sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O REJUVENESCIMENTO DAS ÁGUIAS

 Se não nos agarrarmos a alguma esperança, perdemos o horizonte de futuro e corremos o risco de nos entregar ao desamparo imobilizador ou à resignação estéril. 
Neste contexto, lembrei-me de um mito da antiga cultura mediterrânea sobre o rejuvenescimento das águias. 
De tempos em tempos, reza o mito, a águia, como a fênix egípcia, se renova totalmente. Ela voa cada vez mais alto até chegar perto do sol. Então as penas se incendeiam e ela toda começa a arder. Quando chega a este ponto, ela se precipita do céu e se lança qual flecha nas águas frias do lago. E o fogo se apaga. Mas através desta experiência de fogo e de água, a velha águia rejuvenesce totalmente: volta a ter penas novas, garras afiadas, olhos penetrantes e o vigor da juventude. Seguramente este mito constitui o substrato cultural do salmo 103 quando diz: “O Senhor faz com que minha juventude se renove como uma águia”.
E aqui precisamos revisitar C.G. Jung, que entendia muito de mitos e de seu sentido existencial. Segunda esta interpretação, fogo e água são opostos. Mas quando unidos, se fazem poderosos símbolos de transformação. 
O fogo simboliza o céu, a consciência e as dimensões masculinas no homem e na mulher. A água, ao contrário, a terra, o inconsciente e as dimensões femininas no homem e na mulher. 
Passar pelo fogo e pela água significa, portanto, integrar em si os opostos e crescer na identidade pessoal. Ninguém ao passar pelo fogo ou pela água permanece intocado. Ou sucumbe ou se transfigura, porque a água lava e o fogo purifica. 
A água nos faz pensar também nas grandes enchentes. Com sua força tudo carregam especialmente o que não tinha consistência e solidez. São os infortúnios da vida. 
E o fogo nos faz imaginar o cadinho ou as fornalhas que queimam e acrisolam tudo o que é ganga e não é essencial. São as notórias crises existenciais. Ao fazermos esta travessia pela “noite escura e medonha”, como dizem os mestres espirituais, deixamos aflorar nosso eu profundo sem as ilusões do ego. Então amadurecemos para aquilo que é em nós autenticamente humano e verdadeiro. Quem recebe o batismo de fogo e de água rejuvenesce como a águia do mito antigo.
Mas abstraindo das metáforas, o que significa concretamente rejuvenescer como a águia? Significa entregar à morte todo o velho que existe em nós para que o novo possa irromper e fazer o seu curso. O velho em nós são os hábitos e as atitudes que não nos engrandecem: a vontade de ter razão e vantagem em tudo, o descuido consigo mesmo, com a casa, com nossa linguagem e com o desrespeito para com a natureza, bem como a falta de solidariedade para com os necessitados, próximos e distantes. Tudo isso deve ser entregue à morte para podermos inaugurar uma forma de convivência com os outros que se mostre generosa e cuidadosa com a nossa Casa Comum e com o destino das pessoas. Numa palavra, significa morrer e ressuscitar.
Rejuvenescer como águia significa também desprender-se de coisas que um dia foram boas e de ideias que foram luminosas mas que lentamente, com o passar dos anos, se tornaram ultrapassadas e incapazes de inspirar um caminho para o futuro. A crise atual perdura e se aprofunda porque os que controlam o poder têm conceitos velhos, incapazes de oferecer respostas.
Rejuvenescer como águia significa ter coragem para recomeçar e estar sempre aberto a escutar, a aprender e a revisar. Não é isso que nos propomos a cada novo ano? 
Que o ano de 2013 que se inaugura seja oportunidade de perguntar o quanto de galinha existe em nós que não quer outra coisa senão ciscar o chão e o quanto de águia há ainda em nós, disposta a rejuvenescer ao confrontar-se valentemente com os tropeços e as crises da vida e buscar um novo paradigma de convivência. 
E não podemos esquecer aquela Energia poderosa e amorosa que sempre nos acompanha e que move o inteiro universo. Ela nos habita, nos anima e confere permanente sentido de lutar e de viver.
Que o Spiritus Creator nunca nos falte!

Nenhum comentário:

Postar um comentário