quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

OS DOIS TEMPOS “Rubem Alves”

Jornal é como remédio e mercadoria de supermercado: tem prazo de validade. Para saber a validade é só verificar a data. A validade de jornal é a mais curta que há: um dia, hoje. No dia seguinte, ele continua com a aparência de jornal, mas com a mudança da data, ele muda também: vira papel velho.

Por isso, jornalista tem de estar sempre informado do que está acontecendo. Jornalista que noticia notícia velha, já acontecida, acaba por perder o emprego (esse é o meu dilema: quero noticiar de novo notícia já noticiada...).

Mas há um outro tipo de escritura que não tem prazo de validade. Nenhuma data informa a sua idade porque a sua idade não importa: ela nunca fica velha. Quem entende isso são os poetas e os místicos. Poesia não tem data, está sempre jovem, não envelhece com a passagem do tempo – porque ela nasce de um outro tempo. O místico Ângelus Silésius explicou assim: "Temos dois olhos. Com um, vemos as coisas eternas, que permanecem. Com o outro, as coisas efêmeras, que desaparecem." Então, há dois tempos: um tempo das coisas que não passam e, portanto, não têm prazo de validade, e um tempo das coisas que valem só por um dia e logo desaparecem...

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