para o presente e enriquece o passado.

Cada momento é a irrupção do eterno. Só pode ser vivido. Não pode ser apreendido, aprisionado e apropriado. Só ele é. Um dia foi (o passado) e um dia será (o futuro). Do tempo nós só conhecemos o passado. O futuro nos é inacessível porque ainda não é. Nós, no entanto, vivemos o “é” do presente que nunca nos é concedido prendê-lo.Ele simplesmente passa por nós e se vai. Ele possui a natureza da eternidade que é um permanente “é” O tempo assim significa a presença fugaz da eternidade. Nós estamos imersos na eternidade.

Viva esse “é” como se fosse o primeiro e o último. Assim você mesmo se eterniza. E eternizando-se participa Daquele que sempre é sem passado nem futuro. Um é eterno.

Podemos falar do tempo, mas ele é impensável. Esse é eterno está vinculado ao que as tradições espirituais e religiosas da humanidade designaram como Mistério, Tao, Shiva, Alá, Olorum, Javé, Deus, nomes que não cabem em nenhum dicionário e estão para além de nosso entendimento. Diante dele afogam-se as palavras. Só o nobre silêncio é digno.

Mesmo assim cada um deve dar-lhe o nome que é o nome de sua participação nEle e de sua total abertura a Ele. Esse nome fica inscrito em todo o seu ser temporal, mas principalmente pulsa em seu coração. Então o seu coração e o coração dAquele que eternamente é, formam um só e imenso coração

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

ESCRAVIDÃO NÃO ACABOU. RACISMO EXISTE.




O primeiro objetivo da criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, foi eliminar todas as formas de trabalho escravo. Mais de cem anos depois, escravizar pessoas continua um negócio altamente lucrativo. A própria OIT estima em 40,3 milhões de pessoas submetidas ao trabalho escravo no mundo.

No Brasil, seriam 400 mil pessoas. O trabalho em regime de escravidão foi oficialmente abolido em 1888. Quatro séculos de escravidão deixaram marcas profundas. Não se restringe aos africanos e indígenas, mas afeta brancos pobres, imigrantes, mulheres e até crianças.

O fim da CLT deixa o trabalhador às portas do trabalho escravo. A reforma trabalhista de 2017, a crescente desigualdade e a pobreza que atinge 4 em cada 10 brasileiros, o descaso do governo que reduziu o auxílio emergencial aos mais pobres, deixou vulnerável boa parte da população.

Alto nível de analfabetismo e o baixo índice de desenvolvimento humano caracterizam as regiões da maioria dos trabalhadores escravizados. A miséria se traduz numa enorme quantidade de pessoas que, de tão pobres, se tornam vulneráveis à escravidão. Diante da fome os invisíveis aceitam qualquer serviço.

No Brasil a prática do trabalho escravo é criminalizada pelo Código Penal desde 1940. Mas a impunidade tem sido o maior entrave no combate a este crime. O Brasil, condenado em 2016 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA) por tolerar a escravidão (Fazenda Brasil Verde/1989), começou 2022 regatando 271 trabalhadores rurais submetidos ao trabalho escravo em 3 fazendas do Vale do Paranaíba (MG). Eram do norte e nordeste do país. É a luta por sobrevivência.

A primeira denúncia de trabalho escravo foi feita em 1971, por Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia. Somente em 1995 o Brasil reconheceu diante da ONU a existência do trabalho escravo. Desde então, quase 60 mil pessoas foram resgatadas, mais de 2 mil pessoas/ano.

Operações da Polícia Federal contra trabalho escravo cresceram 470% em 2021, ano em que o Brasil resgatou 1.937 pessoas em situação de escravidão. 89% em atividades rurais. O número é o maior desde 2013. 90% dos resgatados eram homens e 80% se autodeclararam negros. A escravidão não perdeu a cor! Apesar da lei Áurea de 1888 homens, mulheres e crianças brasileiras ainda são submetidos ao trabalho escravo. Em Minas Gerais 99 operações resgataram 768 trabalhadores, entre eles duas crianças e uma adolescente. As verbas indenizatórias também foram as maiores desembolsadas pelos ditos empregadores, R$ 10.229.489,83.

O trabalho doméstico as vezes serve de camuflagem do trabalho escravo. “Mulher é resgatada da casa de pastor após 32 anos de trabalho escravo e abusos sexuais”.

Em 2021 foram resgatadas 27 vítimas, contra apenas três em 2020. O número de denúncias aumentou. Segundo o IBGE, dos 6,2 milhões de brasileiros que se dedicam a serviços domésticos, apenas 28% têm carteira assinada. 92% são mulheres, entre elas, 68% são negras. Em 2013, a PEC das Domésticas estabeleceu direitos trabalhistas aos trabalhadores domésticos. O único a votar contra foi o deputado Jair Bolsonaro.

Tratar seres humanos como escravos aparece como opção barata para aumentar as margens de lucro. Desesperados, os trabalhadores são coagidos a aceitar condições de trabalho indecentes em troca de salários de fome. A juventude da periferia, as mulheres e os negros são os mais afetados. Para maioria, a inserção no mercado de trabalho é um sonho distante.

Quando os direitos humanos são violados, as pessoas são tratadas como ferramentas descartáveis por empresários que só querem ganhar dinheiro. As vítimas do trabalho escravo sofrem todo tipo de violação dos direitos humanos.

Crime. Monstruosidade. Pecado. Escravizar pessoas é crime de lesa humanidade, uma agressão ao próprio Deus. Cada pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus e deve ser tratada com amor e respeito. Quem ama a Deus deve lutar contra a opressão.

O problema não é impossível de ser resolvido. Os governos devem fazer mais, e a sociedade deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para acabar com a escravidão moderna. “É importante dar dignidade ao homem com o trabalho, mas também dar dignidade ao trabalho do homem” (Papa Francisco).

Os cristãos, o que fazem para combater o trabalho escravo? Denunciam? Ou são indiferentes. Ou covardes? A omissão é pecado. O compromisso de erradicar todas as formas de escravidão deve ser de todos. “A Igreja deve se comprometer nessa tarefa […]. “Que haja trabalho para todos, e trabalho digno, não de escravo” (Papa Francisco).

Não normalizemos a barbárie. São tempos de violência. Moise Kabagambe, jovem negro trabalhador foi espancado até a morte por reivindicar seu salário atrasado.

Élio Gasda – Dom Total

terça-feira, 25 de julho de 2023

DA FÁBRICA E DA ALMA (Éle Semog)


