terça-feira, 21 de agosto de 2012

TREVAS ENCOBREM AURORA


Um arsenal de 300 milhões de armas de fogo dentro dos lares americanos é sempre um estopim fácil para uma tragédia
 Atemática não é nova, a desgraça também não. Menos ainda a tristeza, a dor, o luto de tantos e tantas. E as vidas que se foram. E a discussão posterior, que em lugar de ir à raiz das causas começa a conjeturar como a morte pode ajudar a diminuir a morte injusta. Ou: como a pena de morte pode ser a solução para o ataque ensandecido de mais um assassino inesperado. 
Perdoe o leitor. Mas não podemos deixar de escrever sobre o bárbaro ataque ao cinema em Aurora, Denver, Colorado (EUA), onde várias pessoas, no sábado 21 de julho, assistiam à estreia do novo filme de Batman chamado tristemente: Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge. A violenta aventura batmaniana de repente surgiu assustadoramente encarnada na pessoa do estudante James Holmes, um jovem branco de 24 anos.
Mascarado, Holmes abriu fogo aos 30 minutos de filme e, antes de sair, causou uma nuvem de fumaça com uma bomba de gás. Algumas das pessoas acreditavam que a chegada estrondosa do homem mascarado era parte do filme. O pânico teve início quando foi sacada uma arma e Holmes começou a atirar após ter lançado um gás que embaçou a vista e desorientou os presentes. Pelo menos 12 pessoas morreram e 59 ficaram feridas.
Na contramão do filme de Woody Allen “A Rosa Púrpura do Cairo”, onde o galã sai da tela e seduz a mocinha para o encantamento do cinema que a fazia esquecer sua miserável vida cotidiana, agora o “Coringa” mascarado parecia desejar entrar no filme do qual ansiava ser personagem, levando com ele os espectadores. Assim como o sonho de Mia Farrow no filme de Allen esboroa-se diante da realidade de que a fantasia cinematográfica não é o mesmo que a realidade, a insana violência de James Holmes transformou a vida dos habitantes de Aurora em pesadelo.
Já muitas análises foram feitas sobre o fato. Queremos acrescentar uma. A nosso ver há aí dois pontos importantes. Primeiro, não é possível que tais monstruosidades continuem acontecendo de maneira a semear o pânico entre pessoas que só desejam viver, estudar em um uma universidade ou ir ao cinema. Mais uma vez aconteceu. E mais uma vez no país que lidera o Ocidente e tem influência sobre o mundo inteiro. E dessa vez no cinema, lugar de lazer, onde pareceria que haveria segurança. Não há. A violência do filme entrou na vida real, fazendo estragos irreparáveis.
O assassino tem olhar vago, de alguém que está fora de si. Parece que teve notas baixas no doutorado que fazia, teria que retirar-se da universidade e para descarregar sua frustração resolveu atirar para matar. Aos cinco minutos de fama que lhe foram concedidos sucede-se agora uma via crucis de julgamento, interrogatório e discussão entre os mandatários do Colorado, para ver se pedem a pena de morte para o seu caso. Triste solução a de tentar erradicar a morte com a morte, quando as estatísticas comprovam
que os Estados onde a pena de morte permanece só veem recrudescer a violência em seu interior.
O segundo é que parece não adiantar muitos discursos presidenciais, entrevistas a celebridades sobre o assunto etc. Há que ir à raiz do problema. E esta já foi apontada e repetida até a exaustão por pensadores como o cineasta e escritor católico Michael Moore, entre outros. Os Estados Unidos são uma nação com medo, em permanente guerra. E combate seu medo adquirindo e possuindo armas. O fato de um jovem de 24 anos poder ter tal carga de armamentos e munição fala alto sobre a terrível ameaça que pesa sobre o país, enquanto a lei do porte de armas não for modificada.
Um arsenal de 300 milhões de armas de fogo dentro dos lares americanos é um estopim fácil para uma tragédia como a de Aurora. E antes dela a de Columbine, da Virginia, e tantas outras.
Por trás da arma existe um ser humano; raivoso, frustrado ou insano. Que se não estivesse armado extravasaria seus explosivos sentimentos de outra forma. Provido de uma arma que pode comprar como se fosse batata frita ou coca-cola, comete crimes como este. Aurora desmente seu nome e mergulha nas trevas que o título do filme de Batman anuncia. O “Cavaleiro das Trevas” está de volta. E enquanto ele estiver munido de armas, todas as auroras estarão proibidas, pois qualquer luz se encontrará submersa em opacas e espessas trevas.

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