terça-feira, 1 de novembro de 2011

UMA HUMANIDAD4E CARENTE DE HERÓIS

Há homens que têm um instante de criatividade e são bons. Há outros que têm um “insight” genial e são melhores. Há outros ainda que durante muitos anos têm várias inspirações geniais e são muito bons. Mas há ainda outros que a todo o momento e mesmo na doença e na morte continuam estrategicamente lançando fagulhas que incendeiam as retinas e as imaginações da humanidade. Seriam estes os imprescindíveis?

A morte de Steve Jobs lançou no céu da adoração mundial um novo mito. O genial inventor e fundador da Apple vinha realizando lenta e progressivamente sua saída de cena da empresa devido à saúde precária, após a descoberta de um câncer no pâncreas. A notícia de sua morte, no dia 8 de outubro deste mesmo ano, provocou uma verdadeira comoção mundial.
Steve Jobs nasceu em São Francisco, Califórnia (EUA). Com apenas cinco anos mudou-se com seus pais adotivos para Palo Alto, cidade que ficaria conhecida como um dos polos da tecnologia e comporia o chamado Vale do Silício. Em Palo Alto, Jobs conheceu seu amigo e futuro sócio Steve Wozniak. Juntos criaram, em 1975, o primeiro computador da companhia, o Apple I, produzido na garagem dos pais de Jobs. A partir daí, a Apple mudou a maneira de as pessoas se relacionarem com a comunicação e a tecnologia.
A maçã mordida - com atraente alusão à tentação e ao desejo seduzido - marcava os produtos da Apple. E os mesmos mexiam irresistivelmente com as pulsões e desejos dos milhões de consumidores que diariamente usavam o Iphone, escutavam música no Ipod e acariciavam deleitados com seus dedos a tela do tablet Ipad.
A um gênio se admira, a inteligência e a criatividade se respeita e se reconhece. Mas o que surpreende é a reação das pessoas diante da morte de Steve Jobs. Velas acesas diante das lojas da Apple em várias partes do mundo. Pessoas em lágrimas, comparando-o a grandes figuras da história, como John F. Kennedy e John Lennon. Mensagens amorosas escritas e dirigidas ao ilustre morto. Abate-se uma orfandade tremenda sobre esta sociedade de consumo pós-moderna, que sentiu seus impulsos estimulados e satisfeitos com as criações de Steve Jobs.
De Bill Gates – seu adversário, presidente da Microsoft - a Barack Obama – presidente dos EUA -, das mídias às redes sociais, todos só têm palavras laudatórias ao gênio Steve Jobs, chamado de audaz, ousado, visionário e outras coisas mais panegíricas ainda. Chamam-no inclusive do novo Thomas Alva Edison, inventor da eletricidade.
Diante deste fenômeno, me pergunto se a humanidade não terá perdido um pouco o prumo e a capacidade de análise e avaliação. Que Jobs seja um gênio dentro do campo de trabalho que escolheu e ao qual dedicou a vida e no qual fez fortuna, nenhuma dúvida. Que o legado que deixou tenha feito a humanidade crescer e tornar-se mais digna...já matizaria mais minha resposta.
Seu grande feito foi transformar algo não imprescindível nem necessário para a vida em objeto de desejo alucinante. As pessoas que poderiam viver sem aquilo passaram a perguntar-se como conseguiram fazê-lo até então. O produto do qual não imaginavam precisar passou a ser tão necessário para suas vidas como o ar ou a água.
Definitivamente não estamos diante de um santo ou um herói. A vida de Jobs é preciosa como a de todo ser humano. Mas o que sua morte deixa como legado maior é a revelação do fato de que a humanidade se encontra absolutamente carente de heróis ou figuras ilustres em quem depositar seu potencial afetivo e admirativo. E por isso cria ídolos e fabrica ícones neles projetando seus desejos e frustrações. O mito da era virtual é apenas um homem extremamente inteligente e criativo. Nada mais.
Para ser guia e inspirador da humanidade, como parecem querer que seja, é preciso mais do que inventar charmosos e sedutores artefatos virtuais e colocá-los nas mãos carentes de milhões de consumidores. Como dizia Bertolt Brecht, no fragmento parafraseado no começo desta crônica, é preciso lutar a vida inteira. Só os que fazem isso são realmente imprescindíveis

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