Em momentos críticos da história, mais que os
cientistas são os filósofos chamados a opinar. Numa famosa palestra na rádio
bávara em maio de 1952, Martin Heidegger usou uma palavra escandalosa, mas que
possui um sentido profundo: “A ciência não pensa; isso não é nenhum defeito, mas
uma vantagem”. A vantagem reside em apenas analisar fatos, submetendo-os ao
cálculo e tornando-os assim manipuláveis pela técnica. Escapa ao seu âmbito de
interesse a interrogação sobre o sentido dos fatos e do curso da história.
Se
isso podia ser dito nos anos 50 do século passado, não poderá mais ser repetido
no tempo presente. Pois a ciência se desenvolveu numa direção que põe em cheque
o sentido da razão e o destino de nossa civilização. Ou a ciência será feita com
consciência e então incorporará uma dimensão ética, ou ela nos poderá destruir a
todos. É o que nos alertam grandes nomes do pensamento contemporâneo, não só da
filosofia, mas das ciências da Terra, da nova cosmologia e da
biologia.
Permanece, no entanto, a indagação que é objeto da matutação
filosófica: por que e como chegamos à atual situação?
Antes de mais nada,
cabe identificar o equívoco que cometemos em nosso passado. Essa razão
objetiva se refletia na razão subjetiva que ouvia atentamente as orientações da
primeira. O ser humano, a sociedade e a história funcionam bem quando estas duas
razões se articulavam e se harmonizavam.
A grande viragem ocorreu com a
irrupção da razão moderna no século XVI. A partir de então é a razão subjetiva
que predomina. É entendida como uma faculdade subjetiva da mente. Só um sujeito
humano é portador exclusivo de razão; a Terra e a natureza são coisas, não
possuem razão e um propósito racional. Por isso podem ser manipulados à mercê
dos propósitos humanos. O equilíbrio entre as duas razões se rompeu.
Como
dizia Francis Bacon: “Saber é poder”. A razão subjetiva começará a ser o grande
instrumento da vontade de poder, de conquista, de expansão e de subjugação do
mundo. Lentamente se instaurou o império da razão instrumental-analítica cuja
função primordial é “compreender e modificar” a realidade (Koyré; Prigogine). E
o fizemos nos últimos séculos com especial fúria. Não nos importavam as
consequências sobre o equilíbrio da Terra e as devastações sistemáticas da
natureza. Elas estão aí, exatamente, como campo de exercício para a nossa
liberdade e criatividade.
Eis que, de repente, a partir dos fins dos anos 60,
nos demos conta de que este tipo de razão estava destruindo as bases que
sustentam nossa vida e a natureza. As “externalidades” se tornaram tão graves
que podem pôr em risco o futuro da espécie e de nossa civilização. Descobrimos
que a Terra e a natureza possuem a sua “razão intrínseca e a sua lógica”(Gaia).
Negadas, podem nos destruir. Impõe-se um novo acordo entre as duas razões, um
outro tipo de racionalidade que incorpore consciência, sensibilidade, cuidado e
ética. Deve aprender a se auto-limitar para não ser destrutiva.
Temos que
deixar para trás o pensamento único e ser multidimensionais. Bem nos recordava
Fernando Pessoa (Álvaro Campos): “Sou um técnico, mas tenho a técnica só dentro
da técnica”. Fora dela, podemos e devemos ser muitas outras coisas até para nos
salvar.
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