quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O QUE MUDA NESTE MUNDO SE EU FICAR UM DIA SEM O MEU CELULAR?



É este o ponto: já vivemos milhões de anos sem celular. Um dia a mais ou a menos não faz a menor diferença. Só me dei conta disso no final desta quarta-feira, depois de passar o dia todo fora de casa, aflito porque estava sem o celular, que deixei em casa carregando na tomada.

Fora algum eventual problema com alguém da família, o que de tão importante poderia ter acontecido que eu precisasse saber na hora? Sim, eu admito que poderia ter começado o ataque dos Estados Unidos à Síria, mas não saberia dizer se os arapongas da NSA (a sigla em inglês da Agência Nacional de Segurança, a central de espionagem do grande irmão) detectaram a ausência do celular no meu bolso. Eles são muito discretos e, além disso, nada teriam para gravar. O celular passou o dia mudo.

Nem começou a guerra no Oriente Médio — e se tivesse estourado o conflito, o que eu poderia fazer, francamente? — nem as manchetes que acabo de ler no começo da tarde de hoje, já com meu celular no bolso, me fazem sentir a consciência pesada por ter perdido algo de muito importante.

Donadon, mensalão, voto secreto, protestos dos mascarados, novos partidos, o vai-não-vai do Serra, o sobe e desce da economia, a bronca da Dilma com os arapongas do Obama, nova reunião do G-20 — nada encontro capaz de me entusiasmar a ponto de largar o que estou fazendo para escrever um novo post no Gente,Lugares e Coisas...

Fico só pensando o que tanto poderia interessar aos agentes americanos sobre os segredos da pacata vida nacional, a ponto de eles estarem preocupados com o que falamos ao telefone ou a presidente Dilma escreve em seu e-mail? Pois já não está tudo na "nuvem", é só ir lá e pegar?

No momento, só me ocorrem dois assuntos que poderiam justificar a bisbilhotagem da NSA: os leilões do pré-sal e algumas obras de infraestrutura, além da interminável novela da compra de novos caças pela FAB que os americanos da Boeing gostariam de nos vender.

Ou seja, o interesse é puramente comercial, já que não me parece crível Obama estar preocupado com alguma ação militar brasileira em seu país, o que só nos faz lembrar-se daquela velha piada: E se nós ganharmos, o que vamos fazer com aquilo tudo?

Fica parecendo até que um governo espionar o outro é uma grande novidade, algo que em tempos passados faria os jornais pararem as rotativas para o lançamento de uma edição extra. Coisas do tempo do mestre Carlos Heitor Cony, que ainda hoje lembrou na sua coluna "Nada de novo":

"Em 31 de março de 1964, véspera do golpe militar daquele ano, mensagem oficial de Washington informava ao embaixador Lincoln Gordon que Juscelino Kubitschek encontrara secretamente o ministro da Guerra de João Goulart, general Jair Dantas Ribeiro, que estava internado no Hospital dos Servidores do Estado (...) Na suíte hospitalar, sem nenhuma testemunha, JK conversou com Dantas Ribeiro. Cerca de 15 minutos depois, o embaixador Gordon, em vez de informar Washington, era informado oficialmente por Washington do teor da conversa entre JK e Dantas Ribeiro".

Seria mais ou menos como se a presidente Dilma, graças aos prestimosos rapazes da Abin (a nossa NSA), informasse o ex-chanceler Antônio Patriota sobre a entrada daquele senador boliviano em nosso país, 15 minutos após a sua chegada a Corumbá...

Isso que Cony conta aconteceu quase meio século atrás, quando ainda estávamos milênios distantes dos celulares e todos os apetrechos tecnológicos de hoje em dia, como o computador em que escrevo esta coluna para vocês, e que daqui a pouco irá para a "nuvem", podendo ser lida em qualquer lugar do mundo.

Será que não estamos exagerando nessa nossa cada vez maior dependência dos instrumentos cibernéticos, que pode até ajudar a vida em muitas coisas, mas ainda não conseguiu me arrumar mais tempo para passar com meus netos, de quem sinto muita saudade — e não há celular que resolva. Ao contrário, cada vez mais ligado nas telas e nas mensagens que fazem a alegria da NSA, menos tempo me sobra para fazer o que realmente gosto.

Trocaria todos os meus equipamentos de "última geração", que não valem muita coisa, por meia hora a mais a cada dia para poder ver a minha turma brincar de esconde-esconde. O problema é que os pequenos também não largam os malditos aparelhinhos...

Nada mudaria no nosso louco mundo, mas com certeza eu seria bem mais feliz.

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