Só uma vez temos oito anos. A vida continua, o namoro, a universidade, o emprego. As viagens aéreas tornaram-se rotineiras. Não mais exigia a janela do avião. Pelo contrário, preferia um assento no corredor. E antes que o avião iniciasse a viagem, tomava um livro ou uma revista. Mais tarde começou a voar com um laptop a tiracolo. Além de aproveitar o tempo, havia a sensação de que as horas passavam mais depressa. O importante era chegar, a paisagem não tinha o menor interesse.
Foi um choque quando, no balcão de embarque, a funcionária perguntou se ele não preferia um assento junto à janela. Teve a impressão de terem sido abertas as comportas onde armazenara a infância. Deu-se conta que se havia tornado uma máquina, um robô, muito eficiente, mas incapaz de um sentimento. Deu-se conta que sua vida, contrariando
a primeira impressão, tornara-se vazia e sem sentido. E, a partir da pequena janela do avião, recuperou a magia da infância. Ele não poderia passar pela vida em alta velocidade. Precisava parar, recuperar seu sentido, assumir de novo seu coração e, com ele, as emoções e a alegria de viver.
A rotina tem o triste privilégio de empobrecer os atos. Em nome da eficiência, abrimos mão do que existe de mais precioso em nós: o encantamento, o coração, a capacidade de tornar novos os pequenos gestos de cada dia. A cada dia o mundo recomeça, cada manhã é a primeira do mundo, cada beijo é o primeiro, cada encontro reveste-se da magia do desconhecido, cada Pai-Nosso é uma incrível declaração de amor, em duas mãos.
O livro do Apocalipse recomenda recuperar o primeiro amor (Ap 2,4). Isto significa espanar a poeira do tempo, recuperar a magia da primeira vez, deixar que o coração – pelo menos em alguns momentos – assuma as rédeas da vida.
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