Não posso rezar todos os dias,
a igreja abre às sete a fábrica ás seis.
Então, Senhor, perdoai-me,
mas primeiro o patrão, dele vem o pão.
Vejo outros companheiros amigos,
de dentro de seus olhos vêm gritos
e carregam no interior
de suas almas sofrimento,
há muito não sabem o que é um alento,
pois não aprenderam que mais que manejar,
é preciso entender as ferramentas.
O dia começa infiel,
somos prisioneiros da angústia,
somos multidão profundamente
silenciosa ao acaso,
somos homens torpemente sós.
Os muros das fábricas são altos.
marrons,
ali dentro as máquinas nos cortam,
nos moldam.
Ali dentro esvaziam nossos corações
e nossos cabelos ficam cheios de limalha de ferro.
Somos visitas nos quintos dos infernos.
Quando no banheiro aparece um recado,
um chamado,
nossos corações batem mais forte,
o ar fica pesado, as máquinas ficam tensas,
absurdas,
mas mesmo assim moldam as peças,
deformam o homem.
Um companheiro riu da vida.
Displicente riu da vida,
e a guilhotina arrancou-lhe as duas mãos
e se tivesse outras duas,
ou quantas mãos fossem preciso,
continuaríamos passivos no perfil da produção.
Nunca me esquecerei:
riu da vida, e chorou as peças de vermelho.
Teve um dia que vieram muitos
gringos e o doutor, barrigudos, bonachões,
unhas feitas e cabelo com brilhantina,
falaram enrolado e riram um riso sem sal…
depois reclamaram de uns parafusos
jogados num canto.
Não falaram nada sobre os restos de homens
meio-máquinas… quem nos dera ter um plano.
Amo minha fresa,
converso com ela
faço-lhe carinho
e ela me obedece.
Todo dia alimento-a
e ela faz as mesmas engrenagens,
iguais. Cega obediência:
fruto do nosso amor
sem variações.
À tardinha sinto ciúmes
pois sei que à noite
ela pertence a outro homem,
sinto ciúmes, pois sei
que ela faz para ele
como faz comigo.
Conheço seu pulsar,
seu cheiro, seu hálito
é parte de mim,
e sofro quando outro a possuí,
sofro e tenho medo
do que estou me transformando…
Amo a fresa do patrão
como amo a minha mulher.
Mandaram quinze embora,
quinze bocas vezes quatro,
quantas bocas dependendo desses braços.
É um terror na cessão, os sussurros
e o guinchar das máquinas se misturam
com notícias e boatos,
pois esquecemos que é proibido comentários,
e nos olhamos desconfiados,
uns com pena dos outros, temendo por si próprios,
e dança em cada rosto as rugas e o pavor
de quem é lentamente condenado.
Não há trato com patrão
ele vem de vai da valsa,
nós somos samba canção,
não adianta remédio
pra ilusão que já morreu,
ele leva o que é dele
e mete a mão no que é meu.
Patrão nunca foi bobo,
nunca perdeu em negócio
se ele dá dois, leva seis
do povo nunca foi sócio.
Ele tem a farinha
e dá o gosto do pirão
dele só vem ladainha
pra no fim dizer que não.
Não há riso pra patrão
que fique isso bem claro
ele que preste atenção
cansamos de ser otários.
As coisas se transformam na fábrica,
como a alma.
Chegam às minhas mãos pedaços, peças,
que vão adiante sem que eu saiba o que é.
Sobre essas partes cai meu suor
e meus olhos atentos vigiam as minhas dúvidas
…e em silêncio sinto
que o homem, somente o homem
se transforma na fábrica, na consciência diante
do movimento. Do tempo. Do produto.
Às vezes penso que sonhamos
que é preciso atingir o coração da máquina,
desatar o cordão umbilical
e buscar a vida – para entender a vida -,
homens que somosna obscura nitidez
da contradição de tudo.
A necessidade de sobreviver
é tão forte, que se existe dúvida
é por conveniência, não por covardia.
Arrebentar a linha de produção,
seria como arrebentar grilhões. Sabemos.
O coração da fábrica pulsa
com os meus braços, com a minha força.
Não posso alimentar
o instrumento da minha destruição.
Quando a sirene soa e os portões se abrem,
vêm-nos um alívio…
o ar sombrio dos movimentos compassados
dá lugar a novos motivos.
Mas no fundo, no fundo da alma
estamos divididos e inúteis,
somos pássaros engaiolados
na liberdade das cinco da tarde.
O deus patrão repousa sobre os lucros
e o deus do céu ameniza nossas ambições.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

SEM FAZER BARULHO




E assim, num de repente, a vida se se fez presente na lembrança de um texto do poeta Alexandre Paredes, que li muitas vezes e que diz:

“Vivemos a maior parte do tempo tão mergulhados em nossos afazeres e preocupações que nem percebemos as maravilhas que a vida nos oferece a cada dia, nas formas mais simples. As dificuldades são enormes, nossos caminhos, às vezes, parecem se fechar e não vemos que a natureza produz, silenciosamente, pequenos milagres a todo instante.

Os noticiários de TV exibem a violência, a corrupção, a catástrofe, o sofrimento, entretanto, as transformações mais belas em nossa vida acontecem sem serem notadas, e os momentos de maior alegria que vivemos não viram notícia.

A maldade humana é como uma noite de tempestade. Por mais terrível, escura e longa que pareça cederá, mais cedo ou mais tarde, à luz do novo dia, que chega serenamente trazendo novas oportunidades de reconstrução da nossa paz interior.

Não te impressiones, pois, pela maneira como crescem a vaidade, a mentira, a hipocrisia e a iniquidade no mundo que te cerca. No fundo, todo mal nasce da ignorância. Há homens cheios da cultura e do saber do mundo que ignoram a paz e desconhecem o amor.

Ilumina o teu horizonte com pequenos gestos de bondade. Por menores que pareçam, são mais fortes do que toda a escuridão reunida.

Projeta luz sobre a tua própria dor, passando a enxergá-la como oportunidade de crescimento e renovação.

O arco-íris nasce do confronto entre a luz do sol e o que chamamos de “tempo ruim”. A chuva, ou o “tempo ruim”, é precioso instrumento da natureza para renovar a vida.

Espalha o otimismo, o quanto puderes. A centelha de esperança que, hoje, acendemos no coração de alguém poderá ser amanhã, um farol a guiar nossos passos quando estivermos perdidos nas tormentas da vida.

Semeia o bem, a paz e a felicidade a todos aqueles que te rodeiam, mas sem fazer-se notado e assim, a felicidade entrará devagarinho em tua vida… sem fazer barulho..

sexta-feira, 16 de junho de 2023

ERVA-MATE É O PRIMEIRO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO RS.





Um dos símbolos da identidade gaúcha, a erva-mate tornou-se o primeiro patrimônio cultural imaterial do Rio Grande do Sul. A oficialização ocorreu em uma cerimônia realizada nesta terça-feira (13/06), no Galpão Crioulo do Palácio Piratini, com a assinatura do termo de registro em que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) reconhece o valor histórico-cultural do Sistema Cultural e Socioambiental da Erva-Mate Tradicional, envolvendo o seu cultivo e comercialização. Trata-se do primeiro registro desta natureza no Estado.

A solenidade contou com a presença do governador Eduardo Leite, da secretária da Cultura, Beatriz Araujo, do diretor do Departamento de Memória e Patrimônio da Secretaria da Cultura (Sedac), Eduardo Hahn, e do diretor do Iphae, Renato Savoldi. Também participaram representantes da etnia Mbya Guarani, de comunidades quilombolas e da agricultura familiar, grupos que fazem parte das referências culturais e produtivas relacionadas à erva-mate.

O governador comentou sobre a identificação dos gaúchos a partir do hábito do chimarrão, que tem a erva-mate como ingrediente, e sobre a importância da preservação e proteção deste símbolo. “Com esse registro, reconhecemos e protegemos algo que já faz parte da identidade do nosso povo. O chimarrão é nossa bebida típica, que popularizou a erva-mate, e o companheiro do dia a dia do gaúcho em um ritual que une famílias e amigos”, observou. “Quando estamos fora do Estado, identificamos claramente outros gaúchos a partir deste hábito.”

O Rio Grande do Sul é o maior produtor de folha verde de erva-mate no país e o maior exportador nacional do produto. A planta, que já foi reconhecida como árvore-símbolo do Estado, é cultivada em mais de 32 mil hectares, principalmente por pequenos produtores rurais.

Leite destacou a relevância econômica da erva-mate e os efeitos do seu registro como patrimônio cultural imaterial. “Tudo o que se faz para valorizar e defender um patrimônio imaterial como esse agrega valor não apenas à produção, mas também ao que circunda essa cadeia produtiva. As propriedades e localidades que mais se conectam ao sistema de cultivo tradicional da erva-mate, por exemplo, geram possibilidade de exploração turística porque é algo que desperta o interesse das pessoas. Então, além da valorização de uma identidade cultural e dos povos originários envolvidos no processo, existe também uma repercussão econômica positiva que toca na vida das pessoas”, afirmou.

O processo para fazer da erva-mate um patrimônio imaterial começou em 2022, quando o Iphae apresentou um parecer técnico balizando o pedido de registro. Esse texto foi apreciado pela Câmara Temática do Patrimônio Cultural Imaterial (CTPCI) e aprovado por unanimidade em abril deste ano. O processo de instrução e indicação para registro continha mais de 700 páginas de pesquisas sobre o tema.

