sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

RESGATANDO A UTOPIA

No desamparo que grassa na humanidade atual faz-se urgente resgatar o sentido libertador da utopia. Na verdade, vivemos no olho de uma crise civilizacional de proporções planetárias. Toda crise oferece chances de transformação bem como riscos de fracasso. Na crise, medo e esperança se mesclam, especialmente agora que estamos já dentro do aquecimento global. Precisamos de esperança. Ela se expressa na linguagem das utopias. Estas, por sua natureza, nunca vão se realizar totalmente. Mas elas nos mantêm caminhando. Bem disse o irlandês Oscar Wilde: “Um mapa do mundo que não inclua a utopia não é digno de se espiar, pois ignora o único território em que a humanidade sempre atraca, partindo em seguida para uma terra ainda melhor”. Entre nós acertadamente observou o poeta Mário Quintana: “Se as coisas são inatingíveis...ora!/Não é motivo para não querê-las/Que tristes os caminhos se não fora/ A mágica presença das estrelas”.
A utopia não se opõe à realidade, antes pertence a ela, porque esta não é feita apenas por aquilo que é dado, mas por aquilo que é potencial e que pode um dia se transformar em dado. A utopia nasce deste transfundo de virtualidades presentes na história e em cada pessoa. O filósofo Ernst Bloch cunhou a expressão princípio-esperança. Por princípio-esperança, que é mais que a virtude da esperança, ele entende o inesgotável potencial da existência humana e da história que permite dizer não a qualquer realidade concreta, às limitações espaço-temporais, aos modelos políticos e às barreiras que cerceiam o viver, o saber, o querer e o amar.
O ser humano diz não porque primeiro disse sim: sim à vida, ao sentido, aos sonhos e à plenitude ansiada. Embora realisticamente não entreveja a total plenitude no horizonte das concretizações históricas, nem por isso ele deixa de ansiar por ela com uma esperança jamais arrefecida. Jó, quase nas vascas da morte, podia gritar a Deus: “Mesmo que Tu me mates, ainda assim espero em Ti”. O paraíso terreal narrado no Gênesis 2-3 é um texto de esperança. Não se trata do relato de um passado perdido e do qual guardamos saudades, mas é antes uma promessa, uma esperança de futuro ao encontro do qual estamos caminhando. Como comentava Bloch: “O verdadeiro Gênese não está no começo mas no fim”. Só no termo do processo da evolução serão verdadeiras as palavras das Escrituras: “E Deus viu que tudo era bom”. Enquanto evoluímos nem tudo é bom, só perfectível.
O essencial do Cristianismo não reside em afirmar a encarnação de Deus. Mas é afirmar que a utopia (aquilo que não tem lugar) virou eutopia (um lugar bom). Em alguém, não apenas a morte foi vencida, o que seria ainda pouco, mas todas virtualidades escondidas no ser humano explodiram e implodiram. Jesus é o “Adão novíssimo” na expressão de São Paulo, o homem abscôndito agora revelado. Mas ele é apenas o primeiro dentre muitos irmãos e irmãs; nós seguiremos a ele, completa São Paulo.
Anunciar tal esperança no atual contexto sombrio do mundo não é irrelevante. Transforma a eventual tragédia da Terra e da Humanidade devido às ameaças sociais e ecológicas, numa crise purificadora. Vamos fazer uma travessia perigosa, mas a vida será garantida e o planeta ainda se regenerará.
Os grupos portadores de sentido, as religiões e as Igrejas cristãs devem proclamar de cima dos telhados semelhante esperança. A grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. Por isso a tragédia não pode ter a última palavra. Esta a tem a vida em seu esplendor solar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário