segunda-feira, 30 de novembro de 2020

AMAR E APRENDER SÃO O MAIOR DOM DA VIDA,

Porque o calendário marca a passagem do tempo e nos interroga sobre o sentido de nossa vida, lembramos que há:

1.Tempo de olhar para o futuro e tempo de lembrar nosso passado.
2.Tempo de nos pensar como indivíduos e tempo de nos pensar como comunidade.
3.Tempo de realizar e tempo de refletir.
4.Tempo de ficar sós e tempo de ficarmos juntos.
5.Tempo de lembrar e tempo de esquecer.
6.Tempo de ensinar e tempo de aprender
7.Tempo de dar e tempo de receber.
8.Tempo de falar e tempo de calar.
9.Tempo de acreditar e tempo de duvidar.
10.Tempo de se sentir culpado e tempo de se perdoar.
11.Tempo de julgar e tempo de suspender o julgamento.
12.Tempo de se entregar e tempo de se dissociar.
13.Tempo de viver e tempo de morrer.
14.Tempo de rir e tempo de chorar.
15.Tempo de ser prudente e tempo de arriscar.
16.Tempo de trabalhar e tempo de descansar.
17.Tempo de semear e tempo de colher.
18.Tempo de ser orgulhoso e tempo de ser humilde.
19.Tempo de estar alegre e tempo de estar triste.
20.Tempo de ter ilusões e tempo de perdê-las.
21.Tempo de esperar e tempo de agir.
22.Tempo de amar sem ser amado e tempo de ser amado sem amar.
23.Tempos sem sentido e tempos com sentido.

E que a sabedoria se encontra em compreender que o tempo é sempre um, no qual:

1.Nosso passado esta sempre presente no nosso futuro.
2.A comunidade é formada por indivíduos livres e os indivíduos não esquecem que são parte de comunidades.
3.Quem faz deve refletir e quem reflete deve agir.
4.Os mortos continuam vivos em nos e a vida não pode desconhecer a morte.
5.Paramos de falar para ouvir e ouvimos para entender o que estamos falando.
6.A prudência não deve eliminar nossa coragem para ariscar e o risco deve ser responsável.
7.Quem recebeu já retribuiu e quem deu já recebeu.
8.Só aprendemos desaprendendo e só se ensina aprendendo.
9.Quem semeia já recolheu e quem recolhe não deixa de semear.
10.Não podemos ter dignidade se não somos humildes e somos humildes porque temos dignidade.
11.Estamos sós quando estamos juntos e estamos juntos quando estamos sós.
12.Acreditamos sem dogmatismo e duvidamos sem deixar de lutar pelo que acreditamos.
13. Choramos de alegria e rimos para não chorar.
14.No há culpa sem perdão, nem julgamentos que não sejam questionáveis.

Porque o tempo nos permite amar e aprender, e ambos são o maior dom da vida, agradecemos:

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

UMA IDEIA PARA CIDADES MAIS SUSTENTÁVEIS.




Uma retomada verde nas cidades passa por transformações para tornar as calçadas, as ruas e outros espaços em locais acessíveis, acolhedores e de permanência. As potencialidades precisam ser aproveitadas ao máximo para reduzir longos deslocamentos, melhorar a qualidade de vida e se reaproximar do meio ambiente.

Com o automóvel ligado a grande parte das emissões de poluentes, o pedestre virou o protagonista do século 21, com o apoio de uma série de outras alternativas de transporte. Para obter maior resultado, contudo, as propostas precisam ser aplicadas em grande escala.

Essa mudança de paradigma está ganhando espaço em diversas cidades, que apostam no planejamento urbano como principal plataforma de sustentabilidade. Inspirado nas propostas destas cidades, mostramos a seguir transformações simples para tornar as cidades mais sustentáveis.

MAIS ESPAÇO PARA O VERDE

– As cidades hoje: ruas e calçadas funcionam como espaços de deslocamento, priorizando carros e sem aplicação de conhecimentos e tecnologias que podem reduzir o impacto ambiental.

– Dar novos usos: encruzilhada antes desocupada pode virar um espaço de lazer, que se espalha também por uma área antes utilizada para o tráfego de veículos.

– Tornar ambientes mais acessíveis: projetar calçadas e caminhos com um desenho universal, preparado para atender pessoas com mobilidade reduzida e carrinhos de bebê.

– Plantar mais árvores: elas ajudam a reter os poluentes, reduzem as chances de alagamentos e tornam o microclima mais agradável.

– Aumentar oferta de mobiliário urbano: instalar bancos, mesas e playground feitos com materiais sustentáveis, que trazem conforto e lazer aos moradores e tornam a rua mais movimentada.

– Criar pomares urbanos: implantar hortas comunitárias e plantar árvores ajudam a unir a comunidade, fornecem alimentos para consumo local e atraem animais silvestres.

– Adotar energias renováveis: captação de energia solar e eólica pode ter aplicação em vias públicas e espaços privados. Um exemplo são os painéis fotovoltaicos.

INTEGRAR AS ESCOLAS ÀS VIZINHANÇA

– As escolas hoje: elas ficam isoladas do resto da cidade, o acesso ocorre por ruas com grande movimento de carros e a presença da natureza nem sempre é evidente.

– Abrir as escolas à comunidade: permitir o uso das áreas de recreação pela comunidade nos fins de semana e nas férias escolares.

– Instalar novos itens de mobiliário urbano: colocar brinquedos, bancos e mesas em espaços verdejantes para ampliar o contato das crianças com a natureza.

– Criar uma rua das crianças: restringir o tráfego de veículos, tornando o acesso a pé ou por bicicleta mais amigável e transformando a via em um espaço complementar de aprendizagem.

– Incluir sustentabilidade no ensino: implantar um currículo que discuta temas relacionados ao meio ambiente, incentive o contato com a natureza e pratique a cultura do “faça você mesmo”.

– Tornar as escolas mais sustentáveis: servir refeições orgânicas na merenda, adotar matérias-primas com menor impacto ambiental e tornar os espaços mais verdes.

– Instalar telhados verdes: plantar vegetais na cobertura da construção, melhorar o conforto térmico do prédio, atenuar o microclima e ajudar na drenagem da água da chuva.

RUAS MAIS ACOLHEDORAS

– As ruas hoje: as calçadas são estreitas, o trânsito de carros ocupa a maior parte do espaço e há pouca vegetação.

– Implantar ciclovias e faixas para fluxo de pedestres: elas dão mais segurança para o tráfego de pessoas e ajudam a desafogar o trânsito e o transporte público.

– Instalar mais mobiliário urbano: colocar mesas, bancos e cadeiras transforma a vizinhança em espaço de convívio e de lazer, onde se pode passear e brincar com conforto.

– Dar prioridade ao pedestre: reduzir o número de pistas para veículos e adotar o “traffic calming”, com elevação da rua para o nível da calçada e aumento do espaço para pedestres.

– Melhorar as calçadas: trocar o concreto por materiais que permitam melhor absorção da água, instalar rampas para dar acesso universal e adotar a criação de jardins.

– Dar uso aos térreos dos edifícios: implantar “fachadas ativas”, com a abertura de estabelecimentos comerciais, aumenta a movimentação e ajuda a manter a economia local viva.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A SOCIEDADE DA COMPETITIVIDADE E NÃO DA SOLIDARIEDADE.

Os fatores ideológicos que criam, hoje, os piores venenos à prática dos direitos humanos são o preconceito e a discriminação.

Somos todos filhos da loteria biológica. Qualquer um de nós poderia ter nascido no Afeganistão, onde a população civil é bombardeada por drones made in USA; na África, onde somalis morrem de fome; no Haiti, onde predomina a miséria. Somos um sopro divino nessa breve vida que temos. Tudo tem começo, meio e fim. Todos haveremos de morrer. E, no entanto, alimentamos preconceito, discriminação, ressentimento…

Muitos me perguntam se eu nutria ódio. Respondia que as vezes sim, mas logo me curei, ao descobrir, não por virtude, mas por comodismo, que o ódio destrói apenas quem odeia. O ódio é um veneno que se toma esperando que o outro morra. Graças à meditação, consegui harmonia interior.

O grande problema é que o sistema consumista e hedonista se impregna em nossa alma. Quando vejo certos programas e vídeos, penso que o movimento feminista ainda terá que lutar muito, porque exibem o escracho total da mulher. Enquanto crianças e jovens conceberem a mulher como subalterna ao homem, não haverá delegacia suficiente para coibir a violência doméstica. Como querer que o meu filho respeite a mulher se na publicidade ela faz papel de objeto, mera isca erótica para fomentar o consumismo? Isso só terá fim quando mudar essa cultura.

Faço parte dos que defende uma reivindicação importante: proibir, como acontece em vários países capitalistas ricos (mas não se fala disso no Brasil), que qualquer criança trabalhe em publicidade ou que haja publicidade voltada ao público infantil. Muitas guloseimas adoecem nossas crianças por conterem substâncias quimicamente letais. Não é de se espantar quando ocorrem diversos tipos de câncer, obesidade precoce, distúrbios glandulares.

Cada vez que visito uma escola, faço duas perguntas: como é a aula de educação nutricional? Normalmente, há certo espanto, porque inexiste. As crianças comem na merenda a mesma porcariada que o camelô vende na calçada. Daí tantas crianças com excesso de peso, não só por ingerir muito açúcar e gordura saturada, mas também pela falta de brincar na rua e fazer exercícios. Cresce o sedentarismo. A geração da cadeira fica sentada diante do celular, da internet e da TV.

Em seguida, pergunto como é a aula de educação sexual. Os professores esclarecem, mas rebato: não, isso que vocês descrevem é aula de higiene corporal para evitar doenças sexualmente transmissíveis. Em nenhum momento usaram duas palavrinhas chaves para uma boa aula de educação sexual – amor e afeto.

Hoje, a nova geração transa antes de perguntar o nome do outro. Um rapaz que se gabava de “ficar” com tantas moças, contou à família na mesa de almoço: “Vocês podem não gostar, mas comunico que vou ser pai.” Um dos irmãos ironizou: “E tem mais ou menos ideia de quem é a mãe?” Essa é uma geração que ainda não chegou à margem socrática da ética. Por isso não levanta do assento para dar lugar aos idosos no transporte público.

