Um escritor francês de quem muito gosto, Gilbert
Cesbron, dizia que o único critério de verificação para alguém saber se é
realmente ou não um escritor é perguntar-se se pode viver sem escrever. Fiz a
mim mesma esta pergunta algumas, várias, muitas vezes. E a resposta foi sempre a
mesma. Não, não consigo viver sem a página em branco – agora tela em branco -
que me convoca e a pena na mão que treme, hoje substituída pelos dedos no
teclado... que também tremem.
Por que o tremor? Por causa do temor...
íntimo, profundo e quase santo da responsabilidade que é criar um texto, formar
palavras, agrupar letras, encadear sílabas que outros lerão. E quando o leitor
ou leitora é apenas o eu que treme não é menor o temor, nem menos avultada a
responsabilidade.
Pois escrever é fixar, é guardar, é inscrever no tempo e
no espaço da folha ou da tela algo que, mesmo desconhecido para a maioria,
passará a fazer parte da história da humanidade como síntese única e experiência
irrepetível. E porque sabiam disso, os grandes mestres espirituais da história
sempre disseram a seus discípulos que escrevessem.
Pois ao lado da escolha por escrever para
dar sentido à vida está presente igualmente a pulsão pela escrita de si para
salvar-se da morte. Quem escreve um diário busca, além de entender-se e ao mundo
que o rodeia, colocar-se protegido do caos e do tempo que passa, inexorável. E
assim, como afirma Maurice Blanchot, salvar o vivido no escrito e salvar a vida
mediante a escrita.
Em todo caso, exercício ascético, literário ou
filosófico, o fato é que escrever-se é uma prática recorrente e viva por parte
da humanidade. Testemunhas disso são os preciosos diários e livros confessionais
e de memórias que brotaram da experiência e da pena de tantos gênios e santos
(como Inácio de Loyola, Etty Hillesum, Pedro Nava, Walter Benjamin e
inúmeros outros e outras).
Michel Foucault, em seu memorável texto “A escrita
de si”, reflete sobre a escrita dos movimentos interiores como exercício
ascético. Escrever os próprios desejos, pensamentos, impulsos, é aprender a
conhecê-los e, consequentemente, poder dominá-los e exercer controle sobre eles.
Assim também escrever tentações, pensamentos destrutivos, arranca o desejo do
anonimato em que se encontra, escondido ao fundo da liberdade humana, e o expõe
no código da escrita.
Refletindo sobre o citado por Foucault - exalta as virtudes da escrita como disciplina excelente que
descobre os maus pensamentos, tentações e pecados ao próprio indivíduo e exerce
papel semelhante ao da comunidade que corrige fraternamente o homem religioso
que busca a perfeição. “Aquilo que os outros são para o asceta numa comunidade,
sê-lo-á o caderno de notas para o solitário”
No fundo, toda essa reflexão
vai demonstrando que por mais objetiva que seja a escrita e por maior
neutralidade que pretenda o escritor, escreve-se sempre para si mesmo e a partir
de si mesmo. Não escreve quem não passou pelo crivo da experiência a narrativa
que constrói, os personagens que cria, as situações que inventa. E tampouco as
definições, argumentações e teses que rigorosamente encadeiam no texto
acadêmico, dirigindo-se à razão alheia, mas não deixando de tocar nos elementos
vitais sem os quais essa razão não merece o nome de humana.
Em um tempo em
que a narrativa – como experiência, como exercício, como prática lúdica ou
docente – parece estar em crise ou mesmo desaparecendo, a escrita de si adquire
o cunho de resistência, resiliência, de quem não desiste de permanecer na
contramão do tempo cronológico.
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