A secretária Beatriz destacou o momento inédito na cultura gaúcha e relembrou o trabalho de conservação do patrimônio do Rio Grande do Sul desenvolvido pela Sedac. “Desde 2019, em conjunto com as mais de 20 instituições vinculadas à Secretaria da Cultura, temos trabalhado para que a imensa riqueza e a diversidade do patrimônio cultural coletivo sejam protegidas, reconhecidas e apropriadas por todos os cidadãos. É um compromisso que assumimos com a gestão dos bens culturais, materiais e imateriais, que pertencem aos gaúchos e às gaúchas”, afirmou.

Beatriz reforçou o respeito e envolvimento dos grupos envolvidos no cultivo da erva-mate e disse que a valorização do patrimônio imaterial é também uma estratégia de desenvolvimento das cidades.

Durante o evento, o governador foi presenteado com um pacote de erva-mate produzida artesanalmente no carijo, uma estrutura tradicional utilizada pelos indígenas. O presente foi entregue pelo cacique Eduardo Timóteo, da aldeia indígena Água Grande Guarani Mbya, do município de Camaquã. A celebração também contou com a apresentação do coral indígena Teko Guarani, da etnia Mbya Guarani.



Bem imaterial

Quando um bem se torna patrimônio cultural significa que ele tem relevância artística, histórica e social para ser perpetuado. No caso de bens materiais, como conjuntos arquitetônicos, jardins e obras de arte, ocorre o tombamento. Quando se trata de bens de natureza imaterial, tem-se o registro.

Segundo Savoldi, o conceito de bem imaterial é mais abrangente: “São manifestações culturais que possuem representatividade para um grupo social. Pode ser um dialeto, um idioma, uma atividade culinária, uma festa popular, um rito religioso, um saber ou modo de fazer. São vários elementos culturais que não necessariamente precisam de uma materialidade, mas fazem referência à identidade, à ação e à memória de grupos sociais e étnicos”.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

O JOGO É BRUTO.


O jogo é bruto.De um lado você, eu e os milhões de usuários das Redes Sociais.
De outro as BigTechs, versão tecnológica de uma divindade onisciente (detém e manipula todo o conhecimento), onipresente (está em toda parte, chegando até às camadas economicamente mais frágeis da sociedade) e que se quer onipotente, ou seja, quer liberdade para fazer o que quer, inclusive suas próprias regras, o que, na prática, significa regra alguma.
O jogo é bruto.
Muitos dos nossos valorosos parlamentares sabem disso, porque sabem o valor (preço) de seus votos.
O jogo é bruto.
As Redes Sociais aperfeiçoaram e aceleraram um movimento que a grande mídia tradicional vem fazendo há tempos: transformar a notícia em espetáculo, embalando-a como se fosse puro entretenimento. Vejam os nossos telejornais. Imagens rápidas sobre as quais se produzem textos sintéticos, vagos, inconclusivos, com foco nos efeitos sem reflexão sobre as causas. No mesmo bloco de notícias, você engole sem mastigar a morte de crianças na guerra na Ucrânia, o gol da rodada, o aumento do preço da gasolina, o assalto com reféns numa agência bancária e uma matéria fofa sobre o Criança Esperança.
Tudo é batido no liquidificador da redação, pasteurizado, homogeneizado e injetado direto no nosso cérebro, junto e misturado.
Assim como o monopólio jornalístico, no Brasil, se concentra nas mãos de poucas “famílias” (Marinho, Abravanel, Macedo, Mesquita, Frias e Saad), as Big Techs elevaram esse monopólio a uma escala mundial.

Só Mister Mark Zuckerberg, fortuna pessoal na casa dos 100 bilhões de dólares, é dono da Meta (Facebook Messenger, Facebook Watch e Facebook Portal, Instagram e WhatsApp).
Mas o que isso tem a ver comigo, conosco?
Você acorda, seu primeiro olhar é para conferir se o smartphone está carregado. Entra no WhatsApp pra ver as mensagens, dá uma passada no Facebook e abre o Google para ver as notícias do dia.
Durante o café assiste, na tela do celular, o jornal da manhã.
No trabalho, mais telas, mensagens, intermináveis passeios por sites nunca antes navegados. Para visitar um cliente ou um amigo, segue rumo ao desconhecido guiado pelo Google Maps ou o Wase. E chega.
Estamos radicalmente e inapelavelmente conectados, intimamente linkados e totalmente plugados em redes que se dizem sociais, mas na verdade vão muito além disso. Não só nos deixam informados, mas também comentados, curtidos e compartilhados.
Pensamentos vão e vem, mensagens e opiniões surgem aos milhares e desaparecem na mesma velocidade.
Andy Worrol profetizou nos anos 1960 que “no futuro todos serão famosos; por quinze minutos”. Errou na estimativa do tempo. Gurus líderes, celebridades, assim como palavras, nascem e somem como se nunca tivessem existido. A fama é tão instantânea quanto o esquecimento.

O volume de informação é tão gigantesco que não deixa tempo para a digestão. A manchete escandalosa de hoje, amanhã está na lixeira ou caixa de spam.

As gigantes movem seus imensos tentáculos algorítmicos. Ontem recebi pelo Facebook um artigo aparentemente inocente, de uma pessoa que nem faz parte da minha rede, elogiando… as Redes Sociais.

O jogo é bruto.
Acompanhemos…

terça-feira, 16 de maio de 2023

A luz dos cabelos ruivos e um par de olhos verdes foi subtraída de nossas retinas e sua voz de nossos ouvidos. Rita Lee partiu e faz o Brasil chorar de saudade. Sobretudo as mulheres. E por que o público em geral e muito especialmente o público feminino tem esse carinho e essa paixão pela cantora que hoje nos deixou?

A primeira razão seguramente é seu talento. No momento em que o rock se firmava no Brasil, ela começou a brilhar como cantora e compositora. Foi a primeira mulher a liderar uma banda de rock. Originalidade, humor, crítica de bom gosto eram a tônica de suas músicas e performances. E além disso, graça, beleza, simpatia. Talento para dar e vender foi fazendo Rita Lee subir no gosto do público e ser líder de vendas de discos no tempo em que ainda se ouviam discos nas vitrolas.

A segunda razão é sua paixão libertária, de perfil rebelde e ruidoso. Rita Lee não teve medo de nada e não deixou de defender nenhuma liberdade. Pode-se não aderir a algumas bandeiras que a ruiva desfraldou ao longo da vida. Mas não se pode deixar de respeitar a coerência com que viveu. Por trás desse compromisso com tudo que fosse humano havia uma consistência ética inegável. A roqueira enfrentou várias ditaduras: a dos costumes, a do pensamento, a do patriarcalismo e não menos, a militar.

Foi presa em casa, na Vila Madalena, por porte de maconha. Rita estava grávida e negou que a droga fosse sua, pois como alegou à polícia, havia parado de fumar devido à gravidez.

O período em que isso aconteceu, com o país em ditadura militar e mergulhado em um obscuro conservadorismo, colaborou para sua prisão. Ela simbolizava tudo que era rejeitado pelo regime que vigorava então no país. Hippies e roqueiros eram tratados como bandidos. Além disso, Rita Lee simbolizava a liberdade de gênero e a emancipação feminina. Sua prisão era emblemática e representou uma espécie de troféu. Foi um momento difícil, agravado pela gravidez. Depois de passar duas semanas na cadeia, a artista foi condenada a um ano de prisão domiciliar e multa de 50 salários-mínimos. Isso não impediu que continuasse com seu estilo crítico e irreverente, enfrentando todas as censuras e violências.

A terceira razão – e para o público feminino talvez a mais importante – é a genialidade com a qual introduziu pautas feministas em suas criações musicais. Ao cantar a mulher, Rita Lee imortalizou afirmações que traziam um feminismo bem-humorado e verdadeiro para dentro dos lares e das vidas daquelas que viviam sob o tacão do machismo da sociedade.

Foi ela quem nos ensinou que “nem toda feiticeira é corcunda” em clara alusão à suspeita milenar que paira sobre as mulheres de serem bruxas, e que já levou muitas à fogueira. E que há mulheres – entre as quais a mesma Rita – que “é mais macho que muito homem”. Anunciou em alto e bom som “ que um dia resolveu mudar e fazer tudo que queria fazer”.