A minha geração,  tinha princípios éticos baseados na noção de pecado. A religiosidade nos incutia ética. Isso acabou. Hoje, quem conhece um jovem de 15 anos preocupado com pecado? Pode haver uma exceção. Mas não chegamos ainda à proposta de Sócrates, para quem a ética tem de estar baseada na razão, e não em oráculos divinos.

A ética deveria ser disciplina transversal em todas as escolas. É espantoso constatar que há escolas de medicina nas quais ela não figura como matéria prioritária. Muitos julgam que corrupção se resume a embolsar dinheiro público. Ignoram que ter como meta o enriquecimento pessoal de costas para os direitos e as necessidades da coletividade é tão grave quanto roubar. É reforçar as bases de uma sociedade fundada na competitividade, e não na solidariedade.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

DEMOCRACIA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR.


Os estudos analíticos indicam: todo método é indispensável, pois nenhum é completo. Isso porque a verdade não tem dono. Todo indivíduo há de fazer-se “caçador” da verdade, crescendo sempre na consciência de que cada pessoa é um peregrino aprendiz: isso exige permanente abertura para o diálogo. Assim, evita-se o risco de perder o rumo da verdade e tomar caminhos que levem a escravizações. A convicção de que a verdade não tem dono precisa orientar a organização de um povo, em sua complexidade. Essa organização requer um sistema capaz de cultivar, permanentemente, o diálogo construtivo, respeitando princípios e valores que não podem ser relativizados. Um sistema que garanta o respeito à dignidade de cada pessoa, fortalecendo e ampliando o exercício da cidadania. Eis, pois, algo que define o sistema democrático: permanentemente promover a participação cidadã, possibilitando aos governados a capacidade de escolher e controlar os próprios governantes.

É um atentado à democracia restringir a participação cidadã, com a consequente usurpação do Estado na defesa de interesses particulares ou ideológicos. A Doutrina Social, por isso, defende que uma democracia só é autêntica quando edificada em um Estado de direito, alicerçada sobre as bases de uma adequada concepção sobre a pessoa humana. Há de se considerar e respeitar as subjetividades que integram a sociedade. Isto significa investir em estruturas de participação social e corresponsabilidade. Nenhuma pessoa, em nome de uma convicção, pode se achar no direito de afrontar a democracia, agredi-la com a promoção de autoritarismos. Também não é aceitável combater o sistema democrático para definir, por imposição, quem irá exercer o poder, rifando a participação cidadã que demanda uma construção educativa permanente.

A participação cidadã requer que sejam aceitos, com convicção, os valores e princípios que sustentam a própria democracia. Nesse horizonte, não se pode apagar a referência fundamental ao bem comum, que deve orientar as ações na vida política. Nos parâmetros da democracia é, pois, inadmissível desconsiderar a sacralidade e a dignidade das pessoas – os direitos de cada ser humano precisam ser respeitados. Não são aceitáveis, consequentemente, obscurantismos nascidos de fixações que venham a relativizar valores e princípios indispensáveis na proteção e promoção da vida. A Doutrina Social  adverte que o relativismo ético é grande risco para as democracias. Esse relativismo cria a ilusão de que inexiste um critério objetivo e universal para se estabelecer uma correta hierarquia dos valores.

Há, pois, dois extremos que igualmente ameaçam a democracia: por um lado, existe a ilusão de que podem ser alcançadas conquistas sociais de modo mais acelerado abrindo mão das etapas inerentes ao sistema democrático. Isso leva a autoritarismos e a escolhas cegas, equivocadas. Por outro lado, é tremendamente arriscado pensar que o agnosticismo e o relativismo ético possam alicerçar comportamentos idôneos, que garantam políticas mais democráticas. Ambas as tendências podem levar a instrumentalizações para se conquistar poder e contemplar interesses particulares, desrespeitando o bem comum e a dignidade de cada pessoa. A qualidade do sistema democrático depende, assim, de sua conformidade com a lei moral, que deve reger o comportamento humano. E o indispensável equilíbrio que a moral confere à democracia incide também no equilíbrio entre os poderes no Estado. Dessa forma, a vontade arbitrária dos homens perde espaço – prevalece a soberania da lei.

A democracia necessita de uma representação política assentada sobre componentes morais inegociáveis. Entre esses componentes, governantes dispostos a compartilhar dos mesmos problemas enfrentados pelo povo para, juntos, buscarem a solução dos desafios sociais. Para equilíbrio e qualidade do sistema democrático é imprescindível à autoridade política cultivar ainda uma adequada compreensão sobre poder: forma de servir ao povo, o que exige as virtudes da paciência, caridade, modéstia, moderação, esforço de partilha, a serviço do bem comum, acima da busca por prestígio ou pelas vantagens pessoais. A democracia também pede que a população não se deixe manipular – busque, cotidianamente, qualificar-se para o exercício da cidadania. Nesse processo de qualificação, importante não permitir desmandos e nem eleger quem afronta o próprio sistema democrático. Os horizontes da democracia são largos, trabalhosos, incluindo processos educativos permanentes, correções oportunas. Esses horizontes desafiam a sociedade, os representantes do povo. Todos, no caminho de um desenvolvimento integral e da promoção da dignidade humana, busquem alinhar-se à democracia.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

ELE ACABA NO CHÃO.

Ao me deparar com o noticiário, pergunto se a humanidade retrocedeu. Ao assistir ao debate Trump X Biden cheguei à conclusão de que o destino do mundo está, hoje, entregue majoritariamente a gente irresponsável, que não tem o menor pudor de enfatizar que o seu principal compromisso é com o sistema financeiro, ainda que isso se traduza em fome, mortes e devastação ambiental.

Biden me parece menos ruim do que Trump. Há décadas não me iludo com o caráter dos ocupantes da Casa Branca. Kennedy, tão proclamado como democrata, bom rapaz e católico, era um arrivista. No livro “O lado negro de Camelot”, Seymour M. Hersh conta que, em 1960, o pai de Kennedy se reuniu com o líder mafioso Sam Giancana, a quem prometeu que seu filho, uma vez presidente, faria vista grossa para a máfia caso esta canalizasse dinheiro para a campanha eleitoral. Esse acordo, diz Hersh, favoreceu os votos decisivos em Illinois.

Ao assumir a presidência, em 1961, o número de assessores estadunidenses no Vietnam não passava de algumas centenas, que Kennedy logo multiplicou para 16 mil. Pouco antes da invasão de Cuba por tropas mercenárias monitoradas pela CIA, no mesmo ano, Kennedy aprovou um plano para assassinar Fidel Castro. E quando a invasão ocorreu, o apoio aéreo prometido por ele aos exilados anticastristas, crucial para o sucesso do desembarque na Baía dos Porcos, foi cancelado. Hersh afirma que a decisão do presidente representou para os mercenários “uma sentença de morte”.

Obama, que recebeu imerecidamente o Nobel da Paz (2009), foi o primeiro presidente dos EUA a governar por oito anos sem que o país estivesse um único dia sem envolvimento em guerras. Coube a ele dar prosseguimento às agressões ao Iraque e Afeganistão e iniciar os conflitos com Síria, Líbia, Somália, Paquistão e Iêmen.

Apesar disso, os grandes veículos da mídia ocidental, quando detinham a hegemonia da narrativa, maquiaram as imagens de Kennedy e Obama como “gente boa”. Isso acabou. Porque agora as redes digitais quebraram aquela hegemonia e, de alguma maneira, democratizaram a informação (e também a desinformação) ao abrir espaço à versão das vítimas.

Isso é desesperador para os donos do poder, porque permite a todos ver que “o rei está nu”. Agora que os protocolos são rompidos, sabemos todos que parcela considerável da população mundial está em mãos de irresponsáveis e imaturos, como Trump (EUA), Bolsonaro (Brasil), Erdogan (Turquia), Duterte (Filipinas), Orbán (Hungria), Modi (Índia) e Morawieck (Polônia).

Esse populismo sem nenhum apreço pela verdade e pelos fatos não é propriamente fruto das redes digitais, e sim de uma cultura forjada na convicção de que o capital privado é a prioridade absoluta. Portanto, os valores éticos servem apenas para adornar a retórica.

Esse descaramento lembra uma família de corruptos que, dotada de modos requintados, recebe convidados para um jantar de gala. Estes miram a casa-mundo apenas pela impressão causada pelo viçoso jardim e a luxuosa sala de visitas. Mas, agora, graças às redes digitais, há convidados que também ingressam pela porta dos fundos, onde o lixo se acumula. E, no fim da noite, surpreendem o anfitrião agredindo a mulher; a faxineira obrigada a limpar o vômito dos bêbados; os seguranças da mansão jantando a quentinha trazida pela empresa para a qual trabalham, embora tenham sobrado faisões e lagostas nas travessas de prata.

É esse mundo escancarado pela porta dos fundos que nos faz assistir, indignados, dois homens que disputam o poder do mais poderoso império de todos os tempos – os EUA – trocando disparates como dois garotos que, no recreio da escola, discutem aos berros qual de suas famílias ostenta o carro mais possante.

As redes digitais funcionam como lupas. E ao nos aproximar dessas figuras histriônicas, confirmam o que canta Caetano Veloso em Vaca profana – “de perto ninguém é normal”. E, infelizmente, esses líderes jamais dão ouvidos aos versos de Billy Blanco em A banca do distinto: “Não fala com pobre, / não dá mão a preto / não carrega embrulho. / Pra que tanta pose, doutor? / Pra que esse orgulho? (…) / A vaidade é assim, / põe o tonto no alto / e retira a escada, / mas fica por perto esperando sentada / mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão”.

sábado, 21 de novembro de 2020

MIL RAZÕES PARA VIVER

No Brasil, o presidente e os que o apoiam afirmam que a pandemia não é grave porque só mata velhinhos. Apesar disso, infelizmente, entre as 135 mil vítimas dos vírus do descuido e do desamor, há enorme proporção de jovens e de pessoas abaixo de 60 anos. A política do governo em relação a índios, negros e populações de periferias lembra a eugenia praticada pelos nazistas na Alemanha da década de 1940.

No entanto, a população brasileira continua a envelhecer. Por isso, é importante recordar que, em 1º de outubro, a ONU celebrou o Dia Internacional das Pessoas Idosas. O objetivo é ajudar os mais velhos a se integrarem na sociedade e garantir que a sociedade possa assegurar os direitos das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.

