terça-feira, 19 de janeiro de 2016

DA EMBRIAGUEZ À SOBRIEDADE.

Agora que estamos em meados de janeiro, tomo a liberdade para dizer publicamente que faço parte daquele grupo de pessoas bizarras que não gostam das festas de Natal e Ano Novo. Mesmo que em reduzido número, sei que há outros que, como eu, tem alergia a “papais noéis”, árvores de Natal, músicas melosas tipo “Jingle Bells”, “So this is Christmas” e suas versões nacionais, presentes de Natal e, horror dos horrores, os fogos de artifício que começam a espocar no dia 23 de dezembro e só cessam sua algazarra infernal que tira o sono dos humanos, dos pássaros e dos cães depois do dia três ou quatro de janeiro.

Quero deixar claro que meu desprazer com as festas de Natal e Ano Novo não se fundamenta num desgosto de estar em companhia de pessoas alegres, de comer em família ou com amigos, de festejar ao som da música, do estouro e das borbulhas de espumante. Gosto de tudo isso! Gosto também da Missa do Galo, da celebração de Ação de Graças no último dia do ano ou do Dia da Paz no primeiro do ano e de todo o ciclo de Natal que se estende até a Festa da Epifania ou dos Reis no dia seis de dezembro.

Minha razão para sentir-me desconfortável entre 23 de dezembro e seis de janeiro é que a festa cristã que celebra a presença de Deus na condição humana, no meio de nós, nascido num casebre na beira da estrada que conduz de Nazaré a Belém, foi sequestrada e substituída pela adoração ao Deus-mercado. Se prestarmos atenção às propagandas que invadem a internet, a televisão, o rádio, os jornais, os outdoors e qualquer outro meio de comunicação, veremos que nelas o lugar mais importante não é o presépio de Belém e muito menos as igrejas onde se celebra a fé cristã. No mundo da religião do consumo, o lugar mais importante são os shopping centers. Neles está o trono do Papai Noel que, do alto da sua divindade atemporal, nos intima a comprar, comprar, comprar... para, supostamente, através dos objetos adquiridos, levar felicidade às pessoas queridas. Do Deus-pai que se compadece da humanidade sofredora e envia seu Filho com a mensagem de paz, justiça e esperança, nada mais se fala. Até porque estas três realidades – paz, justiça e esperança – não podem ser compradas nem vendidas. Elas só se fazem presentes quando somos capazes de construir novas relações que não passam pelo comércio, mas pela gratuidade e doação.

No último Natal e final de ano, como em anos anteriores, passei o Natal em um lugar sem muitos barulhos das comemorações natalinas para tentar viver este momento do ano na reflexão e retomada da vida. Mas neste ano tive uma alegria especial. E foi na noite de Natal. Na Missa do Galo, o Papa Francisco, em mais uma de suas falas que mesclam a simplicidade e a profundidade, veio confirmar minha intuição. Na sua homilia, ao falar do Deus-menino que se faz presente no meio de nós, ele disse, literalmente que, “numa sociedade frequentemente embriagada de consumo e prazer, de abundância e luxo, de aparência e narcisismo, Ele (o Deus-menino) chama-nos a um comportamento sóbrio”. Sobriedade que significa, acima de tudo, adquirir apenas o que é necessário e não fazer da capacidade ou incapacidade de comprar a razão para viver ou deixar de viver. Se não formos capazes de dar este passo, continuaremos na embriaguez do Deus-mercado que nos levará à cirrose existencial e à morte espiritual.

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