quarta-feira, 4 de maio de 2016

CINISMO DE ONTEM E DE HOJE

Eu amo os cínicos gregos. Diógenes de Sínope, aquele da lanterna que saia em pleno dia a procura de um homem de verdade, um homem honesto, é meu preferido. Como nenhum outro filósofo da tradição ele desafiou os costumes, os valores dominantes, os consensos morais, as tradições e regras de comportamento que faz de um homem um homem pretensamente correto.

Ele era um abusado! Desprezava o intelectualismo de Platão, preferia a prática da virtude a o conhecimento do que é certo e o que é errado. E a vida virtuosa é para ele a vida natural, sem supérfluos e sem frescuras. Quem muito precisa, com nada se satisfaz e por isso ele vivia num barril para não ter nada que pudesse lamentar por ter perdido. Acreditava que a felicidade está no domínio de si e no controle interior que suporta as adversidades externas. E, sobretudo, na liberdade de espírito e de pensamento...

De Diógenes se preservou vários ditos e feitos memoráveis. Vou lembrar apenas alguns.

Quando, por exemplo, foi capturado para ser vendido como escravo e lhe perguntaram o que sabia fazer, Diógenes teria respondido: “Comandar os homens”, e deu ordens ao leiloeiro para chamá-lo, caso alguém quisesse comprar um senhor.

Um dia Diógenes estava tomando banho de sol e Alexandre, o Grande, chegou, pôs-se à sua frente e falou: “Pede-me o que quiseres!” Diógenes respondeu: “Sai da minha frente, deixe-me o meu sol”.

Perguntado por que as pessoas dão esmolas aos mendigos, mas não dão aos filósofos, Diógenes respondeu: “Por que pensam que podem tornar-se um dia aleijados ou cegos, porém filósofos nunca”.

Certa ocasião Alexandre, o grande, o encontrou e exclamou: ‘Sou Alexandre, o grande rei’ ao que Diógenes respondeu: ‘Sou Diógenes, o cão’.

Há uma série de ditos irônicos, sarcásticos, com sacadas pitorescas e presença de espírito prático que faz de Diógenes um filósofo sagaz e ao mesmo tempo desconcertante, instigador e, às vezes, arrogante.

Por exemplo, quando alguém lhe diz que era para repousar, pois estava velho, Diógenes responde: “Como? Se estivesse correndo num estádio eu deveria diminuir o ritmo ao me aproximar da chegada? Ao contrário, deveria aumentar a velocidade”. A um eunuco de mau caráter que escrevera na porta da sua casa ‘Não entre aqui nenhum mal’, Diógenes comentou: “E por onde entra o dono da casa?”. Vendo ratos subirem à sua mesa, o filósofo disse: “Vede! Até Diógenes sustenta parasitas”.

Platão definira o homem como um animal bípede, sem asas e recebeu aplausos por essa definição. Diógenes, que ironizava constantemente Platão, depenou um galo e o levou ao local das aulas, exclamando: “Eis o homem de Platão!”.

A alguém que lhe perguntou a que horas deveria almoçar a resposta de Diógenes foi: “Se fores rico, quando quiseres, se fores pobre, quando puderes’. Quando numa ocasião Diógenes viu um serviçal sendo arrastado pelos guardiões do templo, porque roubara uma taça pertencente ao tesouro sagrado, disse: “Os grandes ladrões arrastam o pequeno ladrão’. Quando viu um jovem que atirava pedras numa cruz Diógenes exclamou: “Muito bem! Atingirás o alvo’, querendo dizer com isso que se ele continuasse a apedrejar a cruz ele mesmo seria crucificado.

Certa feita Diógenes pediu esmola a uma estátua e a um transeunte que viu o feito e lhe perguntou a razão respondeu: “Para habituar-me pedir em vão”. E compelido pela pobreza a pedir uma esmola a alguém, acrescentou: “Se já deste a outro, dá-me também, se não, comece por mim”. Vendo uma mulher pendurada numa oliveira Diógenes exclamou: “Seria ótimo se todas as árvores produzissem frutas como essa”. Perguntaram-lhe o que havia feito para ser chamado de cão, e a resposta foi: “Balanço a cauda alegremente para quem me dá qualquer coisa, ladro para os que recusam e mordo os patifes”. A alguém que lhe perguntou se a morte era um mal, Diógenes respondeu: “Como poderia ser um mal se quando está presente não a percebemos”?

Que falta faz uma personalidade assim no nosso tempo! O que não faria e diria um Diógenes num tempo cínico como o nosso? Só que o nosso cinismo é outro. O cinismo atual é desprezo vil, sem causa, sem charme, sem inteligência, sem bom humor. Os cínicos atuais assaltam o poder, pisam no que há de mais sagrado, mas não em nome de alguma filosofia, mas em nome próprio, em nome do poder pelo poder, em nome do que há de mais baixo e vil. Diógenes, o cão, seria hoje um cínico crítico do cinismo dos homens do poder!

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