No Brasil, desde 2003, a lei nº 10.741, chamada o Estatuto do idoso, dispõe os direitos assegurados às pessoas da chamada terceira idade. 
Apesar do envelhecimento da população, a sociedade é pensada para a juventude. Como, em geral, os mais velhos não produzem, perdem sua importância social. Parece que só a juventude importa. Envelhecer se torna mais doloroso e difícil.

No Brasil, se calculam em mais de 25 milhões de pessoas que passam dos 65 anos. Isso exige aumento de assistência, médicos especializados, mas supõe principalmente uma sociedade menos desigual e mais humanizada. Em muitas cidades, existem associações da terceira idade que promovem encontros, lazer, danças e passeios. As universidades mantêm programas de extensão universitária e atividades como cursos de computação, ginástica, natação, música, dança e outras artes.

Essas organizações propõem às pessoas idosas e a toda a sociedade que as coisas possam ser realizadas com calma no lugar da agitação. Sugerem a disponibilidade no lugar do estresse. Valorizam mais a qualidade e não só a quantidade. Trata-se, finalmente, de viver a graça do dia de hoje mais do que o afã da permanente projeção para o amanhã.

Para todo ser humano, em qualquer cultura que seja, envelhecer é sempre um processo difícil e exigente. Não é fácil manter o espírito jovial quando se vê o corpo decair progressivamente. No entanto, podemos fazer escolhas que nos permitam envelhecer de forma mais humanizada.

Até hoje, ninguém sabe exatamente a causa biológica do envelhecimento. Por isso, não se pode, até agora, deter ou evitar esse fenômeno. Clineu de Melo, médico especialista em Geriatria da USP, afirmou: “O envelhecimento é a perda gradativa das reservas que todos os organismos têm para usar em momentos de estresse”.

Todos os organismos foram pensados pela natureza para nascer, viver, reproduzir-se e depois morrer. Assim, durante milênios, a média da vida humana era de 30 anos. Cientistas descobriram que, a partir dos 30 anos, entramos em uma etapa da vida para a qual a seleção natural não nos preparou. Leonard Stayflick, professor na Universidade de Califórnia, afirma: “A velhice é um produto da civilização. Só ocorre propriamente nos seres humanos, nos animais domésticos e nos mantidos em zoológicos e em laboratórios”.

Comumente ligamos o envelhecimento à idade. De fato, há uma relação, mas não é direta e linear. Há pessoas de 90 anos que parecem ter 70 e há pessoas de 60 com jeito de 90. Não se pode generalizar, mas uma pesquisa mostra que a longevidade humana é maior em comunidades nas quais não existe aposentadoria. É mais frequente encontrar pessoas de mais de cem anos nos mosteiros budistas, em conventos cristãos, em comunidades afrodescendentes e indígenas do que em sociedades nas quais as pessoas mais velhas são postas em asilos, esperando a morte.

O processo do envelhecimento depende da saúde, do clima e mesmo da raça a qual pertencemos. No entanto, o temperamento e o estilo de vida da pessoa em questão também influi muito. Do mesmo modo, também a espiritualidade, como energia do espírito em ação na pessoa, pode ser elemento fundamental de vitalidade.

A primeira coisa que as tradições espirituais propõem é manter sempre no coração e no concreto do dia a dia um projeto de vida e a disposição de fazer tudo em função disso, na relação com o mundo e com a comunidade a qual pertencemos.

Em meio a um momento de forte perseguição política e de marginalização na sua própria Igreja, Dom Helder Camara escrevia um livro de meditações com o título: Mil razões para viver.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O SONHO DE UMA COMUNIDADE FRATERNA.


Eu sei muito bem que o sonho de uma sociedade fraterna está no cerne da encíclica Fratelli tutti. Mas, lendo e relendo esse texto luminoso, eu me detive em uma breve passagem: fiquei surpreso que os comentaristas na França não tenham ressaltado (suficientemente) a sua clarividência. Penso na extraordinária e perigosa visita de Francisco de Assis ao sultão egípcio Malik-al-Kamil em 1219, em plena era das Cruzadas.

Tomando a estrada para o Oriente, Francisco era pobre e vulnerável. O (longo) caminho era pontilhado por toda parte com torres e muralhas. A guerra entre cristãos e sarracenos estava por toda a parte, assim como a miséria e o sofrimento dos pobres. E assim como ódio, aliás! Sem dúvida, Francisco sonhava em converter o sultão, mas esperava, acima de tudo, a reconciliação e a paz.

Hoje, oito séculos depois, os franciscanos ainda conservam com grande destaque a memória daquela viagem. E o fazem bem! Eles se esforçam para continuar e aprofundar a reflexão sobre a nossa abertura às outras culturas e às outras religiões.

Voltando a Francisco e o seu companheiro de viagem, Iluminado, eles foram inicialmente maltratados e espancados pelas vanguardas dos sarracenos. Finalmente, puderam ser recebidos pelo sultão. Francisco se expressou a ele com o fervor de espírito conforme o versículo do Evangelho: “Eu lhes darei palavras de sabedoria, de tal modo que nenhum dos inimigos poderá resistir ou rebater vocês” (Lc 21,15). O sultão ofereceu ricos presentes a Francisco, que “ele rejeitou como lama”.

Francisco não era ávido pelas riquezas do mundo, mas pela salvação das almas. Esse desprezo pelos bens daqui de baixo impressionou tanto o sultão que ele propôs a Francisco e ao seu companheiro de viagem que prolongassem sua estada. Como isso era impossível, ele designou soldados para que escoltassem os dois frades durante a sua viagem de volta.

Conhecemos esses detalhes graças a São Boaventura de Lyon, que foi, com Duns Scotus e Tomás de Aquino, um dos três mais famosos doutores da escolástica medieval.

Os franciscanos argumentam hoje que, talvez, foi precisamente a recordação de Francisco, da sua doçura e da sua fé sem limites que desempenhou um papel quando, dez anos depois, sem que qualquer força o obrigasse, o próprio Malik-al-Kamil decidiu devolver Jerusalém aos cristãos: “Sem dúvida, o olhar límpido de Francisco havia continuado o seu lento trabalho na consciência desse homem aberto ao pensamento dos outros”.

Fiquei alegre e surpreso ao descobrir, no início da encíclica Fratelli tutti, a evocação dessa prodigiosa viagem que também foi um caminho para o outro. Ao lê-la, de fato, pensei naquilo que está acontecendo conosco na Europa, e precisamente na França. Entre os crimes terroristas do jihadismo e o nosso fechamento no horror, a violência desenfreada prevalece. Dia após dia, ano após ano.

Afiamos a severidade da repressão, dos tribunais, das prisões e das retaliações, enquanto a emoção obstrui legitimamente os nossos espíritos. Certamente, sabemos bem que, a oito séculos de distância, as situações são diferentes. Mas ainda somos capazes, ainda temos a força para nos distanciar um pouco? Isso precisa ser feito. Busquemos, busquemos de novo de onde pode vir o retorno dessa barbárie indizível.

Certamente concordamos com a urgência de combater esse terrorismo abjeto. Mas isso não nos impede de nos interrogarmos sobre o “tempo longo”. Quem somos nós, ocidentais? O que é essa nossa modernidade, nascida na confluência do pensamento grego, do judaísmo e do cristianismo? Podemos datar com um mínimo de precisão esse evento histórico? Com a vitória de Carlo Martelo sobre o Islã em 733? Com a afirmação imperial do seu sobrinho, Carlos Magno? Com a ambígua era das Cruzadas que, pela primeira vez, viu o Ocidente se projetar para fora de si?

A nossa reflexão se reatualiza por causa do recrudescimento do terror. O Ocidente não é apenas um simples conceito geográfico (o promontório europeu e a América do Norte), mas também filosófico (uma certa ideia de liberdade, do indivíduo e dos direitos humanos). Ora, portanto, nós, ocidentais, não somos mais “proprietários” desses valores democráticos, que pertencem, de agora em diante, a toda a humanidade (que não os aplica, senão parcialmente).

Na Fratelli tutti, o Papa Francisco evoca uma certa fatalidade que fala ao repórter de guerra que eu fui e ao jornalista inquieto que eu me tornei. Isso ocorre quando ele aborda “a ilusão da comunicação” e o desastroso predomínio do imaterial: “Na comunicação digital, quer-se mostrar tudo, e cada indivíduo torna-se objeto de olhares que esquadrinham, desnudam e divulgam, muitas vezes anonimamente. Dilui-se o respeito pelo outro” (n. 42).

Se o outro se torna apenas um inimigo, um adversário ou um concorrente, então, com efeito, a descoberta da fraternidade é mais urgente do que nunca. Ela nos convida a caminhar, mesmo que só um pouco, nas pegadas de Francisco de Assis. A caminho do outro.

Jean-Claude Guillebaud – L’Osservatore Romano

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O QUE DEVEMOS ASSUMIR NA VIDA...

 

O sucesso nos empreendimentos não se concretiza de maneira absoluta. Há sempre o contraditório que deverá ser enfrentado. Esse movimento é sadio porque livra pessoas, grupos e sociedades de posturas absolutistas e supremacistas. Por essa razão, tanto quem obtém sucesso quanto quem se considera derrotado deve passar por um processo de autocrítica a partir do qual se possa identificar os ganhos e as perdas reais. Uma vez que se deve evitar a unanimidade, própria dos tempos de enrijecimento, há um aprendizado que se deve acolher a fim de que não se caia no engano de se considerar sempre um vencedor ou perdedor.

Hoje podemos considerar que Jesus de Nazaré foi um homem cuja vida é, sem dúvidas, conhecida em todo o mundo. Mulheres e homens foram decisivos para que a memória dos seus feitos atravessasse as épocas, de modo que chegasse até as gerações atuais. Deixando o conteúdo da mensagem de Jesus de lado, é importante considerar que seu modo de viver e de se comunicar com as pessoas foi difundido e ele se tornou uma figura famosa em todo o mundo. Nesse sentido, é interessante o fato de que suas ações e seu discurso tenham alcançado até a benevolência de artistas que não deixaram de registrar cenas impressionantes da sua vida que foram contadas por seus seguidores.