Mas é na canção Cor de rosa choque que se encontram as mais belas verdades do pensamento desta mulher livre e talentosa sobre seu próprio gênero. Ali ela diz que a mulher é um bicho esquisito, que todo mês sangra e “tem um sexto sentido maior que a razão”. Desmitologizando a categorização do sexo feminino como sexo frágil, Rita afirmou que essa fragilidade toda não foge à luta homenageando assim todas as mulheres do Brasil e do mundo que cada dia se levantam ao mesmo tempo que o sol e saem em busca da vida para si e os seus. Com ela, os dias de luta das Gatas Borralheiras teve fim, porque são Princesas, e Dondoca é uma espécie em extinção.

Em suma, nas composições da roqueira, o rosa bebê foi banido da paleta de cores femininas como a cor por excelência para significar a mulher, pálido e desbotado. Se for rosa, é rosa choque. Cor viva, pujante, provocante, que não aceita provocações machistas e conservadoras, assim como a própria Rita com seu rosto brejeiro de sorriso alegre, olhos verdes encimado por uma cabeleira ruiva que brilha como o sol.

O feminismo de Rita não é da primeira onda e não trava lutas antiéticas com os homens. Pelo contrário, eles foram sempre muito benvindos em suas criações e em sua companhia. Sua vida foi povoada intimamente por essa espécie chamada homem que, ao lado de uma mulher forte, pode dar toda a sua medida. Testemunho disso é seu casamento de quase 50 anos com Roberto, companheiro na alegria e na tristeza, na saúde e quão dedicadamente na doença até o fim. Assim como os três filhos Antônio, Beto e João. Alegre e encantadoramente, ela proclamou a liberdade da mulher e deixou uma marca original e particular na história do feminismo.

Mulher que não se enquadra nos padrões sociais mais conservadores, Rita foi sobretudo livre e alegre. Seu legado é testemunho dessa liberdade e dessa alegria. Seja de que credo for, de que proveniência, de que pertença, a liberdade é um dos pontos identitários mais constitutivos e dignos do ser humano. A vida de Rita foi toda ela um canto à liberdade. A alegria que vivia e espalhava ao seu redor era um dom cuja fonte mais originária é o Espírito que sopra sobre a argila e cria a vida.

Agora Rita vive a plenitude dessa liberdade e a alegria sem limites. Sua vida foi plena e bonita. Sua morte é sentida com saudades. Seu legado permanece. Em todo lugar onde se cantar a justiça e a liberdade, sua presença ali estará, fazendo “um monte de gente feliz”.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

DIGA NÃO A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA.



Em meio ao terrível sofrimento provocado por nova explosão de contaminações pela Covid e a epidemia de influenza (gripe), ao menos contamos com vacinas que, de fato, se revelam eficazes. Lutamos para que a ONU proclame as vacinas contra vírus como bens comuns da humanidade. É preciso denunciar como iniquidade o fato de indústrias da saúde triplicarem os seus lucros a partir da dor e das doenças da imensa maioria da humanidade. Parece que, para não mudar essa realidade cruel e desumana, a elite que multiplica sua riqueza a partir da desgraça da multidão usa como arma eficiente os vírus da intolerância. No mundo inteiro, há um surto de intolerância e discriminação contra grupos culturais e religiosos diferentes da cultura dominante.

No Brasil, a cada dia e por horas e horas, os canais de rádio e televisão transmitem cultos e pregações do Cristianismo ritual, alienado e alienante, seja católico, seja evangélico, ou pentecostal. É claro que há um público de pessoas idosas que tem o direito de terem em casa suas missas tradicionais, ou cultos de suas Igrejas. No entanto, ao mesmo tempo que os canais se abrem para esse tipo de expressões cultuais não permitem nem aceitam comunicar nada que, mesmo no âmbito de celebrações católicas ou evangélicas, sejam de conteúdo mais profético e crítico. E mantêm um muro de censura e silêncio cúmplice sobre a violência cotidiana que sofrem grupos religiosos minoritários, principalmente, comunidades das religiões afro-brasileiras, a cada dia, vítimas de ataques e perseguições. Apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as religiões, ainda existem programas de rádio e televisão nos quais se prega a intolerância e se combatem os cultos afro. Esses atos de violência religiosa não são praticados por ateus dogmáticos, contrários à religião. São cometidos por grupos que se dizem cristãos e agem em nome de Deus. Apoiam-se em uma leitura ao pé da letra e fanática de certos textos bíblicos para justificar uma imagem de Deus cruel, violento e intolerante.

No Brasil, a cada ano, apesar do ex governo federal que promoveu o ódio e a violência, o 21 de janeiro é comemorado como “o dia nacional de combate à intolerância religiosa”. Essa data foi criada pelo presidente Lula, através da lei federal n. 11.635 de 27 de dezembro de 2007. Ao escolher esse dia, se quis homenagear a Mãe Gilda, Ialorixá do Axé Abassá de Ogum, em Salvador. Ela faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, vítima de perseguição e ataque de um grupo neopentecostal fundamentalista que invadiu o templo do Candomblé, desrespeitou os símbolos sagrados ali representados e ofendeu gravemente a mãe de santo.

Ainda bem que, até aqui, esses grupos pentecostais e católicos de linha carismática não descobriram ainda que os mesmos livros da Bíblia que mandam perseguir e destruir cultos de religiões estrangeiras, ordenam também apedrejar mulheres adúlteras, pessoas que transem com animais ou simplesmente que não respeitem o sábado. O que farão esses cristãos, quando descobrirem que as mesmas leis bíblicas que condenam outros cultos, permitem a escravidão de estrangeiros e mandam vender pessoas como escravas, para saldar dívidas não pagas? Será que, em pleno século XXI, essas pessoas que querem cumprir a Bíblia ao pé da letra passarão a praticar essas leis culturais da Ásia antiga?

Em outras épocas, quase todas as Igrejas históricas condenaram hereges à morte. Queimaram na fogueira mulheres consideradas feiticeiras ou bruxas e pessoas que praticassem formas de sexo não aprovadas pela Igreja. Durante séculos, a Igreja Católica se proclamou como a única religião verdadeira e sistematicamente combatia as outras. Somente há 50 anos, em 1965, ao concluir o Concílio Vaticano II que, em Roma, reuniu todos os bispos do mundo, a Igreja Católica publicou a declaração Nostra Aetate, que reconhece o valor das outras religiões e incentiva os fieis a valorizar o diferente e praticar o diálogo. Da parte das outras Igrejas, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 confissões evangélicas e ortodoxas, em sua assembleia geral em Nova Dehli, pediu às Igrejas-membros uma atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.

No mundo atual, a diversidade cultural e religiosa faz com que os diferentes caminhos espirituais possam se complementar e se enriquecer mutuamente. Faz com que cada grupo reconheça os elementos de verdade que existem em outros grupos e se abram ao que Deus revela a cada um, não somente a partir da sua própria tradição, mas também através dos outros caminhos religiosos.

Nas últimas décadas, em diálogo com a humanidade, muitos cristãos descobriram como critério da fé o que apóstolo Paulo escreveu ao grupo de Corinto: “Deus nos fez servidores de uma nova aliança, não da letra da lei, mas do espírito, porque a letra mata e o espírito é quem faz viver” (2 Cor 3, 6). Do mesmo modo, a imagem que Jesus transmite de Deus é a de um paizinho carinhoso que “faz nascer o sol sobre os bons, mas também sobre os maus e faz chover sobre quem é justo e quem é injusto” 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

PERMANECER NO AMOR


Quando as ofertas são por demais numerosas e as atrações do consumo tentam nos aprisionar, um dos cuidados fundamentais é a de fixar em nós, no mais profundo do nosso ser, as raízes do amor.

Conforme o quarto evangelho, depois de cear com os discípulos e discípulas, na noite em que ia ser preso e condenado à morte, Jesus proferiu um discurso que é sua herança para a comunidade dos discípulos e discípulas. Em meio a essas palavras, ele lhes dá esta recomendação: “Permanecei no meu amor e produzireis muitos frutos”.

