quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A IMPORTÂNCIA DA MEMÓRIA

O grande filósofo Martin Heidegger afirma: “A memória é o recolhimento do pensar fiel”. Com isso, quer dizer que ela protege e guarda consigo tudo aquilo que é importante, que faz sentido, que se antepõe e antecede mesmo aos fatos como seu sentido. Por isso, a memória é a condição de possibilidade da cultura, da civilização, de tudo que o ser humano constrói sobre a terra.
Em termos teológicos, a memória é o que permite não perder a Palavra revelada e acolhida na fé; a identidade do Deus pessoal que se revela, diz seu nome e mostra seu rosto e deseja ser reconhecido. Pela memória se narra e se conta a história dessa experiência, desse diálogo, dessa identidade. E tudo isso para fazer memória, para não deixar esquecer aquilo que fez e deve continuar fazendo a humanidade: viver, sofrer, rir, pensar, falar e conhecer.
Existe a memória da alegria, do amor vivido e realizado, dos momentos vividos juntos. Memória dos rostos sorridentes, das palavras trocadas, dos gestos de carinho sentidos sobre a pele.
Mas existe também a memória da dor. Ela não fala em termos abstratos, do “ser humano” ou da “humanidade”. Fala do outro concreto: do desespero das viúvas que se lançam impotentes sobre o caixão do companheiro; do choro das crianças órfãs que gritam sem entender por que seu pai jaz no chão perfurado por balas; dos rostos emagrecidos e famintos dos que vivem em continentes que as grandes potências riscaram dos mapas. Fala do holocausto nazista... e dos expurgos stalinistas e de seus milhões de vítimas.
Quando há olvido dessa dor e desse sofrimento, surge um processo lento de desumanização de um povo ou de uma cultura. Por isso filósofos como Adorno, teólogos como Metz, enfatizam a importância da dimensão subversiva da memória. É subversiva porque não deixa desaparecer o mal praticado, a justiça desprezada e põe em evidência a extinção da tradição que começa a crescer, ameaçando sufocar a dignidade humana.
A memória reclama um modo de pensar que não reduza o sujeito a uma abstração conceitual sem referência à história e aos processos sociais. E assim reivindica o direito de ser uma mediação crítica para a prática humana. Seu instrumento é por excelência a narrativa. Assim nasceu o cristianismo, quando os discípulos do nazareno narravam a história daquele que passara pela vida fazendo o bem, que fora morto violenta e injustamente, mas que Deus ressuscitara e agora se encontrava vivo em meio a eles.
Assim acontece com as vítimas da história que, nomeadas e narradas pela memória, permanecem vivas. Não se trata de um mero amor às tradições, mas o desejo de criar e formar uma comunidade de solidariedade com as vítimas da história, que interrompe as tentativas de calar e amordaçar a verdade que os sistemas totalitários de todos os tipos carregam em seu bojo. A memória resgata a narrativa ardente do passado e o atualiza para transformar o presente. Rememora acontecimentos com urgência de futuro, criando uma solidariedade que olha longe e vê além das aparências.
Um país sem memória vai pouco a pouco vendo desaparecer e esfumar-se sua identidade verdadeira. Abre espaço para retornos indesejados e varre para as sombras de um equivocado esquecimento presenças luminosas cujas vidas deveriam ser narradas uma e mais vezes, a fim de iluminar o caminho das novas gerações. Esperemos que o Brasil não entre nessa lista. Seria desastroso e indigno da grande nação que é.

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