Mas a fama de Jesus, isso é certo, não se deu de maneira absoluta. Se voltarmos aos evangelhos veremos que há um jogo muito interessante com relação ao acolhimento e rejeição dele. Na medida em que se tornava popular, crescia também o número dos que se opunham à sua mensagem e se negavam viver da maneira que ele propunha. Com esse exemplo, vê-se que o próprio Jesus não alcançou uma unanimidade no seu projeto de anunciar e inaugurar o Reino de Deus no aqui e agora da vida e da história. Podemos dizer que essa unanimidade não foi alcançada em seu tempo e em nossa época, de modo que à época e hoje seu projeto segue sendo acolhido e rejeitado, de modo que segue ganhando e perdendo novos seguidores. E é bom que seja assim!

O contraditório obriga a repensar as estratégias e as práticas. Uma vez realizado esse processo, é possível assumir novas posturas mais criativas, que nos desafiam a acreditarmos em nossos projetos e a atuarmos da melhor maneira a torná-los mais bem recebidos entre as pessoas. Mas é imprescindível considerar que nenhum projeto alcança seu sucesso quando não é capaz de gerar empatia, de despertar no outro algo mais profundo que tenha a ver com o sentido da própria vida.

E não se desperta a empatia sem envolvimento com as próprias crenças. Nesse aspecto, podemos considerar que Jesus despertou a empatia de algumas pessoas porque ele mesmo acreditava no projeto que inaugurava na vida de algumas pessoas. Jesus tinha empatia pelo Reino, porque era apaixonado pela justiça, igualdade, solidariedade, pelo amor, pelo perdão e a misericórdia aos quais conclamava os outros a viverem. Certo é que sem a empatia só há perdedores. Ela é o ensinamento que todos devemos assumir na vida.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

O QUE CONTA NÃO É O LUCRO, MAS A VIDA.




A intrusão do Covid-19 atingindo todo o planeta e dizimando mais de um milhão de vidas sem poderem ser veladas e receberem o último carinho de seus familiares, além de infectar outras milhões de pessoas, suscitou a perturbadora pergunta: qual o sentido da vida? Por que esse sofrimento todo? O que a natureza nos quer dizer com esse vírus invisível que colocou de joelhos todas as potências militaristas tornando ineficazes suas armas de destruição em massa? O Covid-19 caiu como um meteoro rasante sobre o sistema do capital e o neoliberalismo. Seus mantras foram destroçados. Adiantou alguma coisa o lema de Wall Street: “greed is good”=a cobiça é boa? Ninguém come computadores, nem se alimenta dos algoritmos da inteligência artificial.

Qual eram os dogmas da fé capitalista e neoliberal? O essencial é o lucro, no menor tempo possível, a concorrência feroz, a acumulação individual ou corporativa, o saque cruel dos recursos da natureza, deixando as externalidades por conta do estado, a indiferença face à taxa de iniquidade social e ambiental, a postulação de um Estado mínimo para escapar das leis limitantes e poder acumular mais desimpedidamente.

Se tivéssemos seguido estes mantras,o extermínio de vidas humanas seria incalculável. Sem políticas públicas as pessoas seriam tragadas por um destino atroz.

O que nos tem salvado? Aqueles valores e atitudes ausentes no sistema do capital e neoliberal: a percepção de que não somos “deuses” mas totalmente vulneráveis e mortais, expostos à imprevisibilidade. O que conta não é o lucro mas a vida; não é a concorrência mas a solidariedade; não é individualismo mas a cooperação entre todos; não é o assalto aos bens e serviços da natureza mas o seu cuidado e proteção; não é um estado mínimo, mas o estado suficientemente apetrechado para atender as demandas urgentes da população. Dito diretamente: o que vale mais a vida ou o lucro? A natureza ou a sua expoliação desenfreada?

Responder a estas perguntas impostergáveis é interrogar-se sobre o sentido ou o absurdo de nossa vida, pessoal e coletiva. O isolamento social é uma espécie de retiro existencial que a situação nos impôs. Cria-se a oportunidade de colocar estas questões inadiáveis.Nada é fortuito nesse mundo. Tudo guarda uma lição ou um sentido secreto que cabe desvendar, por mais perplexa que seja a realidade. O que não podemos é permitir que esse sofrimento coletivo seja em vão. Ele funciona como um crisol que purifica o ouro, que acrisola nossa mente, e põe em xeque certos hábitos a serem revistos e novos a serem incorporados especialmente com referência à nossa relação para com a natureza e o tipo de sociedade que queremos, menos perversa e mais solidária.

Todos falam da medicina, da técnica e dos insumos e principalmente da busca ansiosa de uma vacina contra o Covid-19. Poucos são os que falam da natureza. Precisamos considerar o contexto da irrupção do coronavírus. Ele não é isolado. Veio da natureza que por séculos foi saqueada irresponsavelmente pelo processo industrialista do capitalismo e também do socialismo, no falso pressuposto de que a Terra teria recursos infinitos. Desmatamos impiedosamente e assim destruímos os habitats dos milhares de vírus que vivem nos animais e até nas plantas. Perdendo sua “morada natural” buscam em nós um lugar de sobrevivência. Desta forma temos conhecido uma vasta gama de vírus como o zica, o chikungunya,o ebola, a série derivados do SARS como o Covid-19 entre outros.

Temos a ver com um contra-ataque da natureza ou da Mãe Terra contra a humanidade, que querem nos transmitir uma severa admoestação:”parem com a agressão impiedosa, destruindo as bases físico-químicas-ecológicas que sustentam a vossa vida; caso contrário poderemos lhes mandar vírus muito mais letais que poderão dizimar bilhões de vocês, da espécie humana, e afetar gravemente a biosfera, aquela fina capa um pouco maior que um fio da navalha que garante a continuidade da vida”.

Predominarão estas advertências vitais ou o afã de acumular e garantir os interesses materiais? Teremos suficiente sabedoria para responder à alternativa que Aquele Ser que faz ser todos os seres:“proponho-vos a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe a vida para que vivas com tua descendência”(Deut 30,19)?


BRASIL GEME SOB O LUTO.



Há situações na vida em que a dor é tão grande que as palavras serão sempre inúteis para consolá-la ou exorcizá-la. Apenas o silêncio denso e presente pode ser uma atitude compassiva e misericordiosa. Calar-se diante da dor dos outros, da dor de todos e também nossa é a única atitude possível.

Esta é a situação que hoje vive o Brasil, assolado e machucado mortalmente pela pandemia do coronavírus que açoita a torto e a direito, entrando pelos corpos de todas as idades e categorias de pessoas e levando embora vidas que são amadas, queridas e vão deixar um vazio e uma falta imensos no coração de tantos.

Diante de tantos mortos, de tanta tragédia o que se pode fazer? Quantas vezes não fizemos essa pergunta a nós mesmos, enquanto diante de nossos olhos desfilavam os caixões, os prantos, os gritos de dor, os enterros em vala comum enfileirados às dezenas, às centenas. O que fazer? Como ajudar? Como consolar todos estes e estas que choram os mortos dos quais nem puderam despedir-se, que se foram sem um último carinho, uma última presença, um último adeus?

Há mães que choram a perda dos filhos inexplicavelmente perdidos e se foram antes delas, vitimados por um vírus que todos dizem que ataca sobretudo os mais velhos. Mas há filhos órfãos de todas as idades, que choram impotentes a perda de seus maiores, de seus ancestrais: pais, mães, avôs e avós. Não conseguiram protegê-los, tiveram que vê-los desaparecer pela porta da UTI de onde nunca mais saíram. Ou então correram desesperados atrás de um respirador e um leito de terapia intensiva que nunca veio e tiveram que vê-los sufocar nas cadeiras ou no chão das emergências.

O que se pode fazer por essas pessoas que têm o coração em carne viva? Como podemos ajudar a amenizar a dor de todos que hoje vivem num país transformado em um gigantesco cemitério? Como chamar a atenção para essa dor anônima e profunda que afoga o Brasil em lágrimas e indignação muda? Como fazer algo que ressoe e pressione sem violência aqueles que desejamos retirar de sua ausência irresponsável, a fim de que assumam seu lugar no combate a essa pandemia?

A resposta, ou pelo menos um começo dela, talvez possa ser encontrado no livro do profeta Jeremias que, em pleno exílio, proclama o sofrimento do povo. E o simboliza com a dor de uma mãe que não quer ser consolada. “Ouve-se uma voz em Ramá, pranto e amargo choro; é Raquel que chora por seus filhos e recusa ser consolada, porque os seus filhos já não existem”.

Raquel – mãe em Israel, mãe dos filhos de Jacó e mãe do povo – recusa o consolo das palavras. Reivindica o direito do gemido e do pranto solitário. Somente ela conhece a dor que a prostra. O melhor a dar-lhe é o silêncio. Silêncio orante, presente, solidário. Inspirado por essa dor sem consolo, o profeta põe diante de seus ouvintes a dor de Raquel, digna e solitária. Como a de tantas e tantos que não puderam enterrar seus mortos na pandemia que vivemos.

Inspirados por essa dor e por essa necessidade imperiosa de um silêncio que conscientize, denuncie e regenere, a Comunidade da Trindade, em Salvador, Bahia, lançou a campanha Silêncio pela dor. Convida a todos, brasileiros ou estrangeiros, a aderir e expor nas redes sociais sua solidariedade a essa dor coletiva e gigante com uma palavra, um gesto, uma imagem, uma frase.

Subir hoje a hashtag #Silênciopelador é o nosso modo de chorar e con-doer-nos com a dor da pátria mãe que vê seus filhos irem embora sem nada poder fazer para salvá-los. E que assiste igualmente outros filhos seus obstaculizando os caminhos que a ciência oferece para que haja menos mortes, menos luto e menos dor em nosso território.

Nosso silêncio pela dor deve preparar o futuro que Deus guardou para o Brasil que hoje geme sob o luto. A dor não será a última palavra. O profeta Jeremias garante: “Assim diz o Senhor: “Contenha o seu choro e as suas lágrimas, pois o seu sofrimento será recompensado”, declara o Senhor.

Calemo-nos, então, pela dor. E convidemos outros, tantos quantos pudermos, a fazer o mesmo. Nosso silêncio será mais eloquente do que mil palavras que até agora se mostraram inúteis. Que nosso silêncio ecoe por todo lado, trazendo de volta a solidariedade, a união e a compaixão. #Silênciopelador

terça-feira, 17 de novembro de 2020

O QUE VOCÊ VÊ NO FIM DO TUNEL?

