quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

É URGENTE QUE APRENDAMOS A ESCUTAR A NATUREZA

Agora que estão aí as grandes chuvas, inundações, furacões e deslizamentos de encostas temos que reaprender a escutar a natureza. Toda nossa cultura ocidental, de vertente grega, está assentada sobre o ver. Não é sem razão que a categoria central - ideia - (eidos em grego) significa visão. A tele-visão é sua expressão maior. Temos desenvolvido até os últimos limites a nossa visão. Penetramos com os telescópios de grande potência até a profundidade do universo. Descemos às derradeiras partículas elementares e ao mistério íntimo da vida. O olhar é tudo para nós. Mas devemos tomar consciência de que esse é o modo de ser do homem ocidental e não de todos.
Outras culturas, como as próximas a nós, as andinas (dos quéchuas e aimaras e outras) se estruturam ao redor do escutar. Logicamente eles também veem. Mas sua singularidade é escutar as mensagens daquilo que veem. O camponês do antiplano da Bolívia  diz: “Eu escuto a natureza, eu sei o que a montanha me diz”. Falando com um xamã, ele  testemunha: “Eu escuto a Pachamama e sei o que ela está me comunicando”. Tudo fala: as estrelas, o sol, a lua, as montanhas, os lagos, os vales, as nuvens, as florestas, os pássaros e os animais. As pessoas aprendem a escutar atentamente estas vozes. Livros não são importantes para eles porque são mudos, ao passo que a natureza está cheia de vozes. E eles se especializaram de tal forma nesta escuta que sabem, ao ver as nuvens, escutar os ventos, observar as formigas, o que vai ocorrer na natureza.
Quando Francisco Pizarro, em 1532, em Cajamarca, mediante uma cilada traiçoeira, aprisionou o chefe inca Atahualpa, ordenou ao frade dominicano Vicente Valverde que com seu intérprete Felipillo lhe lesse o requerimento, um texto em latim pelo qual deviam se deixar batizar e se submeter aos soberanos espanhóis, pois o Papa assim o dispusera. Caso contrário poderiam ser escravizados. O inca lhe perguntou donde vinha esta autoridade. Valverde entregou-lhe o livro da Bíblia. Atahualpa pegou-o e colocou ao ouvido. Como não tivesse escutado nada jogou a Bíblia ao chão. Foi o sinal para que Pizarro massacrasse toda a guarda real e aprisionasse o soberano inca. Como se vê, a escuta era tudo para Atahualpa.

Para a cultura andina tudo se estrutura dentro de uma teia de relações vivas, carregadas de sentido e de mensagens. Nós, ocidentais, vemos as árvores, mas não percebemos a floresta. As coisas estão isoladas umas das outras. São mudas. A fala é só nossa. Captamos as coisas fora do conjunto das relações. Por isso nossa linguagem é formal e fria. Nela temos elaborado nossas filosofias, teologias, doutrinas, ciências e dogmas. Mas esse é o nosso jeito de sentir o mundo. E não é de todos os povos.
Os andinos nos ajudam a relativizar nosso pretenso “universalismo”. Eles nos desafiam a escutar as mensagens que nos vêm de todos os lados. Nos dias atuais devemos escutar o que as nuvens negras, as florestas das encostas, os rios, as rochas soltas nos advertem. As ciências na natureza nos ajudam nesta escuta. Mas não é o nosso hábito cultural captar as advertências daquilo que vemos. E então nossa surdez nos faz vítimas de desastres lastimáveis. Só dominamos a natureza, obedecendo-a, escutando o que ela nos quer ensinar. A surdez nos dará amargas lições.








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