segunda-feira, 12 de novembro de 2012

CONTINUAR CHAMANDO CARMINHA DE MALVADA É TER ENTENDIMENTO E SENSIBILIDADE DISTORCIDA.

Acabou Avenida Brasil. O país parou para ver o último capítulo e saber quem matou Max e qual seria o destino final de Carminha. Ao chegar ao fim quero trazer aqui minha leitura, uma a mais na enxurrada de comentários já feitos sobre a grande obra de João Emanuel Carneiro.
Jamais me convenceu a interpretação de que Carminha era a vilã e Nina a mocinha da trama. Vejo minha intuição confirmadíssima. Carminha vilã? Quem somos nós para apontar o dedo na direção de uma mulher que ainda em tenra idade viu com seus olhinhos virgens de maldade o pai matando friamente a mãe com um tiro no peito? E que depois foi atirada por esse pai no lixão como quem se livra de um traste, de um escolho indesejável?
Onde estamos com a cabeça – e com o coração? - ao condenar Carminha, essa mulher não medíocre, essa sobrevivente do próprio pai bandido, que um dia fugiu do lixão em busca de uma vida mais digna? E teve que viver na rua, mendigar até ser recolhida por uma cafetina que a empregou como prostituta na Vila Mimosa? Alguém se atreve a fazer a radiografia desse coração de menina e mulher para ver o tamanho das chagas que o feriram de morte para sempre e lhe deram a garra sobre-humana para superar qualquer obstáculo a fim de manter-se viva e com a cabeça fora da lama?
Todos esses horrores a levaram a uma trajetória impiedosa para alcançar seus objetivos. E esses se resumiam em sair da pobreza asquerosa onde a haviam jogado a irresponsabilidade e a crueldade paternas e encontrar um lugar ao sol. É verdade que ela procedeu sem dó nem piedade com Nina e muitos outros.
Enquanto isso, qual o itinerário de Nina? Sofrido também, com a perda da mãe, a entrada de uma madrasta odiada em sua casa e a perda do pai e a ida para o lixão levada por Max, sob a orientação de Carminha. É compreensível a raiva que a menina sentiu. Porém Nina – aliás, Rita – tem amor a recordar. Pode lembrar-se do amor da mãe, do desvelo do pai, do carinho de ambos que lhe foram subtraídos pela morte e não a abandonaram a um destino implacável. Nina ficou pouco tempo no lixão, sendo logo adotada por um rico e carinhoso argentino, que a criou entre os montes e vinhedos de Mendoza. Ali ela pôde participar da colheita da uva, e pisoteá-la com seus pés, juntamente com as irmãs e os amigos. Ali ela descobriu sua vocação de “chef” e aprendeu a fazer iguarias. Ali recebeu uma herança que lhe permitiu voltar ao Brasil e viver com conforto, para poder trabalhar por diletantismo, enquanto preparava a vingança que desfechou sobre Carminha.
Nina está longe de ser uma pessoa ética. Fica à vontade com Max e com os garotos de programa da cafetina Neide. Trama e faz alianças com Deus e o diabo para levar adiante seus planos. Envolve Nilo e outros pobres diabos do lixão em sua trama. Cheia de ódio, centra a vida na vingança que quer perpetrar. E nem o amor de e por Jorginho consegue afastá-la daquilo que se tornou o centro de sua vida: acabar com Carminha.
Quem condenará Carminha, quem lhe atirará a primeira pedra? O devasso Leleco ou a neo-burguesa deslumbrada Muricy? O egoísta Tufão, que durante doze anos prestou tão pouca atenção à mulher com quem se casara que sequer percebeu que ela o traía debaixo de seu teto? E que atropelou o pobre Genésio e omitiu socorro para não atrapalhar sua vida de super craque?
Quem, no lugar de Carminha, seria capaz de ter a nobre atitude final do último capítulo? Quem abriria mão do último golpe em nome da vida dos outros, inclusive da pior inimiga? Continuar chamando Carminha de malvada é ter o próprio entendimento e sensibilidade distorcidos. Entre Carminha e Nina existe uma coisa que é clara. A vilã não é Carminha.

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