Vittorino Andreoli diz o que pensa e pensa o que diz. Uma raridade. Ele acha cada vez mais difícil distinguir entre loucos e não loucos: vê os normais fazendo coisas de loucos e os loucos fazendo coisas extraordinárias. Do jeito que está, este mundo não lhe agrada. Está ficando cada vez mais difícil. Poluído pelas palavras. Feito por gente que foge diante da responsabilidade. Como psiquiatra, ele vê avançar uma nova patologia: a incoerência. Aqueles que dizem tudo e o contrário de tudo. Existe um egoísmo generalizado, um abuso do “eu”. Dá vontade de fugir, ele admite. Procurar o silêncio das pedras, contra o ruído inútil das banalidades. Mas não podemos fugir, ele explica. Seria covardia. Nós fazemos a sociedade. Quem vê certos perigos tem o dever de alertar sobre os riscos que se correm.

E aqui estamos nós, então. Depois da clínica, da pesquisa, dos ensaios científicos, das dezenas de livros e das centenas de conferências, Andreoli se propôs este objetivo: ajudar os outros, ser útil, transmitir sua ideia de homem na dificuldade de existir e viver neste tempo, um tempo doente, tornado dramático pela pandemia.

“Estamos num estado confusional”, admite. Diante de um grande psiquiatra logo ficamos com vontade de lhe perguntar em que podemos nos agarrar.

“Quase todos os pontos de segurança foram perdidos …” é a primeira resposta.

Mas Andreoli é um pessimista ativo. “Não gosto de pessoas que dizem que não há mais nada a fazer. Hoje há muito o que fazer”.

Então ele voltou à estrada para reorganizar seus pensamentos e criar um alfabeto de bolso para a vida. Em quinze etapas, ele explora os sentimentos humanos, fala sobre a vida, nos faz entender quem somos. O homem não é um cabaré, um objeto do showbiz. “Somos pessoas que precisam de outras pessoas.” Laços e afetos são o que contam, não a superficialidade.

“Hoje gostaria de poder ajudar as pessoas a viver melhor, a juntar os pontos que constituem uma existência. Tento acender algumas luzes para enxergar no escuro”.

A entrevista com Vittorino Andreoli é de Gian Giacomo Schiavi, publicada por Corriere della Sera, 11-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.
No escuro, existe o medo. Por que você começou disso, professor Andreoli?

Esta é a sociedade do medo. Nossos dias hoje são cadenciados pelo medo e o medo gera violência, nos paralisa. E mesmo assim …

E mesmo assim…

E mesmo assim, sem medo, não haveria a coragem. Veja, o medo é um elemento estrutural da existência. O herói também sente medo. Mas o supera pelo bem dos outros.

Qual é o medo que mais assusta?

Neste momento, a solidão.

E como se contrasta?

Com a proximidade, com o outro, com o conjunto. O homem assustado precisa de alguém que o escute, de uma voz, alguém em quem possa confiar. Juntos, a vida é mais humana.

Quem alimenta o medo?

Hoje não há dúvida, o Covid. Mas o que preocupa é a política que vive do medo dos homens. Fez dela o seu negócio.

Muitos egoísmos e individualismos …

Existe um narcisismo exasperado.

Quando o medo se transforma em perigo?

Quando ultrapassa uma determinada intensidade e vira angústia, pânico.

Em vez disso, o que é a ansiedade?

A ansiedade surge como condição para melhor enfrentar novas situações, é um ativador de energias. Como, por exemplo, a ansiedade do aluno antes de uma prova.

E quanto à raiva?

É um impulso, é a violência dentro de nós que tende a sair.

Hoje há tanta raiva …

Hoje vivemos mal. Por isso, acumulamos raiva, mal-estar, frustração. Existe uma raiva interna que precisa ser gerenciada. Quando sai por acumulação, produz violência.

Dicas para viver com menos raiva e menos medo?

Devemos partir do homem que deve ajudar o homem.

E redescobrir a alegria de viver …

A alegria é um sentimento belíssimo. Todo mundo fala sobre felicidade, mas a felicidade diz respeito ao eu. A alegria é um sentimento compartilhado, diz respeito ao nós.

Você elogia o valor do perdão.

O perdão nos toca profundamente. Traz consigo a humildade, que não é modéstia, é a grandeza de São Francisco. O perdão é para-doar. Assim o significado fica ainda mais claro.

Existe um sentimento para relançar?

A paixão. A paixão é o que dá cor à nossa vida.

Você a combina com a vontade.

A vontade é um ato de energia, mostra o desejo que você tem de continuar: serve para superar um obstáculo, para enfrentar desafios impossíveis.

Os sentimentos se desgastam com muita facilidade hoje, como a sola dos sapatos, você escreveu. Vivemos de emoções. Mas qual é a diferença entre sentimento e emoção?

O sentimento é um vínculo. As emoções dizem respeito aos sentidos, a fisicalidade. O computador e a TV transmitem emoção, não sentimento. Os sentimentos são duradouros e nos unem uns aos outros.

Você considera que certas definições dadas aos sentimentos, como fragilidade, estão erradas.

A fragilidade indica que você precisa do outro. Mas não é uma fraqueza.

Como no amor, você escreve.

O amor é a combinação de duas fragilidades.

Um sentimento belíssimo.

Amor é vida, é relação e significa: sem você eu não posso viver. Assim, vivem duas pessoas que se amam. O amor é um sentimento essencial: do pai pelo filho, do irmão pelo irmão, do avô pelo neto …

O que é o desejo?

É a capacidade que cada um de nós tem de se considerar diferente do que é hoje. Mas a sociedade matou o desejo.

Como?

Virou spot comercial: você comprou isso? E esse outro? O desejo reduzido a objeto é outra coisa. Em vez disso, é aspiração, uma meta a ser alcançada, um passo à frente. Mas para isso você tem que se empenhar …

O que você vê no fim do túnel?

Que a vida se expressa vivendo nos outros. Temos que construir a era do “nós”.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

TUDO MUDA E TUDO AVANÇA...

A sociedade sofre graves consequências quando o parâmetro da mediocridade preside o desempenho de tarefas, missões, exercícios profissionais e deveres cidadãos. Os prejuízos são incalculáveis nos âmbitos da economia e da cidadania, com impactos negativos que atrasam terrivelmente o desenvolvimento integral e retardam os avanços necessários para que a sociedade possa trilhar novos caminhos. Cumprir bem o próprio papel é uma tarefa desafiadora que exige pré-requisitos adquiridos na esfera pessoal: talentos, qualidades e capacidade técnica, além dos princípios éticos e morais que alimentam o altruísmo e proporcionam a lucidez para solucionar problemas, vencer desafios. Esses requisitos possibilitam o uso racional do tempo e de outros recursos, permitem reconhecer a prioridade do bem comum e do crescimento igualitário de todos os cidadãos.

A corrosiva mediocridade que emoldura o exercício de papéis, inclusive o cumprimento de tarefas e responsabilidades profissionais, é entrave para o avanço social. Com frequência, percorre-se longo caminho em busca de soluções e de respostas, investe-se dinheiro, tempo e outros recursos de maneira pouco exitosa. Insucesso que advém, exatamente, da falta de clareza e de competência analítica no cumprimento do papel de gestor público, privado ou comunitário. Constata-se que certas pessoas têm facilidade apenas para construir discursos, muitas vezes para simplesmente embolar relações, produzir sombras que inviabilizam diálogos. Desconsideram, assim, que as relações têm, em si, a prerrogativa de clarear rumos e definir acertadamente as direções.

A competência analítica não é característica necessária apenas aos consultores, analistas e acadêmicos. Deve ser partilhada por todos e se consolidar como valor cultural. Um valor que permeia o conjunto dos hábitos e das atitudes, possibilitando a constituição de cidadãos habilitados para analisar situações, propostas e projetos; pessoas qualificadas para discernir bem e serem capazes de decidir adequadamente. Oportuno é lembrar que as escolhas, individuais e institucionais, são determinantes na definição dos rumos de uma sociedade. E, lamentavelmente, é comum ver problemas que se arrastam, geram atrasos e desgastes pessoais, em razão da falta de competência analítica nos processos de leitura e interpretação da realidade. Quando não se dá conta nem da própria tarefa, cumprindo-a de maneira medíocre, as perdas não ocorrem somente no âmbito individual, pois toda a sociedade partilha os prejuízos. Por isso, é importante cumprir o próprio papel a partir de motivações que ultrapassem a simples remuneração financeira. Afinal, os corações estão eivados por medidas e vetores sustentados por uma desenfreada busca pela acumulação de riquezas e, por isso, as pessoas nunca estão satisfeitas com o dinheiro que recebem. Para corrigir esse descompasso, vale se colocar no lugar dos mais pobres e dos que vivem na penúria. Certamente, é um remédio para debelar tudo o que atrapalha o princípio da solidariedade, fundamental nas relações sociais e políticas.

Há uma avalanche de dados e situações que precisam ser mais considerados no tecido social e político de uma sociedade para superar a cultura da mediocridade, o gosto patológico pela burocratização desnecessária, o entendimento infeliz de que o importante é apenas o próprio bem, ou de um pequeno grupo. O bem só para alguns é similar a uma ilha em constante ameaça, cercada por territórios marcados pela violência, desmandos, incivilidades e pela ruína de patrimônios. Por isso, cada pessoa é convidada a se compreender como parte de uma realidade mais ampla, a sociedade é fruto da articulação de suas partes. E o não cumprimento adequado do próprio papel é fonte de prejuízos incalculáveis para todos, que afetam a qualidade de vida, a economia, a saúde e a segurança pública, os mais diversos setores.

Superar o grave problema cognitivo e ético que impede cada pessoa de se perceber como parte de um conjunto maior, considerando que a sociedade é a união de suas partes, é um urgente desafio. Todas as pessoas, no exercício competente, inteligente e esforçado de seu papel, têm decisiva importância na articulação dos elementos que integram o tecido social. Cada indivíduo deve ser elo indispensável e determinante que assegura as condições saudáveis para o bem viver de todos, o desenvolvimento sustentável.

