segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O CENTENÁRIO DE JORGE AMADO.

Seu colega escritor moçambicano, o grande Mia Couto, afirma sobre ele acertadamente: “Jorge Amado não escreveu livros, escreveu um país”. E o próprio Jorge diz sobre si mesmo e sua obra literária: “Não tenho nenhuma ilusão sobre a importância de minha obra. Mas, se nela existe alguma virtude, é essa fidelidade ao povo brasileiro.”
Celebrar, portanto, o centenário de Jorge Amado é declarar amor ao Brasil. Escritor cuja pena mergulha profundamente nas raízes de seu país, de seu povo, de sua gente, Jorge Amado tornou-se maior no coração dos brasileiros. Seus personagens encarnam com verdade e profundidade a identidade múltipla e plural da gente mestiça e sincrética deste quase continente.
Nascido em uma fazenda de cacau, registrado em Itabuna, perto de Ilhéus, Jorge Amado é baiano no nascimento, no coração, na identidade. E mais: amante profundo de sua terra natal, que é sempre e absolutamente a composição de lugar de seus livros. O mundo amadiano é baiano, menos no sentido geográfico que no sentido antropológico e cultural. É plenamente baiano esse jeito que Amado tem de colocar em cena a pobreza digna e idealista do povo simples, a mulatice sensual da mulher brasileira tão à flor da pele na Bahia de todos os santos. Respira-se Bahia pelos poros ao ler essa escrita que descreve os mais diversos personagens que em sua diferença têm, no entanto, lugar marcado de encontro na Bahia.
Formado em Direito no Rio de Janeiro, o escritor teve passagem pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), que marcou boa parte de suas obras. Apesar do inegável valor literário das mesmas, o universo amadiano no primeiro período
de sua produção, até 1958, revela-se um tanto maniqueísta, dividindo o mundo em ricos maus e pobres bons. Escritor militante, Jorge Amado já traz a riqueza imaginativa e imagética que marcaria toda a sua literatura.
Jorge Amado chegou a ser eleito deputado pelo PCB, em 1945. A ele deve-se a lei da liberdade religiosa no Brasil. Na Bahia viu o sofrimento dos que seguiam os cultos vindos da África e em suas andanças e viagens viu protestantes saqueados por fanáticos com uma cruz à frente. Isso o fez lutar para a aprovação de emenda que instituía a liberdade religiosa e desde então esta se tornou lei. Sua filiação partidária o fez exilar-se várias vezes fora do país, na Argentina, Uruguai, Paris e Praga.
Cremos poder situar na publicação de “Gabriela, cravo e canela”, em 1958, o marco da maturidade do escritor. A partir de Gabriela, Jorge Amado dá um salto qualitativo em sua obra e inicia uma trajetória narrativa onde aparecem, sim, o sofrimento e a luta do povo brasileiro das camadas mais simples e populares, mas também sua alegria, sua imaginação e criatividade. Em seus livros vemos presentes elementos diversos como fazendas de cacau, terreiros de candomblé, mistura sincrética e livre de crenças religiosas, a pobreza nas ruas de Salvador, a miscigenação, o racismo velado da sociedade brasileira. Destacando a herança africana e a mistura que compõe a sociedade brasileira, Amado vai retratando em sua obra uma identidade extremamente positiva de seu povo.
Seus heróis e heroínas são homens e mulheres da rua, improváveis protagonistas de um país que ele amava e no qual acreditava com otimismo e esperança. É assim que dançam aos olhos do leitor nas páginas amadianas o negro, a prostituta, o faxineiro, os meninos de rua, bem como mulheres as mais diversas.
Em um país onde ainda se lê pouco, que não tem grande tradição de leitura, apesar de contar com grandes escritores, Amado escreveu coloquialmente, popularmente, de maneira gostosa e carinhosa como a Bahia em tarde de sol. Seu universo, vivo e colorido, cheio de personagens atravessados de surpreendentes vitalidade e alegria, não cessa de povoar há várias décadas o coração, a mente e a imaginação de leitores não só daqui, mas de diversos outros países e latitudes.
Por isso, no seu centenário, dizemos: Salve Jorge! Continua a ser nosso embaixador pelo mundo afora e desperta nos deserdados do progresso sempre mais o gosto pela leitura.

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