quinta-feira, 28 de março de 2013

UMA BARULHEIRA DOS INFERNOS


O grande sonho da vida de um velho amigo meu era sair do aluguel e morar em casa própria. Já depois de ter passado dos 60, e trabalhando em três empregos, conseguiu comprar o apartamento no prédio que ele e sua mulher cobiçavam há tempos, no lugar em que pretendiam passar o resto de seus dias.
O apartamento estava detonado, mas o casal se dedicou de corpo e alma para reformá-lo do jeito que eles queriam, escolhendo os materiais e caprichando em cada detalhe. Seis meses depois, mudaram-se para o lar doce lar.
Não demorou muito tempo, começou também uma "reforma da fachada" planejada há tempos pelo condomínio. "Vai valorizar muito o imóvel", garantiram-lhe os integrantes da "comissão de obras" montada especialmente para este fim.
Faz quase três anos, e a obra ainda não terminou. "O estádio do Corinthians vai ficar pronto antes", ironizam os vizinhos dele, como se as vítimas não fossem elas próprias, entregues indefesas ao barulho, à poeria e a toda sujeira da interminável obra.
Como não acreditei no que ele me contava sobre a sua odisséia a cada vez que o encontrava, convidou-me a passar um dia em seu apartamento. Além da reforma da fachada, havia também uma obra no andar de cima.
Saí de lá quase surdo, com um zumbido no ouvido, sem parar de tossir. Espalhado pelo prédio, havia todo um arsenal de  britadeiras, maquinas, furadeiras, marretas, serras elétricas de todo tipo, um cenário de pós-guerra no Oriente Médio.
Só então entendi porque o amigo andava tão deprimido, cansado, reclamando que não suportava mais aquilo. Era, de fato, desumano, principalmente para alguém como ele, que passava a maior parte do tempo trabalhando em casa.
Não conseguia mais dormir direito, mal se alimentava e estava cada vez mais difícil escrever os textos  do seu ofício que antes fluíam com a maior facilidade. Já tinha passado por vários médicos, psiquiatras e neurologistas, mas sua saúde só piorava a cada dia, tirando-lhe a alegria de viver.
Sentia-se como um condenado à tortura perpétua dentro da sua própria casa. Quando perguntou ao síndico quanto tempo ainda duraria aquele inferno, ouviu dele um cínico conselho. "Não sei, mas por que voce não vai passar alguns dias numa pousada no interior?"
Sim, uma bela ideia, se o amigo fosse um aposentado bem remunerado, que não precisasse mais se preocupar em ganhar o dinheiro necessário para pagar suas contas no final do mes, inclusive a taxa de condomínio e de obras.
Eu mesmo ando incomodado com os muitos barulhos da cidade, a cada dia mais intensos, sem saber o que é pior: ficar em casa ou enfrentar o trânsito também infernal.
Vão-se multiplicando as "festas no apê" dos vizinhos, verdadeiras raves sem hora para acabar, com as caixas de som fazendo trepidar as paredes. Nos fins de semana, são os cachorros abandonados por seus donos uivando sem parar.
Acho que é por isso que todo mundo está ficando meio surdo. Ou será só um problema meu e do meu amigo?

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