Nesse sentido, são necessários investimentos em processos educativos que qualifiquem o exercício da cidadania. E isso não pode se restringir somente ao território da educação formal, pois se relaciona a uma dinâmica formativa mais ampla: o cultivo, em todas as pessoas, da disposição para cumprir bem o próprio papel. Na lista grande de requisitos para a qualificação cidadã não pode faltar a humildade, a superação da ganância, a sensibilidade com a dor dos mais pobres. Para além dos discursos e promessas, o importante é fortalecer o amor à própria nação e lutar por uma cultura civilizada, que se oriente nos parâmetros do bem comum. Tudo muda e tudo avança quando se cumpre bem o próprio papel.

domingo, 15 de novembro de 2020

DIA DA REPÚBLICA: AOS 103 ANOS BRASIL PRECISA DE UM NOVO PACTO FEDERATIVO.

Em 15 de novembro de 1889, foi instituída a República Federativa do Brasil, e, hoje, 131 anos depois, o Congresso Nacional se debruça sobre uma proposta de um novo pacto federativo. Qual a importância disso em um momento de desafios à democracia brasileira?

Está em tramitação no Senado uma Proposta de Emenda à Constituição que visa a estabelecer um novo pacto federativo, alterando regras de financiamento, receitas e atribuições dos entes federados.

Recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, destacou a importância de se aprovar esse novo pacto alertando para um risco de colapso financeiro nos estados brasileiros. Nos últimos dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também pressionou pela aprovação da PEC, dizendo que ela deve devolver à classe política o controle dos orçamentos públicos e sugerindo a inclusão também de uma cláusula de calamidade pública no texto.

Novos prefeitos e prefeitos reeleitos nestas eleições de 2020 devem encarar um cenário de grande dificuldade econômica em seus mandatos, devido aos diversos problemas provocados pelo surto do novo coronavírus. Nesse cenário, segundo o deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), um novo pacto federativo, com uma melhor redistribuição das receitas tributárias, poderia fazer com que os administradores municipais não precisassem mais buscar recursos junto aos governos estaduais, ministérios e governo federal.

​Ao longo dos últimos 30 anos mais ou menos, houve uma concentração crescente de poderes, recursos e responsabilidades nas mãos da União, deixando estados e municípios em uma situação de fragilização, conforme explica, em entrevista à Sputnik Brasil, o jurista Daniel Barcelos Vargas, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), especialista em políticas públicas e ex-ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

"Esse descompasso entre a concentração de poderes e recursos em Brasília e a fragmentação e fragilização de poderes e recursos da base é que, ao longo dos anos, veio provocando uma crescente de discussões sobre a necessidade de se mudar essa infraestrutura da governança política, orçamentária e financeira no Brasil", afirma.

Apesar dos debates e da compreensão sobre a necessidade de se abordar esse tema, Vargas reconhece que não é tarefa fácil atingir um consenso em torno da proposta, sobretudo porque "ainda há muitas questões em aberto para se definir, no fim das contas, que tipo de reforma será travada".

O professor identifica nos debates atuais "dois conjuntos de preocupações combinadas". O primeiro, de acordo com ele, diz respeito à "infraestrutura básica" da relação entre União, estados e municípios. E o outro seriam ideias sobre a criação de fundos para atenuar a crise financeira e a crise social do país.

Dentro do primeiro conjunto, estão as discussões sobre desvinculação de receitas, mudanças na organização do orçamento e redistribuição dos fundos de arrecadação do petróleo, por exemplo. E, no caso do segundo conjunto, entram as conversas sobre desoneração da folha de salários, sobre a criação do Renda Brasil, entre outras.

"Então, se, no primeiro caso, a gente está falando do curso do rio, no segundo caso, a gente já está discutindo o volume de água. E, portanto, já seria uma maneira de garantir que, dentro desse curso do rio que está sendo reorganizado, já passem mais recursos para atender as demandas dos prefeitos, dos governadores, a partir do momento em que essa reforma for aprovada."

Para Daniel Barcelos Vargas, o novo pacto, quando aprovado, deverá "dar um alívio para a situação de várias lideranças e municipalidades", mudar as condições de diálogo e negociação entre os entes e dar mais margem de manobra para as administrações definirem suas prioridades e buscar recursos. Mas, analisando os desafios que deverão ser encarados pelas gestões municipais a partir do ano que vem, principalmente com o impacto da pandemia, o especialista alerta que o novo pacto não será capaz de fazer mágica para contornar as crises.

​"A crise desencadeada pela pandemia é tão severa que a sua solução não vai acontecer do dia para a noite. Não é por uma ou outra estrutura dessa reforma do pacto federativo que, a partir do ano que vem, quando os novos prefeitos tomarem posse, a vida da gestão municipal vai ser resolvida ou grande parte ou grande parte dos seus problemas vão desaparecer. Isso não vai acontecer. Agora, isso não significa que essa reforma não seja importante."

sábado, 14 de novembro de 2020

UM TEMPO NOVO: O ADVENTO,

Os cristãos se preparam para a celebração do Natal de Jesus em um tempo chamado advento, com momentos de espiritualidade e celebrações que recuperam a sintonia dos corações com o coração de Deus. Um tempo de esperança, que pode fecundar um futuro melhor sonhado por todos, particularmente quando se avalia o peso dos muitos percalços vividos na contemporaneidade – a desolação provocada pelos esquemas de corrupção, as irresponsabilidades e o gravíssimo descaso pelo outro, que é um irmão.

De modo muito especial, o advento da vinda do Messias tem propriedade para reavivar sensibilidades perdidas, o gosto pelo bem, e sedimentar a convicção da importância de todas as pessoas, sem distinções.

Isso pode parecer mera teoria diante da dificuldade para se vivenciar a beleza e a delicadeza deste tempo, pois há uma avalanche de apelos nessa época para estimular o consumismo e as festas. Convive-se com a fantástica e ilusória sensação do belo, a partir de luzes e cores com fugacidade própria – logo após esse período vem a realidade com seus desafios. A força necessária para todos vem justamente do amor e da experiência de se encontrar com Jesus Cristo. Ora, o que define a vida e as pessoas não são as circunstâncias, nem mesmo os desafios da sociedade. Acima de tudo, o que define a autenticidade da condição humana e os rumos novos da história é o amor. E o amor torna-se realidade na experiência de se buscar Jesus Cristo. Eis o sentido da celebração do Natal, oportunidade singular e inigualável para se desenhar um horizonte diferente, conferir à vida uma orientação decisiva.

A alegria que nasce do encontro com Jesus não é artificial, diferentemente das que são produzidas por mecanismos ilusórios, efêmeros. É a felicidade que nasce da experiência de aproximar-se da fonte inesgotável do amor de Deus, Pai misericordioso, que transforma, recria e salva. Sem esse encontro, não há como passar da morte para a vida, da tristeza para a alegria, do absurdo para o sentido profundo da existência, do desalento para a esperança. Não aproximar-se do Messias Salvador é perder a chance de se qualificar como ser humano e, assim, contribuir para melhorar a sociedade. Distante dessa necessária espiritualidade profunda, que deve ser experimentada na dimensão existencial – longe de misticismos ou fundamentalismos – a humanidade não avançará rumo aos avanços almejados. As estatísticas serão sempre vergonhosas, revelando que a sociedade adoece cada vez mais, convivendo com o medo e o desespero. Permanecem as dinâmicas que levam ao desrespeito, à violência e à desigualdade social.

Sem o encontro com Cristo, que promove transformações nas pessoas, a humanidade continuará regida pela economia da exclusão, pela falta do compromisso com a solidariedade e com a busca pelo bem da coletividade. A idolatria perversa do dinheiro será sempre doença incurável e o povo permanecerá carente de governantes competentes, com sólida moral. Somente com uma profunda espiritualidade, temperando todas as práticas, será possível promover reformas fundamentadas na ética.

O convite permanente, com força singular no tempo do advento, é fixar o olhar n’Ele, Cristo, o Messias Salvador. Conhecê-Lo, dialogar com Ele, deixar-se transformar por suas propostas e lições – os valores do Evangelho. Essa experiência espiritual qualifica a existência, as ações e escolhas do ser humano. Por isso, é hora de aceitar a proposta de se encontrar com Jesus Cristo – abertura ao advento de um novo tempo.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

UMA NOVA EXTINÇÃO EM MASSA.

O célebre cientista e divulgador naturalista britânico David Attenborough alertou que a humanidade enfrentará uma sexta extinção em massa neste século, se não abordar a mudança climática e a super exploração dos recursos do planeta.

Em seu novo livro, “A Life on Our Planet” (Uma vida em nosso planeta), Attenborough prevê um futuro de inundações, secas e um oceano se tornando ácido, caso a Terra não seja salva a tempo.

“O mundo natural desaparece. A evidência está em todas as partes. Aconteceu durante a minha vida. Vi com meus próprios olhos. Se não agirmos agora, irá nos levar à destruição. A catástrofe será incomensuravelmente mais destrutiva que Chernobyl”, escreve Attenborough, de 94 anos.

O divulgador, famoso pelos exitosos documentários que celebraram a incrível diversidade da vida na Terra, prevê uma série de possíveis cenários aterradores que a próxima geração poderá enfrentar.

“Estamos diante da possibilidade real de uma sexta extinção em massa, causada por ações humanas”, escreve. “Dentro da vida útil de alguém nascido hoje, prevê-se que a nossa espécie provocará nada menos que o colapso do mundo vivente, precisamente no que se baseia a nossa civilização”.

O problema, afirma, não é apenas a crise climática. “As pessoas, com razão, falam muito sobre a mudança climática. Mas agora está claro que o aquecimento global provocado pelo homem é apenas uma das várias crises em jogo. Uma equipe de estimados cientistas, dirigida por Johan Rockstrom e Will Steffen, identificou nove limites críticos integrados ao meio ambiente da Terra: mudança climática, uso de fertilizantes, conversão de terras, perda de biodiversidade, poluição do ar, esgotamento da camada de ozônio, acidificação dos oceanos, poluição química e extrações de água doce”.

O primeiro problema poderia ser deflagrado em toda a sua gravidade na década que começa em 2030, quando, após anos de desmatamento e queimada ilegal na bacia do Amazonas, a maior mata tropical do mundo poderia ser reduzida em 75%.

“A redução das chuvas provocaria escassez de água nas cidades e secas nas terras agrícolas geradas pelo desmatamento. A produção de alimentos se veria radicalmente afetada”, escreve Attenborough. “A perda de biodiversidade seria catastrófica”.

