quinta-feira, 9 de novembro de 2017

DEUS, ONDE ESTÁS?

Resultado de imagem para deus onde estas

Albert Camus, escritor e filósofo francês nascido na Argélia, disse que o único problema filosófico, verdadeiramente sério, é o suicídio. Cuidado, ele não disse que para um homem ser sério tem que se suicidar. O que é sério é o problema do suicídio. A sua possibilidade é o que é séria e o sim ou o não decidem a vida. Se opto por continuar vivo é porque há boas razões para tanto. E todos os dias deveria pensar nisso. Se não me coloca a questão, a vida vai sendo conduzida, banalmente. Camus, nesse aspecto, repercute Sócrates que dizia que uma vida não analisada não vale a pena de ser vivida.

O problema de Camus, contudo, não é o único verdadeiramente sério. Se fosse, então só ele seria filósofo, já que só ele formulou o problema. Não parece ser o caso. Há tantos problemas quantos são os filósofos. E há tantos filósofos, quantos são os grandes problemas essenciais!

Leibniz, por exemplo, formulou a pergunta das perguntas, mais radical ainda do que a de Camus: “por que há o ser e não antes, simplesmente, o nada”? Essa é a mãe de todas as perguntas. Qual a razão última de todas as coisas? Por que há o ser e não o nada? Dizer que há o ser porque Deus é a razão, é abdicar de continuar pensando. A religião, nesse particular, responde uma questão de princípio pressupondo o princípio do princípio, sem demonstrá-lo. Apela para Deus e pronto, resolvido está. A religião é, de alguma forma, a mais sutil forma de abdicar de pensar, afinal, nem mesmo a mãe de todas as perguntas lhe causa algum desconforto.

Mas, não necessariamente. É possível ser religioso, teólogo e pensador ao mesmo tempo e aí a pergunta não cessa. E a aparente resposta abre outras tantas perguntas...

A pergunta que me atormenta não é tanto “por que não me mato” ou “Deus existe” ou não? Essas duas perguntas já estão resolvidas e já não me perturbam.

A pergunta: “por que não me mato” é simples de responder. Há muitos sabores, aromas, cheiros e temperos que ainda desejo e isso é suficiente para querer continuar vivendo. Simples assim. O que dá sentido à vida são os sentidos. Os cinco.

Ver as maravilhas da natureza e a beleza de um animal, ouvir uma canção ou o cantar dos pássaros, cheirar o perfume da dama da noite, saborear um bom vinho, tocar suavemente um cachorro peludo, que maravilha! Isso me basta.

Os sentidos dão sentido, Inclusive os sentidos do “ser” e do “dizer” que se oferecem à interpretação...! Sentir e pensar são a razão do viver. Tudo bem, se tu disseres que o amor é o sentido, nada tenho a objetar. Se disseres que a beleza é o sentido, tens o meu aval. O amor e a beleza são, de fato, o que nos suspendem do chão da banalidade, sobretudo da banalidade do mal...Estamos de acordo! Mas, mesmo assim, os sentidos e a razão que interpreta sentidos, já me bastam!

Quanto ao problema se “Deus existe”, ou não existe, não perco tempo com ele. Segundo Guimarães Rosa, esse é o problema essencial. Ele se recusava assinar algum protesto ou moção sobre o que quer que fosse de ordem política, já que nesse âmbito a pergunta: Deus existe?, nunca aparece. Era grande o Guimarães, o maior entre os literatos brasileiros, para meu gosto.

Mas, eu penso que o problema maior não é se “Deus existe”, ou se “Deus não existe”. Já me surpreendi, várias e recorrentes vezes, pensando que a minha vida em nada mudaria mesmo se Deus não existisse. Viver em Deus como se Deus existisse, eis a fórmula sintética de Bonhoeffer que aprecio sobremaneira. Deus não se importa com minha profissão de fé ou certeza da sua existência. Ele não depende de mim e eu não dependo da resposta a essa pergunta. Mesmo se Deus não existisse, a vida, com sentidos e razão, já teria razões e sentido.

Mas, não sou descrente.

E, então, o que me atormenta é um outro problema: onde Deus está? Parece-me que essa pergunta é mais interessante. Ela já supõe que Ele existe, e vai adiante. Dá um passo a mais, mais radical, mais existencial e decisivo. Onde ele está? E onde ele não está?

Socorro-me de Heráclito para pacificar em mim essa pergunta. Heráclito foi, para o meu senso filosófico, o maior dos pré-socráticos. Ele era genial. Genial e obscuro. Certa feita, uns admiradores, que ouviram falar dele, foram ter com ele, para beber no copo do seu saber. Imaginavam que o encontrariam em algum lugar propício para meditação, num templo, numa academia ou em algum lugar reservado e propício para filosofar. Só que não. Encontraram-no numa estrebaria, entre estercos e animais. Os admiradores se retiveram, imaginando ter havido um engano. Mas não. Heráclito os acolhe e lhes diz: “entrem, entrem, aqui também moram os deuses”.

Há ditos e feitos que não devem ser explicados para não perder a potência de interpretação. É o caso da frase de Heráclito...! Interprete-a, pois isso faz parte do sentido da vida...

Nenhum comentário:

Postar um comentário