Seu colega escritor moçambicano, o grande Mia Couto,
afirma sobre ele acertadamente: “Jorge Amado não escreveu livros, escreveu um
país”. E o próprio Jorge diz sobre si mesmo e sua obra literária: “Não tenho
nenhuma ilusão sobre a importância de minha obra. Mas, se nela existe alguma
virtude, é essa fidelidade ao povo brasileiro.”
Celebrar, portanto, o
centenário de Jorge Amado é declarar amor ao Brasil. Escritor cuja pena mergulha
profundamente nas raízes de seu país, de seu povo, de sua gente, Jorge Amado
tornou-se maior no coração dos brasileiros. Seus personagens encarnam com
verdade e profundidade a identidade múltipla e plural da gente mestiça e
sincrética deste quase continente.
Nascido em uma fazenda de cacau,
registrado em Itabuna, perto de Ilhéus, Jorge Amado é baiano no nascimento, no coração, na identidade. E mais: amante profundo de sua terra natal, que é
sempre e absolutamente a composição de lugar de seus livros. O mundo amadiano é
baiano, menos no sentido geográfico que no sentido antropológico e cultural. É
plenamente baiano esse jeito que Amado tem de colocar em cena a pobreza digna e
idealista do povo simples, a mulatice sensual da mulher brasileira tão à flor da
pele na Bahia de todos os santos. Respira-se Bahia pelos poros ao ler essa
escrita que descreve os mais diversos personagens que em sua diferença têm, no
entanto, lugar marcado de encontro na Bahia.
Formado em Direito no Rio de
Janeiro, o escritor teve passagem pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), que
marcou boa parte de suas obras. Apesar do inegável valor literário das mesmas, o
universo amadiano no primeiro período
de sua produção, até 1958, revela-se
um tanto maniqueísta, dividindo o mundo em ricos maus e pobres bons. Escritor
militante, Jorge Amado já traz a riqueza imaginativa e imagética que marcaria
toda a sua literatura.
Jorge Amado chegou a ser eleito deputado pelo PCB, em
1945. A ele deve-se a lei da liberdade religiosa no Brasil. Na Bahia viu o
sofrimento dos que seguiam os cultos vindos da África e em suas andanças e
viagens viu protestantes saqueados por fanáticos com uma cruz à frente. Isso o
fez lutar para a aprovação de emenda que instituía a liberdade religiosa e desde
então esta se tornou lei. Sua filiação partidária o fez exilar-se várias vezes
fora do país, na Argentina, Uruguai, Paris e Praga.
Cremos poder situar na
publicação de “Gabriela, cravo e canela”, em 1958, o marco da maturidade do
escritor. A partir de Gabriela, Jorge Amado dá um salto qualitativo em sua obra
e inicia uma trajetória narrativa onde aparecem, sim, o sofrimento e a luta do
povo brasileiro das camadas mais simples e populares, mas também sua alegria,
sua imaginação e criatividade. Em seus livros vemos presentes elementos diversos
como fazendas de cacau, terreiros de candomblé, mistura sincrética e livre de
crenças religiosas, a pobreza nas ruas de Salvador, a miscigenação, o racismo
velado da sociedade brasileira. Destacando a herança africana e a mistura que
compõe a sociedade brasileira, Amado vai retratando em sua obra uma identidade
extremamente positiva de seu povo.
Seus heróis e heroínas são homens e
mulheres da rua, improváveis protagonistas de um país que ele amava e no qual
acreditava com otimismo e esperança. É assim que dançam aos olhos do leitor nas
páginas amadianas o negro, a prostituta, o faxineiro, os meninos de rua, bem
como mulheres as mais diversas.
Em um país onde ainda se lê pouco, que não
tem grande tradição de leitura, apesar de contar com grandes escritores, Amado
escreveu coloquialmente, popularmente, de maneira gostosa e carinhosa como a
Bahia em tarde de sol. Seu universo, vivo e colorido, cheio de personagens
atravessados de surpreendentes vitalidade e alegria, não cessa de povoar há
várias décadas o coração, a mente e a imaginação de leitores não só daqui, mas
de diversos outros países e latitudes.
Por isso, no seu centenário, dizemos:
Salve Jorge! Continua a ser nosso embaixador pelo mundo afora e desperta nos
deserdados do progresso sempre mais o gosto pela leitura.
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