sábado, 14 de maio de 2016

UMA IMAGEM SINGELA E PURA

Homenageando a Fifi, Belinha, o Bono e o Jymmi, uma foto singela, sem recursos técnicos, feita no improviso do providente celular, captando uma cena de quatro cachorrinhos devidamente alinhados e postados na soleira da porta de entrada de uma igreja e, pronto, empatia e curtição imediata e contagiante. A foto teve repercussão em dois jornais e de lá para as redes sociais em compartilhamentos incontáveis. Essa cena de “cachorrinhos rezadores” que mobilizou uma instintiva empatia de todos os que puderam ver, pode receber interpretações variadas, além da curtição visual. Eu arrisco uma interpretação em quatro pontos.

1-No limiar do céu e a terra, sagrado e profano: os cachorrinhos não estão nem dentro da igreja, nem fora, estão no limite entre o espaço sagrado e o profano. É como se a cena evocasse uma ligação entre o céu e a terra mediada pelos animais. Tradicionalmente temos dito que os humanos são de Deus e os animais são dos humanos. Na cena que a foto capta, não aparece o humano, a não ser como expectador. É como se os animais, representados pelos quatro, reivindicassem o direito de fazer parte da sacralidade e da intimidade com Deus, usurpada pelo homem que se acha feito a imagem e semelhança de Deus e põe tudo o mais ao seu dispor. Os animais na porta da igreja solicitam, inconscientemente, direito de cidadania moral e religiosa. Eles estão aí para nos dizer que respeitam os limites que nós humanos lhe impusemos, isto é, ficar do lado de fora da igreja mas, ao mesmo tempo, eles nos instigam a pensar de que, talvez, eles mereçam também fazer parte da assembleia dos eleitos. Eles postos, quase de joelhos, no limiar da porta da igreja, tem um poder simbólico que nos obriga a pensar, mesmo que o pensar nos faça doer.

2-Uma posição de reverência quase espiritual: A posição dos quatro cachorrinhos é emblemática. Nenhum dele está com os pés dentro da igreja. Todos com os pés fora, com o corpo projetado para dentro. Eles estão numa posição que alia uma escuta fiel e um respeito canino. Parece uma ensaiada posição de reverência. Solícitos, entregues, curiosos mas respeitosamente atentos e concentrados. Que maravilha!

3-Empatia para com os cachorros: O fato de serem cachorros faz com que a sensibilidade aflore. Nós amamos os cachorros. Eles são fofos. Sem eles seríamos mais pobres, menores, sem graça. A vida humana sem os cachorros seria um erro, parafraseando Nietzsche que dizia que “sem a música a vida seria um erro”. A questão que nos faz pensar aqui é o que não está na cena da foto. Todos os outros animais não estão ai. Só os cachorros estão. O fato de serem cachorros nos mobiliza e nos desperta empatia, e isso não é errado, pois eles são, como já dito, fofos e amáveis. Mas, e os ausentes? E os outros animais? Eles nos mobilizam da mesma forma? Claro, creio que se quatro vacas ou quatro porcos estivessem no lugar dos cachorros, uma foto que registrasse a cena, também repercutia pelo inédito, mas, será que a tal ponto de dizermos: que fofos! Que lindos! Que gracinhas!....

4-Um alívio para a vida dura do cotidiano: Talvez a empatia despertada pela foto captando a cena se dê devido ao fato de estarmos cansados de coisas brutas, duras, malandragens, noticiários e cenas de violência e desrespeito aos direitos humanos e aos direitos dos animais. Uma cena delicada de animais, inocentes como uma criança, singela, espontânea e sem maldade, nos arrebata por um excesso de stress e por um excesso de maldade que somos cotidianamente obrigados a suportar. Uma imagem singela e pura nos alivia a alma e nos traz novamente a esperança que, quem sabe, a vida continua valendo a pena!

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