“As espécies que podem nos fornecer medicamentos, novos alimentos e aplicações industriais poderão desaparecer”, acrescenta.

Além disso, com o aquecimento global aumentando a temperatura da Terra, os degelos no Ártico começarão antes e as geadas chegarão mais tarde.

Isto significa que o urso polar, que depende do gelo marinho do norte para caçar focas, começará a se extinguir.

Attenborough escreveu: “Na medida em que se amplia o período sem gelo, os cientistas detectarão uma tendência preocupante. As fêmeas grávidas, privadas de seus recursos, darão à luz filhotes menores”.

“É muito possível que em um ano, o verão seja um pouquinho mais longo e os filhotes que nasçam naquele ano sejam tão pequenos que não possam sobreviver a seu primeiro inverno polar. Toda essa população de ursos polares se extinguiria”.

Com a mudança climática continuando na década de 2050, todo o oceano se tornaria totalmente ácido como resultado de que “o dióxido de carbono formará ácido carbônico para desencadear um declínio calamitoso”.

A metade da década de 2050 seria o final para a pesca comercial e a piscicultura que restam em todo o mundo.

A produção mundial de alimentos chegará a um ponto de crise, após séculos de agricultura intensiva lançando muito fertilizante no solo, deixando-o exausto e sem vida.

A falta de alimentos também se agravará com o surgimento de outra pandemia.

“Apenas estamos começando a compreender que existe uma associação entre o surgimento do vírus e o desaparecimento do planeta”, afirma o cientista.

“Quanto mais continuarmos fraturando a natureza com o desmatamento, a expansão das terras de cultivo e as atividades de comércio ilegal de vida terrestre, mais provável é que surja outra pandemia”.

Finalmente, para 2100, o mundo selvagem terá “desaparecido quase por completo”. Nesse momento, então, “96% da massa de todos os mamíferos da Terra será formada por nossos corpos e os dos animais que criamos para comer. Invadimos a Terra. Mas para o próximo século, é possível que a tenhamos tornado inabitável”.

“O século XXII pode começar com uma crise humanitária mundial, o maior evento de migração humana forçada da história”, escreve Attenborough. “As cidades costeiras de todo o mundo enfrentariam um aumento previsto do nível do mar de 3 pés, durante o século XXI, causado pelo derretimento lento das camadas de gelo, junto com uma expansão progressiva do oceano, na medida em que se aquece. O nível do mar poderia estar alto o suficiente, em 2100, para destruir portos e inundar o interior”.

A isto, soma-se outro problema. “Se todos os eventos ocorressem como descrito, nosso planeta ficaria 4 graus mais quente em 2100. Mais de um quarto da população humana viveria em lugares com uma temperatura média de mais de 29 graus, um nível diário de calor que, na atualidade, só se constata no Saara”.

“A sexta extinção em massa da Terra se tornaria imparável”, segundo o cientista. “Dentro da vida útil de alguém nascido hoje, prevê-se que a nossa espécie provocará nada menos que o colapso do mundo vivente, precisamente no que se baseia a nossa civilização”.

No entanto, Attenborough afirma que as soluções estão “a nosso alcance” e há uma série de “passos que podemos tomar e objetivos que devemos conquistar para evitar a catástrofe que se aproxima”.

Entre os remédios, o divulgador britânico cita uma maior sustentabilidade, energia limpa, a reconstrução dos oceanos, ocupar menos espaço e desacelerar o crescimento da população.

infobae.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

FECUNDAR A CAPACIDADE INVENTIVA


A vida humana está emoldurada por escolhas e poderes que definem a qualidade e o alcance da existência e da cidadania. Tudo depende das escolhas que se faz e, particularmente, de sua assertividade. Também contam os poderes exercidos e a qualidade desse exercício, na medida em que definem a velocidade e os rumos dos processos, com resultados e consequências boas ou nefastas para o bem comum.

São as escolhas e as decisões que determinam os acertos ou produzem descompassos. E é cada cidadão, inserido na complexidade dessa configuração, o responsável pelos processos que definem a sua condição política e a competência para o exercício dos poderes.

Assim, as escolhas e os poderes guardam o alcance antropológico e sociocultural do significado da política. Equilibram ou desorganizam os funcionamentos institucionais, promovendo a sua evolução ou atrasando seus processos. Fundamentalmente, tudo depende do exercício competente e qualificado da própria cidadania, tanto quanto da capacidade de exercer o poder que se tem, que se assume ou que é concedido.

Por sua vez, a envergadura da cidadania e a qualidade da própria existência influenciam as escolhas e o modo de exercer o poder. Isso significa apontar a seriedade e a gravidade das escolhas que são feitas, em diferentes níveis e intensidades. O que se escolhe incide determinantemente sobre processos, vidas, situações e circunstâncias. Faz avançar na direção de metas a serem atingidas ou atrasa conquistas e produz déficits que pesam fortemente sobre o conjunto da sociedade e sobre a vida das pessoas, particularmente as pobres e indefesas.

Por isso, a política, sendo prática de escolha e exercício de poderes, há de se temperar e fecundar por valores, que se forem desconsiderados lançam a vida social em descompassos, com sérios comprometimentos. Desse modo, apenas o respeito e a consideração a valores fundamentais – verdade, justiça, liberdade e amor – poderão manter o ritmo e a dinâmica, com propriedades capazes de garantir os ordenamentos adequados da vida social e os procedimentos cidadãos qualificados. Esses são valores sociais inerentes à dignidade da pessoa, com propriedades para favorecer o desenvolvimento autêntico e integral. Sem levar em conta e sem investir permanentemente nesses valores, corre-se sempre o risco das escolhas equivocadas ou estreitadas por interesses partidários e cartoriais. Consequentemente, o exercício do poder se prestará a alimentar vaidades, interesses mesquinhos e a perigosa sedução que o poder, em si, submete a alma humana.

Observamos, na atualidade, que os descompassos são muitos, comprovando a falta de qualificação daqueles que ocupam as várias instâncias de poder, sem se assentarem nos trilhos dos valores sociais. Resvalam na direção da mediocridade e da incapacidade de produzir as respostas que deveriam ser convertidas em qualificados serviços, impulsionando a sociedade e suas instituições aos parâmetros esperados.

Assim, a mediocridade representa um risco tão sério e fermentador, com força para produzir uma miopia capaz de induzir todos – os cidadãos e aqueles que exercem os poderes – a escolhas também medíocres. Enjaulando essas pessoas nas bitolas estreitas que inviabilizam respostas novas, mudanças urgentes e intuições inventivas como os tempos atuais exigem, as decisões assentadas nas escolhas medíocres atrasam as reformas que acabam não se fazendo e que não são intuídas na clarividência requerida de novos passos.

As escolhas e poderes hão de fazer seus percursos sobre os trilhos dos valores sociais inegociáveis, para, desse modo, possibilitarem práticas capazes de fomentar uma cultura que preze sempre mais os caminhos e as pessoas, que leve às respostas novas.

Um dos valores sociais que é prioritário é o de viver a verdade. À medida que os grupos sociais buscarem resolver os problemas à luz da verdade, é que avançarão na direção das escolhas acertadas. Esse é um enorme desafio de nosso tempo, imposto pelas circunstâncias sociais e políticas. Exige-se, desse modo, um grande investimento educativo no sentido de produzir gosto e empenho, em todos, pela busca da verdade.

A verdade deve alicerçar o valor da liberdade, inerente a todas as pessoas, que só pode ser respeitado e honrado na medida em que cada indivíduo é incentivado a realizar sua vocação pessoal e capacitado para discernir e recusar tudo o que possa comprometer a moral. Assim, o valor da justiça, particularmente no momento atual da sociedade, torna-se imprescindível para deter a tendência de se recorrer exclusivamente na direção da “utilidade” e do “ter”.

Ora, a justiça não é uma simples convenção. O justo é intrínseco ao mais profundo do ser humano. Exige reconhecimento e incondicional respeito. Abre-se, então, o caminho para o amor que ultrapassa estreitamentos e fecunda a capacidade inventiva.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

CORAGEM PARA POR A MÃO NO BOLSO.

As dinâmicas da vida em sociedade carecem de imprescindível convicção: o bem do outro, particularmente dos mais pobres, deve estar acima de qualquer outro bem ou razão. Por isso, torna-se importante refletir sobre a responsabilidade social, que precisa orientar funcionamentos empresariais e presidir a consciência individual. O senso de responsabilidade social é indispensável para conduzir a sociedade desigual e empobrecida na direção da justiça e da prática cidadã de se buscar o bem comum. Isso é incontestável e há de ser uma convicção que inspire o comprometimento com a solidariedade. Porém, lamentavelmente, há sempre o sério risco de se dedicar ao tema da responsabilidade social apenas de maneira teórica. Nesse sentido, são construídas reflexões até bem arquitetadas, ancoradas em citações. Mas ficam apenas no campo das teses, não se efetivam em ações. Então, a abordagem sobre a responsabilidade social se torna mera conveniência, estratégia para conquistar a simpatia da sociedade ou do poder público. Também, torna-se mero caminho para reunir apoios a projetos sociais que são verdadeiras migalhas, quando comparados ao lucro que seus autores acumulam em seus negócios.

Quando o discurso social conquista a simpatia de eleitores, mas não se desdobra em ações dos eleitos, reduz-se a mera conveniência. Da mesma forma, quando instituições – particularmente governamentais e empresariais – adotam slogans em que manifestam o “compromisso social”, mas disponibilizam pouco para reverter quadros de pobreza e exclusão, apenas instrumentalizam o discurso da responsabilidade social para conquistar simpatia. A apropriação desse discurso por mera conveniência pode, até mesmo, ocorrer por parte de organizações religiosas, que correm o risco de pregar certos valores relacionados à solidariedade, mas pouco fazem para mudar a realidade dos mais pobres. Responsabilidade social é, permanentemente, uma lição a aprender, prática que precisa ser exercida, compromisso para ser assumido. Quando os indivíduos, os funcionamentos empresariais e governamentais não a traduzem em práticas, torna-se apenas um discurso conveniente.  “A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada”.