É este o tema escolhido para a Semana de Orações pela Unidade das Igrejas Cristãs que, neste ano de 2023

O livro dos Atos dos Apóstolos conta que, 50 dias depois da ressurreição de Jesus, na festa judaica de Pentecostes, o Espírito de Deus se manifestou e reuniu pessoas de diversas culturas e idiomas diferentes de modo que todos e todas puderam se entender. Por isso, há mais de cem anos, comunidades cristãs de diferentes denominações dedicam a semana anterior à festa de Pentecostes à oração pela unidade das Igrejas cristãs.

Desde as primeiras décadas do século 20º, a Semana de Oração pela Unidade Cristã se tornou importante para a aproximação e o diálogo entre diferentes Igrejas e também sinal de unidade para toda a humanidade. Desde então, tem sido ocasião feliz para intensificar nas Igrejas a cultura do encontro, da acolhida e do caminho em comum a serviço da humanidade.

No Brasil, anualmente, a Semana de Orações pela Unidade das Igrejas Cristãs é preparada e organizada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic). Este organismo ecumênico tem exercido um papel profético no esforço de unir as Igrejas a serviço do projeto divino para o mundo. O Conic tem testemunhado que não tem sentido falar de Deus e se apresentar como cristãos e, ao mesmo tempo, ser conivente com injustiças. Desigualdades sociais, sexuais, culturais e religiosas atentam contra a vida das pessoas empobrecidas. Apregoam ódio e discriminações. Destroem a Mãe Terra e ameaçam a vida no planeta. Opõem-se ao projeto divino.

Assim, precisamos ver esta Semana de Orações pela Unidade (Souc) como continuidade da profética Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 sobre diálogo como compromisso de amor.

Como explica o livro de subsídios publicado no Brasil pelo Conic: “Ano após ano, comunidades cristãs das mais diferentes tradições têm aderido às celebrações propostas pela Semana de Orações pela Unidade dos(das) Cristãos(ãs). Isso reflete uma compreensão cada vez maior da mensagem de Cristo, que disse: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” (João 17:21).

Neste 2021, Igrejas do mundo inteiro receberam os subsídios para Semana de Orações pela Unidade preparados pela comunidade ecumênica de Grandchamp, na Suiça. É uma comunidade de monjas, provenientes de várias igrejas evangélicas. Desde a primeira metade do século 20, unida à comunidade de Taizé, as monjas de Grandchamp oram e trabalham pela unidade das Igrejas e pela Paz no mundo. No Brasil, esses subsídios foram adaptados à nossa realidade pelo Conselho Amazonense de Igrejas (Caic). Este fez um excelente trabalho, no qual a unidade das Igrejas se insere no respeito amoroso às tradições e culturas dos povos originários.

Este tema tomado da palavra de Jesus “Permanecei no meu amor e produzireis muitos frutos” pode ser compreendido, hoje, como apelo para compreenderemos que se algo se denomina como sendo de Jesus só pode ser amoroso e aberto a tudo o que é humano. Como dizia um pai da Igreja do século 2º: “para quem é cristão, nada do que é humano pode ser estranho”.

Também é preciso ligar a adesão amorosa a Jesus e o cuidado de “dar frutos”. Atualmente, para a nossa fé dar frutos adequados de justiça e amor não podem apoiar sistemas políticos que defendem violência. Em nome de Jesus não se podem discriminar ninguém. Um modo de organizar a sociedade que aumenta desigualdade social e injustiças é contrário ao projeto divino. Para permanecer ligados a Jesus, devemos colaborar com a justiça, a paz e o cuidado com a Terra e toda a criação divina.

Para realizar o desejo expresso de Jesus, o caminho da unidade cristã é necessário para as Igrejas. No entanto, é igualmente importante para toda a humanidade porque colabora com a fraternidade universal e a paz. A oração desta Semana da Unidade assim se expressa:

“Amado e misericordioso Deus pai e mãe, Tu nos chamas para vivermos a unidade e a reconciliação. Por isso estamos reunidas (os) para celebrar, orar, e Te louvar. Nesta semana de oração, queremos ser tocadas (os) por Teu Amor. Ao permanecer Nele, nos reconciliamos conosco e com nossas irmãs e irmãos. Em Cristo, Teu Amado Filho, desejamos produzir bons frutos para vivermos em comunhão, restabelecendo relações de amizade, partilha e solidariedade. Assim, nos reconhecermos como irmãs e irmãos neste mundo tão dividido. Nós te pedimos isso em nome de Jesus. Amém”.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

A LONGEVIDADE É UMA BÊNÇÃO

A humanidade está ficando mais velha, dizem as estatísticas. E isso parece que é bom, porque só atinge a velhice quem vive mais tempo. Pelo menos parece ser o que todos buscamos: viver muito, desfrutar até onde for possível das alegrias que significam viver, existir. E adiar a morte, conhecida por muitas culturas, notadamente a ocidental. A poesia a identificou como “a indesejada das gentes”. E mesmo os escritores bíblicos a chamaram por nomes negativos, como o apóstolo Paulo: “a última inimiga a ser vencida”; e o autor do último livro da Bíblia, o Apocalipse, que a inclui entre os quatro cavaleiros que anunciam a catástrofe final, ao lado da fome, da guerra e da peste.

Por isso, a longevidade é uma bênção e viver muitos anos um prêmio a que todos aspiram. Assim, o livro do Êxodo exorta o israelita a honrar o pai e a mãe “para que se prolonguem os seus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá”. O livro dos Provérbios promete que quem aceita as palavras divinas verá seus anos de vida multiplicados, afirmando igualmente que o galardão da humildade e o temor do Senhor são riquezas, honra e vida longa. No livro dos Salmos, é prometido a quem guarda a língua e os lábios do mal e da mentira, praticando o bem, largos dias para ver esse bem florescer e frutificar. E ao justo que invoca o Senhor, este estará com ele na angústia, dando-lhe abundância de dias e mostrando-lhe a salvação.

O Novo Testamento seguirá essa rica tradição judaica. Toda a pregação e ação de Jesus de Nazaré é curativa, procurando dar às pessoas mais tempo de vida, e vida plena. Assim é que vemos nos Evangelhos curas de várias doenças, físicas e mentais. Há narrativas do poder de Jesus ressuscitando mortos como o filho da viúva de Naim e de seu amigo Lázaro. Nos escritos paulinos, é resgatada a orientação da Bíblia Hebraica sobre a honra que é devida aos pais. A quem isso pratica, como diz a Carta aos Efésios, será dada uma vida longa sobre a terra.

Não se encontrará no texto bíblico nenhuma afirmação de depreciação à vida. Pelo contrário, há sempre uma valorização da mesma, encarando o fato de ela ser longa como uma bênção de Deus, que não quer a morte de ninguém, nem do pecador, mas que ele viva. A tradição cristã seguiu fiel a essa revelação divina destacando-se pelo serviço aos pobres, dando-lhes alimento e abrigo, a fim de sustentar-lhes e prolongar-lhes a vida.

Os idosos estão entre os “exilados ocultos” de nossas sociedades da abundância que se tornam desumanas com a obsessão de gerar riquezas e consideram como peso as pessoas que entendem que já não podem contribuir. Viver 100 anos e até mais é justo e desejável, sim. Vidas humanas não são descartáveis. A garantia de uma vida humana é o próprio Deus da vida que nelas soprou seu Espírito e deseja vê-las cheias de dias, contribuindo com sua experiência e sabedoria para a construção da memória sem a qual a humanidade se perde e deteriora. Como diz o salmo 92: “Mesmo na velhice darão fruto, permanecerão viçosos e verdejantes”.

Nossa utopia deveria ser não desejar que encurtem os dias das pessoas para que as contas fechem na Previdência e no serviço público. Mas poder dizer como o salmista: “Já fui jovem e agora sou velho, mas nunca vi o justo desamparado nem seus filhos mendigando o pão.”

quarta-feira, 26 de abril de 2023

QUAL É A IDADE DO SEU AMOR?

