quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

PIOR QUE MORRER, É VER UM FILHO MORRER.


Todos os grandes filósofos se detiveram na questão da morte.
Montaigne dizia que o teste real de caráter de uma pessoa era a maneira como ela se comportou diante da morte.
Ele citava Sócrates e Sêneca. Sócrates consolou seus discípulos, um dos quais Platão, antes de tomar serenamente a cicuta que a abjeta justiça ateniense lhe impôs.
Sêneca fez a mesma coisa, alguns séculos depois, quando seu antigo aluno Nero, já então desvairado, o obrigou a cortar os próprios pulsos e se matar.
Os romanos tinham um dito para se acostumar à ideia da morte: “Memento mori”. Em latim, lembre-se de que vai morrer.
Paradoxalmente, quanto mais você reflete sobre a morte, menos sufocante o fantasma dela é em seu dia a dia. Milarepa, um sábio tibetano, morava perto de um cemitério para se lembrar de que um dia morreria, e tinha uma caveira com o mesmo propósito.
Mas e quando a morte aparece para você não direta, mas indiretamente? Seu filho moço deu um beijo em você, avisou que ia a uma boate e acabou envolvido numa tragédia absurda como a de Santa Maria?
É uma daquelas situações em que você aprende que existem coisas piores do que morrer. Ver seu filho morrer, por exemplo.
Em sua imensa precariedade, a vida não poupa ninguém da possibilidade de uma catástrofe dessas. Pais enterraram, enterram e enterrarão filhos.
Príamo, o rei de Troia, tivera uma vida perfeita: dinheiro, poder, a admiração de seu povo. Velho, próximo do fim, foi obrigado a ver seu filho Heitor ser arrastado pelo chão, morto, no curso da guerra entre gregos e troianos.
“Ninguém pode dizer que foi feliz até o último momento da vida”, disse um filósofo com base no martírio sofrido por Príamo quando ele parecia prestes a encerrar uma existência gloriosa.
Para casos de pais que enterram filhos, a melhor consolação deriva do budismo, a singular religião oriental em que não existe Deus.
Na soberba fábula budista dos grãos de mostarda é contada a história de uma mãe desesperada com a morte de seu filho.
Ela recorre a Buda, de quem ouvira dizer que era capaz de fazer milagres. Buda a ouve e diz a ela que vai ressuscitar seu filho desde que ela leve a ele grãos de mostarda.
Não quaisquer grãos. Mas de alguma casa que não houvesse experimentado uma grande perda. Ela bate de porta em porta, e não encontra uma única casa sem perda.
A mãe entende então que o sofrimento é universal, e que estava irmanada à humanidade pela dor.
A dor solitária é a pior delas. A dor compartilhada é suportável. A mãe acaba virando monja, e se junta ao grupo de Buda. Aceitou sua sorte, que é a de todos – o sofrimento ao longo da jornada.
Penso nos grãos de mostarda, penso nas mães e pais e avós e avôs de Santa Maria, e por um momento sou tomado pela esperança de que, como na fábula budista, eles encontrem consolação que lhes permita seguir adiante, seja lá para onde for.

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