Nesse sentido, tranquilizar a própria consciência enquanto se acumula bens sem servir, decisivamente, ao bem comum, é um equívoco. O bem de todos é, obviamente, mais importante que um simples usufruto familiar, partidário, institucional, empresarial. Sobre toda produção – lucro e aumento de posses – pesa uma hipoteca: o que deve ser devolvido aos pobres. Cada pessoa tem, no dízimo ofertado em suas comunidades de fé, a oportunidade para participar de projetos e campanhas que beneficiam a sociedade. E o mundo empresarial também é desafiado a apoiar projetos grandes, importantes e indispensáveis para o bem de todos. Iniciativas capazes de resgatar muitas pessoas de cenários marcados pelas misérias materiais e tantas outras que ferem dignidades, esfacelam a cidadania.

Urgente é cultivar a coragem para “por a mão no bolso” e apoiar iniciativas que promovam a inclusão social e o bem dos mais pobres, agindo de modo coerente com os ensinamentos cristãos. Práticas assim são remédio para evitar que as estruturas se tornem pesadas, propícias para hibernar a corrupção e a mesquinhez. Quanto mais a cidadania for balizada no sentido nobre e altruísta da solidariedade, mais a cultura ganhará força para manter funcionamentos que estão na contramão de tudo o que desgasta o patrimônio público. Para isso é necessário ouvir o clamor do povo, que deve ser acolhido no coração de cidadãos, de instituições e empresas, e assim se convencer sobre a necessidade de investir e apoiar projetos dedicados ao bem de todos. Nesse caminho, quem puder ajudar não hesitará, mesmo que isso signifique diminuir o próprio lucro. A consciência generalizada de que o bem comum deve ser prioridade é um sonho, uma ousada meta. Porém, deixar de buscá-la significa alimentar o recrudescimento da violência, da indiferença que compromete a paz, e da ilusão de que a vida segura e civilizada é para poucos.

Quando o tema da responsabilidade social é convicção e não conveniência, nutre-se a coragem para investir em projetos necessários para o bem comum, a promoção da cultura, dos valores e das tradições que são riquezas de um povo. Essa convicção desperta, em todos, a consciência de que é fundamental participar, nos diferentes cenários, das iniciativas que busquem devolver a inteireza da dignidade humana. Para assumir a responsabilidade social como convicção, também é oportuno ouvir esta palavra interpelante  “É preciso repetir que os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus direitos, para poderem colocar, com mais generosidade, os seus bens a serviço dos outros”.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

NÃO ESQUEÇA: DEUS ESTÁ SEMPRE PRESENTE.

 




As feridas expostas da sociedade mundial, suas pandemias, sinalizam enorme desafio: reconstruir a esperança. Entre as chagas enfrentadas pela civilização contemporânea está um generalizado estado de desolação – falimento da esperança. Contundente é a interrogação que requer urgente resposta: o que se pode esperar? E no desafio inscrito nessa pergunta, outro questionamento é recorrente: em quem confiar? O desafio existencial de se encontrar sentido na vida soma-se ao grave problema de saúde da atualidade, a covid-19. A busca pelo sentido da vida – embora tratado na superficialidade do bem-estar e das futilidades alimentadas pela ganância do dinheiro, da busca mesquinha por conforto – remete todos à questão central da própria existência. Lá, neste ponto de partida e de chegada, está o nascedouro da esperança, o lugar onde cada pessoa encontra os fundamentos para se reconstruir e, ao mesmo tempo, aproximar-se da plenitude.

A humanidade, ancorada em muitos avanços tecnológicos e científicos, admiráveis, mas alheia aos valores humanísticos, revela o seu despreparo para realizar, com a necessária eficiência, sua tarefa primordial – reconstruir a esperança. E reverter esse déficit geral na qualificação humanística exige alcançar a indispensável dimensão da espiritualidade, ainda com tão pouco espaço no conjunto de reflexões e pensamentos sobre a condução do desenvolvimento da sociedade mundial. De modo pontual, aparecem grupos que se referem à espiritualidade e, sem proselitismos, com profundidade transformadora, apresentam práticas que ajudam a cultivar rica cosmovisão, contribuição significativa para construir um mundo melhor.

Mas a essencialidade da espiritualidade ainda não assomou ao seu adequado lugar, mesmo quando se requer a gênese de um novo tempo para a humanidade. E quando se diz que o mundo não poderá ser o mesmo depois da pandemia da convid-19, pensa-se pouco sobre o papel decisivo da espiritualidade. Corre-se o risco de acreditar que basta simplesmente descobrir nova lógica para a economia, sem considerar os equívocos atuais. Ora, essa nova lógica no contexto econômico, para superar o domínio perverso do lucro e da idolatria do dinheiro, que se desdobra em consumo ilimitado e nos hábitos egoístas, na desconsideração dos pobres, requer profunda espiritualidade, eivada de humanismo, mística e sentido de transcendência.

O distanciamento humano da espiritualidade resulta também em graves prejuízos para o meio ambiente. Os recursos naturais são usufruídos de maneira extrativista e depredadora, o que faz crescer a miséria e os desequilíbrios em todo o planeta. Com isso, a humanidade inteira sofre as consequências, a exemplo desta pandemia do coronavírus, que ameaça todos, sem distinção de status social ou nacionalidade. Não se passará a uma nova página da história sem que o mundo vivencie profunda espiritualidade, oportunidade para verdadeira transformação social. Isto exige que a humanidade valorize a experiência da contemplação e da mística, caminhos para a reconstrução da esperança, alicerce de um novo modo de viver.

A construção da nova realidade que todos almejam exige longo caminho de aprendizagens, em que o essencial é reconstruir a esperança, alicerçada na espiritualidade daqueles que sabem orar, de verdade, para além de simples ritos ou de palavras. Contemplação e interioridade, pilares fundamentais da fé e da prática cristã autêntica, são imprescindíveis. Possibilitam alcançar nova sabedoria, enxergar os rumos novos exigidos pelos desafios atuais, a partir da vida interior. A verdadeira oração é essencial na reconstrução da esperança.

Todos reconheçam: mesmo que ninguém ouça, ou mesmo quando não se tem alguém com quem falar, Deus sempre está presente. Ele sempre ouve, com Ele pode-se sempre falar. Deus ajuda quando a capacidade humana está esgotada e sem condições para amparar. Mas poucos sabem escutá-Lo. Esperar Nele para superar os desesperos e tornar-se fonte de sabedoria para ajudar a consertar o mundo. A reconstrução da esperança requer a escuta de Deus, como sustento, tocando a interioridade, para qualificá-la, fazendo, de cada pessoa, testemunha fidedigna da esperança, protagonista neste processo de renovação da humanidade.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

A NECESSIDADE DA POLÍTICA.

 

Investir no surgimento de qualificadas lideranças e fomentar a insubstituível participação cidadã constituem caminhos para devolver a credibilidade à política. Particularmente, é preciso dedicar especial atenção às escolhas dos nomes que ocuparão cargos nas instâncias do poder, de modo que os eleitos se notabilizem pela qualificação humana, técnica e por cultivarem envergadura moral. Os descompassados cenários políticos da sociedade brasileira têm incalculável responsabilidade na configuração do descrédito que cidadãos nutrem por seus representantes. Por isso mesmo, demanda-se investimento educativo para recuperar a credibilidade dos representantes do povo. Um investimento emoldurado por duas perspectivas que se relacionam: a necessidade da política e a política necessária.

A população precisa alcançar clarividências urgentes quanto à relação existente entre a participação política, consciente de seus processos, e a capacitação para a escolha de nomes. Além disso, deve acompanhar e avaliar, por meio dos mecanismos e instâncias existentes, os trabalhos de seus representantes, nas esferas municipal, estadual e federal. Exercendo a sua liberdade no contexto democrático, o cidadão precisa se posicionar sobre o desempenho das autoridades eleitas. Percebe-se, dessa forma, que a necessidade da política e a política necessária configuram uma via para impulsionar conquistas urgentes. Essas conquistas dependem da superação de desmandos, dos interesses cartoriais ligados a pequenos grupos, sacrificando a maior parte da população com o agravamento da desigualdade social e com a desconsideração dos direitos humanos. A população não pode continuar vulnerável à força bem articulada de discursos demagógicos, repletos de afirmações mentirosas, que ocultam práticas contrárias às promessas anunciadas. Esses discursos, na contramão do que determina a Constituição Federal, somente servem para enriquecer poucos, aumentando a exclusão social.

É urgente superar os distanciamentos, de variados tipos, do mundo da política. Eleições, a exemplo das que ocorrem neste ano, nos municípios, representam uma oportunidade para renovar o interesse pela política e, assim, qualificar os processos de discernimento cidadão. Esses processos, que levarão à escolha de candidatos, devem alicerçar-se em critérios adequados e assertivos, para além de simpatias partidárias ou amizades pessoais. Não se pode confiar a aventureiros, sem qualquer qualificação humanística, os rumos de municípios, estados e nação. Para se prevenir desse mal, é preciso se dedicar a um exercício simples, mas muito significativo: a partir do diálogo no contexto da comunidade, do interesse para se informar sobre candidaturas, aperfeiçoar critérios e juízos que serão “pente fino” na seleção dos nomes a serem assinalados nas urnas. Esse compromisso cidadão com o voto criterioso e consciente é insubstituível.

Seja, pois, avaliada a trajetória de candidatos, seus pensamentos e seus apoiadores. Importante dedicar atenção se as propostas e trajetórias de vida são coerentes com demandas relacionadas ao cuidado com a Casa Comum, o meio ambiente, a educação, a saúde e com o combate imediato das desigualdades sociais. Não basta cumprir o dever cívico e cidadão de votar. O voto é um ato de liberdade e de corresponsabilidade. O voto precisa ser pautado por critérios de uma política necessária.“A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia”.

Governantes incompetentes e cidadãos sem formação política são ingredientes para projetar líderes que se pautam nas migalhas dos favores e favorecimentos – jamais no qualificado exercício do poder. Escolher representantes em troca de migalhas é sinal de atraso – um incentivo ao uso da máquina pública para alavancar popularidades. Advertimos que graves carências estruturais não se resolvem com remendos ou soluções rápidas, meramente ocasionais. Nesse sentido, auxílios emergenciais, importantes e indispensáveis para socorrer os pobres, no contexto de crises humanitárias, não podem constituir único critério para avaliar desempenho político. Há aspectos que devem ser mudados com reajustamentos profundos e transformações importantes. Uma política que envolva os mais diversos setores sociais, as instâncias do conhecimento, cidadãos conscientes e representantes comprometidos com o bem comum: eis a política necessária.