Nesses tempos de isolamento, distanciamento, onde os encontros são marcados pela dúvida; “abraço, ou não? Aperto a mão, ou não? Beijo, ou não”; quando os gestos, toques, ficam restritos, quando a espontaneidade é mascarada, como os rostos, falamos muito com o olhar, carinho, mesmo no silêncio.

Toda noite, quando faço o Exame do Dia, minha prece silenciosa vê desfilar o rosto de pessoas que moram nos meus afetos. Até o desconhecido que cruzou meu caminho e, por um acaso qualquer, me inundou de sentimentos. Rezo por elas e com elas. Mesmo na distância, meu coração continua em sintonia, em especial com aqueles e aquelas que fazem a travessia de alguma dor. Eles e elas sabem quem são. Ou não…

A dor é, para mim, um mistério. Desde menino tenho lembranças de momentos de dor. No meu caso, as alegrias foram muito maiores, mas a dor é uma ferida que, mesmo cicatrizada, de vez em quando insiste em sangrar.

Movido, o Espírito me pergunta: qual é, hoje, a idade da sua dor, Rui?

Explico.

Há dores infantis, aquelas que vem com a insegurança diante do desconhecido, as que estão na fronteira entre a novidade e o susto. O parto é um bom exemplo. Assim, num de repente, a tranquilidade amniótica é roubada, aperta daqui, puxa dali, luzes, sons, braços agitados em busca de um ninho que parece ter sido perdido para sempre.

Não. Logo virão colo, carinho e a dor passará.

Dores adolescentes costumam vir acompanhadas de revolta, palavras, gestos e reações intempestivas que, explosivas, não medem consequências. Podem machucar e deixar sequelas difíceis da vida curar.

A juventude da dor é enfrentada com a atrevida certeza de que se é indestrutível. “Não vem que não tem. Comigo ninguém pode”!

Pode…

É uma descoberta dolorosa perceber que a dor conhece nossas fraquezas e é lá que ela nos atinge e, dolorosamente, dói.

Chegamos à maturidade e a dor está lá, fiel e paciente, a nos esperar.

A necessidade de garantir sustento para si e para outros, os desafios do trabalho, do amor, as perdas, decepções, os fracassos. Marido, esposa, filhos, amigos, agregados, patrões e empregados, o desafio imenso do con-viver. Assim como mistérios, dores “não hão de faltar por aí”…

Mas, na maturidade, já aprendemos (ou deveríamos ter aprendido) que, exceto o motorista e o trocador, tudo é passageiro. Até a dor.

Chegamos, enfim, à última idade. Alguns dizem que é a melhor. Há controvérsias…

Minha caixinha de remédios leva ao exercício diário da humildade. O que era força, vigor, agora é fragilidade. E prece. Vestir uma bermuda sem se apoiar em algo ou alguém é esporte radical de alto risco.

O day after dos prazeres da mesa, mostra que uma boa digestão já não é mais uma certeza. Aqueles passos, lépidos, desenvoltos, cobram seu preço que se manifesta no certeiro dedo do médico que pergunta: “dói aqui”?

– Vai faltar dedo, doutor…

Exagero, mas nem tanto. Que o digam os meus joelhos.

Mas, para além das dores físicas, a dor maior de todas, em qualquer idade ou lugar, é a solidão…

Fomos criados para o encontro, a relação, o convívio. O outro traz o que me falta; o olhar diferente, o conhecimento ampliado, o sentimento afetado, aguçado.

O ser humano não quer solidão. O solidário, então…

Volto ao início desta crônica…

Em mim mora o desejo do outro.

Hoje à noite, vou rezar com meus queridos. Talvez você, que lê este texto, esteja lá e nem saiba. Não importa. Minha prece chegará aonde deve chegar.

Não sei o que vou dizer na minha oração, não há ensaio possível para essas palavras. Frases feitas, nessas horas, soam inúteis, vazias. Talvez eu reze a modo de Renato Teixeira, em Romaria: “Como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar…”

Por hora, ao longo do dia, vou estocando ternura no meu olhar. Ver tudo e todos com os olhos de Deus.

Então, no silêncio da noite, suavemente, virá a certeza de que a resposta ao poeta que perguntava: “pra quê rimar amor e dor”, sempre será: porque Esperança é outro nome do Amor.

Por falar nisso, “qual é a idade do seu amor?…

 

quarta-feira, 12 de abril de 2023

ANTIJUDAÍSMO E LGBT FOBIA




Luiz Corrêa Lima nos conta que: Na missa do Domingo de Ramos foi feito o relato da Paixão de Jesus Cristo contido no Evangelho de Mateus. Conforme o relato, Pilatos lava as mãos diante da multidão e diz que não é responsável pela morte de Jesus. E “o povo todo respondeu: ‘Que o sangue dele caia sobre nós e sobre os nossos filhos’” (Mt 27,25). Assim tem início a suposta culpa coletiva e hereditária do povo judeu pela morte Jesus. Os Evangelhos de Mateus e Lucas consideram a destruição de Jerusalém e de seu templo, nos anos 70, uma punição divina por esta morte.

A tradição cristã consolidou a imagem do judeu como povo deicida, isto é, que matou Deus. Por mais de mil anos, na liturgia latina da Sexta-Feira Santa se rezava pelos “pérfidos judeus”. Ao longo da história, eles foram hostilizados por gente simples, confinados em guetos, massacrados por cruzados, expulsos de reinos e perseguidos pela Inquisição. O antissemitismo moderno, que culminou com o Holocausto, não se fundamenta na religião cristã, mas fez com que a milenar execração ao judeu fosse levada ao extremo. Somente na década de 1960, com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica reconsiderou a suposta culpa coletiva e hereditária dos judeus pela morte de Jesus. Desde então, ensina-se que este povo não deve ser apresentado na pregação e na catequese da Igreja como amaldiçoado por Deus.

Há semelhanças entre a hostilidade aos judeus e a hostilidade aos LGBT+. O livro do Gênesis diz que Deus criou o ser humano homem e mulher, para se unirem e procriarem. Muitos daí deduzem que a existência de pessoas homossexuais e transgênero é uma aberração. Por muitos séculos, leis civis e eclesiásticas de reinos cristãos trataram as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo como sodomia, um crime horrendo que supostamente provoca a ira de Deus a ponto de destruir cidades inteiras. Ainda hoje, mais de 50 países criminalizam os atos homossexuais e alguns países os punem com a morte.

Inúmeros gestos e as palavras do papa Francisco têm ajudado significativamente no acolhimento de pessoas LGBT e na superação de hostilidades. Desde a célebre pergunta “quem sou eu para julgá-los”, até a recente entrevista posicionando-se contra a criminalização da homossexualidade. A um jovem gay, Francisco disse: “Deus lhe fez e lhe ama assim. Você deve ser feliz como você é”. Um documento da Pontifícia Comissão Bíblica analisa os textos da Bíblia usados para condenar a prática da homossexualidade, incluindo os mencionados no Catecismo, trazendo outras interpretações não condenatórias.

Neste caminho aberto pelo papa, os cardeais Jean-Claude Hollerich, de Luxemburgo, e Blase Cupich, de Chicago, pedem mudanças na doutrina da Igreja a respeito desde tema. Termos como “intrinsecamente desordenados” e qualquer linguagem que fere as pessoas devem ser reexaminados. A Igreja deve expressar seu ensinamento de modo a atrair as pessoas para Jesus. O seu modo de falar deve trazer cura.

A evolução da doutrina é uma realidade que faz parte da história da Igreja. Sem esta evolução, a Boa Nova, verdadeiro sentido do Evangelho, deixa de ser boa e deixa de ser nova. A correta compreensão das Sagradas Escrituras permite superar o ódio milenar contra o povo judeu. Oxalá leve também a superar o ódio contra os LGBT+.

sábado, 8 de abril de 2023

FELIZ PÁSCOA NA PRÁTICA DA POESIA DO VIVER.


