Os dias
mais cinzentos são propícios para intensificar algumas lembranças.
Voltar no tempo, sem precisar de deslocamento, é uma das facilidades da
mente humana. Quando vejo solitários chaminés conduzindo fumaça aos
céus, recordo que, ao lado do fogão, normalmente está a caixa de lenha.
Na infância, havia até disputa por um lugar. Todos queriam sentar. Se
alguém levantasse, certamente perdia o aquecido espaço. O problema se
agravava quando a família era numerosa. Aquecer-se ao lado do fogão era
como acertar na loteria. O inverno deixava de ser rigoroso, tendo um
fogão à lenha.
Os anos passam, ser adulto deixa de ser uma
escolha, é quase uma obrigação. Carregar a infância nas entranhas do ser
é uma opção serena. Tudo, porém, reporta aos primeiros anos de vida.
Alguns registros do inverno não envelhecem. A caixa da lenha não era
confortável, mas proporcionava aconchego. O vento assoviava, a chuva
fina era gelada, os dias pareciam mais curtos, a claridade se despedia
mais cedo. A convivência familiar se estendia até os vizinhos mais
próximos. Os meios não eram globalizados. O conhecimento tinha as
confrontações e o alcance do olhar. A impressão que se tinha é de que
não havia mundo para além das montanhas que circundavam a própria
localidade.
A caixa da lenha continua ao lado do fogão, que nem
sempre recebe seu hóspede predileto, o ardente fogo. Ela provoca
lembranças e evoca presenças. As pessoas não passam. Simplesmente
permanecem de um outro jeito. Continuam presentes, a tonalidade da voz
jamais será esquecida, os gestos são evidentes, as palavras ressoam.
Como é interessante a vida quando os laços, mesmo com poucos abraços, se
eternizam. Um sentir profundo ocupa espaço na memória e na alma. A
infância pode até ter sido exigente, mas os ganhos foram contabilizados
racional e emocionalmente.
Os modelos de fogão a lenha são mais
sofisticados. Alguns até nem necessitam de gravetos de madeira para
iniciar o fogo, outros dispensam a própria lenha. Talvez o fogão já não
ocupe um lugar central na cozinha. A caixa da lenha, no entanto, vai
permanecer no mesmo lugar. As lembranças eliminam distâncias, percorrem o
tempo, povoam a memória, aceleram o coração. Gosto de dias que inspiram
interiorização. O ontem não se resume na caixa da lenha. A caneca
surrada junto à água límpida que vinha do morro, o forno de barro, a
sombra do cinamomo. Faz um bem enorme visitar o ontem, sem se afastar do
hoje. A Liane que o diga!
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