quarta-feira, 22 de junho de 2016

A CAIXA DA LENHA

Os dias mais cinzentos são propícios para intensificar algumas lembranças. Voltar no tempo, sem precisar de deslocamento, é uma das facilidades da mente humana. Quando vejo solitários chaminés conduzindo fumaça aos céus, recordo que, ao lado do fogão, normalmente está a caixa de lenha. Na infância, havia até disputa por um lugar. Todos queriam sentar. Se alguém levantasse, certamente perdia o aquecido espaço. O problema se agravava quando a família era numerosa. Aquecer-se ao lado do fogão era como acertar na loteria. O inverno deixava de ser rigoroso, tendo um fogão à lenha.

Os anos passam, ser adulto deixa de ser uma escolha, é quase uma obrigação. Carregar a infância nas entranhas do ser é uma opção serena. Tudo, porém, reporta aos primeiros anos de vida. Alguns registros do inverno não envelhecem. A caixa da lenha não era confortável, mas proporcionava aconchego. O vento assoviava, a chuva fina era gelada, os dias pareciam mais curtos, a claridade se despedia mais cedo. A convivência familiar se estendia até os vizinhos mais próximos. Os meios não eram globalizados. O conhecimento tinha as confrontações e o alcance do olhar. A impressão que se tinha é de que não havia mundo para além das montanhas que circundavam a própria localidade.

A caixa da lenha continua ao lado do fogão, que nem sempre recebe seu hóspede predileto, o ardente fogo. Ela provoca lembranças e evoca presenças. As pessoas não passam. Simplesmente permanecem de um outro jeito. Continuam presentes, a tonalidade da voz jamais será esquecida, os gestos são evidentes, as palavras ressoam. Como é interessante a vida quando os laços, mesmo com poucos abraços, se eternizam. Um sentir profundo ocupa espaço na memória e na alma. A infância pode até ter sido exigente, mas os ganhos foram contabilizados racional e emocionalmente.

Os modelos de fogão a lenha são mais sofisticados. Alguns até nem necessitam de gravetos de madeira para iniciar o fogo, outros dispensam a própria lenha. Talvez o fogão já não ocupe um lugar central na cozinha. A caixa da lenha, no entanto, vai permanecer no mesmo lugar. As lembranças eliminam distâncias, percorrem o tempo, povoam a memória, aceleram o coração. Gosto de dias que inspiram interiorização. O ontem não se resume na caixa da lenha. A caneca surrada junto à água límpida que vinha do morro, o forno de barro, a sombra do cinamomo. Faz um bem enorme visitar o ontem, sem se afastar do hoje. A Liane que o diga!

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