Jesus, no ápice das suas orientações aos seus discípulos e às multidões, faz uma evocação que indica a importância da poesia do viver. Ensinamentos densos, reunidos no Sermão da Montanha, Evangelho de Mateus, uma Carta Magna. Os ensinamentos contêm metas existenciais audaciosas e exigentes, como amar os inimigos e perseguidores. Vivências que requerem uma resiliência humana e espiritual a ser alcançada por meio de investimentos: exercícios cujo ponto de partida muito ultrapassa a lógica da simples, e indispensável, racionalidade. O Mestre delineia um percurso discipular que inclui a ternura advinda da poesia do viver. Eis o enorme desafio: não pensar que a valorização da vida significa a defesa cega de certas situações, a partir de medos que levem a atitudes mesquinhas. O egoísmo enjaula corações na disputa fratricida e na insana busca pelo acúmulo, no anseio de ajuntar tudo para si, perpetuando cenários de desigualdades, de manipulações, para se obter fácil enriquecimento. Com essas dinâmicas, agigantam-se as indiferenças, mesmo diante das multidões passando fome no mundo todo.

Jesus conhece o tamanho do desafio existencial de seus discípulos na obediência das suas lições. Não basta a importante disciplina na obediência às leis ou normas, ancoradas na fidelidade moral, para que seja reconhecida a dignidade maior do ser humano. Jesus convida, então, aqueles que lhe seguem a buscar a poesia do viver. Assim, podem se capacitar, no dia a dia, para se tornarem instrumento a serviço da construção e promoção da vida plena, em todas as suas etapas. Veja o simbolismo poético da contemplação proposta, quando o Mestre convida: “Olhai os pássaros do céu, não semeiam, não colhem, nem guardam em celeiros… olhai como crescem os lírios do campo. Não trabalham, nem fiam. No entanto, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um só dentre eles”.

O conhecedor mais credenciado do coração humano, Jesus Mestre, ensina: a sabedoria própria da poesia do viver nasce de uma contemplação que antecede números, manuseio de instrumentos ou dados. Essa contemplação unge mentes e corações com lições e sensibilidades essenciais a cada pessoa. A poesia do viver não é uma simples brisa para amenizar a dureza destes tempos. É uma fonte de sabedoria que pode alavancar percepções qualificadas, corrigir lógicas distorcidas, apontar o rumo para que sejam encontradas soluções urgentes, respeitando a vida humana na sua dignidade. Eis, assim, o desafio: recuperar a poesia do viver, para se dar conta de caminhar sem perder a direção, neste tempo em que a humanidade vive o processo de grandes transformações culturais, com incidências sociopolíticas, econômicas, educacionais e religiosas.

Uma grande movimentação antropológica-cultural está em curso, como placas tectônicas que se deslocam provocando instabilidades, reconfigurando territórios. Diante dos processos de transformação que incidem na civilização contemporânea, não podem ser perdidos valores e princípios essenciais. Vive-se a dinâmica de êxodo, mas a migração da humanidade não pode representar o abandono de certos tesouros, sob pena de o ser humano chegar mais empobrecido no tempo novo em construção. E não basta salvar a própria “bagagem” durante a travessia. A prioridade é o bem comum e todos estão convocados a contribuir com a sua edificação. Nessa perspectiva, a poesia do viver pode garantir percepções que curam destemperos e desequilíbrios – ameaças que levam a fracassos humanitários e ecológicos, mas que, cada vez mais, lamentavelmente, contaminam muitos processos da vida em sociedade. A viragem em curso, para fazer jus às conquistas científicas e tecnológicas, patrimônios da inteligência humana, não pode balizar a sociedade contemporânea em estreitamentos que comprometam o dom da vida e a beleza do viver.

A urgência de se enfrentar lógicas perversas, na política e na economia, na cultura e até mesmo na religião, pede o indispensável resgate da poesia do viver. Sem a poesia do viver crescerá, cada vez mais assustadoramente, o número daqueles que desistem da própria vida, de segmentos que buscam apenas a própria proteção sem se dedicar ao bem comum, de atitudes frias que segregam os pobres. Crescerá a tendência de se perseguir vitórias a qualquer preço, inclusive com artimanhas e operações perversas, de se buscar o próprio bem pela via da manipulação, sem sensibilidade humanística. Nesse cenário obscuro, o coração humano, mesmo diante de eventuais bens acumulados, lugares conquistados, títulos obtidos, será incapaz de exercer adequadamente a regência da própria vida.

É hora de investir e exercitar-se na poesia do viver para fazer brotar uma sabedoria espiritual que permita reconhecer o sentido da vida, conduzindo o ser humano ao cultivo da fraternidade. Assim, pode-se recuperar o genuíno sentido de pátria – lugar de todos os irmãos e irmãs, iguais nas diferenças. Com a poesia do viver, consegue-se reconhecer que a vida é vivida melhor quando há simplicidade, e que se ganha muito com a generosidade solidária. Ajuda a cultivar a poesia do viver a indicação da escritora Cora Coralina: “Não te deixes destruir… ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória de gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede.” Que a vida se ancore na poesia do viver.

terça-feira, 28 de março de 2023

APÁSCOA ESTÁ CHEGANDO É BOM SABER: O CHOCOLATE NO ORGANISMO


Dentre os benefícios do chocolate no organismo, podemos citar a proteção do sistema cardiovascular e a melhora no humor. O chocolate amargo é o que apresenta maiores benefícios para o corpo

"Ao leite, amargo, branco ou crocante. Independentemente do tipo, o chocolate é, sem dúvidas, um dos alimentos mais amados e consumidos no mundo. Produzido a partir do cacau, esse alimento possui alto teor energético e é o grande vilão de muitas dietas.

Apesar de ser calórico e possuir grande quantidade de gordura saturada e açúcares, está comprovado que o chocolate pode trazer benefícios à saúde. Entretanto, assim como qualquer outro alimento, deve haver moderação em seu consumo.

O chocolate apresenta polifenóis, tais como os flavonoides, que possuem propriedades antioxidantes e, portanto, causam benefícios ao sistema cardiovascular. Dentre esses benefícios, destacam-se a redução da oxidação do LDL (mau colesterol), inibição da agregação plaquetária e diminuição da resposta inflamatória, o que diminui o risco de formação de placa de gordura nos vasos sanguíneos. Além disso, os flavonoides provocam redução da resistência à insulina, aumento do fluxo sanguíneo e redução da pressão arterial.

Estudos também revelam que o chocolate é importante para a prevenção do câncer de intestino. Graças à sua ação antioxidante, ele protege as células de uma possível degeneração. O chocolate também protege as células nervosas, ameniza danos de um AVC e relaciona-se com a diminuição do risco de pré-eclâmpsia.

Além desses benefícios, podemos citar a melhora no quadro de humor de quem consome chocolate. Esse alimento apresenta em sua composição o aminoácido triptofano, responsável por estimular a ativação da serotonina e da dopamina, que estão relacionadas, além da melhora do humor, com a diminuição da depressão e da ansiedade. O chocolate também estimula a liberação de endorfina no cérebro, que proporciona sensação de prazer e aumenta a disposição mental."

"Todavia, o chocolate pode trazer também alguns malefícios. Em algumas pessoas, sua ingestão pode provocar enxaqueca e alguns problemas gastrointestinais, como a diarreia. Seu consumo frequente também pode levar a quadros de sobrepeso e diabetes, em razão, principalmente, da quantidade de gorduras e açúcar.

É importante destacar que existem diferenças entre os tipos de chocolate em relação às substâncias que os compõem. Sendo assim, alguns são mais benéficos que outros. O chocolate amargo, por exemplo, apresenta maior quantidade de polifenóis quando comparado aos outros tipos, por isso, traz mais benefícios. Já o chocolate branco, que não é feito da semente do cacau, e sim da manteiga de cacau, é bastante prejudicial, uma vez que é rico em gordura e açúcar.

Dessa forma, o recomendado é que sejam mais ingeridos aqueles chocolates que possuem uma maior quantidade de cacau, como o amargo e o meio amargo. Vale destacar que o consumo deve ser feito com moderação, pois a ingestão exagerada pode provocar danos, sendo indicado o consumo de apenas 30g por dia."

