quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A VÓZ DA CONSCIÊNCIA NINGUÉM CONSEGUE CALAR.

O corrupto ama a escuridão e abomina a luz. Ele sabe o quanto é condenável o que pratica. É nesse ponto que se anuncia a consciência. Fizeram-se inumeráveis interpretações do fato da consciência. Tentaram derivá-la da sociedade, dos superegos das tradições e das religiões, do ressentimento face aos fortes e outros. Os manuais de ética referem infindáveis discussões sobre a origem, a natureza e o estatuto da consciência. Entretanto, por mais que tentemos derivá-la de outras realidades, ela se mantém como instância irredutível e última.
Ela possui a natureza de uma voz interior que não consegue ser calada. Exemplifiquemos: em 310, o imperador romano Maximiano mandou dizimar uma unidade de soldados cristãos porque, depois de uma batalha, se negaram a degolar inocentes. Antes de serem executados, deixaram uma carta ao imperador: “Somos teus soldados e temos as armas em nossas mãos. Entretanto, preferimos morrer a matar inocentes a ter que conviver com a voz da consciência nos acusando” (Passio Agaunensium). A 3 de fevereiro de 1944 escreve outro soldado alemão e cristão a seus pais: “Fui condenado à morte porque me neguei a fuzilar prisioneiros russos indefesos. Prefiro morrer a levar pela vida afora a consciência carregada com o sangue de inocentes. Foi a senhora, minha mãe, que me ensinou a seguir sempre primeiro a voz da consciência e somente depois as ordens dos homens (Letzte Briefe zum Tode Veruteilter).
Que poder possui essa voz interior a ponto de vencer o medo natural de morrer e aceitar ser morto? Ela admoesta, julga, premia e castiga. Com razão Sócrates e Sêneca testemunhavam que a consciência “é Deus dentro de ti, junto de ti e contigo”. Kant, o grande mestre do pensamento ético, dizia que “a consciência é um tribunal interno diante do qual pensamentos e atos são julgados inapelavelmente”. Foi esse filósofo que introduziu claramente a distinção entre preço e dignidade. Aquilo que tem preço pode ser substituído por algo equivalente. Entretanto há uma instância em nós que está acima de todo preço e que, 
por isso, não admite nada que a substitua: essa é a “dignidade humana”, fundada na consciência de que “o ser humano é um fim em si mesmo e que não pode jamais servir de meio para qualquer outra coisa”.
O mau e o corrupto se escondem sem que ninguém os procure e fogem sem que ninguém os persiga. Donde lhe vem esse medo e pavor? Quem é esse que vê os dinheiros escondidos e para os quais não existem cofres secretos nem senhas para abri-los? Para ela não há segredos em quatro paredes palacianas ou em obscuro quarto de hotel. O corrupto sabe e sente que a consciência é maior que ele mesmo. Não possui poder sobre ela. Não a criou. Nem pode destruí-la. Ele pode desobedecer ao seus imperativos. Negá-la. Violentá-la. Mas o que ele não pode é silenciá-la.
Por que aventamos esse clamor íntimo? Porque estamos interessados em conhecer os tormentos que a má consciência inflige ao coração e à mente daquele corrupto que desviou dinheiro público, que se apropriou 
das poupanças dos trabalhadores e dos idosos e que, desmascarado, teve que inventar mentiras e mais mentiras para esconder o seu malfeito. Mas não há nada escondido que um dia não seja revelado.
Mesmo que saia absolvido em um tribunal, porque contratou advogados hábeis em fazer narrativas tão lógicas que encobriram seu crime e convenceram os magistrados, ele não consegue escapar do tribunal interior que o condena. Uma voz o persegue para onde for, acusando-o de indigno diante de si mesmo, incapaz de olhar com olhos límpidos para sua esposa e filhos e conversar com coração aberto com seus amigos. Uma sombra o acompanha e lhe rouba a irradiação que nasce da bondade originária de uma consciência serena e feliz. A vida o amaldiçoa porque traiu a verdade, violou sua própria dignidade e se fez desprezível diante de sua própria consciência.

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