terça-feira, 26 de abril de 2011

EM O "REINO DA GLÓRIA",AGAMBEN ANALISA LITURGIAS DO PODER

As investigações de O reino e a glória remetem a uma ciência dedicada à história dos aspectos cerimoniais do poder e do direito, uma espécie de arqueologia política da liturgia e do protocolo, que poderia ser chamada provisoriamente de "arqueologia da glória". Tais estudos situam-se no rastro das pesquisas de Michael Foucault sobre a genealogia da governabilidade e alcançam os primeiros séculos da teologia cristã, em que a doutrina trinitária serve como forma mais clara de revelar o funcionamento e a articulação da máquina governamental. Por meio de uma fascinante análise das aclamações litúrgicas e dos símbolos cerimoniais do poder, do trono à coroa, da púrpura ao feixe de varas carregado pelos litores (que se tornou símbolo do fascismo), Agamben constrói uma genealogia inédita que mostra como elementos considerados resíduos do passado continuam constituindo a base do poder ocidental.Trecho do livro



Contudo, mais do que registrar tais correspondências, interessa-nos compreender sua função. De que maneira a liturgia "faz" o poder? E se a máquina governamental é dupla (Reino e Governo), que função a glória desempenha nela? Para os sociólogos e os antropólogos sempre é possível recorrer à magia, à esfera que, confinando com a racionalidade e precedendo-a imediatamente, permite explicar, em última análise, como um resquício mágico aquilo que não conseguimos compreender a respeito da sociedade em que vivemos.
Não acreditamos em um poder mágico das aclamações e da liturgia e estamos convencidos de que nem mesmo os teólogos e os imperadores tenham alguma vez acreditado nisso. Se a glória é tão importante na teologia, é porque permite manter juntas, na máquina governamental, trindade imanente e trindade econômica, o ser de Deus e sua práxis, o Reino e o Governo. Ao definir o Reino e a essência, ela determina também o sentido da economia e do Governo. Permite, portanto, soldar a fratura entre teologia e economia da qual a doutrina trinitária nunca conseguiu dar cabo completamente e que só na figura deslumbrante da glória parece encontrar uma possível conciliação.

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