segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A VÍTIMA É QUE JULGA.

Os filósofos têm a mania de distinguir o que o senso comum, geralmente, mistura e trata como se fosse a mesma coisa. Juízos éticos e juízos estéticos e eróticos são parte dessa confusão. Desculpe aí, viver não é preciso, mas distinguir é preciso.

Não raro se ouve dizer que cada um tem seu ponto de vista, cada um tem opinião e preferências pessoais, cada um tem seu conceito de bom, cada um tem seu juízo sobre o que deve e o que não deve fazer e que tudo é relativo.

Não está de todo errado. Mas sutilmente se introduz, nessa forma de dizer, a indistinção entre coisas diferentes.

Não há dúvida que cada um tem seu ponto de vista sobre o que acha belo ou feio, bom ou mau, agradável e desagradável do ponto de vista estético e erótico.

Uma obra de arte nos divide em opiniões e todas são legítimas. Há quem não goste de música sertaneja, e há quem goste. Eu mesmo não gosto... Há os que gostam de esculturas, outros nem sequer param frente a uma. Há quem goste de homens magros, mas há quem goste de homens fortes e gordos. Uns gostam de pessoas de outro sexo, mas há quem goste e ame pessoas do mesmo sexo.

Há quem gosta de banana, mas não gosta de abacaxi e o que gosta de chocolate não é tolerante ao suco de uva, preferindo vinho ou cerveja. A lista é infinda e cada uma das preferências tem sua legitimidade e não há por que querermos universalidade. A imposição de um dever comum nesse campo da ação humana só pode ser fruto de uma violência, injustificada, portanto. Viva a diferença na ordem estética e erótica!

Mas, e os valores morais? E os juízos morais do certo e errado, do bom e do mau, do belo e feio, também são subjetivos e particulares como os do campo estético e erótico?

Os juízos e valores estéticos e eróticos são subjetivos e relativos ao sujeito da ação e não são recrimináveis porque, via de regra, o seu bem-estar, prazer, opinião, preferência e realização de felicidade em nada diminui ou interfere negativamente na vida do outro. Se eu gostar de Pedro ou de Maria, em nada isso vai diminuir e prejudicar a vida de Paulo e Joana. Se eu gostar de maçã e não gostar de chocolate, em nada isso interfere e causa sofrimento a vida de outros. Nesse caso, e tantos outros, o meu bem não implica no mal do outro.

E aqui entram os valores e juízos éticos. A ética entra quando a minha ação beneficia ou prejudica o outro. A ética é a inclusão do outro. A ética me dá sinal verde ou vermelho, permite-me ou me impõe interditos, porque meu bem-estar, prazer, gosto e desejo necessita ser confrontado com o mal que eu possa eventualmente causar a outro. Nesse campo, nem tudo é relativo.

E eu posso sim julgar o outro por uma ação que considero recriminável e ele haverá de aceitar esse meu juízo. No âmbito da ética o peso está no outro e, sobretudo, na vítima. É a vítima quem julga e não o vitimador. Eu posso gostar e desejar Maria, mas se ela já estiver comprometida com outra pessoa e ela amar e gostar dessa outra e não de mim, devo agir moralmente e limitar o meu gosto e desejo. Eu posso desejar escravizar e possuir o corpo da outra pessoa, mas não devo e devo me impor o limite de não avançar sem a permissão do outro.

Onde os gostos e desejos causam vítimas, então a ética deveria ser nossa referência de ação. O prazer, o gosto e o desejo necessitam ter em conta se há vítimas. Se há vítimas, então eu devo parar. Se eu não parar, devo pelo menos saber que estou fazendo o que não deveria fazer. Quem me julga é a vítima. Eu gosto de comer um churrasco, eu gosto de comer um doce de leite, eu gosto de comer um hambúrguer, eu gosto e desejo comer carne, vestir couro e visitar zoológicos, mas e os animais será que gostam de sofrer e morrer por minha causa?

Se há vítima, então quem deveria falar mais alto são os valores éticos e não os valores estéticos ou eróticos. Podemos continuar matando e vitimando, pois somos os mais fortes. Os fortes vencem a história, mas a vítima a julga!

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