"Curiosidade: Muitas pessoas optam por ingerir o chocolate “diet” como uma forma de “manter a dieta”. Entretanto, esse chocolate apresenta grande quantidade de calorias, diferenciando-se apenas por não possuir açúcares. Sendo assim, ele é recomendado apenas para diabéticos. Para aqueles que desejam ingerir menos calorias, o ideal é o chocolate light."




terça-feira, 21 de março de 2023

OUTONO



"Quando começa o outono?

A ocorrência do fenômeno do equinócio de outono marca a chegada dessa estação. O equinócio representa o momento em que os raios solares incidem de forma perpendicular sobre a Linha do Equador, e a luminosidade se distribui de forma relativamente uniforme entre os hemisférios Norte e Sul.

No entanto, é preciso lembrar que o início do outono não acontece simultaneamente nos dois hemisférios:

Hemisfério Norte: inicia-se entre os dias 22 e 23 de setembro;

Hemisfério Sul: começa no mês de março, entre os dias 20 e 21."

"O outono é a estação do ano que acontece logo em seguida ao verão e antecede a chegada do inverno. Sendo assim, pode ser considerado um período de transição entre essas duas estações. Uma das principais características do outono é a redução gradativa das temperaturas diárias, que passam de elevadas a mais amenas, antecipando o período frio que vem na sequência.

Além das mudanças de temperatura, a estação é marcada pela maior incidência de ventos e pela diminuição da umidade do ar. Pode haver a formação de nevoeiros pela manhã, além da ocorrência de geadas e, em alguns casos, até mesmo precipitação na forma de neve.

Inicialmente, os dias e as noites têm a mesma duração, isto é, 12 horas. Na medida em que o outono avança e vamos nos aproximando do inverno, os dias vão ficando mais curtos e as noites mais longas."

"A transformação da cobertura vegetal é o aspecto mais marcante do outono. A folhagem das árvores adquire uma coloração que varia entre tons amarelados e avermelhados, resultado da menor incidência de luz solar e diminuição da produção de clorofila. No caso das espécies caducifólias (conhecidas ainda como decíduas), observa-se a queda das folhas, um mecanismo de proteção da planta.

As zonas temperadas da Terra, que são duas das zonas térmicas em que o planeta se divide, estão localizadas em latitudes médias e são aquelas nas quais as características do outono são mais acentuadas e a estação é mais bem demarcada."

"Outono no Brasil

O outono brasileiro tem início no mês de março e possui duração média de três meses. A maior parte do Brasil está inserida na zona tropical do planeta e, em razão disso, as características dessa estação do ano se tornam mais difusas. Em uma parcela da Região Sudeste e na Região Sul, o outono é mais proeminente do que nas outras regiões.

De acordo com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe, o outono no Brasil possui características que são típicas da transição entre o verão e o inverno, com mudanças significativas nas condições temporais. Isso inclui:

temperatura;

umidade do ar;

incidência de ventos; e

volume de chuvas.

As regiões Norte e Nordeste do país registram altas temperaturas para o período, que variam entre 22º C e 32º C, e também os índices pluviométricos mais elevados do outono para o país. As chuvas são mais volumosas nas áreas mais próximas à Linha do Equador.

As temperaturas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil apresentam queda, o que se deve à influência das massas de ar frio que adentram o território brasileiro. As mínimas podem ser de até 10º C nas regiões serranas, e as máximas oscilam entre 18º e 28º C, conforme as informações do CPTEC. Os índices pluviométricos são menores nessas regiões, e, sobretudo nas áreas mais elevadas do Sul e Sudeste, é comum a formação de nevoeiro e ocorrência de geadas."

A ESTAÇÃO DAS FRUTAS

Em ambos os hemisférios, a chegada do outono marca o início do período de colheita. Por conta da grande variedade de frutas que se encontram na fase final do seu ciclo produtivo, o outono é conhecido como a estação das frutas.

Algumas frutas dessa estação são:

maçã;

mamão;

laranja;

pera;

uva;

abacate;

coco;

carambola;

banana;

kiwi;

goiaba;

figo;

manga;

caqui.

A importância do seu consumo reside no alto índice nutricional desses alimentos, que são ricos em vitaminas, minerais e fibras, que trazem diversos benefícios à saúde e podem auxiliar na prevenção de doenças.





quarta-feira, 15 de março de 2023

A MULTIPLICAÇÃO DAS PERDAS.


O princípio do Evangelho é o caminho para superar lógicas que ferem a dignidade humana, desrespeitando a sacralidade intocável da vida de todos. Desrespeito que se revela nas desigualdades sociais, nos preconceitos e discriminações, nas escolhas que passam por cima do dom sagrado da vida, desde a concepção até o declínio com a morte natural. Importante considerar que as lógicas perversas no coração humano abalam o equilíbrio da casa comum. Isto porque muitas atitudes, que buscam vitórias momentâneas, trazem como consequências perdas desproporcionalmente maiores, muitas irreversíveis. Deve-se, pois, aproveitar bem este tempo pascal que oferece singular oportunidade, por sua liturgia, para a conquista do genuíno olhar dos discípulos de Jesus. Esse olhar, mais do que simplesmente capaz de enxergar objetos, indivíduos ou circunstâncias da realidade, permite tudo reconhecer sob inspiração de Deus.

O olhar dos que são genuinamente discípulos de Jesus se distingue daquele que é meramente humano, enquadrado e definido por dinâmicas de disputas, fermentado por perversidades, patologias sociais, particularmente contornado por vícios de rigidez e formalismos. Em resumo, um olhar míope, que leva a sentimentos distantes da misericórdia, na contramão dos valores do Evangelho. Essa distância da misericórdia merece atenção especialmente daqueles que se proclamam cristãos, mas insistem em permanecer alheios aos princípios do Evangelho. Certas atitudes comprovam a distância entre o que se fala e o que se vive, disritmia entre a pregação do amor, princípio basilar da fé cristã, e práticas de certos grupos, sem ética, conduzidos pelo interesse de ganhar a qualquer custo, sem escrúpulos, passando por cima dos outros, disseminando notícias falsas. Posturas na contramão da autenticidade evangélica.

Importante buscar a aprendizagem para se tornar discípulo missionário de Jesus e, assim, não confundir vitórias com passos que levam a grandes perdas. O olhar do discípulo é, pois, instrumento para configurar a realidade com o sabor do Evangelho, neste mundo de aceleradas mudanças. Esse olhar é antídoto contra equívocos nas interpretações e escolhas, provocados por disputas de poder e defesas ideológicas. Ninguém pode achar que domina a realidade, postura que já compromete o sentido de humildade, valor cristão. A ausência de humildade acirra disputas, alimenta ataques sob a pretensão de querer gerar mudanças, inclusive com a disseminação de mentiras e agressividades, revelando a mediocridade de sentimentos.

O olhar do discípulo, iluminado pela luz da presença do Ressuscitado, graça que ultrapassa capacidades humanas, pode dissipar a grande crise de sentido atual. A civilização contemporânea convive com situações desconcertantes, que distanciam a humanidade da meta de partilhar um só coração. Ao invés disso, cada vez mais pessoas estão fechadas na própria realidade, ilusoriamente bafejadas pelos ventos de defesas partidárias. Só há um jeito para se conquistar o olhar dos discípulos de Jesus, para reconhecer o genuíno sentido da vida e, assim, adotar condutas coerentes com o Evangelho: os cristãos precisam começar o seu caminho a partir de Cristo, sem doentios apegos a perspectivas individuais, de grupos, associações ou partidos. A meta deve ser contemplar quem revelou – e o modo como revelou – a plenitude do cumprimento da vocação humana. Distanciar-se desse caminho faz com que o mundo não seja iluminado pela luz do Evangelho. Com isso, as sementes cairão em pedregulhos e não brotarão; a unidade dos discípulos ficará comprometida, com olhares atrofiados pela nuvem de ódios e disputas. Sem a luminosidade do amor, não haverá vitórias: ao invés disso, a humanidade padecerá, cada vez mais, com a multiplicação de perdas.