A cultura serve para ajudar o indivíduo a escapar das questões mais candentes e
mordentes da sociedade e consumir o vazio que vai nadificá-lo. As formas atuais
de conscientização e, portanto, de aglutinação, se fragmentaram e suas
fronteiras já não são mais definidas. Encontram-se, sim, abertas, fazendo
inúmeras interfaces e provocando um novo recorte social onde os atores são
dificilmente situáveis.
Finalmente, a cultura se tornou instrumento de
poder. Tal como o que era ontem o folclore, a cultura de massa hoje permanece
afetada pelo coeficiente social que a distingue de uma cultura operacional,
sempre reservada. Ela não tem mais uma função colonizadora (tanto no bom como no
mau sentido da palavra: ao mesmo tempo civilizadora e conquistadora), como foi o
caso durante longo tempo da educação que vulgarizava e difundia as concepções de
uma elite. Na verdade, a cultura se tornou um objeto rentável e maleável,
segundo as necessidades da produção e do consumo, antes que uma arma de combate.
O poder, então, se serve da cultura sem se comprometer com ela. Não está
mais comprometido nos discursos que fabrica. Seu centro de atenção não está mais
substantivamente na produção cultural, ou na difusão cultural, mas apenas
tangencialmente. E os produtos culturais servem à classe daqueles que os criam e
são pagos pela massa daqueles que deles não usam nem aproveitam.
A grande
questão que isso levanta é se os membros de uma sociedade como a de hoje,
afogados no anonimato de discursos que não são mais os seus, e submetidos a
monopólios cujo controle lhes escapa, encontrarão, juntamente com o poder de se
situar em algum lugar, num jogo de forças assumidas, a capacidade de
expressar-se.
Parece que a questão não é mais a mesma que atormentava o
Hamlet de Shakespeare: ser ou não ser. Mas sim ter ou ser. Se continuar
alugando-se e vendendo-se a si mesma para que o consumo reine soberano,
dominando e monopolizando a atenção dos indivíduos, seguramente a cultura não
cumprirá seu papel de testemunha da maravilha que é o ser humano. Rastejará em
nível das necessidades artificiais e não permitirá que apareçam os desejos que
libertam e apontam para a Transcendência.
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