quinta-feira, 20 de julho de 2017

EMPATIA NÃO É SALGADINHO

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A gente se viu numa casa sem pavimento, com um fogareiro de chão, feito com pedras e alguns pedaços de ferros que serviam de grade. Uma chaleira chamuscada esquentava a água que se transformaria em café. O bule nunca tinha visto um lustre: palha de aço era um luxo que aquelas pessoas não podiam se permitir. O café começou a ser passado em um coador velho: eu não sentia, mas já imaginava o cheiro azedo. A minha mãe me olhou de cara feita: ai de mim se recusasse o café que seria oferecido. Porque aquele café era o único modo que a família tinha para agradecer pelos nossos modestos presentes.


Para entender como a minha mãe me deu minha primeira lição de empatia, é preciso explicar que eu me sentia pobre. Presentes, os poucos que chegavam, vinham nas datas obrigatórias e eram quase sempre brinquedos de pouco valor. Raramente tive uma boneca famosa na minha geração, as minhas eram sempre imitação. Eu ficava feliz de qualquer forma, mas achava que éramos muito pobres.


Eu tinha seis anos, era Natal e a minha mãe mandou que meu irmão e eu escolhêssemos os brinquedos que daríamos para outras crianças. Caridade de pobre é compartilhar a pobreza, mas aos seis anos isso soa como uma ameaça e uma punição. Paciência, minha mãe não era mulher de dar conselho, a sua palavra era ação ante litteram.


Só percebi com tristeza e pavor que podia existir uma pobreza mais terrível que a nossa quando bebi o café oferecido pela senhora que recebeu os nossos presentes para os seus filhos. Não deu para eu me sentir felizarda, porque estava triste por deixar um brinquedo de que eu gostava e que era um dos poucos que eu tinha. Mas deu para aprender a lição da empatia: sentir uma tristeza que era minha e ao mesmo tempo era desgosto por ver outras crianças em uma situação de exclusão. Apesar de ter apenas seis anos, senti que ninguém estava livre de acabar num casebre sem pavimento, sem fogão, sem empadinha, sem peru na noite de Natal. Entendi na prática o que é empatia.


Às vezes leio e ouço o que dizem os meus conterrâneos sobre a pobreza estrutural do nosso país e me questiono: será que eles ignoram o sofrimento dos pobres por temor de sentirem empatia? Ou será temor da pobreza que temos na nossa própria história pessoal ou familiar? Será que nunca fomos além das ideias e dos temores que tínhamos aos seis anos? Onde foi que perdemos o curso na estrada da nossa história? Onde abdicamos da memória e das lembranças doídas? Será que foi onde descobrimos a vergonha?


Às vezes, entre um café azedo e uma empadinha cheirosa, o caminho mais bonito passa pela pobreza, quando sabemos compartilhar e quando sabemos lem
brar de onde viemos e para onde vamos.

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