terça-feira, 26 de novembro de 2013

TEMOS QUE ENCONTRAR UMA MANEIRA DE RENOMEAR A PAZ.

É tanto e tão brutal o estado de guerra que se apossou de nossas cidades que já temos pudor de falar em paz. Nossa linguagem se põe a desejar e expressar anseios de mais armas, mais segurança. E tudo isso acaba redundando em mais violência enfim. Não sabemos mais como invocar a paz a fim de que ela batize nossas ruas e avenidas manchadas de sangue, nossas casas e janelas crivadas de balas perdidas e, sobretudo, nossa gente, ferida, assustada, amedrontada, apavorada e acuada.
Quando os lábios se encontram tão secos e desencantados que a eles já não aflora o recitar do santo nome da paz e do amor, é preciso urgentemente buscar novos nomes, outras palavras, alteradas referências para dizer e clamar aquilo que o coração traz como seu anseio mais profundo.
Creio que é preciso, portanto, aqui e agora,  renomear a paz. Garimpar a memória e a criatividade, a ciência da língua e a beleza da forma para encontrar nova maneira de dizê-la. Pois ela tem que ser dita e nomeada. O ser humano é ser de linguagem e o que não nomeia não acontece, não toma corpo, carne e sangue. E como de palavra se trata; e como a aliança entre palavra e espírito é sempiterna, peçamos auxílio a mestres espirituais de ontem e de hoje. Mestres do espírito e artesãos da palavra, eles podem ajudar-nos a encontrar novas maneiras de expressar o que tanto desejamos.
A luminosa figura de Thomas Merton é o primeiro a quem recorremos. Monge trapista norte-americano do século XX, foi pioneiro em quase tudo, inclusive na arte de ser contemplativo enclausurado no mosteiro e ter um coração batendo ao ritmo febril dos grandes problemas de sua época. Vivendo duas guerras mundiais, e mais a Guerra Fria onde seu país estava comprometido até os dentes, e mais a Guerra do Vietnam perpetrada por seu país com um saldo de muitos milhares de jovens mortos, Merton foi uma grande testemunha do empenho pela paz. A seus ensinamentos devemos o precioso desvelar da etimologia do termo Paz.
A palavra paz vem do latim pangere, que significa comprometer-se, concluir um pacto, estabelecer um acordo entre duas partes. Para Merton, portanto, o termo paz vem de pacto. E o ensino mertoniano nos permite evoluir para a convicção de que a noção mais profunda de paz é a noção bíblica de aliança. Ao fazer uma aliança com seu povo, Deus quer desde sempre que a paz reine dinamicamente na terra, exprimindo sempre esse pacto fundamental de vida, que não permite que as criaturas se matem entre si em ódios estéreis. Elas devem amar-se sob o olhar bendito e abençoado do Criador.
A um outro mestre mais próximo de nós, porque residente em nosso país, dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Felix do Araguaia, pedimos agora auxílio para renomear a paz. Além de língua de profeta, coração de pastor e um intransigente e radical ardor no compromisso com os irmãos, Dom Pedro é também místico e poeta ardente. Escreve versos e crê em Deus, como ele mesmo diz. Com a maestria de sua escrita e a inspiração de sua lira, escreveu: “O antigo e perene nome da Paz é a justiça. Mas, hoje, a paz tem também um nome novo: a solidariedade. Esse nome é a tradução socio-política-econômica do termo ‘caridade’. A única versão não hipócrita da civilização do amor”.
Assim, a paz que parece haver desaparecido da nossa convivência, tomando o rumo ignorado de paragens longínquas e inatingíveis, hoje deve ser renomeada pela linguagem da aliança e da justiça. Um pacto que nos ajude a superar a terrível situação de injustiça que vivemos e que instila ódio e violência nos corações. Uma aliança que nos relembre quem somos e para que existimos: para o amor que constrói e é fecundo, trazendo vida em abundância para todos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário