domingo, 31 de janeiro de 2016

COMO É GOSTOSO O INVERNO NA PRAIA

Gosto da praia. Não só no verão. Gosto da praia o ano inteiro. Em todas as estações. Aqueles que frequentam a praia apenas no verão talvez não entendam. Mas eu, que sou frequentador da praia o ano interno, confesso-lhes que no inverno a praia tem um sabor especial que a maioria das pessoas desconhece. É o sabor da solidão.

Quando a agitação do trabalho e do encontro cotidiano com tantas e tantas pessoas começam a pesar nos braços, na mente e no coração, a praia no inverno é o lugar ideal para deixar de sentir saudades de si mesmo, olhar para dentro e ver por onde andam as forças, as razões e, sobretudo, e emoções. As areias desertas pelos humanos - salvo os raros pescadores que insistem em buscar nas águas as tainhas e corvinas - e esporadicamente visitadas pelos extraviados pinguins e lobos marinhos, são um lençol onde podemos descansar os pesos e os pesares que nos acompanham no dia a dia da atribulada urbe.

Claro que o inverno na praia é frio, ainda mais quando o vento gélido descamba dos Aparados da Serra e sopra em direção às ondas como querendo empurrá-las de volta para o meio do Atlântico. Mas quanto mais frio o ar, maior o aconchego da casa, mais quente o calor da chama a crepitar na lareira, mais saliente o sabor do cabernet, do tannat, do merlot, do chiraz que acompanham o pinhão, o amendoim e a batata assados à beira do fogo. E claro, o calor maior vem da conversa solta e desinteressada dos amigos e amigas sobre futebol, política, música, viagens, comidas, flores, cachorros, cavalos, gatos... Falar de tudo, menos de trabalho, compromissos, obrigações.

Mas o inverno na praia também tem seus “veranicos”: aqueles dias de sol, sem vento, calmos, de sol brilhante, céu azul, transparente, horizonte apenas delimitado pelo encontro entre as águas do oceano e as nuvens do céu... Maravilhosos! Caminhar displicentemente pela areia brincando de escapar das ondas que insistem em subir cada vez mais e mais em direção aos escombros é algo que remete às brincadeiras da infância. Passar horas e horas fazendo a mesma coisa sem que ela perca a graça porque o prazer está em não ter outra preocupação a não ser fazer o que se está fazendo.

E não se pode esquecer os pássaros que habitam a praia no inverno. Desde o amanhecer aleteiam pelos ares, alguns em voos retilíneos, outros em círculos, outros em volteios que confundem todas as formas geométricas. Mais cedo ou mais tarde, a maioria acaba por pousar na areia. Alguns solitários. Outros aconchegados em bandos. Alguns apenas para espichar as pernas e estender as asas. Quase todos para a grande e farta mesa. Na areia ou nas águas está para eles o leve “café da manhã” ou a comida substanciosa da tarde. Há as marrecas - a piadeira e a do-pé-vermelho - os biguás, as garças – a vaqueira, a moura, a branca-grande, a maria-faceira, a branca-pequena -, o maçarico-de-cara-pelada, os biguás, as batuíras – a batuiraçu, a da-axila-preta, as de-bando, as de-olheira, as de-peito-de-tijolo -, os maçaricos – os de-perna-amarela, os vira-pedra, os de-papo-amarelo, o branco, o miúdo, o de-sobre-branco -, a gaivota e o gaivotão, os trinta-reis de variados tamanhos, as andorinhas-da-praia, a coruja-buraqueira, o carcará e o chimango e, de vez em quando, para não serem esquecidos, os enormes albatrozes e o quero-quero para dar o seu recado campeiro.

Ah! Como é gostoso o inverno na praia. Mais gostoso é quando lembramos dele no verão, sob a sombra do guarda-sol, besuntados de protetor, tomando um gostoso chimarrão, vendo o multidão desfilar pela areia sob o tórrido sol de fevereiro.

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