terça-feira, 20 de agosto de 2013

MORRER COMO ANTIGAMENTE


Morrer sempre foi doloroso. Pensar na morte nos dói. Porém, na medida em que elaboramos esta dolorosa realidade, ela é vivida de modo diferente. Os primeiros cristãos suplicavam: Maranatha, isto é, Vem, Senhor Jesus! E isso se aplicava à própria morte ou ao juízo universal definido como Parusia. Hoje, falar e pensar na morte é considerado de mau gosto, politicamente incorreto. Mais: escondemos a morte. Na impossibilidade de vencê-la, tentamos ignorá-la. Mesmo assim, nada é tão certo quanto a morte. Todos admitimos que os outros morrem, que a gente morre... mas não passamos daí.

Leo Moulin nos deixou uma crônica sobre a maneira de morrer de um monge da Idade Média: “Toca-se o sino do convento. Toda a comunidade, junto com o abade, reúne-se à porta do quarto do doente e entram os que cabem. Rezam três orações dos moribundos. O enfermo entende que a morte se aproxima. Reza o Ato de Contrição, se ainda é capaz de falar. Caso contrário, o abade reza por ele. O enfermo, se é capaz, confessa-se pela última vez e pede perdão à comunidade pelos pecados cometidos contra Deus e contra os irmãos. Recebe de todos o abraço da paz. Outros ritos são feitos, entre eles a chamada extrema-unção. O enfermo beija as cinco chagas do crucifixo a fim de reparar os pecados cometidos pelos cinco sentidos. Depois recebe a Eucaristia e é interrogado se está feliz de morrer na fé e com o hábito monástico. Se a agonia se prolonga, a comunidade se retira, mas permanece um monge lendo para ele a Paixão de Jesus.”
Assim se morria na Idade Média. Algo parecido acontecia em nosso meio no passado. O pai, ou a mãe, morria no grande leito do casal, cercado dos filhos. Os ritos sagrados constituíam-se na grande escola de preparação. A Unção, se administrada a tempo, com a expressividade de seus símbolos, permitia ao enfermo perceber e vivenciar a proximidade da morte. E também aceitar morrer. Uma indefectível vela acesa lembrava a vela da fé, recebida no cerimonial do batismo. Era a luz que havia guiado a pessoa através dos caminhos da vida.
Hoje, morre-se, com grande frequência, na mais absoluta ignorância. Ou, pior ainda, na mais absoluta solidão de uma CTI de hospital. Ao redor dele arma-se um verdadeiro teatro, o teatro de uma civilização que não sabe o que fazer com a morte. Os familiares, fingindo que o enfermo logo retornará às suas atividades, falam de negócios, de férias, de futebol... E na chegada - ou despedida - garantem que ele está muito melhor e em breve terá alta. O enfermo, o primeiro a suspeitar da gravidade da doença, mas o último a acreditar, embarca nesta encenação, acreditando ou fingindo acreditar.
Depois, sobrevindo a morte, o cadáver é velado numa anônima capela funerária, onde se fala em voz baixa, mas se fala das coisas da vida. Ou até se lembram episódios cômicos ou se contam piadas. Sepulta-se o morto o quanto antes, não se carrega luto e não se fala mais dele. Nos países mais secularizados, a encenação continua com funerais festivos. O morto é esquecido numa pequena sala, enquanto os convidados se agrupam junto a mesas com doces, salgadinhos e bebidas. Num grande telão é projetada a vida do falecido, com cenas de sua infância, adolescência, namoro, viajando ou jogando futebol. Também já existe o funeral on line, pela Internet. Os conectados veem as cerimônias, mandam mensagens para os familiares, desde a tranquilidade de suas casas.

A grande viagem - A psicóloga Ana Paula Reis, especializada em lutos e perdas, fala da insensibilidade - falta de amor - na atitude de mentir ao doente, de fingir que ele está bem. Com prudência e jeito, sugere que se ajude o enfermo a “preparar a bagagem” com calma, para a grande viagem. Com sensibilidade, familiares e médicos devem revelar ao doente seu verdadeiro estado, sem jamais tirar-lhe a esperança.
O sacramento da unção dos enfermos é das maneiras interessantes de ajudar a preparar a viagem sem volta. Num passado recente se falava da “extrema-unção” um sacramento para os moribundos, por vezes já em estado de coma. Ou até depois do passamento. A unção com o óleo santo, que Tiago recomenda, é para os doentes. Também podem receber a unção as pessoas idosas, com saúde, ou as pessoas que vão para qualquer cirurgia. E se trata de um sacramento para viver: “A oração da fé salvará o enfermo, o Senhor lhe dará alívio e se tiver pecados, serão perdoados!” (Tg 5, 15).
O culto à juventude e ao prazer faz com que a morte seja ignorada. Não se deve pensar ou falar nela. Na realidade, assim como temos que aprender tudo na vida, precisamos aprender a envelhecer e a morrer. Cada um deve preparar e merecer a própria morte.

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